Os primeiros resultados das eleições em Honduras sublinham três aspectos a que a comunidade internacional seguira de perto. A votação transcorreu em todo o país de forma tranquila, excetuado apenas San Pedro Sula onde houve choques. Conquanto não foi fornecido até agora nenhum percentual sobre o absenteismo, as indicações preliminares apontam substancial afluxo de eleitores às urnas.
Enfim, os dados das sondagens de boca de urna sinalizam eventual vitória do candidato Porfirio Lobo, do Partido Nacional, que era de resto o vanguardeiro nas pesquisas de opinião.
Se confirmados, tais resultados muito contribuem para agilizar o processo de reconhecimento do pleito. Em não havendo marcada abstenção para tornar menos enfática a voz das urnas, nem os distúrbios e a desobediência civil com que contava o presidente deposto, a par de ser inequívoca a vantagem de Porfirio Lobo sobre os demais candidatos, obviamente se reforça a orientação dos Estados Unidos, conforme sinalizada pela Secretária de Estado Hillary Clinton.
Nesse sentido, o Presidente da Costa Rica, Oscar Arias, que se empenhara a fundo em tentativa de mediação entre o presidente deposto e o governo de facto de Roberto Micheletti, já anunciou que se dispõe a comunicar oficialmente o reconhecimento por seu país do processo eleitoral.
Isto posto, e se não houver indícios que infirmem a expectativa decorrente do cumprimento constitucional dos comícios de 29 de novembro, e com a previsível ratificação por número significativo de outros Estados da manifestação da vontade do povo hondurenho, cabe a pergunta: E agora José Manuel Zelaya ?
A manobra, urdida pelo coronel Chávez, da materialização de Zelaya na chancelaria da Embaixada do Brasil, a sua gostosa aceitação por Lula e auxiliares na inovadora qualidade de hóspede , terá produzido muito barulho, mas, forçoso será convir, colheu pífios resultados.
O desvirtuamento do papel institucional da missão diplomática, que tem a pedra basilar na neutralidade, não ajudou os propósitos do presidente deposto da mudança não só das regras, mas também das características do jogo até então.
Com a eleição de novo Presidente, é de esperar-se que, vencida a provação, se reforce o processo e a consolidação da democracia em Honduras, um dos países mais pobres da América Central.
Nesse longo entrevero, não se lobrigam nos dois campos, nem santos, nem campeões. Deve-se doravante deixar aos locais a tarefa de recriar atmosfera conducente ao diálogo e não a contínuas escaramuças por interpostos contendores.
Do episódio, alguns saem mais chamuscados do que outros. Ameaças não devem ser proferidas em vão, porque diplomacia é coisa séria, e não partida fácil para aprendizes e assemelhados.
A despeito dos prognósticos sombrios, que os acompanharam até a undécima hora, o horizonte dá mostras de ser alvissareiro para Obama e Hillary, cuja moderação semelha ter agilizado a solução apropriada para a superação da crise.
segunda-feira, 30 de novembro de 2009
domingo, 29 de novembro de 2009
Censura à Imprensa na América do Sul
Se a censura à imprensa no Brasil não é imposta pelo Estado, como ocorria durante a ditadura militar, o leitor deste blog não terá decerto ilusões sobre a plena validade da cláusula constitucional, epitomizada nos artigos 5º, inciso IX, e 220, caput e parágrafos primeiro e segundo.
A mordaça imposta ao Estado de São Paulo pelo desembargador Dácio Vieira (TJ-DF) já anda por volta do quarto mês de duração. Na morosa tramitação judiciária, que favorece os censores judiciais e seus beneficiários – no caso Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney, indiciado pela Polícia Federal pela Operação Boi Barrica, que logrou impedir a publicação das reportagens investigativas do Estadão – hoje esta simbólica mordaça a um jornal que tanto se distinguiu na luta contra a censura do regime militar aguarda a liminar do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso.
Como este blog tem repisado – e ao contrário do que pensam alguns – é mais do que tempo de ser formulada súmula vinculante que, com base neste caso, crie as condições não só de cumprir o anelo do constituinte de 1988 (censura nunca mais !) mas também de extirpar esses sucedâneos da censura às comunicações, audaciosa e desavergonhadamente impingidos aos órgãos de comunicação e à opinião pública, sob as enganosas vestes de medidas acautelatórias judiciais, que, na verdade, representam uma nova e igualmente abominável forma de censura. Como a hedionda hidra, suas cabeças repontam no Maranhão, no Amapá (não por acaso dois estados ainda submetidos à oligarquia dos Sarney), Mato Grosso, e em muitos outros estados, nas capitais, em cidades interioranas e nos grotões, numa evidência de quão largo é o desrespeito à cláusula pétrea constitucional.
Se a sentença, ilegal e inconstitucional, de Dácio Vieira, que deu vida tão longa à censura de publicação pelo Estado de São Paulo ensejar afinal a redação pelo STF de súmula vinculante que dê um basta a tais abusos, poder-se-á afirmar que, no caso em tela, foi um mal que veio para produzir um grande bem. Assim, a tardança na devida justiça aos direitos do Estado – e de toda a sociedade – não terá sido em vão, ensejando por fim a estruturação de instrumental para dar cabo, com a presteza que a proliferação de tais manobras inconstitucionais está por exigir, de forma a que o ocorrido com o Estado de São Paulo constitua a base para que, em todos os municípios do Brasil, a censura não possa mais vestir a toga judiciária.
Em outros países da América do Sul, o assédio à imprensa e aos meios de comunicação em geral tem revestido um aspecto sistemático e estruturado. O principal responsável desse ataque é o coronel Hugo Chávez, que aspira por certo a inserir-se na melancólica tradição venezuelana dos señores presidentes a título vitalício.
Segue o caudilho a cartilha referendária. Não faz muito e por força da própria insistência, logrou afinal o direito à perpetuidade na reeleição. Assegurado o próprio domínio da Assembleia Legislativa, do Judiciário e do Ministério Público, Chávez trata agora de sufocar a oposição através do controle dos órgãos de comunicação.
A profusão das disposições inseridas , mesmo em legislações que não sejam pertinentes ao tema, além de apertar o cerco, cria o clima indispensável para a atemorização e o cerceamento ‘voluntário’ do direito de informar, mediante a chamada auto-censura, que é filha da imprevisibildade do poder atrabiliário e da consequente geral insegurança.
Chávez, na sua logorréia neopopulista a que intitula de bolivariana, na verdade nada traz de novo para a América Latina. Enquanto desconstroi a economia da Venezuela e acirra, pela própria incompetência, as crises setoriais que infernizam a vida da população, trata de desviar a atenção da sociedade, em nada quixotesca investida contra os moinhos de vento das comunicações. A par de pôr fora do ar a 34 emissoras de rádio, Chávez já fechou a mais antiga rede de tevê do país (RCTV) e ora se apresta a um cerco,em alternâncias seja violentas, seja kafkianas da vítima da vez, no caso a Globovisión.
Embora a ajuda dos petro-dólares tenha minguado – malgrado a reaparição do chamado homem da mala em comprometedor vídeo para o casal Kirchner, tão obrigado à antiga generosidade do caudilho - não se poderá dizer que o coronel do putsch malogrado de 4 de fevereiro de 1992 não tenha feito escola, em termos de ‘amor de malandro’ à imprensa (o dito ‘quarto poder’) na América do Sul (e alhures).
Dessarte, Cristina e Nestor Kirchner desenvolvem o acosso aos meios de comunicação que não rezem pela sua cartilha em ofensiva que, se não dispensa a truculência peronista abominada por Jorge Luis Borges, mostra a versatilidade de três linhas de ataque: a nova lei de meios audiovisuais (o casuismo sofisticado para golpear economicamente o grupo Clarín); a crescente pressão sobre Papel Prensa (a empresa que fornece insumo básico a 170 jornais); e a instrumentalização do conflito sindical, valendo-se de táticas de mão pesada, que dificultam a distribuição dos jornais.
Por sua vez, no Equador de Rafael Correa, a Assembleia Nacional prepara uma lei de comunicações, que estará mais conforme ao ‘novo Equador’. Será estabelecido sistema de regulação e controle da comunicação para superar o que o Presidente discípulo de Chávez caracteriza como excessos de “imprensa medíocre e corrupta”.
Não se pode ainda prever a extensão do controle estatal sobre as comunicações que será viabilizado pela nova legislação. Muito dependerá da atuação de Conselho de seis membros a ser instituido pelo estatuto em apreço.
As perspectivas não se afiguram das mais alvissareiras para a liberdade de imprensa, eis que o conselho poderá aplicar sanções administrativas contra jornalistas e meios de comunicação, não se excluindo o eventual cancelamento da licença.
Se é cedo para opinar sobre o grau da repressão, não é necessário ser um cinéfilo para adivinhar que o filme anunciado deve calcar antigos vezos de outras películas que não caíram nada bem junto a jornalistas e opinião pública.
(Fonte: O Globo )
A mordaça imposta ao Estado de São Paulo pelo desembargador Dácio Vieira (TJ-DF) já anda por volta do quarto mês de duração. Na morosa tramitação judiciária, que favorece os censores judiciais e seus beneficiários – no caso Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney, indiciado pela Polícia Federal pela Operação Boi Barrica, que logrou impedir a publicação das reportagens investigativas do Estadão – hoje esta simbólica mordaça a um jornal que tanto se distinguiu na luta contra a censura do regime militar aguarda a liminar do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso.
Como este blog tem repisado – e ao contrário do que pensam alguns – é mais do que tempo de ser formulada súmula vinculante que, com base neste caso, crie as condições não só de cumprir o anelo do constituinte de 1988 (censura nunca mais !) mas também de extirpar esses sucedâneos da censura às comunicações, audaciosa e desavergonhadamente impingidos aos órgãos de comunicação e à opinião pública, sob as enganosas vestes de medidas acautelatórias judiciais, que, na verdade, representam uma nova e igualmente abominável forma de censura. Como a hedionda hidra, suas cabeças repontam no Maranhão, no Amapá (não por acaso dois estados ainda submetidos à oligarquia dos Sarney), Mato Grosso, e em muitos outros estados, nas capitais, em cidades interioranas e nos grotões, numa evidência de quão largo é o desrespeito à cláusula pétrea constitucional.
Se a sentença, ilegal e inconstitucional, de Dácio Vieira, que deu vida tão longa à censura de publicação pelo Estado de São Paulo ensejar afinal a redação pelo STF de súmula vinculante que dê um basta a tais abusos, poder-se-á afirmar que, no caso em tela, foi um mal que veio para produzir um grande bem. Assim, a tardança na devida justiça aos direitos do Estado – e de toda a sociedade – não terá sido em vão, ensejando por fim a estruturação de instrumental para dar cabo, com a presteza que a proliferação de tais manobras inconstitucionais está por exigir, de forma a que o ocorrido com o Estado de São Paulo constitua a base para que, em todos os municípios do Brasil, a censura não possa mais vestir a toga judiciária.
Em outros países da América do Sul, o assédio à imprensa e aos meios de comunicação em geral tem revestido um aspecto sistemático e estruturado. O principal responsável desse ataque é o coronel Hugo Chávez, que aspira por certo a inserir-se na melancólica tradição venezuelana dos señores presidentes a título vitalício.
Segue o caudilho a cartilha referendária. Não faz muito e por força da própria insistência, logrou afinal o direito à perpetuidade na reeleição. Assegurado o próprio domínio da Assembleia Legislativa, do Judiciário e do Ministério Público, Chávez trata agora de sufocar a oposição através do controle dos órgãos de comunicação.
A profusão das disposições inseridas , mesmo em legislações que não sejam pertinentes ao tema, além de apertar o cerco, cria o clima indispensável para a atemorização e o cerceamento ‘voluntário’ do direito de informar, mediante a chamada auto-censura, que é filha da imprevisibildade do poder atrabiliário e da consequente geral insegurança.
Chávez, na sua logorréia neopopulista a que intitula de bolivariana, na verdade nada traz de novo para a América Latina. Enquanto desconstroi a economia da Venezuela e acirra, pela própria incompetência, as crises setoriais que infernizam a vida da população, trata de desviar a atenção da sociedade, em nada quixotesca investida contra os moinhos de vento das comunicações. A par de pôr fora do ar a 34 emissoras de rádio, Chávez já fechou a mais antiga rede de tevê do país (RCTV) e ora se apresta a um cerco,em alternâncias seja violentas, seja kafkianas da vítima da vez, no caso a Globovisión.
Embora a ajuda dos petro-dólares tenha minguado – malgrado a reaparição do chamado homem da mala em comprometedor vídeo para o casal Kirchner, tão obrigado à antiga generosidade do caudilho - não se poderá dizer que o coronel do putsch malogrado de 4 de fevereiro de 1992 não tenha feito escola, em termos de ‘amor de malandro’ à imprensa (o dito ‘quarto poder’) na América do Sul (e alhures).
Dessarte, Cristina e Nestor Kirchner desenvolvem o acosso aos meios de comunicação que não rezem pela sua cartilha em ofensiva que, se não dispensa a truculência peronista abominada por Jorge Luis Borges, mostra a versatilidade de três linhas de ataque: a nova lei de meios audiovisuais (o casuismo sofisticado para golpear economicamente o grupo Clarín); a crescente pressão sobre Papel Prensa (a empresa que fornece insumo básico a 170 jornais); e a instrumentalização do conflito sindical, valendo-se de táticas de mão pesada, que dificultam a distribuição dos jornais.
Por sua vez, no Equador de Rafael Correa, a Assembleia Nacional prepara uma lei de comunicações, que estará mais conforme ao ‘novo Equador’. Será estabelecido sistema de regulação e controle da comunicação para superar o que o Presidente discípulo de Chávez caracteriza como excessos de “imprensa medíocre e corrupta”.
Não se pode ainda prever a extensão do controle estatal sobre as comunicações que será viabilizado pela nova legislação. Muito dependerá da atuação de Conselho de seis membros a ser instituido pelo estatuto em apreço.
As perspectivas não se afiguram das mais alvissareiras para a liberdade de imprensa, eis que o conselho poderá aplicar sanções administrativas contra jornalistas e meios de comunicação, não se excluindo o eventual cancelamento da licença.
Se é cedo para opinar sobre o grau da repressão, não é necessário ser um cinéfilo para adivinhar que o filme anunciado deve calcar antigos vezos de outras películas que não caíram nada bem junto a jornalistas e opinião pública.
(Fonte: O Globo )
sábado, 28 de novembro de 2009
A AIEA repreende o Irã
Com largo apoio, a Junta de Governadores da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) exige que o Irã cesse de imediato a operação da usina de enriquecimento de urânio, que de início o regime dos ayatollahs, desrespeitando os próprios compromissos internacionais, mantivera secreta por um longo período.
Foi indubitável sucesso para a iniciativa da Administração Obama de conseguir amplo apoio internacional com vistas a coibir as ambições nucleares de Teerã. A resolução da AIEA, que igualmente expressa ‘sérias preocupações’ acerca dos potenciais aspectos militares do programa nuclear iraniano, obteve o crucial apoio de Rússia e China.
Com efeito, a censura da AIEA se insere dentro de estratégia perseguida pelo Presidente Barack Obama e, nesse sentido, os membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas estão trabalhando em pacote de sanções a ser submetido àquele colegiado, se o Irã não atender ao prazo imposto de realizar progressos substanciais nesta questão até o final do presente ano.
O respeitado diretor-geral da Agência, Mohamed ElBaradej – que voluntariamente se apresta a concluir doze anos à testa da instituição – muito contribuíu para a severidade da censura ao declarar francamente que o Irã tudo fizera para impedir (‘stonewalled’) os investigadores da AIEA de obterem provas de que o país trabalhava em planejamento de armas nucleares, e que, por conseguinte, os esforços da Agência para expor a verdade dos fatos “tinham chegado a um ponto morto”.
A mudança de tom de ElBaradej representa tácito reconhecimento de que malogrou o seu empenho de por trás dos bastidores negociar um entendimento. No passado, o diretor-geral da AIEA sempre evitara repreender publicamente o governo iraniano pela sua persistente recusa de responder perguntas da instituição sobre trabalhos com armas nucleares, justamente para manter aberta a possibilidade de solução consensual.
Tais perguntas, apresentadas pela AIEA durante vários anos, dizem precipuamente respeito a quesitos sobre planos, simulações de computador, e outras provas de trabalhos que nada têm a ver com programas de planejamento nuclear para fins pacificos.
A resolução da AIEA recebeu 25 votos a favor, apenas três contra (Cuba, Malásia e Venezuela) e seis outros países se abstiveram (Brasil, Afeganistão, Egito, Paquistão, África do Sul e Turquia).
O sufrágio do Brasil não deve surpreender, pois se insere em longa prática de sistemático abstencionismo, praticado igualmente na área de direitos humanos. Conquanto tal postura, em casos como o do Sudão (Darfur) se afigure assumir posições não-condizentes com os valores de nosso país, ela tem a justificativa do trânsito acrescido que a continuada prática poderia ensejar.
Por outro lado, se as perspectivas de sanções mais pesadas contra o regime dos ayatollahs adquirem agora maior probabilidade, o indispensável apoio à uma eventual resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas de parte de Rússia e China não são favas contadas, malgrado o seu voto favorável à resolução da AIEA.
