domingo, 5 de agosto de 2012

Colcha de Retalhos CXIX


A Acusação do Procurador-Geral


           Durante cinco horas, o Procurador-Geral Roberto Gurgel pronunciou a acusação formal contra José Dirceu e mais 35 réus do processo do mensalão. Pediu a prisão do ex-Chefe da Casa Civil e dos demais acusados. Em diapasão ainda mais alto do que as alegações finais apresentadas em fins de 2011, Gurgel reforçou as acusações, considerando o mensalão como o mais atrevido escândalo de corrupção da história nacional.
            Solicitou, outrossim, a perda dos cargos públicos e da aposentadoria dos acusados. No seu entender, os negócios escusos, comandados por José Dirceu, se tornam ainda mais graves porque aconteceram entre as paredes do Palácio do Planalto, sede da Presidência da República.
            Ao encarecer a prisão dos réus, expôs a motivação da acusação formal,  eis que, segundo foi apurado e secundado por provas testemunhais,  foram praticados empréstimos fictícios e distribuição de dinheiro, entre outras transações suspeitas que teriam sido conduzidas por Dirceu,pelo o ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares e o lobista Marcos Valério, além de outros.
            Denotando viva emoção, o Procurador-Geral aludiu aos ataques que sofreu desde que decidira endossar as denúncias contra o grupo de Dirceu, formulada por seu antecessor no cargo, o Procurador-Geral Antonio Fernando de Souza. A respeito, Gurgel asseverou que nunca vira tamanha pressão sobre o Ministério Público, mas que não arredaria pé de suas convicções.
           Após referir que completara em doze de julho último trinta anos de carreira no M.P.F., frisou ele que jamais enfrentara, e acredita ‘que nenhum procurador-geral anterior’ terá arrostado ‘nada sequer comparável à onda de ataques grosseiros e mentirosos, de caudalosas diatribes e verrinas, arreganhos de toda espécie, por variados meios, por notórios megarefes da honra que não possuem’.
          Apesar das dificuldades de se obter provas materiais contra José Dirceu pelo fato de as negociações terem sido feitas no Planalto. “Muitas situações se passavam entre quatro paredes, mas não entre quatro paredes comuns. Mas entre quatro paredes de um palácio presidencial.’
          E aduziu o procurador-geral: ‘Toda, absolutamente toda prova possível, transbordantemente suficiente para a condenação dos réus, foi produzida. Jamais um delírio foi tão solidamente, tão concretamente, tão materialmente documentado e provado.’
         Roberto Gurgel centrou a acusação em José Dirceu, que seria “o mentor e chefe do mensalão”. No seu entendimento, ‘foi Dirceu que idealizou o sistema ilícito de formação de base parlamentar de apoio ao governo mediante o pagamento de vantagens indevidas aos seus integrantes e comandou a ação dos demais acusados para a consecução desse objetivo.’
        Reconheceu Gurgel que o nome do ex-ministro não aparece nos documentos periciados pela Polícia Federal ao longo da investigação. Sem embargo, a seu juízo ‘se faltam provas documentais, sobram provas testemunhais. Os depoimentos dos ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), da ex-presidente do Banco Rural Kátia Rabello e do lobista Marcos Valério, entre outros, deixam claro que Dirceu não só sabia dos repasses, como comandava todas as ações da organização’.
       E aditou: ‘A prova em relação a José Dirceu é contundente. Jamais se pode exigir da prova em relação ao chefe da quadrilha o mesmo tipo de prova das pessoas em estágios inferiores que deixam rastros.’
      Procurando reforçar a própria acusação, diante da carência de prova documental, o Procurador-Geral, como prova da atuação da quadrilha,  citou pagamentos a parlamentares  em datas que coincidiam com votações importantes no Congresso, como reforma tributária e da Previdência. Nesse contexto, assinalou Gurgel: “O que interessa, e isso está provado nos autos, é que houve um acordo político associado a um acordo financeiro. Parlamentares dos partidos integrariam a base parlamentar do governo e receberiam em troca um determinado valor, que foi pago”.
     Em sua requisição dos 38 réus incriminados pelo processo o Procurador-Geral pediu a absolvição de dois acusados, Luiz Gushiken e Antônio Lamas, por falta de provas.
     No início da próxima semana, haverá as intervenções dos advogados dos  acusados, em defesa dos réus respectivos. Assinale-se que o considerável atraso causado pelo longo voto do juiz revisor, Ministro Ricardo Lewandowski, que provocou protestos do juiz relator, Joaquim Barbosa, que estranhou o fato de que o colega voltava a uma questão já dirimida negativamente pelo colegiado, o qual em três ocasiões denegara o desmembramento  da ação.
     Malgrado a cortina de fumaça ensejada pelo advogado Marcio Thomaz Bastos, ficou patente o que significaria o desmembramento do processo do mensalão. Além de ir ao arrepio de um extenso e aturado esforço do Supremo, seria um verdadeiro anticlimax para a sociedade civil, que espera seja feita justiça. Nesse sentido, quanto à necessidade de que no caso do mensalão o Supremo ouça a opinião pública,  manifestou o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso.


