A República Helênica entrou na zona do Euro através de uma série de expedientes contábeis, mediante não só a condescendência das agências classificadoras de risco, mas também da mor parte dos parceiros europeus, quanto à verdadeira situação de sua dívida orçamentária, que a deixaria de fora do clube do euro se a nudez da respectiva economia fosse avaliada com a devida seriedade.
De uma certa forma, a Grécia é o filho pródigo, cuja volta, festejada pelo pai, desperta o compreensível ciúme dos demais filhos que, ao invés de cair na esbórnia, trabalharam duro na terra paterna, enquanto o outro se dedicava a gozar a vida.
Daí o problema enfrentado pela Chanceler Angela Merkel. Mais uma vez um Primeiro Ministro grego bate à sua porta encarecendo-lhe um tratamento especial. A questão se complica, no entanto, por um nó gordio, que não pode ser cortado com a ligeireza da espada de Alexandre.
Tais privilégios já foram pedidos – e concedidos – pelos antecessores de Antonis Samaras, a começar por Giorgos Papandreou. A motivação para a salvação da pequena economia helênica, cuja descomunal dívida pesa sempre como argumento supostamente irrespondível, está diretamente ligada ao interesse geral europeu, por alegadamente acionar um mecanismo infernal de descalabro, que justificaria o excepcionalismo da medicação.
Samaras bate à porta da Chanceler, porque não desconhece a condição da Alemanha como a prima inter pares da economia europeia. E Angela Merkel, com sua nórdica dureza, semelha simpatizar com a causa do Primeiro Ministro helênico.
Ela não ignora que a face do governo grego passou pelo exame das urnas. Samaras, um conservador independente, lograra convencer um eleitorado revoltado com a circunstância de pagar o pato pela irresponsabilidade de líderes tanto da direita e esquerda ditas moderadas, a negar ao Syriza de Tsipras a opção do calote.
Merkel sabe igualmente que não é a primeira vez que a Grécia pede facilidades e prazos mais extensos para o ajuste da respectiva economia.
Se Samaras é maneiroso e insistente, a Chanceler não ignora que o Bürger alemão encara com crescente má vontade a circunstância de que, pelo respeito à ortodoxia e à boa gestão, se descubra a Alemanha sempre na obrigação de contribuir mais para minorar as agruras do filho pródigo grego. Se a dívida é uma constante da economia europeia – e Berlim também carrega a sua, posto que ainda manejável – os parceiros com boas notas na economia (Finlândia, Aústria e Holanda) tampouco estão felizes em cotizar-se para arcar com sacrifícios impostos por países maiores como a Espanha e a Itália.
Angela Merkel enfrentará no ano próximo eleições gerais. Nos últimos comícios para os Laender, as regiões que formam a Alemanha, a CDU, o partido da Chanceler, colecionou derrotas. Muitas dessas se devem à insatisfação da opinião com a situação econômica. Por outro lado, o aliado fiel francês – Nicolas Sarkozy – foi tragado pelo último pleito, surgindo o rosto novo de François Hollande. Para eleger-se, ele prometeu muitas bondades ao eleitor gaulês. Por enquanto, o socialista tem pautado os seus primeiros meses no atendimento de tais vantagens.
O relacionamento, a princípio difícil, com a Chanceler tem contornado os escolhos e as dificuldades, e a diarquia anterior acena reaparecer, quando Hollande parece haver-se entendido com Angela Merkel na questão da dívida helênica, e de como encetar política consentânea com o desafio.
Merkel não ignora que as facilidades concedidas a Atenas terão de passar por Frankfurt – sede do Banco Central Europeu – e precipuamente por Berlim. As negociações com o Premier Antonis Samaras são realizadas pela Chanceler com a plena consciência de que o cidadão alemão, o mal-humorado Bürger, não vê com muita alegria que a Alemanha seja sempre chamada a dispender pela prodigalidade alheia.
Sem embargo, a alegria do pai pelo regresso do Filho pródigo, se onera em termos de festins, igualmente constitui aquele dispêndio desagradável mas inevitável, se se deseja preservar uma construção na qual o povo alemão – e o século XX está aí para explicá-lo – investiu talvez de forma mais do que proporcional do que outros Estados do Velho Continente.
Como o velho óleo de rícino, a poção é amarga, mas promete a desejada saúde. Será que a Merkel logrará convencer o próprio povo soberano que, em fim de contas, a opção não existe, e é melhor remendar a maquinaria do que abandoná-la.
( Fonte: International Herald Tribune )
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