A Secretária de Estado Hillary Clinton aludiu à possibilidade de o Conselho estabelecer sanções desestruturadoras (‘crippling’) ao Irã, se vencer o prazo até o final do ano sem resposta satisfatória de Teerã. Outra estória sera convencer Moscou e Pequim – que, detendo o poder de veto, carecem de ser convencidas para que a resolução se concretize - a impor penalidades significativas a um regime com que tradicionalmente cultivam boas relações.
Por fim, Israel fez saber que não pretende realizar ação militar preventiva até o vencimento do prazo (‘deadline’) estabelecido pela administração Obama. Fica no ar, portanto, a possibilidade – ou o blefe – de que ação a exemplo da empreendida contra Saddam Hussein no passado faça ainda parte do planejamento de Tel-Aviv.
( Fonte: International Herald Tribune )
Foi indubitável sucesso para a iniciativa da Administração Obama de conseguir amplo apoio internacional com vistas a coibir as ambições nucleares de Teerã. A resolução da AIEA, que igualmente expressa ‘sérias preocupações’ acerca dos potenciais aspectos militares do programa nuclear iraniano, obteve o crucial apoio de Rússia e China.
Com efeito, a censura da AIEA se insere dentro de estratégia perseguida pelo Presidente Barack Obama e, nesse sentido, os membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas estão trabalhando em pacote de sanções a ser submetido àquele colegiado, se o Irã não atender ao prazo imposto de realizar progressos substanciais nesta questão até o final do presente ano.
O respeitado diretor-geral da Agência, Mohamed ElBaradej – que voluntariamente se apresta a concluir doze anos à testa da instituição – muito contribuíu para a severidade da censura ao declarar francamente que o Irã tudo fizera para impedir (‘stonewalled’) os investigadores da AIEA de obterem provas de que o país trabalhava em planejamento de armas nucleares, e que, por conseguinte, os esforços da Agência para expor a verdade dos fatos “tinham chegado a um ponto morto”.
A mudança de tom de ElBaradej representa tácito reconhecimento de que malogrou o seu empenho de por trás dos bastidores negociar um entendimento. No passado, o diretor-geral da AIEA sempre evitara repreender publicamente o governo iraniano pela sua persistente recusa de responder perguntas da instituição sobre trabalhos com armas nucleares, justamente para manter aberta a possibilidade de solução consensual.
Tais perguntas, apresentadas pela AIEA durante vários anos, dizem precipuamente respeito a quesitos sobre planos, simulações de computador, e outras provas de trabalhos que nada têm a ver com programas de planejamento nuclear para fins pacificos.
A resolução da AIEA recebeu 25 votos a favor, apenas três contra (Cuba, Malásia e Venezuela) e seis outros países se abstiveram (Brasil, Afeganistão, Egito, Paquistão, África do Sul e Turquia).
O sufrágio do Brasil não deve surpreender, pois se insere em longa prática de sistemático abstencionismo, praticado igualmente na área de direitos humanos. Conquanto tal postura, em casos como o do Sudão (Darfur) se afigure assumir posições não-condizentes com os valores de nosso país, ela tem a justificativa do trânsito acrescido que a continuada prática poderia ensejar.
Por outro lado, se as perspectivas de sanções mais pesadas contra o regime dos ayatollahs adquirem agora maior probabilidade, o indispensável apoio à uma eventual resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas de parte de Rússia e China não são favas contadas, malgrado o seu voto favorável à resolução da AIEA.
A Secretária de Estado Hillary Clinton aludiu à possibilidade de o Conselho estabelecer sanções desestruturadoras (‘crippling’) ao Irã, se vencer o prazo até o final do ano sem resposta satisfatória de Teerã. Outra estória sera convencer Moscou e Pequim – que, detendo o poder de veto, carecem de ser convencidas para que a resolução se concretize - a impor penalidades significativas a um regime com que tradicionalmente cultivam boas relações.
Por fim, Israel fez saber que não pretende realizar ação militar preventiva até o vencimento do prazo (‘deadline’) estabelecido pela administração Obama. Fica no ar, portanto, a possibilidade – ou o blefe – de que ação a exemplo da empreendida contra Saddam Hussein no passado faça ainda parte do planejamento de Tel-Aviv.
( Fonte: International Herald Tribune )
sexta-feira, 27 de novembro de 2009
Receita de Desastre
A cena pode ser de monotonia exasperante, dessas de imitador atual de filmes de Antonioni. No discurso, um quadro róseo, promissor; na práxis, as imagens de um suposto passado, que continua demasiado presente.
Não é à toa que já no tempo do Império, no século XIX, se cunhara a expressão ‘para inglês ver’, que era a homenagem da hipocrisia de então à potência hegemônica da época.
Se escutarmos o que dizem o Presidente Lula e a sua pretensa herdeira Dilma Rousseff, o horizonte se desanuvia, se preserva a floresta, e a nossa constrangedora contribuição para o efeito estufa é enfim controlada. São promessas, é verdade, e nós que nos acreditamos o grande país do amanhã, teremos decerto fundados títulos para discorrer acerca do futuro.
Pois pelo visto e dado o enfoque privilegiado por nossas autoridades, tais anúncios, feitos com endereço certo, possuirão um duplo benefício: alem de afastar as molestas impressões causadas pelo hodierno desmatamento e pelo incremento das emissões de gás carbônico, ocupam largas, generosas manchetes com as projetadas realidades do amanhã.
Que importam, dirão, se tais supostas realidades sejam em verdade fantasias do Barão de Munchhausen ? São, no fundo, escapismos, ditos às vezes até com sinceridade –pois quem as diz pode inclusive pensar que lá no futuro as coisas de algum modo se resolverão - mas que, se pesadas com seriedade, apenas traduzem soluções para embaraços do presente.
É outro triste vezo nacional: jogar para a frente, com bombásticas garantias, as ameaças que já se delineiam e não mais em longínquos horizontes para quem alie o bom entendimento à boa fé.
Entre os desastres anunciados, repetem-se as más notícias com melancólica regularidade. Assim, é a vez da ONG Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) informar que voltou a crescer a devastação na Amazônia: 194 km2 foram destruídos, com aumento de 90% na comparação com o mesmo mês do ano passado. Os campeões do desmate foram: Pará (45%), Mato Grosso (22%) e Rondônia (13%).
Segundo o pesquisador Adalberto Veríssimo, esse ‘crescimento’ da destruição se deve ao reaquecimento da economia e à proximidade do ano eleitoral.
Cabe apenas a pergunta, que é, infelizmente, retórica. Por que o governo federal, que dispõe do Ibama e da rede do Inpe em termos de cobertura de satélites, não fiscaliza e não passa das vãs palavras a ações concretas no combate a essas táticas boçais e retrógradas das queimadas e das derrubadas ?
No plano da matriz energética, a aprendiz de ambientalista – guindada à chefia da delegação em Copenhague – como explicará naquele foro o conjuntural embaraço de que o Brasil estará simultaneamente realizando ao ensejo da dita Conferência leilão de energia para 2015, em que devem sair vencedoras – consoante refere a coluna de Míriam Leitão – três usinas a carvão importado, três usinas a carvão nacional e uma a gás natural liquefeito ?
Pois a escolha do Brasil – e nisso o atual governo não se distingue do tucano de FHC - não poderia ter sido mais inadequada, epimeteica e, porque não dizer, burra. O setor de Minas e Energia, sob a direção de Dilma Rousseff, agiu como se as soluções do passado continuassem válidas. A opção por matrizes sujas e não-renováveis evidencia uma grande miopia que não é só ecológica, mas que tem muito a ver com a atualização de novas matrizes energéticas. Dessarte, em termos de energia nova, o governo Lula concentrou 63% em termelétricas e 37% em hidrelétricas. As energias eólica e solar, modalidades de ponta da nova tecnologia, pecam pela ausência.
A mesmice também se reflete na preferência das fontes térmicas: óleo combustível, 45%, gás natural, 28%, carvão mineral 17%, óleo diesel 5%.
Como se verifica, por conseguinte, nas duas faces do ambientalismo – seja no eventual combate aos desmatadores, seja na construção de matriz energética limpa – assistimos à idêntica falta de capacidade de enfrentar este magno desafio.
Nas matrizes sujas, o governo calca o exemplo do passado. No outro front, entrementes, permite, impassível, entre a conivência e a desídia, que a coalizão de desmatadores e multinacionais continuem na destruição da última grande floresta tropical remanescente no mundo.
( Fonte: O Globo )
Não é à toa que já no tempo do Império, no século XIX, se cunhara a expressão ‘para inglês ver’, que era a homenagem da hipocrisia de então à potência hegemônica da época.
Se escutarmos o que dizem o Presidente Lula e a sua pretensa herdeira Dilma Rousseff, o horizonte se desanuvia, se preserva a floresta, e a nossa constrangedora contribuição para o efeito estufa é enfim controlada. São promessas, é verdade, e nós que nos acreditamos o grande país do amanhã, teremos decerto fundados títulos para discorrer acerca do futuro.
Pois pelo visto e dado o enfoque privilegiado por nossas autoridades, tais anúncios, feitos com endereço certo, possuirão um duplo benefício: alem de afastar as molestas impressões causadas pelo hodierno desmatamento e pelo incremento das emissões de gás carbônico, ocupam largas, generosas manchetes com as projetadas realidades do amanhã.
Que importam, dirão, se tais supostas realidades sejam em verdade fantasias do Barão de Munchhausen ? São, no fundo, escapismos, ditos às vezes até com sinceridade –pois quem as diz pode inclusive pensar que lá no futuro as coisas de algum modo se resolverão - mas que, se pesadas com seriedade, apenas traduzem soluções para embaraços do presente.
É outro triste vezo nacional: jogar para a frente, com bombásticas garantias, as ameaças que já se delineiam e não mais em longínquos horizontes para quem alie o bom entendimento à boa fé.
Entre os desastres anunciados, repetem-se as más notícias com melancólica regularidade. Assim, é a vez da ONG Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) informar que voltou a crescer a devastação na Amazônia: 194 km2 foram destruídos, com aumento de 90% na comparação com o mesmo mês do ano passado. Os campeões do desmate foram: Pará (45%), Mato Grosso (22%) e Rondônia (13%).
Segundo o pesquisador Adalberto Veríssimo, esse ‘crescimento’ da destruição se deve ao reaquecimento da economia e à proximidade do ano eleitoral.
Cabe apenas a pergunta, que é, infelizmente, retórica. Por que o governo federal, que dispõe do Ibama e da rede do Inpe em termos de cobertura de satélites, não fiscaliza e não passa das vãs palavras a ações concretas no combate a essas táticas boçais e retrógradas das queimadas e das derrubadas ?
No plano da matriz energética, a aprendiz de ambientalista – guindada à chefia da delegação em Copenhague – como explicará naquele foro o conjuntural embaraço de que o Brasil estará simultaneamente realizando ao ensejo da dita Conferência leilão de energia para 2015, em que devem sair vencedoras – consoante refere a coluna de Míriam Leitão – três usinas a carvão importado, três usinas a carvão nacional e uma a gás natural liquefeito ?
Pois a escolha do Brasil – e nisso o atual governo não se distingue do tucano de FHC - não poderia ter sido mais inadequada, epimeteica e, porque não dizer, burra. O setor de Minas e Energia, sob a direção de Dilma Rousseff, agiu como se as soluções do passado continuassem válidas. A opção por matrizes sujas e não-renováveis evidencia uma grande miopia que não é só ecológica, mas que tem muito a ver com a atualização de novas matrizes energéticas. Dessarte, em termos de energia nova, o governo Lula concentrou 63% em termelétricas e 37% em hidrelétricas. As energias eólica e solar, modalidades de ponta da nova tecnologia, pecam pela ausência.
A mesmice também se reflete na preferência das fontes térmicas: óleo combustível, 45%, gás natural, 28%, carvão mineral 17%, óleo diesel 5%.
Como se verifica, por conseguinte, nas duas faces do ambientalismo – seja no eventual combate aos desmatadores, seja na construção de matriz energética limpa – assistimos à idêntica falta de capacidade de enfrentar este magno desafio.
Nas matrizes sujas, o governo calca o exemplo do passado. No outro front, entrementes, permite, impassível, entre a conivência e a desídia, que a coalizão de desmatadores e multinacionais continuem na destruição da última grande floresta tropical remanescente no mundo.
( Fonte: O Globo )
quinta-feira, 26 de novembro de 2009
Motivos de Preocupação na Economia
Passado o parêntese ortodoxo, o presidente Lula retorna gostosamente a seus pendores neopopulistas. Tiradas as vantagens do período inicial em que presidiu ao bom comportamento em termos de gestão econômico-financeira – auferindo a economia os benefícios correspondentes, e dando inclusive ao presidente a oportunidade de jactar-se de posição credora junto ao FMI -, Luiz Inácio Lula da Silva parece que se cansou da fantasia.
Bem antes da famigerada marolinha, Sua Excelência mudou o curso, dentro da estratégia da governança no segundo mandato. Como o esquema do primeiro naufragou em escândalos e tribunais, o plano ‘B’ pós-reeleição seria o da ampliação da base governamental, com a inchação do ministério e o reforço nas bases do empreguismo e do assistencialismo.
Tal estratégia visa à criação de sólida base de apoio, e não só junto à população carente, para o benfeitor Lula e seus eventuais herdeiros políticos. O problema com tal receita programática é a um tempo ético e econômico. Em outras palavras, valendo-se de recursos públicos, a administração do PT privilegia, em benefício próprio, a formação de base clientelista, e o faz através de medidas tanto a curto, quanto a médio e longo prazos.
No que tange às desonerações fiscais, de início, em meio à crise financeira, existiam fundados motivos para a redução das alíquotas que incidem sobre a venda de veículos econômicos. Através desse incentivo à demanda, as montadoras não dispensaram empregados. Tais desonerações, no entanto, continuam, abrangendo também eletro-domésticos (geladeiras, fogões e lavadoras), móveis, bens de capital e construção civil.
Em função dessas vantagens, há um aquecimento da procura, e consequente elevação de preços, eis que a oferta de bens não é suficiente para atender a demanda acrescida.
Assim, segundo economistas, o estímulo ao consumo por isenções e crédito fará a economia rapidamente bater no teto da capacidade. Por outro lado, o investimento vai adicionar mais demanda na economia. Pode obrigar o Banco Central a rever a política monetária. A alça da taxa de juros, inda que transitória, é uma possibilidade (a taxa Selic baixou de 13,75%, em dezembro de 2008, para 8,75%).
Nesse quadro, crêem alguns que a discussão sobre estímulos já deveria ter mudado de direção. Há risco de desequilíbrios, como inflação e problemas na balança comercial.
No campo do superávit fiscal, houve uma certa reação, com um superávit primário de R$11,3 bilhões. Este é o melhor desempenho em um ano (no mês anterior houve déficit de R$7,7 bilhões, o pior do ano). De janeiro a outubro, o superávit do Governo Central é de R$27,6 bilhões, menos de um terço dos R$95,9 bilhões obtidos em igual período do ano anterior.
Embora o governo atribua a diferença ao impacto da crise, especialistas apontam para o aumento dos gastos com pessoal de 18,4% - na chamada rubrica dos gastos correntes – que, por causa do reajuste do funcionalismo, pressionou bastante o desempenho fiscal.
Por último, no que tange ao desempenho externo da economia, em função da apreciação do real em relação ao dólar estadunidense, e do resultante incremento nas importações, redução nas exportações, aumento das despesas com viagens e turismo, além da elevação sazonal das remessas de empresas estrangeiras sediadas no Brasil, projeta-se um déficit importante, da ordem de vinte bilhões de dólares em nossa balança de transações correntes.
Aumentará, por conseguinte, a dívida externa, além da correspondente alça dos juros respectivos.
Como se vê, o comportamento da economia mostrará perfil menos auspicioso, em termos de avaliação anual.
Bem antes da famigerada marolinha, Sua Excelência mudou o curso, dentro da estratégia da governança no segundo mandato. Como o esquema do primeiro naufragou em escândalos e tribunais, o plano ‘B’ pós-reeleição seria o da ampliação da base governamental, com a inchação do ministério e o reforço nas bases do empreguismo e do assistencialismo.
Tal estratégia visa à criação de sólida base de apoio, e não só junto à população carente, para o benfeitor Lula e seus eventuais herdeiros políticos. O problema com tal receita programática é a um tempo ético e econômico. Em outras palavras, valendo-se de recursos públicos, a administração do PT privilegia, em benefício próprio, a formação de base clientelista, e o faz através de medidas tanto a curto, quanto a médio e longo prazos.
No que tange às desonerações fiscais, de início, em meio à crise financeira, existiam fundados motivos para a redução das alíquotas que incidem sobre a venda de veículos econômicos. Através desse incentivo à demanda, as montadoras não dispensaram empregados. Tais desonerações, no entanto, continuam, abrangendo também eletro-domésticos (geladeiras, fogões e lavadoras), móveis, bens de capital e construção civil.