A Vez  da  Defesa


      Os próximos oito dias do julgamento serão reservados às intervenções dos advogados defensores dos réus. Segundo O Globo conta cerca de 150 causídicos, dentre os quais se acham alguns de grande nomeada, como o criminalista Márcio Thomaz Bastos, que representa o ex-vice presidente do Banco Rural; José Roberto Salgado; Luiz Francisco Corrêa Barbosa, advogado do ex-deputado e atual presidente do PTB, Roberto Jefferson; Marcelo Leonardo, defensor do lobista Marcos Valério; Luiz Fernando Pacheco (com sete outros advogados auxiliares), na defesa do ex-presidente do PT, José Genoíno; o escritório criminalista de Piero Paulo Botini defende o Professor Luizinho; o escritório de João Gomes defende Paulo Rocha; e Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, se encarrega da defesa do publicitário Duda Mendonça e sua sócia Zilmar Fernandes (com mais cinco advogados); a banca de Ávila de Bessa trata da defesa não só do deputado Valdemar Costa Neto (PR/SP) e do ex-deputado bispo (evangélico) Rodrigues (PR/RJ); e, por fim, nesse elenco indicativo sumário, Délio Lins e Silva, que defende Jacinto Lamas, ex-tesoureiro do então PL (hoje PR) e seu irmão Antonio Lamas, ex-assessor da liderança do PL na Câmara; e de Roberto Pagliuso, que tem como clientes o ex-ministro dos Transportes Anderson Adauto e seu ex-chefe de gabinete José Luiz Alves.
       Quanto aos honorários, apesar da natural discrição, eles oscilariam entre R$ 6 milhões a R$ 500 mil. Existem uns poucos que atuariam pro bono (de graça), na maior parte dos casos o dispêndio do réu deverá ser salgado. Marcelo Leonardo, que como já referido se encarrega do caso de Marcos Valério,dada a proeminência do lobista na questão e o alegado papel-chave exercido (o que faria entender as repetidas e veladas ameaças dirigidas pelo lobista ao Presidente Lula da Silva), pode-se compreender mais facilmente que Leonardo trabalhe com mais sete advogados na defesa desse notório réu do mensalão. A esse respeito, cito o trecho alusivo na reportagem de O Globo: “Lembrando (Marcelo Leonardo) que os bens de seu cliente estão bloqueados desde 2005, mas evitando falar quanto cobra, ele conta que viajou o Brasil inteiro, do Acre ao Paraná, para acompanhar o depoimento de testemunhas e buscar provas para isentar o réu mais encrencado (sic) na Ação Penal 470, o conhecido processo do mensalão.”
       Consoante é também inteligível, o corpo dos advogados  do mensalão trabalha afinado, com vistas a derrotar o Ministério Público. Ainda consoante Marcelo Leonardo, ‘nosso adversário comum chama-se Ministério Público Federal. Somos todos muito amigos (i.e., os causídicos nesta ação) e se tem um conflito entre a gente isso é munição para a acusação’.
      Como se depreende do noticiário  - e não há decerto surpresa nisso – os advogados pretendem desconstruir o trabalho da Procuradoria-Geral da República, apontando diferenças de conteúdo entre a denúncia do caso, feita em 2007, pelo então Procurador Antonio Fernando de Souza, e as alegações finais, expostas em 2011 por Roberto Gurgel.
      Na busca de contradições nas incriminações, deverão alegar, outrossim, que fatos da denúncia foram descartados ou até negados ao longo da apuração.
      Exemplo que crêem ilustrativo foram os depósitos para Duda Mendonça nas Bahamas, a princípio havidos pela denúncia como evasão de divisas, e já nas alegações finais o crime apontado seria o de lavagem de dinheiro.


