Prossegue sem grandes novidades o julgamento do mensalão. À luz dos
antecedentes, tampouco se podem considerar inusitados os comentários de
ministros para a imprensa a respeito do juízo, e até de sua posição acerca de
determinadas questões judiciais.
Além dos habituais boquirrotos, há
novos acréscimos nesta estranha propensão de desvelar o que deveria ser
considerado segredo de justiça. Um comentário desairoso sobre um ponto legal
não pode ser havido como contribuição acadêmica, eis que, de uma forma ou de
outra, viola solene compromisso do magistrado quanto à reserva sobre a
implicação de um ponto, que pode ou não ser determinante para a condenação ou a
absolvição. Não é, pois, cousa de somenos. Sem falar que mexe com algo muito delicado, i.e., a invalidação de uma prova ou de uma alegação da acusação.
O vedetismo não faz parte da atitude do bom juiz, e a fortiori no que concerne a questões pertinentes para encaminhar e até antecipar o possível teor da sentença.
Alguém por acaso terá visto ou ouvido algum justice da Suprema Corte estadunidense comentar com a imprensa aspectos legais de uma questão sub judice ? E é bom que os nove ministros americanos se pautem pela discrição. Porque se forem indiscretos, ou vazarem por terceiros tópicos sob apreciação da Corte, estão sujeitos ao impeachment e, eventualmente, à votação pelo Senado da respectiva destituição.
Revista de nomeada disse não faz muito do Brasil que é país de muitas leis que não são aplicadas. Como devemos avaliar tal assertiva: rematado insulto ou insidioso golpe ? Mas de que modo definiremos comportamento que adianta opiniões e até acena com a orientação do voto respectivo no que tange a tópicos sob discussão?
A exemplo da tirada famosa da testemunha, mais do que consternar, deve-se verberar o erro em tela e suas repetições. Como explicar tais indiscrições da forma mais benigna, senão pela pueril compulsão de aparecer nas páginas, e de surfar na pública atenção devotada ao evento ?
Por outro lado, pareceu-me muito penetrante e persuasivo o comentário de Fernando Rodrigues na Folha de ontem, sob o título ‘Derrapadas do MP’. Depois de aludir a um misto de falta de destreza, combinado com preguiça na condução de certas investigações – a inépcia da denúncia do MPF teria salvo na justiça a Fernando Collor – o colunista aponta lacunas na acusação presente: ‘não aparece ali uma compilação do conteúdo e do número de e-mails trocados por José Dirceu e por suas secretárias e assessores com personagens como Delúbio Soares e Marcos Valério.’Essa estatística falta da peça acusatória, porque ‘até onde se saiba nunca houve pedido de quebra de sigilo telemático’ (troca de mensagens pela internet).
A conclusão de Rodrigues é dura, talvez impiedosa, para o MPF basear-se ‘no caso de alguns réus só em depoimentos. No século XXI, há inúmeros recursos disponíveis para conduzir boas investigações. Mas exigem menos retórica e muito mais trabalho duro.’
Se antes Delúbio, por caixa dois já prescrito, ter-se-ía transformado em boi de piranha de mentirinha para os demais acusados da jornada – embora o advogado de Genoino não semelhou estar nos seus melhores dias, ontem para os réus do Banco Rural – José Roberto Salgado, Vinicius Samarane e Ayanna Tenório, executivos deste Banco –a responsabilização pelas operações de crédito ao PT e a Marcos Valério se concentrou no ex-Vice Presidente do Banco, José Augusto Dumont, por coincidência já falecido.
Por sua vez, Márcio Thomaz Bastos, defensor de Salgado, usou uma frase de efeito – ‘É um julgamento de bala de prata, feito de uma vez só’. Será injusta a carga da celebridade, como no caso do notável causídico, a exigir sempre mais do respectivo desempenho ?
Para Alberto Toron, advogado do deputado João Paulo Cunha (PT-SP), não foi ilegal o saque de R$ 50 mil feito por Márcia Regina Cunha, sua esposa. Será irrespondível o argumento de Toron que se o ato fosse ilegal, João Paulo não mandaria a própria mulher à agência do Banco Rural ? Na explicação de Toron, ‘era dinheiro disponibilizado pelo PT’.
Aparece, por fim, em página de O Globo foto do deputado João Paulo Cunha, sozinho no banco de uma comissão da Câmara. Será capciosa a legenda que diz : “Rotina mantida. O deputado João Paulo Cunha foi ao Congresso para tentar dar um ar de normalidade à sua agenda” ?
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