Em função dessas vantagens, há um aquecimento da procura, e consequente elevação de preços, eis que a oferta de bens não é suficiente para atender a demanda acrescida.
Assim, segundo economistas, o estímulo ao consumo por isenções e crédito fará a economia rapidamente bater no teto da capacidade. Por outro lado, o investimento vai adicionar mais demanda na economia. Pode obrigar o Banco Central a rever a política monetária. A alça da taxa de juros, inda que transitória, é uma possibilidade (a taxa Selic baixou de 13,75%, em dezembro de 2008, para 8,75%).
Nesse quadro, crêem alguns que a discussão sobre estímulos já deveria ter mudado de direção. Há risco de desequilíbrios, como inflação e problemas na balança comercial.
No campo do superávit fiscal, houve uma certa reação, com um superávit primário de R$11,3 bilhões. Este é o melhor desempenho em um ano (no mês anterior houve déficit de R$7,7 bilhões, o pior do ano). De janeiro a outubro, o superávit do Governo Central é de R$27,6 bilhões, menos de um terço dos R$95,9 bilhões obtidos em igual período do ano anterior.
Embora o governo atribua a diferença ao impacto da crise, especialistas apontam para o aumento dos gastos com pessoal de 18,4% - na chamada rubrica dos gastos correntes – que, por causa do reajuste do funcionalismo, pressionou bastante o desempenho fiscal.
Por último, no que tange ao desempenho externo da economia, em função da apreciação do real em relação ao dólar estadunidense, e do resultante incremento nas importações, redução nas exportações, aumento das despesas com viagens e turismo, além da elevação sazonal das remessas de empresas estrangeiras sediadas no Brasil, projeta-se um déficit importante, da ordem de vinte bilhões de dólares em nossa balança de transações correntes.
Aumentará, por conseguinte, a dívida externa, além da correspondente alça dos juros respectivos.
Como se vê, o comportamento da economia mostrará perfil menos auspicioso, em termos de avaliação anual.
quarta-feira, 25 de novembro de 2009
Não tão subitamente, no próximo Verão
O Brasil é imenso país que, como aprendemos, vai do Oiapoque ao Chuí. A sua área tropical será possivelmente a maior dentre as nações nos dois hemisférios.
Bem sabemos que os nossos governos, tanto o federal quanto os estaduais, não se têm comportado de forma responsável na preservação do meio ambiente. A nossa túnica não se afigura assim tão alva a ponto de que estendamos o dedo acusador para outros quintais, sem que primeiro não cuidemos de dar o exemplo, e que a ênfase seja menos no fácil discurso do que na complexa práxis.
O objeto deste blog não será, no entanto, os preocupantes fenômenos climáticos causados pelo aquecimento global (tornados, ciclones, etc. antes nunca vistos por nossas bandas), mas a necessidade do combate preventivo dos governos federal, estadual e municipal contra as manifestações endêmicas e epidêmicas exacerbadas por este mesmo aquecimento global.
A Bahia, terra de nossa primeira capital, tem evidenciado, nos últimos tempos, desempenho no que concerne à proteção da respectiva população que só tende a ser qualificado como abaixo de medíocre. Com efeito, no verão passado, a epidemia de dengue na região de Itabuna constitui uma chaga aberta para sobretudo a administração do governador Jacques Wagner (PT).
No Brasil, muitos políticos acreditam na instrumentalização do discurso para eludirem os efeitos da própria displicência, negligência e incompetência (as mais das vezes uma mistura das três), quando confrontados por um surto epidêmico. Recordo-me, a respeito, das entrevistas televisadas de funcionária de terceiro escalão da prefeitura do Rio de Janeiro, em 2007, cuja mensagem era essencialmente derrotista (nada havia a fazer contra a avassaladora dengue). Quem sabe temerosos do ‘contágio’ do Aedes Aegypti, nem o secretário municipal, nem o Prefeito Cesar Maia se dignavam responder às inquietações dos cariocas.
Nesse caso, a desídia municipal - a par de cooperação também insatisfatória dos poderes federal e estadual – muito contribuiu decerto para o surto epidêmico e as muitas mortes causadas pela dengue no Rio de Janeiro.
A irrupção da meningite meningocócita no sul da Bahia, em surto que foi a princípio abafado, com a preocupação de evitar a diminuição do afluxo turístico àquela região, provocou a morte de quatro pessoas em Porto Seguro, em outubro de 2009. Não obstante o total de oito casos naquela área, o Estado se empenhou em tranquilizar os eventuais turistas do feriado de Finados, dizendo que o problema tinho sido ‘pontual’ e que não oferecia perigo aos visitantes.
Agora a meningite eclode em torno da capital, nas áreas da população carente, em que as condições sanitárias são ainda mais precárias. E também nesta área metropolitana da Bahia, a omissão governamental se faz acintosamente presente. Não, leitor, o oxímoro não é empregado por lapso. É proposital, para acentuar os justos reclamos dos habitantes desvalidos, que, diante da inércia federal, estadual e municipal, ora recorrem, na expressão d’O Globo, a uma revolta da vacina às avessas.
Ao contrário da falta de informação que motivara a rebelião de populares contra Oswaldo Cruz, no início do século passado, hoje os moradores das áreas de risco reclamam justamente pela ação preventiva da vacinação.
São 128 óbitos registrados no corrente ano – cinco a mais do que em todo o ano passado – que pela incidência já deveriam ter acionado o Ministério da Saúde para a distribuição à população ameaçada das doses da vacina de imunização contra a meningite.
Vemos, no entanto, populares em passeatas de protesto, com cartazes que clamam pela intervenção sanitária, e, em resposta, aparece na televisão outra funcionária para anunciar não a urgente ação do Estado, mas para dizer das dificuldades da distribuição das vacinas, que no critério burocrático ainda não se justificaria. Dessarte, na terra dos desperdícios se opta por economizar quando mais cresce o epifenômeno.
Na Bahia como no Rio de Janeiro a conscientização dos habitantes é a precondição de uma luta eficaz contra as epidemias. Os governantes não se devem esconder atrás dos biombos de funcionários de baixo escalão, com as sovadas desculpas da suposta falta de motivos para a intervenção sanitária.
Emergências sanitárias podem surgir e não devem ser submetidas aos requisitos procusteanos da burocracia do Ministério da Saúde. Quantas mortes serão necessárias para que o Dr. José Gomes Temporão resolva agir ?
Bem sabemos que os nossos governos, tanto o federal quanto os estaduais, não se têm comportado de forma responsável na preservação do meio ambiente. A nossa túnica não se afigura assim tão alva a ponto de que estendamos o dedo acusador para outros quintais, sem que primeiro não cuidemos de dar o exemplo, e que a ênfase seja menos no fácil discurso do que na complexa práxis.
O objeto deste blog não será, no entanto, os preocupantes fenômenos climáticos causados pelo aquecimento global (tornados, ciclones, etc. antes nunca vistos por nossas bandas), mas a necessidade do combate preventivo dos governos federal, estadual e municipal contra as manifestações endêmicas e epidêmicas exacerbadas por este mesmo aquecimento global.
A Bahia, terra de nossa primeira capital, tem evidenciado, nos últimos tempos, desempenho no que concerne à proteção da respectiva população que só tende a ser qualificado como abaixo de medíocre. Com efeito, no verão passado, a epidemia de dengue na região de Itabuna constitui uma chaga aberta para sobretudo a administração do governador Jacques Wagner (PT).
No Brasil, muitos políticos acreditam na instrumentalização do discurso para eludirem os efeitos da própria displicência, negligência e incompetência (as mais das vezes uma mistura das três), quando confrontados por um surto epidêmico. Recordo-me, a respeito, das entrevistas televisadas de funcionária de terceiro escalão da prefeitura do Rio de Janeiro, em 2007, cuja mensagem era essencialmente derrotista (nada havia a fazer contra a avassaladora dengue). Quem sabe temerosos do ‘contágio’ do Aedes Aegypti, nem o secretário municipal, nem o Prefeito Cesar Maia se dignavam responder às inquietações dos cariocas.
Nesse caso, a desídia municipal - a par de cooperação também insatisfatória dos poderes federal e estadual – muito contribuiu decerto para o surto epidêmico e as muitas mortes causadas pela dengue no Rio de Janeiro.
A irrupção da meningite meningocócita no sul da Bahia, em surto que foi a princípio abafado, com a preocupação de evitar a diminuição do afluxo turístico àquela região, provocou a morte de quatro pessoas em Porto Seguro, em outubro de 2009. Não obstante o total de oito casos naquela área, o Estado se empenhou em tranquilizar os eventuais turistas do feriado de Finados, dizendo que o problema tinho sido ‘pontual’ e que não oferecia perigo aos visitantes.
Agora a meningite eclode em torno da capital, nas áreas da população carente, em que as condições sanitárias são ainda mais precárias. E também nesta área metropolitana da Bahia, a omissão governamental se faz acintosamente presente. Não, leitor, o oxímoro não é empregado por lapso. É proposital, para acentuar os justos reclamos dos habitantes desvalidos, que, diante da inércia federal, estadual e municipal, ora recorrem, na expressão d’O Globo, a uma revolta da vacina às avessas.
Ao contrário da falta de informação que motivara a rebelião de populares contra Oswaldo Cruz, no início do século passado, hoje os moradores das áreas de risco reclamam justamente pela ação preventiva da vacinação.
São 128 óbitos registrados no corrente ano – cinco a mais do que em todo o ano passado – que pela incidência já deveriam ter acionado o Ministério da Saúde para a distribuição à população ameaçada das doses da vacina de imunização contra a meningite.
Vemos, no entanto, populares em passeatas de protesto, com cartazes que clamam pela intervenção sanitária, e, em resposta, aparece na televisão outra funcionária para anunciar não a urgente ação do Estado, mas para dizer das dificuldades da distribuição das vacinas, que no critério burocrático ainda não se justificaria. Dessarte, na terra dos desperdícios se opta por economizar quando mais cresce o epifenômeno.
Na Bahia como no Rio de Janeiro a conscientização dos habitantes é a precondição de uma luta eficaz contra as epidemias. Os governantes não se devem esconder atrás dos biombos de funcionários de baixo escalão, com as sovadas desculpas da suposta falta de motivos para a intervenção sanitária.
Emergências sanitárias podem surgir e não devem ser submetidas aos requisitos procusteanos da burocracia do Ministério da Saúde. Quantas mortes serão necessárias para que o Dr. José Gomes Temporão resolva agir ?
terça-feira, 24 de novembro de 2009
Visitante Indesejado
Do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, já se disse muito e decerto o bastante para questionar a oportunidade de sua visita oficial ao Brasil.
A esse propósito, o governador José Serra, em artigo publicado na Folha de São Paulo de ontem, faz ponderada avaliação do quão indesejável é a vinda do governante iraniano a nosso país.
Não será o primeiro governante autoritário – e ainda por cima egresso de eleições fraudulentas – que porventura seja recebido nos palácios de Brasília. Sem embargo, este senhor, de aparência nada presidencial, inova à sua maneira também neste campo. Pois, na verdade Ahmadinejad está, na teocracia iraniana, mais para primeiro-ministro do que presidente. Dessa forma, poderíamos chamá-lo quando muito de subditador, subordinado que é ao Ayatollah Ali Khamenei, Líder Supremo do Irã.
Dos excessos da ditadura dos ayatollahs, da bárbara repressão contra os movimentos de pacífica resistência democrática, dos farsescos julgamentos feitos para coagir a população e que não se pejam de condenar à morte por supostos delitos de opinião cidadãos iranianos, das torturas e ignominiosas sevícias que emulam às do regime do Xá, é geral o conhecimento e a repulsa dos países democráticos.
Nada disso carece de ser demonstrado ou sequer discutido. São tópicos de amplo consenso, como é igualmente generalizada a convicção que afasta Ahmadinejad, o negador do Holocausto, de ser recebido por governantes ocidentais.
O que cabe perguntar será que motivos terão induzido o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva a reiterar, em ocasião tão inoportuna, o convite ao senhor Mahmoud Ahmadinejad.
Será acaso o incremento do intercâmbio comercial ? Desde os tempos de Fernando Collor se fala dessa perspectiva. Contudo, o comércio bilateral, pelo seu acentuado desequilíbrio – que nos favorece -, parece ter poucas condições de crescimento, pela falta de o que comprar do Irã, sendo o petróleo o seu principal produto de exportação.
No domínio político, se nos ativermos aos interesses e objetivos da democracia brasileira, tampouco deparamos horizontes comuns. É um escárnio que este senhor seja recebido pelos presidentes de Senado e Câmara. A par dos problemas que enfrentam, seria crível deles esperar atitude sobranceira, que marcasse posição contra representante de regime autoritário, em que só ingressam no parlamento os aprovados pelo crivo dos ayatollahs ?
Mais se analise a questão, e mais se reforça o juízo de que a insistência na visita denota um aventureirismo ideológico, que é por sua vez decorrência – sobretudo no segundo mandato de Lula – de veleitário protagonismo que pouco ou nada tem a ver com as concepções prevalentes em chancelaria digna deste nome.
Menosprezando os interesses permanentes de Estado, sopram aos ouvidos de Lula – já inebriado na cena internacional por cumprimentos que acredita duradouros – iniciativas controversas. Assim, a estranha acolhida de Zelaya como ‘hóspede’ na embaixada em Honduras, a quase hostilidade à Colômbia e os respaldos repetidos ao caudilho Chávez, e agora, no instante em que Teerã volta atrás em acordo sobre o seu projeto nuclear, a defesa por Nosso Guia do direito do Irã a um programa nuclear para uso pacífico...
Quem a esta altura pode crer nas boas intenções do regime iraniano em desenvolver o átomo com intúitos de paz ? Como abraçar este senhor para as objetivas da imprensa, e julgar possível dar-lhe caução, sem incorrer nas consequências da falta de atendibilidade ?
Se tem Lula alguma visão, além do gesto imediato de receber com rapapés um pária internacional, pensará acaso que ouvir os cantos da sereia de passadas ideologias lhe ajudará a mantê-lo no pedestal, em que o colocaram os que agora, sem válida motivação, estouvadamente contraria ?
A esse propósito, o governador José Serra, em artigo publicado na Folha de São Paulo de ontem, faz ponderada avaliação do quão indesejável é a vinda do governante iraniano a nosso país.
Não será o primeiro governante autoritário – e ainda por cima egresso de eleições fraudulentas – que porventura seja recebido nos palácios de Brasília. Sem embargo, este senhor, de aparência nada presidencial, inova à sua maneira também neste campo. Pois, na verdade Ahmadinejad está, na teocracia iraniana, mais para primeiro-ministro do que presidente. Dessa forma, poderíamos chamá-lo quando muito de subditador, subordinado que é ao Ayatollah Ali Khamenei, Líder Supremo do Irã.
Dos excessos da ditadura dos ayatollahs, da bárbara repressão contra os movimentos de pacífica resistência democrática, dos farsescos julgamentos feitos para coagir a população e que não se pejam de condenar à morte por supostos delitos de opinião cidadãos iranianos, das torturas e ignominiosas sevícias que emulam às do regime do Xá, é geral o conhecimento e a repulsa dos países democráticos.
Nada disso carece de ser demonstrado ou sequer discutido. São tópicos de amplo consenso, como é igualmente generalizada a convicção que afasta Ahmadinejad, o negador do Holocausto, de ser recebido por governantes ocidentais.
O que cabe perguntar será que motivos terão induzido o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva a reiterar, em ocasião tão inoportuna, o convite ao senhor Mahmoud Ahmadinejad.
Será acaso o incremento do intercâmbio comercial ? Desde os tempos de Fernando Collor se fala dessa perspectiva. Contudo, o comércio bilateral, pelo seu acentuado desequilíbrio – que nos favorece -, parece ter poucas condições de crescimento, pela falta de o que comprar do Irã, sendo o petróleo o seu principal produto de exportação.
No domínio político, se nos ativermos aos interesses e objetivos da democracia brasileira, tampouco deparamos horizontes comuns. É um escárnio que este senhor seja recebido pelos presidentes de Senado e Câmara. A par dos problemas que enfrentam, seria crível deles esperar atitude sobranceira, que marcasse posição contra representante de regime autoritário, em que só ingressam no parlamento os aprovados pelo crivo dos ayatollahs ?
Mais se analise a questão, e mais se reforça o juízo de que a insistência na visita denota um aventureirismo ideológico, que é por sua vez decorrência – sobretudo no segundo mandato de Lula – de veleitário protagonismo que pouco ou nada tem a ver com as concepções prevalentes em chancelaria digna deste nome.
Menosprezando os interesses permanentes de Estado, sopram aos ouvidos de Lula – já inebriado na cena internacional por cumprimentos que acredita duradouros – iniciativas controversas. Assim, a estranha acolhida de Zelaya como ‘hóspede’ na embaixada em Honduras, a quase hostilidade à Colômbia e os respaldos repetidos ao caudilho Chávez, e agora, no instante em que Teerã volta atrás em acordo sobre o seu projeto nuclear, a defesa por Nosso Guia do direito do Irã a um programa nuclear para uso pacífico...
Quem a esta altura pode crer nas boas intenções do regime iraniano em desenvolver o átomo com intúitos de paz ? Como abraçar este senhor para as objetivas da imprensa, e julgar possível dar-lhe caução, sem incorrer nas consequências da falta de atendibilidade ?
