O advogado de Roberto
Jefferson quebrou a monotonia de um julgamento que já entrou na sua terceira
semana, com os causídicos admitindo apenas os delitos prescritos (caixa dois),
ou inculpando aqueles que não mais frequentam esse mundo.
Há decerto variantes nas respectivas
intervenções, seja por conta da maior ou menor relevância do acusado, seja pelo
desempenho do defensor. Como o estilo é o homem, as variações tendem a ser
abundantes. Dessarte, as surpresas não
são poucas, assim como a qualidade e o bom gosto. Houve quem apelasse para a
retorsão, que é uma espécie de ricochete na retórica, aplicando na defesa do
cliente os argumentos da acusação para a generalidade do questionamento. Provocara
espécie a maneira descosida de outra alocução de quem se esperava, dada a
respectiva nomeada, peça que correspondesse ao conceito havido pelo
profissional.Também intrigou que os advogados dos clientes mais modestos se hajam esforçado em utilizar tal condição como se fosse mágico instrumento que os transformassem em simples autômatos, pessoas sem vontade própria. Como supremo recurso levantavam a insignificância do representado, o que se resume no mantra de o cliente respectivo apenas cumpria ordens. Apelavam para a comiseração dos juízes, eis que, a seu ver, os pobres infelizes não disporiam de outro modo para lidar com os mandados porventura recebidos.
Cícero não está entre nós, mas ao investir contra os tempos e os costumes da tarda República Romana, não tinha a intenção de tudo perdoar. Por mais humilde que seja o réu, o seu apanágio é a própria consciência, e a consequente capacidade de dizer não. Para grandes e pequenos crimes, o século XX já demonstrou que tal argumento se esfarelava, não importa o tamanho da borduna no crime envolvido.
Nesta semana, em que o caudaloso rio do mensalão se encaminha para os votos do ministro relator e do ministro revisor, mal acenam cerrar-se as cortinas dos discursos dos advogados-defensores, Luiz Corrêa Barbosa , representante do denunciante do mensalão, o ex-deputado Roberto Jefferson, conforme ao estilo do representado veio sacudir a então enfarada audiência de juízes e público.
Supostamente contrariando o cliente, segundo Corrêa Barbosa o presidente Lula ordenou o esquema. Para o causídico, Lula teria de ser ‘pateta’ para não saber do mensalão. No seu entender, igualmente, e com o claro intuito de desmerecer e enfraquecer a acusação do Procurador-Geral da República, Lula não está sendo investigado porque Roberto Gurgel “não fez o seu trabalho”.
Quanto à participação e ao conhecimento pelo Presidente Lula da Silva do mensalão, crônica recente de Ferreira Gullar havia tecido, com a sobriedade da lógica e do bom-senso, o quadro que lhe parece evidente e inequívoco, de que por suas características e estilo de mando, tudo apontava para a ciência de Lula de o que estava ocorrendo em dependências – e não nos seus porões - da sede presidencial.
O representado, que acompanhou o julgamento pela tevê, disse de acordo com a reporter Andréia Sadi: “Se fosse o Collor, estaria preso, mas no Lula não pega (a acusação)”.
Como o seu cliente sempre reiterou a inocência do presidente Lula, e terá sido tal consciência o que o motivou para o recado a José Dirceu “Sai rápido (da Casa Civil)”, para evitar transformar em réu um inocente.
A exemplo de tantas questões célebres, jamais se saberá qual a versão que deva ser rotulada de ‘a verdade’.
Talvez para riscar ainda mais forte o contraste entre acusação e suspeição, o advogado Corrêa Barbosa renove mais uma vez a carga da brigada ligeira. O fim do protervo ataque semelha inexorável, mas quem sabe a motivação esteja menos no impossível sucesso, do que no estranho prazer de lançar-se em temerária empresa, prezando mais a cena, posto que breve, do que o resultado, ainda que eterno enquanto dure.
( Fonte: Folha
de S. Paulo )
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