Problemas militares para a liderança comunista chinesa

         Em uma ditadura burocrática como a da RPC, em que a relativa liberdade econômica do vigente capitalismo estatal tem de conviver com o controle político a cargo do Partido Comunista, teria forçosamente de resultar um ente híbrido, eis que o domínio do PCC não mais se baseia na prática na ideologia marxista, e sim em  estrutura fundada no princípio da precedência da hierarquia partidária sobre a sociedade e o estado chinês.        
         Com efeito, em função  das reformas introduzidas por Zhao Ziyang,na década de oitenta, então Primeiro Ministro e depois Secretário-Geral do PCC, e mais tarde, em junho de 1989, ao ensejo dos protestos estudantis, defenestrado por Deng Xiaoping, que apoiou o golpe de mão da facção conservadora de Li Peng -, constitui uma crise postergada a eventual conformação política da China. Desaparecido em fevereiro de 1997, a figura carismática de Deng – cuja presença mal ou bem costurava uma união de antinomias (liberdade na economia e ditadura na ordenação política) –
a China, através de seu crescimento tem logrado manter o controle do PCC, enquanto se mostra ao mundo com um país de economia aberta.
         Na verdade, o regime burocrático prevalente – e a próxima mudança de hierarquia política, a ser sancionada pelo Politburo – terá de enfrentar novos desafios nessa provável  nova liderança. É uma base cambaia, eis que o marxismo-leninismo vale apenas para fundamentar a onipresença do PCC no império do meio. Como Zhao havia referido, tal situação, sem o controle democrático, tenderia a fornecer o biombo para a prevalente corrupção, a cargos dos chefes e chefetes partidários distribuídos por todas as províncias da China.
         Em outras palavras, o rei está nú, porque a ninguém engana a verbosidade das diretivas destituídas de base ideológica específica. Como nos ensina Lord Acton o poder corrompe, e o poder total, de forma absoluta.
        Voltemos no entanto ao astuto Deng Xiaoping. A sua ascendência na China, depois de desembaraçado da gangue dos quatro se estenderia na prática até a sua morte em 1997. Dado o peso da idade, Deng foi gradualmente se devencilhando dos cargos políticos. É relevante notar que a única posição de relevo que manteve foi a da Chefia da Comissão Central Militar, o organismo do PCC criado para subordinar à liderança do partido a instituição armada.
         Não há explicitação mais contundente da importância do cargo – assegurar ao partido o controle do fuzil – que a determinação do ancião em permanecer à testa dessa Comissão. Dentro da ideologia comunista – e Deng foi sempre um conservador nesse sentido – cumpria manter a orientação do partido nas Forças Armadas Chinesas,  sob a óbvia medida cautelatória de evitar-se o surgimento nos executores da vis (violência) estatal quaisquer veleidades de substituir-se às estruturas do PCC.
         Malgrado continue a ser uma sociedade fechada – como o recente caso do ambicioso Bo Xilai, que queria ascender ao comitê central do Politburo, desvela manifestamente – o trabalho de jornalistas e de suas fontes logra por vezes penetrar no fechado recesso dos conciliábulos das instâncias do poder.
         Chegou ao conhecimento público  protesto veemente de um general com importante comando de tropa na presença dos dois principais líderes da Comissão Central Militar – o Presidente Hu Jintao e o vice-presidente. Reclamou em banquete do Ano Novo Lunar, quiçá incitado por ingestão alcoólica, contra o intento (descabido no seu entender) de barrar-lhe o caminho para ser um dos membros da dita Comissão.
         Dessarte,o enfurecido general Zhang Qinsheng tentou ridicularizar a direção dos civis, a tal ponto que o Presidente Hu teria abandonado o recinto.
        Essa manifestação – que sublinha a insatisfação de pelo menos uma parte do alto mando, mas também, o que é mais grave, dá a sensação de que os militares (ou parte deles) se acreditam em condições de tornar na prática o controle castrense – de que Deng Xiaoping nos deu oportuna lição quanto a sua relevância para a permanência da atual ordem política na China – e através da superação de o que a Comissão representa (i.e., o controle civil do fuzil) – avançar para uma outra situação, em que a voz dos militares aumentará, em termos de decisões que devem caber às instâncias governamentais do PCC.
       Nesse particular, se menciona a pressão de muitos generais e almirantes para que o Governo chinês tome posição mais agressiva nos mares do Sul. Aquele vasto espaço que se abre no meridião do gigante chinês, não serão os tufões e as ocasionais tsunamis que aparecem para perturbar a paz dessa imensa e densamente percorrida região marítima. Aí pairam  inúmeras disputas territoriais com implicações de soberania com diversos países do Sudeste asiático. As consequências de uma tentativa de maior presença – e consequentes visões discrepantes em torno de áreas territoriais marinhas, na ótica do Convenção do Mar – teria implicações graves. Não é por acaso que o Pentágono tem progressivamente atribuído crescente relevância à movimentação e a presença da bandeira estadunidense naquela vasta área marinha.


     
( Fontes:  O Globo, Veja, Folha de S. Paulo, International Herald Tribune)    

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