Se tem Lula alguma visão, além do gesto imediato de receber com rapapés um pária internacional, pensará acaso que ouvir os cantos da sereia de passadas ideologias lhe ajudará a mantê-lo no pedestal, em que o colocaram os que agora, sem válida motivação, estouvadamente contraria ?
segunda-feira, 23 de novembro de 2009
Ainda acerca de Cesare Battisti
Oficialmente, a questão do destino de Cesare Battisti voltou à competência do Presidente da República. O Supremo Tribunal Federal, depois de anular, por cinco votos a quatro, o status de refugiado político do italiano, por um mesmo placar, tomou decisão que tanto na Corte, quanto fora dela, gerou perplexidade. Embora o STF recomende a extradição, para a maioria do colegiado a sentença não é determinativa, pois estabelece que a palavra final sobre Battisti cabe ao Presidente da República.
Tem-se observado na imprensa uma quase unanimidade a respeito de o que fazer com o italiano. Nesse sentido, há persistente miopia dos órgãos de comunicação na descrição do caso do fugitivo que pensara encontrar acolhida no Brasil, tão próximo da Itália por sua gente e costumes.
Na maior parte das vezes, o resumo do próprio histórico é bastante distorcido, e sobretudo pelas inúmeras omissões de tudo o que possa favorecer-lhe.
Battisti é dado como condenado por quatro homicídios. O que falta ? Não se explicita que foi condenado in absentia, e por força de testemunho da chamada delação premiada.
Como ele se achava revel, não dispôs de defesa, e, portanto, inexistiu contraditório para as acusações do delator premiado, que o responsabilizara por quatro homicídios.
Forçoso igualmente é assinalar que o clamor na Itália a cercar a sorte de Cesare Battisti não tem qualquer relação com o obscuro papel que ele porventura exercera no movimento das brigadas vermelhas. Se não sei se cabe a expressão do Ministro Tarso Genro de um fascismo galopante, afigura- se decerto inegável a instrumentalização política do contencioso de parte de ministros do gabinete Berlusconi. Por outro lado, esta radicalização se situa mais à direita (os antigos neofascistas, que apoiam Berlusconi), posto que também na esquerda (o presidente Napolitano e o ex-primeiro ministro Massimo D’Alema) sejam favoráveis à extradição.
Outra estranha omissão na trajetória de Cesare Battisti, nas diatribes da direita brasileira, é o que denominaria de parêntese de François Mitterrand. Durante os catorze anos de sua presidência, conforme à orientação francesa de dar abrigo aos perseguidos políticos, Battisti, enquanto lá permaneceu, não só pôde trabalhar, mas também não foi incomodado por qualquer iniciativa oficial italiana. Que dizer então de atitude similar à presente algazarra, como se do dia para a noite aquele que se deixara em sossego se transformara em virtual inimigo público número um ? Acaso o mérito das ações italianas dependerá não da causa judicial em si, mas da autoridade e do Estado que dêem proteção ao foragido ?
Mas as perplexidades provocadas pela questão Battisti não páram aí. Em noticiário d’ O Estado de São Paulo sobre o tema, se refere que o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, disse ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que não vê problemas diplomáticos em uma recusa do governo brasileiro de extraditar Battisti. De acordo com assessor do Planalto, Berlusconi afirmou que o desfecho do caso, seja qual for, não afetará a amizade entre Itália e Brasil.
Se o tradutor de Lula entendeu bem o teor da declaração de Berlusconi, como interpretar a notícia veiculada por O Globo, na sua coluna política de ontem, de que “(h)á oito meses a Itália se recusa a receber as credenciais do novo embaixador do Brasil, José Viegas. O governo de (...) Berlusconi acha que, agindo assim, dobrará o presidente Lula no caso do refugiado Cesare Battisti.”
Não quero crer que seja verdadeira a truculência acima referida. Por que tal recusa, em um país com o número de embaixadas representadas junto ao Estado italiano, não semelha de implementação factível, por um espaço de oito meses. Haveria enorme acúmulo de chefes de missão a apresentar credenciais – a precedência na data de chegada é que determina a ordem na apresentação das credenciais. Assim, se por três ou quatro meses, seria ainda manejável o acúmulo de embaixadores na fila de espera, em oito meses não é pensável que tal esquema continue exequivel. Tampouco se pode cogitar de que Berlusconi, ou preposto seu, tenha mandado alterar a ordem de chegada no país, em detrimento de nosso representante. Nenhuma chancelaria ou governo que se preze poderia aceitar tal afronta.
Como a Justiça não costuma ter pressa, a comunicação oficial do Supremo à Presidência deve tardar. Dados os prazos para as correções dos votos respectivos, a par da dificuldade do Ministro Peluso de entender a sentença, o acórdão pode chegar às mãos presidenciais já em 2010, consoante aventam alguns.
Diante do nervosismo e da excitação de muitos, uma pausa como esta poderá até arrefecer os ânimos. De qualquer forma, se o Ministro da Justiça ficar calado por um tanto, e o Presidente igualmente cessar com suas divagações incidentais acerca de decisão que lhe incumbe ex-officio, aguardaremos talvez mais confiantes a palavra final do Primeiro Magistrado da Nação.
E que seja conforme às generosas tradições brasileiras, dentro de nossa vocação de grande país democrático.
Tem-se observado na imprensa uma quase unanimidade a respeito de o que fazer com o italiano. Nesse sentido, há persistente miopia dos órgãos de comunicação na descrição do caso do fugitivo que pensara encontrar acolhida no Brasil, tão próximo da Itália por sua gente e costumes.
Na maior parte das vezes, o resumo do próprio histórico é bastante distorcido, e sobretudo pelas inúmeras omissões de tudo o que possa favorecer-lhe.
Battisti é dado como condenado por quatro homicídios. O que falta ? Não se explicita que foi condenado in absentia, e por força de testemunho da chamada delação premiada.
Como ele se achava revel, não dispôs de defesa, e, portanto, inexistiu contraditório para as acusações do delator premiado, que o responsabilizara por quatro homicídios.
Forçoso igualmente é assinalar que o clamor na Itália a cercar a sorte de Cesare Battisti não tem qualquer relação com o obscuro papel que ele porventura exercera no movimento das brigadas vermelhas. Se não sei se cabe a expressão do Ministro Tarso Genro de um fascismo galopante, afigura- se decerto inegável a instrumentalização política do contencioso de parte de ministros do gabinete Berlusconi. Por outro lado, esta radicalização se situa mais à direita (os antigos neofascistas, que apoiam Berlusconi), posto que também na esquerda (o presidente Napolitano e o ex-primeiro ministro Massimo D’Alema) sejam favoráveis à extradição.
Outra estranha omissão na trajetória de Cesare Battisti, nas diatribes da direita brasileira, é o que denominaria de parêntese de François Mitterrand. Durante os catorze anos de sua presidência, conforme à orientação francesa de dar abrigo aos perseguidos políticos, Battisti, enquanto lá permaneceu, não só pôde trabalhar, mas também não foi incomodado por qualquer iniciativa oficial italiana. Que dizer então de atitude similar à presente algazarra, como se do dia para a noite aquele que se deixara em sossego se transformara em virtual inimigo público número um ? Acaso o mérito das ações italianas dependerá não da causa judicial em si, mas da autoridade e do Estado que dêem proteção ao foragido ?
Mas as perplexidades provocadas pela questão Battisti não páram aí. Em noticiário d’ O Estado de São Paulo sobre o tema, se refere que o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, disse ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que não vê problemas diplomáticos em uma recusa do governo brasileiro de extraditar Battisti. De acordo com assessor do Planalto, Berlusconi afirmou que o desfecho do caso, seja qual for, não afetará a amizade entre Itália e Brasil.
Se o tradutor de Lula entendeu bem o teor da declaração de Berlusconi, como interpretar a notícia veiculada por O Globo, na sua coluna política de ontem, de que “(h)á oito meses a Itália se recusa a receber as credenciais do novo embaixador do Brasil, José Viegas. O governo de (...) Berlusconi acha que, agindo assim, dobrará o presidente Lula no caso do refugiado Cesare Battisti.”
Não quero crer que seja verdadeira a truculência acima referida. Por que tal recusa, em um país com o número de embaixadas representadas junto ao Estado italiano, não semelha de implementação factível, por um espaço de oito meses. Haveria enorme acúmulo de chefes de missão a apresentar credenciais – a precedência na data de chegada é que determina a ordem na apresentação das credenciais. Assim, se por três ou quatro meses, seria ainda manejável o acúmulo de embaixadores na fila de espera, em oito meses não é pensável que tal esquema continue exequivel. Tampouco se pode cogitar de que Berlusconi, ou preposto seu, tenha mandado alterar a ordem de chegada no país, em detrimento de nosso representante. Nenhuma chancelaria ou governo que se preze poderia aceitar tal afronta.
Como a Justiça não costuma ter pressa, a comunicação oficial do Supremo à Presidência deve tardar. Dados os prazos para as correções dos votos respectivos, a par da dificuldade do Ministro Peluso de entender a sentença, o acórdão pode chegar às mãos presidenciais já em 2010, consoante aventam alguns.
Diante do nervosismo e da excitação de muitos, uma pausa como esta poderá até arrefecer os ânimos. De qualquer forma, se o Ministro da Justiça ficar calado por um tanto, e o Presidente igualmente cessar com suas divagações incidentais acerca de decisão que lhe incumbe ex-officio, aguardaremos talvez mais confiantes a palavra final do Primeiro Magistrado da Nação.
E que seja conforme às generosas tradições brasileiras, dentro de nossa vocação de grande país democrático.
domingo, 22 de novembro de 2009
Continua a Censura
Enquanto se aguarda que o Ministro Cezar Peluso conheça do recurso de reclamação do Estado de São Paulo e conceda a solicitada liminar suspendendo a censura judicial àquele jornal no que tange às reportagens investigativas da Operação Boi Barrica da Polícia Federal contra Fernando Sarney, esta forma de censura continua a manifestar-se também no interior do país.
Como se verá do relato abaixo, qualquer magistrado com um mínimo de responsabilidade democrática há de forçosamente convir que o momento está mais do que maduro para a formulação pelo Supremo Tribunal Federal de súmula vinculante para varrer os incontáveis abusos de autoridade, e a consequente imposição de ilegais e inconstitucionais mordaças contra jornalistas e meios de comunicação, a pedido as mais das vezes dos chamados fichas-sujas, isto é, políticos que são objeto de uma ou mais ações judiciais por danos contra o Erário público e outros crimes.
No Mato Grosso.
No dia dez de novembro corrente o juiz Pedro Sakamoto, da 13ª Vara Cível, atendeu a pedido de liminar do deputado José Geraldo Riva (PP), presidente da Assembleia Legislativa do Mato Grosso, que se disse vítima de dano moral. O juiz Sakamoto proibiu os blogueiros Adriana Vandoni e Enock Cavalcanti, responsáveis pelos blogs Prosa e Política, e Página do E, de “emitir opiniões pessoais pelas quais atribuuam (ao deputado) a prática de crime sem que haja decisão judicial com trânsito em julgado que confirme a acusação.” O juiz Sakamoto também determinou que os dois textos sobre o deputado sejam retirados do blog Página do E.
Assinale-se que o Deputado Riva é alvo de 92 ações civis públicas propostas pelo Ministério Público, nas quais é acusado de desviar cerca de R$450 milhões da Assembleia.
Não param aí as decisões do juiz Sakamoto, de proteção à suposta vítima de damos morais deputado Riva. O aludido juiz proibiu a Ademar Adams, diretor da Moral, que se manifeste sobre alegados atos de corrupção que envolvem o presidente da Assembleia. Atingidos igualmente pela mordaça judicial o jornalista Antonio Cavalcanti e o advogado Vilson Neri, integrantes do Movimento de Combate contra a Corrupção Eleitoral (MCCE).
Adams pretende divulgar na semana entrante carta aberta ao juiz Sakamoto, na qual afirma que o Estado não pode interferir na opinião de um jornalista. Segundo afiança, o deputado Riva o processou para atingir a ONG de que se faz parte – o MCCE, um dos promotores da campanha Ficha Limpa, que, como se sabe, pretende impedir políticos processados por corrupção de participar das eleições.
Por outro lado, os dois blogueiros acima citados – Adriana Vandoni e Enock Cavalcanti – vão recorrer também nesta semana ao Tribunal de Justiça do Estado, com o intúito de derrubar a censura imposta no passado dia dez pelo juíz Pedro Sakamoto.
E no Amapá.
Foi aprovada, a dezenove de novembro, por jornalistas e blogueiros, ao ensejo de Conferência Estadual de Comunicação, moção de repúdio contra o Presidente do Senado, José Sarney, a quem increpam de cercear a liberdade de expressão ao mover mais de cem ações durante a campanha eleitoral de 2006. Dentre os atingidos pelas ditas ações, está a jornalista Alcinéia Cavalcanti, que deve mais de R$2 milhões em multas contra o blog que mantinha, aplicadas pelo Tribunal Regional Eleitoral.
Alcinéia teve que tirar o blog do ar, por que não tem a menor condição de pagar tal valor de multa, consoante declarou (ela responde a vinte processos).
Por sua vez, o jornalista Antonio Correa Neto – que responde a dezessete processos – declara que parou de contar quanto devia depois de passar de R$ l milhão. “O que mais me surpreende”, segundo assevera, “é que ninguém pediu direito de resposta, simplesmente a multa foi aplicada.”
Apesar de useiro e vezeiro de recorrer a processos contra jornalistas de oposição,com claros propósitos de intimidação, segundo o que afirma Chico Mendonça, seu assessor de imprensa, “as ações não foram patrocinadas pelo senador, mas pelo advogado da coligação que o elegeu, Fernando Aquino”. Infelizmento o dr. Aquino não estava disponível para fornecer maiores esclarecimentos...
Entrementes, no gabinete do Deputado Michel Temer...
Como o projeto de lei de iniciativa popular que veta a candidatura dos políticos com condenação na Justiça – entregue há quase dois meses, de forma pública, por comissão do MCCE (Movimento de Combate contra a Corrupção Eleitoral) ao próprio Presidente da Câmara –
continua a dormir em alguma envergonhada gaveta da Câmara baixa, o Deputado Michel Temer recebeu membros do referido MCCE – com o Secretário-Geral da CNBB, Dom Dimas Lara, à frente.
O MCCE está preocupado com a paralísia na tramitação da proposta (com um milhão e trezentas mil firmas). Por causa disso, acreditam que há desconhecimento acerca do teor do projeto, e daí a resistência de parte de deputados.
Como é seu feitio, o deputado Michel Temer – que, ao ensejo da entrega da proposta não se furtara a indicar pontos em que entrevia ‘dificuldades’ – recebeu com sorrisos obsequiosos a D. Dimas, da CNBB, e seus acompanhantes. Ponderou, a respeito, ‘o acúmulo da pauta da Câmara’ e aduziu que ‘irá conversar com os líderes’.
As resistências contra o projeto se explicam mui facilmente a partir do grande número de deputados (e senadores) que são objeto justamente de ações judiciais. Ora, o projeto de iniciativa popular propõe que não se conceda registro de candidatura a políticos que tenham sido condenados em primeira instância, por crimes graves, v.g., contra a vida e a administração e patrimônio públicos.
A má-vontade de todos os partidos é um espelho às avessas da diferença nos critérios de priorização ética entre a sociedade civil e os seus mandatários. Diante das declarações evasivas e até mesmo negativas de Suas Excelências, cresce, por entre os modos melífluos e atenciosos do Presidente Temer, a certeza de que será indispensável campanha de informação junto à opinião pública muito mais enfática e politicamente empenhada, de parte do MCCE (e de órgãos de comunicação).
A resistência corporativa do Congresso só será vencida se ficar claro o preço político que deputados e senadores eventualmente pagarão de uma sociedade revoltada com os indizíveis parâmetros morais e éticos que alardeia, na sua empáfia alienada, a grande, esmagadora maioria ora presente na Câmara e Senado Federal.
( Fontes: O Estado de São Paulo e O Globo )
Como se verá do relato abaixo, qualquer magistrado com um mínimo de responsabilidade democrática há de forçosamente convir que o momento está mais do que maduro para a formulação pelo Supremo Tribunal Federal de súmula vinculante para varrer os incontáveis abusos de autoridade, e a consequente imposição de ilegais e inconstitucionais mordaças contra jornalistas e meios de comunicação, a pedido as mais das vezes dos chamados fichas-sujas, isto é, políticos que são objeto de uma ou mais ações judiciais por danos contra o Erário público e outros crimes.
No Mato Grosso.
No dia dez de novembro corrente o juiz Pedro Sakamoto, da 13ª Vara Cível, atendeu a pedido de liminar do deputado José Geraldo Riva (PP), presidente da Assembleia Legislativa do Mato Grosso, que se disse vítima de dano moral. O juiz Sakamoto proibiu os blogueiros Adriana Vandoni e Enock Cavalcanti, responsáveis pelos blogs Prosa e Política, e Página do E, de “emitir opiniões pessoais pelas quais atribuuam (ao deputado) a prática de crime sem que haja decisão judicial com trânsito em julgado que confirme a acusação.” O juiz Sakamoto também determinou que os dois textos sobre o deputado sejam retirados do blog Página do E.
Assinale-se que o Deputado Riva é alvo de 92 ações civis públicas propostas pelo Ministério Público, nas quais é acusado de desviar cerca de R$450 milhões da Assembleia.
Não param aí as decisões do juiz Sakamoto, de proteção à suposta vítima de damos morais deputado Riva. O aludido juiz proibiu a Ademar Adams, diretor da Moral, que se manifeste sobre alegados atos de corrupção que envolvem o presidente da Assembleia. Atingidos igualmente pela mordaça judicial o jornalista Antonio Cavalcanti e o advogado Vilson Neri, integrantes do Movimento de Combate contra a Corrupção Eleitoral (MCCE).
Adams pretende divulgar na semana entrante carta aberta ao juiz Sakamoto, na qual afirma que o Estado não pode interferir na opinião de um jornalista. Segundo afiança, o deputado Riva o processou para atingir a ONG de que se faz parte – o MCCE, um dos promotores da campanha Ficha Limpa, que, como se sabe, pretende impedir políticos processados por corrupção de participar das eleições.
Por outro lado, os dois blogueiros acima citados – Adriana Vandoni e Enock Cavalcanti – vão recorrer também nesta semana ao Tribunal de Justiça do Estado, com o intúito de derrubar a censura imposta no passado dia dez pelo juíz Pedro Sakamoto.
E no Amapá.
Foi aprovada, a dezenove de novembro, por jornalistas e blogueiros, ao ensejo de Conferência Estadual de Comunicação, moção de repúdio contra o Presidente do Senado, José Sarney, a quem increpam de cercear a liberdade de expressão ao mover mais de cem ações durante a campanha eleitoral de 2006. Dentre os atingidos pelas ditas ações, está a jornalista Alcinéia Cavalcanti, que deve mais de R$2 milhões em multas contra o blog que mantinha, aplicadas pelo Tribunal Regional Eleitoral.
Alcinéia teve que tirar o blog do ar, por que não tem a menor condição de pagar tal valor de multa, consoante declarou (ela responde a vinte processos).
Por sua vez, o jornalista Antonio Correa Neto – que responde a dezessete processos – declara que parou de contar quanto devia depois de passar de R$ l milhão. “O que mais me surpreende”, segundo assevera, “é que ninguém pediu direito de resposta, simplesmente a multa foi aplicada.”
Apesar de useiro e vezeiro de recorrer a processos contra jornalistas de oposição,com claros propósitos de intimidação, segundo o que afirma Chico Mendonça, seu assessor de imprensa, “as ações não foram patrocinadas pelo senador, mas pelo advogado da coligação que o elegeu, Fernando Aquino”. Infelizmento o dr. Aquino não estava disponível para fornecer maiores esclarecimentos...
Entrementes, no gabinete do Deputado Michel Temer...
Como o projeto de lei de iniciativa popular que veta a candidatura dos políticos com condenação na Justiça – entregue há quase dois meses, de forma pública, por comissão do MCCE (Movimento de Combate contra a Corrupção Eleitoral) ao próprio Presidente da Câmara –
continua a dormir em alguma envergonhada gaveta da Câmara baixa, o Deputado Michel Temer recebeu membros do referido MCCE – com o Secretário-Geral da CNBB, Dom Dimas Lara, à frente.
O MCCE está preocupado com a paralísia na tramitação da proposta (com um milhão e trezentas mil firmas). Por causa disso, acreditam que há desconhecimento acerca do teor do projeto, e daí a resistência de parte de deputados.
Como é seu feitio, o deputado Michel Temer – que, ao ensejo da entrega da proposta não se furtara a indicar pontos em que entrevia ‘dificuldades’ – recebeu com sorrisos obsequiosos a D. Dimas, da CNBB, e seus acompanhantes. Ponderou, a respeito, ‘o acúmulo da pauta da Câmara’ e aduziu que ‘irá conversar com os líderes’.
As resistências contra o projeto se explicam mui facilmente a partir do grande número de deputados (e senadores) que são objeto justamente de ações judiciais. Ora, o projeto de iniciativa popular propõe que não se conceda registro de candidatura a políticos que tenham sido condenados em primeira instância, por crimes graves, v.g., contra a vida e a administração e patrimônio públicos.
A má-vontade de todos os partidos é um espelho às avessas da diferença nos critérios de priorização ética entre a sociedade civil e os seus mandatários. Diante das declarações evasivas e até mesmo negativas de Suas Excelências, cresce, por entre os modos melífluos e atenciosos do Presidente Temer, a certeza de que será indispensável campanha de informação junto à opinião pública muito mais enfática e politicamente empenhada, de parte do MCCE (e de órgãos de comunicação).
A resistência corporativa do Congresso só será vencida se ficar claro o preço político que deputados e senadores eventualmente pagarão de uma sociedade revoltada com os indizíveis parâmetros morais e éticos que alardeia, na sua empáfia alienada, a grande, esmagadora maioria ora presente na Câmara e Senado Federal.
( Fontes: O Estado de São Paulo e O Globo )
sábado, 21 de novembro de 2009
Notícias do Pântano
Sem despertar a atenção de antes, nem ser mais julgada capaz de merecer tratamento prioritário na escala mundial da política internacional, a interminável crise de Honduras se arrasta dentro da presente monotonia das altercações da política interna do país centro-americano.
Com efeito, distantes estão os ecos do inconsueto ingresso de José Manuel Zelaya na missão brasileira – que induziram o Ministro das Relações Exteriores do Brasil a acreditar cabível fosse a questão avocada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas – e da alçada do diapasão das escaramuças entre os grupamentos do presidente interino, Roberto Micheletti, e do presidente deposto, Manuel Zelaya.
A ‘materialização’ de Zelaya na Embaixada do Brasil não teve o efeito estratégico previsto pelo coronel Chávez. Tampouco a criação ad hoc da singular caracterização do presidente deposto como ‘hóspede’ obteve os resultados colimados pelas partes interessadas. A própria modificação do papel da chancelaria nacional – ao invés da concessão do asilo na diplomacia de estado, segundo as normas de direito internacional público, a transformação da embaixada em virtual escritório de campanha de Zelaya e abrigo de dezenas de pessoas, entre familiares, partidários e agregados – tende a apontar para a eventual adequação ao nível das práticas locais.
Nem o acordo costurado pela diplomacia estadunidense, subitamente redesperta após aparente longo letargo, foi em última análise eficaz em vencer o marasmo da quizília e em determinar, por fim, a implementação de solução consensual negociada, antes perseguida com a habitual ineficácia pela OEA, e por vã mediação do Presidente Oscar Arias.
Se os protagonistas da crise terão aquiescido às linhas gerais do acordo, tanto o Congresso deixou de votá-lo no prazo estipulado, quanto Zelaya optou afinal por dissociar-se do texto acordado. Nesses baixios de política interiorana, determinar quem é responsável de que semelha ingrato e inútil trabalho, embora talvez nos partícipes não exista qualquer dúvida sobre o escopo de tão profusas e exasperantes negaças.
O arguto convite evangélico – quem não tem culpa, que lance a primeira pedra – lá seria bem compreendido, seja por quem desejava subverter o processo eleitoral, seja por quem se excedera na penalização da transgressão.
Tampouco faz sentido tentar impedir a realização do pleito. Comprovada a sua isenção e lisura, quer na campanha e no acesso às urnas, quer na apuração, as distinções entre quem se acha na presidência não se afiguram de maior importância, se levarmos em conta que, estatutariamente, é a justiça quem as preside. A menos que as intenções da parte supostamente perdedora não sejam assim tão cândidas.
Com o passar dos meses, por conseguinte, a centro-americanidade da crise se afirmou sempre mais, acima das fumaças de liderança do caudilho Chávez e de outros associados, por motivos mais ideológicos do que diplomáticos.
Dessarte, terá sido prematuro o lamento de que Washington renunciara à própria liderança abaixo do Rio Grande. À primeira vista, se os instrumentos mudaram, os atuais – começando pelo cancelamento dos vistos diplomáticos – possuem validade similar, posto que tendam a ganhar nas aparências.
Com efeito, distantes estão os ecos do inconsueto ingresso de José Manuel Zelaya na missão brasileira – que induziram o Ministro das Relações Exteriores do Brasil a acreditar cabível fosse a questão avocada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas – e da alçada do diapasão das escaramuças entre os grupamentos do presidente interino, Roberto Micheletti, e do presidente deposto, Manuel Zelaya.
A ‘materialização’ de Zelaya na Embaixada do Brasil não teve o efeito estratégico previsto pelo coronel Chávez. Tampouco a criação ad hoc da singular caracterização do presidente deposto como ‘hóspede’ obteve os resultados colimados pelas partes interessadas. A própria modificação do papel da chancelaria nacional – ao invés da concessão do asilo na diplomacia de estado, segundo as normas de direito internacional público, a transformação da embaixada em virtual escritório de campanha de Zelaya e abrigo de dezenas de pessoas, entre familiares, partidários e agregados – tende a apontar para a eventual adequação ao nível das práticas locais.
Nem o acordo costurado pela diplomacia estadunidense, subitamente redesperta após aparente longo letargo, foi em última análise eficaz em vencer o marasmo da quizília e em determinar, por fim, a implementação de solução consensual negociada, antes perseguida com a habitual ineficácia pela OEA, e por vã mediação do Presidente Oscar Arias.
Se os protagonistas da crise terão aquiescido às linhas gerais do acordo, tanto o Congresso deixou de votá-lo no prazo estipulado, quanto Zelaya optou afinal por dissociar-se do texto acordado. Nesses baixios de política interiorana, determinar quem é responsável de que semelha ingrato e inútil trabalho, embora talvez nos partícipes não exista qualquer dúvida sobre o escopo de tão profusas e exasperantes negaças.
O arguto convite evangélico – quem não tem culpa, que lance a primeira pedra – lá seria bem compreendido, seja por quem desejava subverter o processo eleitoral, seja por quem se excedera na penalização da transgressão.
Tampouco faz sentido tentar impedir a realização do pleito. Comprovada a sua isenção e lisura, quer na campanha e no acesso às urnas, quer na apuração, as distinções entre quem se acha na presidência não se afiguram de maior importância, se levarmos em conta que, estatutariamente, é a justiça quem as preside. A menos que as intenções da parte supostamente perdedora não sejam assim tão cândidas.
Com o passar dos meses, por conseguinte, a centro-americanidade da crise se afirmou sempre mais, acima das fumaças de liderança do caudilho Chávez e de outros associados, por motivos mais ideológicos do que diplomáticos.
Dessarte, terá sido prematuro o lamento de que Washington renunciara à própria liderança abaixo do Rio Grande. À primeira vista, se os instrumentos mudaram, os atuais – começando pelo cancelamento dos vistos diplomáticos – possuem validade similar, posto que tendam a ganhar nas aparências.
sexta-feira, 20 de novembro de 2009
Obama e o Estado de Segurança Nacional (II)
No artigo anterior, aludimos ao que Garry Wills elenca como os principais traços do estado de segurança nacional. Os acrescidos poderes e características desta criatura que se estende e se reforça desde 1941 não dão a impressão de que possam desaparecer, em passe de mágica, pela vontade de novo presidente, de tendência liberal-progressista, eleito por grande coalizão em favor de uma difusa mudança.
Quão arraigadas se acham práticas abusivas, autoritárias e ilegais em diversas instituições do Estado pôde ser determinado em episódios ligados a personalidades, não da Administração Bush, com as suas ideias e projetos fascistóides, mas pertencentes supostamente ao arco liberal-democrático, que se identificam com o partido de Barack Obama.
Talvez os exemplos selecionados por G. Wills pequem por enfoque exclusivista e predeterminado, pois não há negar que a nova Administração tomou medidas relevantes no sentido do retorno à grande via constitucional, que comumente se associa com a tradição americana. Nesse campo, merecem citação o não à tortura, o fechamento da prisão de Guantánamo, e o reconhecimento da continuada vigência de tratados internacionais e leis nacionais, considerados por Bush e companhia como não mais suscetíveis de aplicação nos tempos da guerra contra o terror.
Feitas tais ressalvas, as amostras pinçadas por Wills não são de molde a tranquilizar-nos quanto às reais perspectivas de re-formação de um Estado que não só pareça, mas que seja efetivamente de direito, expurgado da chusma de recursos a que a Administração Bush jr. não terá por certo inventado na sua totalidade.
Na audiência de confirmação de Leon Panetta – que foi um dos chefes de gabinete de Bill Clinton – para ser diretor da CIA, declarou ele que não pretendia desfazer-se das chamadas “transferências extraordinárias” (extraordinary rendition), como eventual instrumento de ação da sua agência. Não se ignora o que isto significa: transferir, em segredo, elementos detidos, para serem interrogados em países amigos, de acordo com o tratamento que aí dispensam aos presos.
Elena Kagan, designada para Solicitadora Geral (cargo de alto escalão no Ministério da Justiça), afirmou na sabatina congressual que concordava com o entendimento de John Yoo que um terrorista capturado deveria ser submetido à “ lei do combate”. A par da discutível interpretação da senhora Kagan à luz da legislação pertinente, é importante assinalar que John Yoo está por trás da famigerada flexibilidade de Bush e de seus Ministros da Justiça para viabilizar a aplicação de métodos de interrogatório que, na verdade, eram mal disfarçada tortura. De resto, não foi por acaso que o juiz Baltasar Garzón incluíu John C. Yoo entre seus indiciados em recente mandado internacional de prisão (V. meu blog Baltasar Garzón, o Juiz, de 30.III.2009)
O Attorney-General (Procurador-Geral, que é na verdade o Ministro da Justiça) Eric Holder não se pejou de invocar “segredos de Estado” para abortar a realização de julgamento por júri. Baseou-se na dúbia jurisprudência do caso Reynolds.
O Presidente Obama recusou a liberação para a imprensa de fotos relativas a enhanced interrogation (interrogatório com tortura). Anteriormente, a CIA ilegalmente destruíra 92 videoteipes de tais interrogatórios – e, solicitado, Obama se negou a liberar documentos que descreviam as fitas.
Também se afigura controversa a postura de Obama de que os crimes cometidos a título oficial ( na Administração anterior ) não serão investigados, nem mesmo por Comissão de Verdade. Ao invés, não excluíu a possibilidade de que pessoas detidas possam ser julgadas por ‘tribunais militares’.
Segundo entende Wills, fora da área dita de segurança nacional, igualmente a Administração Obama não parece diferenciar-se muito da de Bush. Militares gays, incluindo aqueles com válido conhecimento da língua árabe, estão sendo despedidos no mesmo ritmo do governo anterior. Houve muitas objeções quando Dick Cheney se recusou a revelar que diretores de empresas de energia haviam visitado a Casa Branca em 2002, embora a Primeira Dama Hillary Clinton tivesse sido forçada a declarar que assessores na área da saúde a tinham visitado (quando chefiou a malograda tentativa do governo Clinton de fazer aprovar reforma sanitária). Também o staff de Obama se negou a tornar públicos, em junho último, os registros de visitantes da Casa Branca, a que mais tarde foi obrigado, por força de processo judicial.
A presente resistência do establishment da segurança nacional em adequar os respectivos processos aos procedimentos usuais em tempos de paz se torna menos difícil de entender pela extensão e tamanho de sua articulação, inda que invisível para a opinião pública. Os Estados Unidos mantêm cerca de mil bases militares em outros países. Garry Wills frisa que se trata de estimativa, porque o número exato, localização e dimensões das bases se acham cobertos pelo sigilo que, em muitos casos, visa a proteger instalações nucleares.
Exemplo significativo desse sistema imperial é a ilha de Diego García, no Oceano Índico. Para evitar exame congressual, foi cedida em arrendamento secreto pelo Reino Unido aos Estados Unidos. Reeditando prática que na Grécia antiga era utilizada por Esparta e Atenas, entre outras grandes cidades-estado, recolonizando as cidades vencidas, enquanto a sua população era delas expulsa, os dois mil chagossianos, habitantes da ilha foram deportados para outro continente (e até hoje se encontram na prática em um limbo judicial, conquanto continuem a lutar por seus direitos). Entrementes, Diego Garcia se transformou em enorme base militar, depósito de armamento, sítio de lançamento, de onde partem ataques aéreos concernentes ao Oriente Médio,e em especial Golfo Pérsico, Iraque e Afeganistão. É uma área a que os jornalistas não têm acesso.
O legado do império, o peso da superpotência constitui para governante como Barack Obama - escolhido pelo povo americano como mensageiro da mudança - um manto que simboliza, em seu porte e esplendor, todas as contradições inerentes a esse gênero de organização.
Como todas as peças de acusação, o artigo de Wills se ressente da própria unilateralidade. Em esfera tão ampla de depoimentos da nova Administração, no processo de confirmação estadunidense, não deve assombrar que gafes e escorregões apareçam. Há lapsos que devem ser relevados e outros, não. O Presidente Obama não pode ser responsabilizado por muitas dessas atitudes, que podem, inclusive, estar fora de contexto. Há, no entanto, exemplos que merecem urgente correção, como a preferência de Panetta pelo eventual emprego da infame “ extraordinary rendition”.
Dada a multiplicidade de tarefas que foram lançadas à sua porta por uma gestão falimentar – começando pela maior crise econômico-financeira desde a grande depressão dos anos trinta – não se afigura nem sensato, nem realista que dele se exijam providências em todas as direções para corrigir atos e situações implementadas em muitas décadas. Já foi dito que a jornada de mil milhas se inicia com uma simples passada.
A despeito do preparo jurídico, capacidade oratória, e inegável carisma, Barack Obama carece de continuar o próprio aprendizado executivo, em sede e cargo de tal relevo e exigência. Tempos árduos, em atmosfera não exatamente benévola, o 44º Presidente dos Estados Unidos tem muito chão pela frente.
A severidade do observador é decerto importante e, por vezes, necessária. Mas não será tudo. Como se poderá construir, se não concedemos um prazo razoável, marcado pelo bom senso ? Obama traz em si elementos de indubitável grandeza. Calcar demasiado no negativismo, pode ser confundido com impertinência.
Não será descabido, portanto, estender-lhe o prazo de confiança. Quem sabe, não nos aproveitará a todos com isto ?
Quão arraigadas se acham práticas abusivas, autoritárias e ilegais em diversas instituições do Estado pôde ser determinado em episódios ligados a personalidades, não da Administração Bush, com as suas ideias e projetos fascistóides, mas pertencentes supostamente ao arco liberal-democrático, que se identificam com o partido de Barack Obama.
Talvez os exemplos selecionados por G. Wills pequem por enfoque exclusivista e predeterminado, pois não há negar que a nova Administração tomou medidas relevantes no sentido do retorno à grande via constitucional, que comumente se associa com a tradição americana. Nesse campo, merecem citação o não à tortura, o fechamento da prisão de Guantánamo, e o reconhecimento da continuada vigência de tratados internacionais e leis nacionais, considerados por Bush e companhia como não mais suscetíveis de aplicação nos tempos da guerra contra o terror.
Feitas tais ressalvas, as amostras pinçadas por Wills não são de molde a tranquilizar-nos quanto às reais perspectivas de re-formação de um Estado que não só pareça, mas que seja efetivamente de direito, expurgado da chusma de recursos a que a Administração Bush jr. não terá por certo inventado na sua totalidade.
Na audiência de confirmação de Leon Panetta – que foi um dos chefes de gabinete de Bill Clinton – para ser diretor da CIA, declarou ele que não pretendia desfazer-se das chamadas “transferências extraordinárias” (extraordinary rendition), como eventual instrumento de ação da sua agência. Não se ignora o que isto significa: transferir, em segredo, elementos detidos, para serem interrogados em países amigos, de acordo com o tratamento que aí dispensam aos presos.
Elena Kagan, designada para Solicitadora Geral (cargo de alto escalão no Ministério da Justiça), afirmou na sabatina congressual que concordava com o entendimento de John Yoo que um terrorista capturado deveria ser submetido à “ lei do combate”. A par da discutível interpretação da senhora Kagan à luz da legislação pertinente, é importante assinalar que John Yoo está por trás da famigerada flexibilidade de Bush e de seus Ministros da Justiça para viabilizar a aplicação de métodos de interrogatório que, na verdade, eram mal disfarçada tortura. De resto, não foi por acaso que o juiz Baltasar Garzón incluíu John C. Yoo entre seus indiciados em recente mandado internacional de prisão (V. meu blog Baltasar Garzón, o Juiz, de 30.III.2009)
O Attorney-General (Procurador-Geral, que é na verdade o Ministro da Justiça) Eric Holder não se pejou de invocar “segredos de Estado” para abortar a realização de julgamento por júri. Baseou-se na dúbia jurisprudência do caso Reynolds.
O Presidente Obama recusou a liberação para a imprensa de fotos relativas a enhanced interrogation (interrogatório com tortura). Anteriormente, a CIA ilegalmente destruíra 92 videoteipes de tais interrogatórios – e, solicitado, Obama se negou a liberar documentos que descreviam as fitas.
Também se afigura controversa a postura de Obama de que os crimes cometidos a título oficial ( na Administração anterior ) não serão investigados, nem mesmo por Comissão de Verdade. Ao invés, não excluíu a possibilidade de que pessoas detidas possam ser julgadas por ‘tribunais militares’.
Segundo entende Wills, fora da área dita de segurança nacional, igualmente a Administração Obama não parece diferenciar-se muito da de Bush. Militares gays, incluindo aqueles com válido conhecimento da língua árabe, estão sendo despedidos no mesmo ritmo do governo anterior. Houve muitas objeções quando Dick Cheney se recusou a revelar que diretores de empresas de energia haviam visitado a Casa Branca em 2002, embora a Primeira Dama Hillary Clinton tivesse sido forçada a declarar que assessores na área da saúde a tinham visitado (quando chefiou a malograda tentativa do governo Clinton de fazer aprovar reforma sanitária). Também o staff de Obama se negou a tornar públicos, em junho último, os registros de visitantes da Casa Branca, a que mais tarde foi obrigado, por força de processo judicial.
A presente resistência do establishment da segurança nacional em adequar os respectivos processos aos procedimentos usuais em tempos de paz se torna menos difícil de entender pela extensão e tamanho de sua articulação, inda que invisível para a opinião pública. Os Estados Unidos mantêm cerca de mil bases militares em outros países. Garry Wills frisa que se trata de estimativa, porque o número exato, localização e dimensões das bases se acham cobertos pelo sigilo que, em muitos casos, visa a proteger instalações nucleares.
Exemplo significativo desse sistema imperial é a ilha de Diego García, no Oceano Índico. Para evitar exame congressual, foi cedida em arrendamento secreto pelo Reino Unido aos Estados Unidos. Reeditando prática que na Grécia antiga era utilizada por Esparta e Atenas, entre outras grandes cidades-estado, recolonizando as cidades vencidas, enquanto a sua população era delas expulsa, os dois mil chagossianos, habitantes da ilha foram deportados para outro continente (e até hoje se encontram na prática em um limbo judicial, conquanto continuem a lutar por seus direitos). Entrementes, Diego Garcia se transformou em enorme base militar, depósito de armamento, sítio de lançamento, de onde partem ataques aéreos concernentes ao Oriente Médio,e em especial Golfo Pérsico, Iraque e Afeganistão. É uma área a que os jornalistas não têm acesso.
O legado do império, o peso da superpotência constitui para governante como Barack Obama - escolhido pelo povo americano como mensageiro da mudança - um manto que simboliza, em seu porte e esplendor, todas as contradições inerentes a esse gênero de organização.
Como todas as peças de acusação, o artigo de Wills se ressente da própria unilateralidade. Em esfera tão ampla de depoimentos da nova Administração, no processo de confirmação estadunidense, não deve assombrar que gafes e escorregões apareçam. Há lapsos que devem ser relevados e outros, não. O Presidente Obama não pode ser responsabilizado por muitas dessas atitudes, que podem, inclusive, estar fora de contexto. Há, no entanto, exemplos que merecem urgente correção, como a preferência de Panetta pelo eventual emprego da infame “ extraordinary rendition”.
Dada a multiplicidade de tarefas que foram lançadas à sua porta por uma gestão falimentar – começando pela maior crise econômico-financeira desde a grande depressão dos anos trinta – não se afigura nem sensato, nem realista que dele se exijam providências em todas as direções para corrigir atos e situações implementadas em muitas décadas. Já foi dito que a jornada de mil milhas se inicia com uma simples passada.
A despeito do preparo jurídico, capacidade oratória, e inegável carisma, Barack Obama carece de continuar o próprio aprendizado executivo, em sede e cargo de tal relevo e exigência. Tempos árduos, em atmosfera não exatamente benévola, o 44º Presidente dos Estados Unidos tem muito chão pela frente.
A severidade do observador é decerto importante e, por vezes, necessária. Mas não será tudo. Como se poderá construir, se não concedemos um prazo razoável, marcado pelo bom senso ? Obama traz em si elementos de indubitável grandeza. Calcar demasiado no negativismo, pode ser confundido com impertinência.
Não será descabido, portanto, estender-lhe o prazo de confiança. Quem sabe, não nos aproveitará a todos com isto ?
quinta-feira, 19 de novembro de 2009
Lula e a decisão do caso Battisti
Mais do que a imagem do Brasil como país soberano, na decisão do destino de Cesare Battisti está em jogo qual é efetivamente a posição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de seu governo no concerto das Nações.
A soberania brasileira não é conceito para frases retóricas, nem, como certos remédios nas farmácias, instrumento que deva ser usado em pouquíssimas vezes. Em outras palavras, a soberania é característica inerente à nação brasileira, e carece de ser defendida e salvaguardada sempre que necessário, levados em conta unicamente os nossos interesses. Soberania, se é conceito relacional – pois só se explicita em mundo plural - apenas admite limitações autoimpostas e de validade geral (v.g., a exterritorialidade das missões diplomáticas), mas como projeção será sempre una, não admitindo variações segundo as eventuais contrapartes. Como outros atributos e características essenciais, não admite mutações oportunistas consoante situações eventuais: um país ou é soberano, ou não é.
Está em baila o que será feito da sorte de Cesare Battisti, que no passado participou das Brigadas Vermelhas e que, julgado in absentia foi condenado como criminoso comum, por suposta participação em quatro homicídios. Refugiou-se de início na França, nos albores do primeiro setenato do Presidente François Mitterrand. Ali permaneceu em sossego, sem que o Presidente francês fosse acoimado de responsabilidade de homiziar perigoso terrorista, reclamado pelos tribunais e prisões italianas. Nem uma só palavra.
A dúplice razão semelha símples. Mitterrand tinha o costume – que se liga à tradição francesa – de conceder abrigo aos perseguidos por questões políticas, e por isso não daria tento às increpações de que se serve a direita para prejulgar e justificar as próprias exigências (e.g., criminoso comum, terrorista, etc.).
Após passagem pelo México e o retorno à França, já no final do segundo setenato de Mitterrand, Cesare Battisti decide tentar a sorte no Brasil, devido aos novos ventos na França, na presidência de Jacques Chirac.
No Brasil, depois da detenção de Battisti e a posterior concessão pelo Ministro Tarso Genro, do status de refugiado, arguiu-se no Supremo a decisão do Ministro da Justiça. A Itália de Sílvio Berlusconi manifestara o próprio desagrado com a negativa da extradição de forma acintosa e desrespeitosa ao Brasil. Até o Presidente da República Giorgio Napolitano, que é de esquerda, não se pejou de expressar o respectivo assombro (stupore) com a decisão brasileira. Tratou, outrossim, de frisar o seu desapreço ao destinatário, divulgando o teor da carta antes que o Presidente Lula pudesse dela tomar ciência. A extradição de Battisti virou traço de união da direita que apoia a Berlusconi; as maneiras de exprimir tal opinião amiúde deixaram de revestir respeito pela soberania do Brasil. Sería como se fôssemos apodados de nação pouco séria, um país de là-bas[1].
Nesse contexto, há de ter provocado espécie que a Itália se tenha constituído parte no julgamento pelo Supremo do caso Battisti. Ontem, após duas sessões, o STF emitiu a sua sentença.Cinco juízes (Ricardo Lewandowski, Ellen Gracie, Ayres Britto, Cesare Peluso (relator) e, por último, Gilmar Mendes) votaram pela extradição; quatro juízes (Eros Grau, Marco Aurélio, Carmen Lúcia e Joaquim Barbosa), pela permanência de Battisti no Brasil.
Estava, igualmente, em baila, se a decisão do Supremo era determinativa, (i.e., obrigatória) ou opcional (i.e., deixava ao Presidente da República o alvitre de decidir por extradição ou permanência). A despeito dos esforços do ministro Gilmar Mendes, aos quatro juízes contrários à extradição agregou-se o ministro Ayres Britto, dando maioria à posição de deixar ao arbítrio presidencial a decisão de extraditar ou não Cesare Battisti.
Já se especula na imprensa que o presidente Lula determinou à Advocacia-Geral da União que encontre apoio jurídico para a permanência de Battisti no Brasil, o que viria ao encontro da posição manifestada pelo Ministro Tarso Genro. Pelo que consta, Lula estaria cheio de dedos e preocupações em não mortificar o governo italiano, a ponto de pairar como possibilidade real a eventualidade de que, se não encontrada nova fundamentação jurídica a favor do refugiado italiano,este seja extraditado para a Itália, a fim de lá cumprir pena de prisão perpétua.
Que em seu arroubo legalista, Lula não se faça ilusões. Se a peça a sofrer as eventuais consequências de sua decisão seja aparentemente Cesare Battisti, na verdade é a respectiva pessoa e grandeza como Primeiro Magistrado da Nação Brasileira que está em jogo. Ou mostrará que é homem coerente com as próprias ideias e estatura no concerto internacional, ou a montanha há de parir um rato solícito e subserviente, evidenciando pobre concepção da soberania nacional, no pressuroso zelo de atender às pretensões deste fanfarrão da cena mundial, o Presidente do Conselho Silvio Berlusconi.
[1] expressão de menosprezo, antes reservada às longínquas colônias.
A soberania brasileira não é conceito para frases retóricas, nem, como certos remédios nas farmácias, instrumento que deva ser usado em pouquíssimas vezes. Em outras palavras, a soberania é característica inerente à nação brasileira, e carece de ser defendida e salvaguardada sempre que necessário, levados em conta unicamente os nossos interesses. Soberania, se é conceito relacional – pois só se explicita em mundo plural - apenas admite limitações autoimpostas e de validade geral (v.g., a exterritorialidade das missões diplomáticas), mas como projeção será sempre una, não admitindo variações segundo as eventuais contrapartes. Como outros atributos e características essenciais, não admite mutações oportunistas consoante situações eventuais: um país ou é soberano, ou não é.
Está em baila o que será feito da sorte de Cesare Battisti, que no passado participou das Brigadas Vermelhas e que, julgado in absentia foi condenado como criminoso comum, por suposta participação em quatro homicídios. Refugiou-se de início na França, nos albores do primeiro setenato do Presidente François Mitterrand. Ali permaneceu em sossego, sem que o Presidente francês fosse acoimado de responsabilidade de homiziar perigoso terrorista, reclamado pelos tribunais e prisões italianas. Nem uma só palavra.
A dúplice razão semelha símples. Mitterrand tinha o costume – que se liga à tradição francesa – de conceder abrigo aos perseguidos por questões políticas, e por isso não daria tento às increpações de que se serve a direita para prejulgar e justificar as próprias exigências (e.g., criminoso comum, terrorista, etc.).
Após passagem pelo México e o retorno à França, já no final do segundo setenato de Mitterrand, Cesare Battisti decide tentar a sorte no Brasil, devido aos novos ventos na França, na presidência de Jacques Chirac.
No Brasil, depois da detenção de Battisti e a posterior concessão pelo Ministro Tarso Genro, do status de refugiado, arguiu-se no Supremo a decisão do Ministro da Justiça. A Itália de Sílvio Berlusconi manifestara o próprio desagrado com a negativa da extradição de forma acintosa e desrespeitosa ao Brasil. Até o Presidente da República Giorgio Napolitano, que é de esquerda, não se pejou de expressar o respectivo assombro (stupore) com a decisão brasileira. Tratou, outrossim, de frisar o seu desapreço ao destinatário, divulgando o teor da carta antes que o Presidente Lula pudesse dela tomar ciência. A extradição de Battisti virou traço de união da direita que apoia a Berlusconi; as maneiras de exprimir tal opinião amiúde deixaram de revestir respeito pela soberania do Brasil. Sería como se fôssemos apodados de nação pouco séria, um país de là-bas[1].
Nesse contexto, há de ter provocado espécie que a Itália se tenha constituído parte no julgamento pelo Supremo do caso Battisti. Ontem, após duas sessões, o STF emitiu a sua sentença.Cinco juízes (Ricardo Lewandowski, Ellen Gracie, Ayres Britto, Cesare Peluso (relator) e, por último, Gilmar Mendes) votaram pela extradição; quatro juízes (Eros Grau, Marco Aurélio, Carmen Lúcia e Joaquim Barbosa), pela permanência de Battisti no Brasil.
Estava, igualmente, em baila, se a decisão do Supremo era determinativa, (i.e., obrigatória) ou opcional (i.e., deixava ao Presidente da República o alvitre de decidir por extradição ou permanência). A despeito dos esforços do ministro Gilmar Mendes, aos quatro juízes contrários à extradição agregou-se o ministro Ayres Britto, dando maioria à posição de deixar ao arbítrio presidencial a decisão de extraditar ou não Cesare Battisti.
Já se especula na imprensa que o presidente Lula determinou à Advocacia-Geral da União que encontre apoio jurídico para a permanência de Battisti no Brasil, o que viria ao encontro da posição manifestada pelo Ministro Tarso Genro. Pelo que consta, Lula estaria cheio de dedos e preocupações em não mortificar o governo italiano, a ponto de pairar como possibilidade real a eventualidade de que, se não encontrada nova fundamentação jurídica a favor do refugiado italiano,este seja extraditado para a Itália, a fim de lá cumprir pena de prisão perpétua.
Que em seu arroubo legalista, Lula não se faça ilusões. Se a peça a sofrer as eventuais consequências de sua decisão seja aparentemente Cesare Battisti, na verdade é a respectiva pessoa e grandeza como Primeiro Magistrado da Nação Brasileira que está em jogo. Ou mostrará que é homem coerente com as próprias ideias e estatura no concerto internacional, ou a montanha há de parir um rato solícito e subserviente, evidenciando pobre concepção da soberania nacional, no pressuroso zelo de atender às pretensões deste fanfarrão da cena mundial, o Presidente do Conselho Silvio Berlusconi.
[1] expressão de menosprezo, antes reservada às longínquas colônias.
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
É chegada a Hora da Súmula Vinculante
Ainda ontem me ocupei da censura imposta ao jornal Estado de São Paulo por liminar do desembargador Dácio Vieira (TJ-DF), e mantida por diversas vezes, por desembargadores e turmas do mesmo TJ-DF.
Permanecendo a censura por 110 dias, através de recurso especial, denominado de reclamação, o advogado Manuel Alceu Affonso Ferreira, que representa o jornal, requer ao Supremo Tribunal Federal “a suspensão dos recursos (da ação civil) tirados, especialmente o agravo ao qual a 5ª Turma Cível do TJ, sob presidência e relatoria do desembargador Lecir Manoel da Luz, conheceu para, dando-se por incompetente, declinar dessa competência para o Juízo Cível Federal do Maranhão e invocando o ‘poder geral de cautela’, continuar tolhendo ao Estado.”
No documento protocolado no Supremo, com pedido de liminar, solicita-se que o Estado seja liberado para “a regular divulgação das informações que obteve sobre Fernando Sarney e são objeto da impetração judicial inibitória”.
Além de reportar-se à circunstância de que o jornal foi impedido no “exercício do direito-dever jornalístico de comunicar”a seus leitores, o advogado Affonso Ferreira ressaltou que o TJ-DF “desacatou” o histórico julgamento do STF que culminou com a revogação da Lei de Imprensa, do regime autoritário.Assinala-se que a censura judicial foi “operada sob as vestes da proteção aos direitos da personalidade como se a eles pudesse ser forasteiro (...) o fundamental direito à manifestação do pensamento”.
A reclamação faz citação a manifestações de ministros do Supremo, inclusive a do atual Decano, Celso de Mello: “a censura governamental, emanando de qualquer um dos três Poderes, é expressão odiosa da face autoritária do poder público.”
A ação movida por Fernando Sarney, iniciada na 12ª Vara Cível de Brasília – que acertadamente rejeitara a censura – por recurso de agravo do autor foi cair nas mãos de Dácio Vieira, do TJ-DF. Estranhamente este tribunal, após conhecer da questão, e decorrido já tempo considerável, optou, de forma ainda mais estranha, por mandá-la para Juízo Cível do Maranhão. É difícil não ver caráter procrastinante na tortuosa tramitação pelas turmas do TJ-DF, a que se acrescia o forçado regresso para a primeira instância da justiça federal, ora no Maranhão.
Chegada, por oportuna decisão da banca defensora do Estado, à mais alta hierarquia da Justiça nacional, a reclamação do jornal – que porta o lábaro da luta pela liberdade de imprensa desde os dias do Estado Novo – reúne todos os títulos para ser prontamente acolhida mediante liminar do Ministro Cesar Peluso, a quem a ação foi distribuída.
É sabido que a nossa Suprema Corte se tem manifestado contrária à censura judicial. Dada a importância do tema, o simbolismo de o Estado haver sido singularizado para a imposição da mordaça inconstitucional, e a óbvia necessidade de atalhar-se prática solerte e autoritária, que, ao arrepio da Constituição Federal e de sentenças da Corte Constitucional,vem sendo empregada abusivamente – e não só por juízes de primeira instância – semelha ser mais do que oportuna e claramente necessária a formulação pelo Supremo de súmula vinculante.
Não se deve mais permitir que, vezes por ignorância, e muitas outras adrede, em acintoso desrespeito à norma constitucional, reapareça a hidra da censura. Cevada por propósitos inconfessáveis, é mister pôr-se de imediato termo a tal escárnio da democracia brasileira. Por que aguardar-lhe a insolente repetição e não cortar desde já, com a espada da justiça, o nó górdio que enxovalha a Constituição por sentenças ilegais e inconstitucionais, como no caso em tela, e pela incrível extensão de cento e dez dias ?
( Fonte: O Estado de São Paulo )
Permanecendo a censura por 110 dias, através de recurso especial, denominado de reclamação, o advogado Manuel Alceu Affonso Ferreira, que representa o jornal, requer ao Supremo Tribunal Federal “a suspensão dos recursos (da ação civil) tirados, especialmente o agravo ao qual a 5ª Turma Cível do TJ, sob presidência e relatoria do desembargador Lecir Manoel da Luz, conheceu para, dando-se por incompetente, declinar dessa competência para o Juízo Cível Federal do Maranhão e invocando o ‘poder geral de cautela’, continuar tolhendo ao Estado.”
No documento protocolado no Supremo, com pedido de liminar, solicita-se que o Estado seja liberado para “a regular divulgação das informações que obteve sobre Fernando Sarney e são objeto da impetração judicial inibitória”.
Além de reportar-se à circunstância de que o jornal foi impedido no “exercício do direito-dever jornalístico de comunicar”a seus leitores, o advogado Affonso Ferreira ressaltou que o TJ-DF “desacatou” o histórico julgamento do STF que culminou com a revogação da Lei de Imprensa, do regime autoritário.Assinala-se que a censura judicial foi “operada sob as vestes da proteção aos direitos da personalidade como se a eles pudesse ser forasteiro (...) o fundamental direito à manifestação do pensamento”.
A reclamação faz citação a manifestações de ministros do Supremo, inclusive a do atual Decano, Celso de Mello: “a censura governamental, emanando de qualquer um dos três Poderes, é expressão odiosa da face autoritária do poder público.”
A ação movida por Fernando Sarney, iniciada na 12ª Vara Cível de Brasília – que acertadamente rejeitara a censura – por recurso de agravo do autor foi cair nas mãos de Dácio Vieira, do TJ-DF. Estranhamente este tribunal, após conhecer da questão, e decorrido já tempo considerável, optou, de forma ainda mais estranha, por mandá-la para Juízo Cível do Maranhão. É difícil não ver caráter procrastinante na tortuosa tramitação pelas turmas do TJ-DF, a que se acrescia o forçado regresso para a primeira instância da justiça federal, ora no Maranhão.
Chegada, por oportuna decisão da banca defensora do Estado, à mais alta hierarquia da Justiça nacional, a reclamação do jornal – que porta o lábaro da luta pela liberdade de imprensa desde os dias do Estado Novo – reúne todos os títulos para ser prontamente acolhida mediante liminar do Ministro Cesar Peluso, a quem a ação foi distribuída.
É sabido que a nossa Suprema Corte se tem manifestado contrária à censura judicial. Dada a importância do tema, o simbolismo de o Estado haver sido singularizado para a imposição da mordaça inconstitucional, e a óbvia necessidade de atalhar-se prática solerte e autoritária, que, ao arrepio da Constituição Federal e de sentenças da Corte Constitucional,vem sendo empregada abusivamente – e não só por juízes de primeira instância – semelha ser mais do que oportuna e claramente necessária a formulação pelo Supremo de súmula vinculante.
Não se deve mais permitir que, vezes por ignorância, e muitas outras adrede, em acintoso desrespeito à norma constitucional, reapareça a hidra da censura. Cevada por propósitos inconfessáveis, é mister pôr-se de imediato termo a tal escárnio da democracia brasileira. Por que aguardar-lhe a insolente repetição e não cortar desde já, com a espada da justiça, o nó górdio que enxovalha a Constituição por sentenças ilegais e inconstitucionais, como no caso em tela, e pela incrível extensão de cento e dez dias ?
( Fonte: O Estado de São Paulo )
terça-feira, 17 de novembro de 2009
Notícias Censuradas
Na China de Hu Jintao
Na visita à China, conforme seu estilo, Barack Obama não confrontou o regime comunista no controle estatal que restringe o acesso à internet, assim como a operação de redes de contato. No entanto, também consoante o próprio modo de ser, achou modo de referir-se a esse controverso (na RPC e em outras ditaduras) tópico da web.
Segundo a imprensa brasileira, a sua palestra perante estudantes em Shangai teria sido transmitida pela tevê chinesa. Não exatamente. As palavras do presidente, proferidas diante de grupo cuidadosamente selecionado de estudantes, não tiveram cobertura nacional. Ao invés, parte de suas observações, inclusive os comentários acerca da abertura da internet, foram colocados em sites de notícia, nos quais permaneceram apenas por poucas horas.
Parece-me, a propósito, relevante transcrever a íntegra da intervenção de Obama neste ponto sensível (para a RPC e outros regimes ditos fortes).
Perguntado se se deveria estar em condições de utilizar livremente o Twitter, respondeu ele: “Bem, para começar, deixe-me dizer que eu nunca usei o Twitter. Meus dedos são demasiado desajeitados para digitar coisas através de celulares. Devo ser franco, como presidente dos Estados Unidos, existem horas em que desejaria que a informação não fluísse tão livremente, porque então eu não teria de escutar a gente me criticando todo o tempo. No entanto, porque nos Estados Unidos a informação é livre, e tenho uma penca de críticos nos Estados Unidos que podem dizer o que lhes dá na telha a meu respeito, na verdade eu penso que isto torna a nossa democracia mais forte e me faz ser um líder melhor, porque me força a ouvir opiniões que eu não desejo ouvir.”
No Reino de Mantega.
Foi anunciada ontem, conforme antecipado, a demissão de Mário Torós, da diretoria de Política Monetária do Banco Central. Oficialmente, Torós sai por motivos pessoais. Na verdade, é afastado por haver revelado o cenário da atuação do governo, ao ensejo da crise financeira internacional (marolinha, segundo Lula), agravada em setembro de 2008.
Em entrevista ao jornal “Valor Econômico”, Torós fez declarações inabituais para um banqueiro, ao referir-se a que o Ministro da Fazenda então tornara públicas informações estratégicas para segurar o câmbio na crise em outubro de 2008.
Esta inconfidência involuntária do Ministro Mantega custou caro à reserva de dólares do Brasil, eis que o Banco Central teve de torrar preciosos dólares em uma série de leilões para manter o valor do real em níveis que não fossem ruinosos para nossas finanças e economia.
Para o lugar de Torós, entra Aldo Luiz Mendes, que ocupou várias diretorias do Banco do Brasil desde 2001 e que atualmente preside a Companhia de Seguros Aliança do Brasil.
Nos Tribunais de Brasília.
A inconstitucional censura ao Estado de São Paulo, decretada em liminar exarada pelo desembargador Dácio Vieira (TJ-DF) já terá ultrapassado o seu centésimo dia de vigência. Mantida a princípio por decisões interlocutórias, logrou sobreviver inclusive à própria suspeição de quem concedera a liminar. Em duas oportunidades, sempre no âmbito do TJ-DF, a censura foi preservada, malgrado a surpresa de magistrados e de constitucionalistas.
Mandada para a Justiça do Maranhão, nos domínios do clã Sarney – foi seu filho Fernando que solicitou a intervenção judicial para não divulgação das reportagens investigativas do Estado de São Paulo sobre a operação Boi Barrica da Polícia Federal – a banca de advogados que representa o jornal houve por bem fazer recurso ao Superior Tribunal de Justiça.
Afigura-se, por assim dizer, a tramitação normal de um recurso contra a sentença do TJ-DF. No entanto, data venia, dada a relevância do caso, a arbitrariedade da liminar, e o seu manifesto caráter inconstitucional, mais caberia recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal. Dados os inúmeros abusos de juízes não só de comarcas do interior, mas, como se vê no exemplo em tela, na própria Capital da República, semelha que já é mais do que tempo de submeter a questão ao Supremo para que considere a oportunidade de emitir súmula vinculante a respeito da inconstitucionalidade da censura dita judicial.
Com efeito, urge cortar pela raiz este súbito proliferar de decisões judiciais que impõem a censura a jornais e outros meios de comunicação, em total desrespeito ao artigo 5º , inciso IX, e, a fortiori, ao artigo 220, parágrafos 1º e 2º , da Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988.
Na visita à China, conforme seu estilo, Barack Obama não confrontou o regime comunista no controle estatal que restringe o acesso à internet, assim como a operação de redes de contato. No entanto, também consoante o próprio modo de ser, achou modo de referir-se a esse controverso (na RPC e em outras ditaduras) tópico da web.
Segundo a imprensa brasileira, a sua palestra perante estudantes em Shangai teria sido transmitida pela tevê chinesa. Não exatamente. As palavras do presidente, proferidas diante de grupo cuidadosamente selecionado de estudantes, não tiveram cobertura nacional. Ao invés, parte de suas observações, inclusive os comentários acerca da abertura da internet, foram colocados em sites de notícia, nos quais permaneceram apenas por poucas horas.
Parece-me, a propósito, relevante transcrever a íntegra da intervenção de Obama neste ponto sensível (para a RPC e outros regimes ditos fortes).
Perguntado se se deveria estar em condições de utilizar livremente o Twitter, respondeu ele: “Bem, para começar, deixe-me dizer que eu nunca usei o Twitter. Meus dedos são demasiado desajeitados para digitar coisas através de celulares. Devo ser franco, como presidente dos Estados Unidos, existem horas em que desejaria que a informação não fluísse tão livremente, porque então eu não teria de escutar a gente me criticando todo o tempo. No entanto, porque nos Estados Unidos a informação é livre, e tenho uma penca de críticos nos Estados Unidos que podem dizer o que lhes dá na telha a meu respeito, na verdade eu penso que isto torna a nossa democracia mais forte e me faz ser um líder melhor, porque me força a ouvir opiniões que eu não desejo ouvir.”
No Reino de Mantega.
Foi anunciada ontem, conforme antecipado, a demissão de Mário Torós, da diretoria de Política Monetária do Banco Central. Oficialmente, Torós sai por motivos pessoais. Na verdade, é afastado por haver revelado o cenário da atuação do governo, ao ensejo da crise financeira internacional (marolinha, segundo Lula), agravada em setembro de 2008.
Em entrevista ao jornal “Valor Econômico”, Torós fez declarações inabituais para um banqueiro, ao referir-se a que o Ministro da Fazenda então tornara públicas informações estratégicas para segurar o câmbio na crise em outubro de 2008.
Esta inconfidência involuntária do Ministro Mantega custou caro à reserva de dólares do Brasil, eis que o Banco Central teve de torrar preciosos dólares em uma série de leilões para manter o valor do real em níveis que não fossem ruinosos para nossas finanças e economia.
Para o lugar de Torós, entra Aldo Luiz Mendes, que ocupou várias diretorias do Banco do Brasil desde 2001 e que atualmente preside a Companhia de Seguros Aliança do Brasil.
Nos Tribunais de Brasília.
A inconstitucional censura ao Estado de São Paulo, decretada em liminar exarada pelo desembargador Dácio Vieira (TJ-DF) já terá ultrapassado o seu centésimo dia de vigência. Mantida a princípio por decisões interlocutórias, logrou sobreviver inclusive à própria suspeição de quem concedera a liminar. Em duas oportunidades, sempre no âmbito do TJ-DF, a censura foi preservada, malgrado a surpresa de magistrados e de constitucionalistas.
Mandada para a Justiça do Maranhão, nos domínios do clã Sarney – foi seu filho Fernando que solicitou a intervenção judicial para não divulgação das reportagens investigativas do Estado de São Paulo sobre a operação Boi Barrica da Polícia Federal – a banca de advogados que representa o jornal houve por bem fazer recurso ao Superior Tribunal de Justiça.
Afigura-se, por assim dizer, a tramitação normal de um recurso contra a sentença do TJ-DF. No entanto, data venia, dada a relevância do caso, a arbitrariedade da liminar, e o seu manifesto caráter inconstitucional, mais caberia recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal. Dados os inúmeros abusos de juízes não só de comarcas do interior, mas, como se vê no exemplo em tela, na própria Capital da República, semelha que já é mais do que tempo de submeter a questão ao Supremo para que considere a oportunidade de emitir súmula vinculante a respeito da inconstitucionalidade da censura dita judicial.
Com efeito, urge cortar pela raiz este súbito proliferar de decisões judiciais que impõem a censura a jornais e outros meios de comunicação, em total desrespeito ao artigo 5º , inciso IX, e, a fortiori, ao artigo 220, parágrafos 1º e 2º , da Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988.
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
Esvaziada Copenhague
Os líderes da República Popular da China , Hu Jintao, e dos Estados Unidos, Barack Obama chegaram a um acordo em Cingapura, a que se agregaram os demais países da Apec (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico). Como os 21 países da Apec equivalem a 60% das emissões mundiais, não restou alternativa ao Primeiro Ministro da Dinamarca, Lars Lokke Rasmussen, senão engolir afirmações anteriores, e associar-se ao combinado por Estados Unidos e China.
A decisão do anfitrião da Conferência de Copenhague foi decerto amarga, porém inevitável. Não há destreza verbal que possa mascarar o esvaziamento da Conferência das Nações Unidas, marcada para dezembro vindouro, em Copenhague, de que se esperavam determinações sérias, compulsórias – e não no estilo do Protocolo de Kyoto – sobre o desafio climático.
Por questões internas, que têm mais a ver com arraigada desconfiança de minorias e a atenção prioritária dispensada à reforma da saúde, o Congresso estadunidense não está em condições de produzir a tempo legislação climática consentânea com as metas revistas, diante da deterioração da situação ambiental do planeta.
Não estar Washington alinhado à urgência planetária da crise climática, não terá sido mal visto por muitos, como a RPC e outros mais, que se escondem convenientemente sob as longas sombras de EUA e China, para procrastinar o inadiável.
Negar o desafio climático e as consequências desastrosas que se abaterão sobre o planeta – como se sabe os efeitos climatéricos estão isentos de visto – é um fenômeno ainda bastante difundido entre os políticos e as comunidades que manipulam. Por certo, tem mais a ver com má-fé e oportunista estreiteza de vistas, do que com qualquer base de válido conhecimento. Haverá, outrossim, aquela franja extremista, em que burrice e fanatismo se interpenetram (como, v.g., no caso de os que ainda refutam o fato de o homem haver pisado na lua).
Se há uma questão que requer ação imediata – e não vazias táticas dilatórias – é a climática. O momento requer mais do que envergonhadas promessas, mas a ação de líderes com capacidade de agregar apoio. Ora, como a China teima em refugiar-se no grupo dos países em desenvolvimento – ela que se apresta a ultrapassar o Japão como a segunda potência econômica mundial – só restam os Estados Unidos. É de esperar-se, assim, que Barack Obama assuma o seu papel de vanguardeiro nos próximos meses cruciais, e afaste, uma vez por todas, os rumores de indecisão e eventual fraqueza que alguns grupos lhe atribuem.
Posição do Brasil.
Se bem que pareça, não é nota de pé de página a reação do Brasil. Reagindo a uma decisão com que não contavam – não teria o presidente Lula determinado que a chefia da delegação à Copenhague seria assumida pela poderosa Ministra-Chefa Dilma Rousseff ? – a presidência e quem responde pela Secretaria de Estado das Relações Exteriores asseguraram que será mantido o compromisso de reduzir as emissões de CO2 entre 36,1% a 38,9% até 2020.
Em sua passagem por Paris – para acertar com Sarkozy, segundo uns documento franco-brasileiro sobre o clima, e consoante outros, problemas relativos à concorrência aeronáutica a cargo da Pasta da Defesa – o Presidente Lula fez saber que telefonaria a Obama e Hu Jintao, “para cobrar comprometimento” na questão climática. Temia ele justamente o que viria a ocorrer: que os dois chegassem a entendimento bilateral levando em conta apenas as próprias realidades.
Pelo visto, “o cara” acreditou no que lhe disseram. Na respectiva hubris, parece haver sacado sobre fundos inexistentes.
A decisão do anfitrião da Conferência de Copenhague foi decerto amarga, porém inevitável. Não há destreza verbal que possa mascarar o esvaziamento da Conferência das Nações Unidas, marcada para dezembro vindouro, em Copenhague, de que se esperavam determinações sérias, compulsórias – e não no estilo do Protocolo de Kyoto – sobre o desafio climático.
Por questões internas, que têm mais a ver com arraigada desconfiança de minorias e a atenção prioritária dispensada à reforma da saúde, o Congresso estadunidense não está em condições de produzir a tempo legislação climática consentânea com as metas revistas, diante da deterioração da situação ambiental do planeta.
Não estar Washington alinhado à urgência planetária da crise climática, não terá sido mal visto por muitos, como a RPC e outros mais, que se escondem convenientemente sob as longas sombras de EUA e China, para procrastinar o inadiável.
Negar o desafio climático e as consequências desastrosas que se abaterão sobre o planeta – como se sabe os efeitos climatéricos estão isentos de visto – é um fenômeno ainda bastante difundido entre os políticos e as comunidades que manipulam. Por certo, tem mais a ver com má-fé e oportunista estreiteza de vistas, do que com qualquer base de válido conhecimento. Haverá, outrossim, aquela franja extremista, em que burrice e fanatismo se interpenetram (como, v.g., no caso de os que ainda refutam o fato de o homem haver pisado na lua).
Se há uma questão que requer ação imediata – e não vazias táticas dilatórias – é a climática. O momento requer mais do que envergonhadas promessas, mas a ação de líderes com capacidade de agregar apoio. Ora, como a China teima em refugiar-se no grupo dos países em desenvolvimento – ela que se apresta a ultrapassar o Japão como a segunda potência econômica mundial – só restam os Estados Unidos. É de esperar-se, assim, que Barack Obama assuma o seu papel de vanguardeiro nos próximos meses cruciais, e afaste, uma vez por todas, os rumores de indecisão e eventual fraqueza que alguns grupos lhe atribuem.
Posição do Brasil.
Se bem que pareça, não é nota de pé de página a reação do Brasil. Reagindo a uma decisão com que não contavam – não teria o presidente Lula determinado que a chefia da delegação à Copenhague seria assumida pela poderosa Ministra-Chefa Dilma Rousseff ? – a presidência e quem responde pela Secretaria de Estado das Relações Exteriores asseguraram que será mantido o compromisso de reduzir as emissões de CO2 entre 36,1% a 38,9% até 2020.
Em sua passagem por Paris – para acertar com Sarkozy, segundo uns documento franco-brasileiro sobre o clima, e consoante outros, problemas relativos à concorrência aeronáutica a cargo da Pasta da Defesa – o Presidente Lula fez saber que telefonaria a Obama e Hu Jintao, “para cobrar comprometimento” na questão climática. Temia ele justamente o que viria a ocorrer: que os dois chegassem a entendimento bilateral levando em conta apenas as próprias realidades.
Pelo visto, “o cara” acreditou no que lhe disseram. Na respectiva hubris, parece haver sacado sobre fundos inexistentes.
domingo, 15 de novembro de 2009
Obama e o Estado de Segurança Nacional
A eleição de Barack Obama em 2008, que motivou participação tão grande do eleitorado americano, correspondeu a movimento popular caracterizado pela renovação das práticas vigentes. No difuso mandato colhido pelo Senador por Illinois havia mais do que simples reação contra o seu antecessor George Walter Bush, a guerra do Iraque, e a política de segurança representada por Bush, o vice Dick Cheney e todo o grupo dos neo-conservadores. Havia igualmente um voto contra o que Washington e o seu estamento representam.
Perpassava o sufrágio em favor de Obama – e a vasta coalizão de que se originou – ampla, larga vontade em prol da mudança. Se ventos liberalizantes e anti-Bush prevaleciam, a multiplicidade dos segmentos participantes nessa vasta corrente trazia sincero mas pouco articulado desígnio, que nascia mais da insatisfação com o statu quo, do que agregava diretivas específicas. Em verdade, dadas as dimensões da aliança formada na terça-feira, 4 de novembro, não semelha factível se exigir mais da motivação da maioria que então sufragou o candidato democrata.
Barack Obama, na tradição de Abraham Lincoln, tem grande apreço pela palavra. A exemplo de Bill Clinton na Convenção de 1988[1], foi através de discurso na Convenção democrata de 2004, que o até então inconspícuo político se lançou no cenário nacional.
O seu discurso de posse, na escadaria do Capitólio, ouvido no Mall por multidão de dois milhões, soube resumir, em frases lapidares, o querer mudar da ampla maioria que o apoiava. A sua mensagem repercutiu em vários continentes, com os seus propósitos de diálogo e de abertura, de retomada de entendimentos, de luta pela justiça e de empresa contra a corrupção.
Ouvidos atentos e abertos saudaram com entusiasmo e esperança tanto na alocução da posse, quanto no celebrado discurso do Cairo, quando se dirigiu ao público árabe e muçulmano. Não há desmerecer valor e peso dessas orações, que se pautaram por soar e tocar em pontos e questões objeto de longa incompreensão e, mesmo, causa de fundas discordâncias.
Sem embargo, a palavra terá sempre a natureza da proclamação, de orador ou arauto. Pode preparar os ânimos e principiar a varrer expectativas e disposições contrárias. Por suas inerentes características de anúncio e da implícita promessa que carregam, o seu valor só tende a firmar-se e a confirmar-se se atos concretos, se políticas estruturadas a corroborarem e a concretizarem, transformando para os seus públicos a realidade anterior e respectiva práxis, que foram a origem seja de latente desconfiança, seja de efetivo antagonismo.
A matéria a ser analisada é bastante vasta. Garry Wills em artigo para The New York Review ‘O Gigante Embaraçado’ intenta resumir a agenda do candidato, com a sua promessa de mudança (change), e em que atos e situações ela deveria ocorrer.
Os atos ilegais precisam acabar: tortura, detenção indefinida, negativa de habeas corpus e de representação por advogados, cancelamento unilateral de tratados, desrespeito (defiance) do Congresso e da Constituição, anulação de leis por declarações assinadas. Tampouco devem ser exercidos os poderes arrogados pelo Presidente por meio da teoria do executivo unitário.E não devem ser confirmados juízes que estão dispostos a outorgar ao Presidente qualquer poder que reivindique.
No entanto, não se afigura fácil opor-se à força inercial desses poderes, muitos dos quais não foram criados pela Administração de Bush júnior. Desde a Segunda Guerra Mundial há uma contínua transferência de poderes para o Executivo. São sessenta e oito anos (1941-2009) de poderes emergenciais de guerra: o monopólio no uso do armamento nuclear, a rede mundial de bases militares para manter o alerta nuclear e a supremacia, as agências secretas de inteligência, todo o estado nacional de segurança, os sistemas de confidencialização (classification) e de acesso (clearance), a expansão do sigilo estatal, as restrições (withholding) de provas e informações,a emergência permanente que fundiu a Segunda Guerra Mundial na Guerra fria e a guerra fria na ‘guerra contra o terror’. Tudo isso compõe vasta e intrincada estrutura que não será de fácil desmantelamento.
Em artigo a ser elaborado a seguir, se intentará condensar as experiências na prática da nova Administração com esta realidade da evolução da superpotência estadunidense.
Também se tratará do perfil do 44º Presidente, como se está delineando no conhecido processo através de tentativas e erros (trial and error).
Em meio a um ambiente político onde não semelha mais haver espaço para o bipartidarismo de antanho, em que o Partido Republicano se enrijece em núcleo de direita conservadora e evangélica, e antiga ala moderada se afigura a caminho da extinção, qualquer intento presidencial de formar largas convergências baseadas no interesse nacional tendem a chocar-se contra núcleos e facções da ultra-direita, movidos por forças que trabalham mais com a emoção do que com a razão. Nas hostes do G.O.P. se verifica um processo de radicalização intenso, tanto nos meios de comunicação que as apoiam (v.g., a Fox), quantos nos novos líderes (v.g. Senador De Mint, da Carolina do Sul) e os condutores dos grupos de ‘Tea Party’, que recordam a ultra-direita da segunda metade do século XX, com a Birch Society e similares.
Em um cenário como este, em que a política parece vetor de confrontação e destruição do antigo adversário, hoje inimigo, se tornará sempre mais difícil uma política, como a de Obama, que privilegia o diálogo e o intento de composição.
[1] A Convenção designou a Michael Dukakis como candidato democrata.
Perpassava o sufrágio em favor de Obama – e a vasta coalizão de que se originou – ampla, larga vontade em prol da mudança. Se ventos liberalizantes e anti-Bush prevaleciam, a multiplicidade dos segmentos participantes nessa vasta corrente trazia sincero mas pouco articulado desígnio, que nascia mais da insatisfação com o statu quo, do que agregava diretivas específicas. Em verdade, dadas as dimensões da aliança formada na terça-feira, 4 de novembro, não semelha factível se exigir mais da motivação da maioria que então sufragou o candidato democrata.
Barack Obama, na tradição de Abraham Lincoln, tem grande apreço pela palavra. A exemplo de Bill Clinton na Convenção de 1988[1], foi através de discurso na Convenção democrata de 2004, que o até então inconspícuo político se lançou no cenário nacional.
O seu discurso de posse, na escadaria do Capitólio, ouvido no Mall por multidão de dois milhões, soube resumir, em frases lapidares, o querer mudar da ampla maioria que o apoiava. A sua mensagem repercutiu em vários continentes, com os seus propósitos de diálogo e de abertura, de retomada de entendimentos, de luta pela justiça e de empresa contra a corrupção.
Ouvidos atentos e abertos saudaram com entusiasmo e esperança tanto na alocução da posse, quanto no celebrado discurso do Cairo, quando se dirigiu ao público árabe e muçulmano. Não há desmerecer valor e peso dessas orações, que se pautaram por soar e tocar em pontos e questões objeto de longa incompreensão e, mesmo, causa de fundas discordâncias.
Sem embargo, a palavra terá sempre a natureza da proclamação, de orador ou arauto. Pode preparar os ânimos e principiar a varrer expectativas e disposições contrárias. Por suas inerentes características de anúncio e da implícita promessa que carregam, o seu valor só tende a firmar-se e a confirmar-se se atos concretos, se políticas estruturadas a corroborarem e a concretizarem, transformando para os seus públicos a realidade anterior e respectiva práxis, que foram a origem seja de latente desconfiança, seja de efetivo antagonismo.
A matéria a ser analisada é bastante vasta. Garry Wills em artigo para The New York Review ‘O Gigante Embaraçado’ intenta resumir a agenda do candidato, com a sua promessa de mudança (change), e em que atos e situações ela deveria ocorrer.
Os atos ilegais precisam acabar: tortura, detenção indefinida, negativa de habeas corpus e de representação por advogados, cancelamento unilateral de tratados, desrespeito (defiance) do Congresso e da Constituição, anulação de leis por declarações assinadas. Tampouco devem ser exercidos os poderes arrogados pelo Presidente por meio da teoria do executivo unitário.E não devem ser confirmados juízes que estão dispostos a outorgar ao Presidente qualquer poder que reivindique.
No entanto, não se afigura fácil opor-se à força inercial desses poderes, muitos dos quais não foram criados pela Administração de Bush júnior. Desde a Segunda Guerra Mundial há uma contínua transferência de poderes para o Executivo. São sessenta e oito anos (1941-2009) de poderes emergenciais de guerra: o monopólio no uso do armamento nuclear, a rede mundial de bases militares para manter o alerta nuclear e a supremacia, as agências secretas de inteligência, todo o estado nacional de segurança, os sistemas de confidencialização (classification) e de acesso (clearance), a expansão do sigilo estatal, as restrições (withholding) de provas e informações,a emergência permanente que fundiu a Segunda Guerra Mundial na Guerra fria e a guerra fria na ‘guerra contra o terror’. Tudo isso compõe vasta e intrincada estrutura que não será de fácil desmantelamento.
Em artigo a ser elaborado a seguir, se intentará condensar as experiências na prática da nova Administração com esta realidade da evolução da superpotência estadunidense.
Também se tratará do perfil do 44º Presidente, como se está delineando no conhecido processo através de tentativas e erros (trial and error).
Em meio a um ambiente político onde não semelha mais haver espaço para o bipartidarismo de antanho, em que o Partido Republicano se enrijece em núcleo de direita conservadora e evangélica, e antiga ala moderada se afigura a caminho da extinção, qualquer intento presidencial de formar largas convergências baseadas no interesse nacional tendem a chocar-se contra núcleos e facções da ultra-direita, movidos por forças que trabalham mais com a emoção do que com a razão. Nas hostes do G.O.P. se verifica um processo de radicalização intenso, tanto nos meios de comunicação que as apoiam (v.g., a Fox), quantos nos novos líderes (v.g. Senador De Mint, da Carolina do Sul) e os condutores dos grupos de ‘Tea Party’, que recordam a ultra-direita da segunda metade do século XX, com a Birch Society e similares.
Em um cenário como este, em que a política parece vetor de confrontação e destruição do antigo adversário, hoje inimigo, se tornará sempre mais difícil uma política, como a de Obama, que privilegia o diálogo e o intento de composição.
[1] A Convenção designou a Michael Dukakis como candidato democrata.
sábado, 14 de novembro de 2009
Colcha de Retalhos XXVII
A Volta por Cima
Quando o Clube de Regatas Vasco da Gama, por primeira vez, caíu na Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro a reação da torcida foi a um tempo de raiva e de determinação. Raiva pelo que acontecera, sequência inelutável de uma direção ruinosa que carregara o Vasco para as últimas colocações da Série A. Ao final, os cálculos matemáticos e a lógica da má gestão levaram o time de tantos títulos e glórias para a chamada Segundona.
Mas a determinação, junto com a cólera, acompanharia a equipe cruz-maltina desde a primeira hora. Essa disposição da torcida se traduziu em apoio ao time e à nova direção de Roberto Dinamite. Foram tempos dífíceis, para varrer os obstáculos deixados pela gestão anterior. A equipe armada pelo técnico Dorival Júnior, superados alguns tropeços iniciais, já entraria no returno à frente dos demais dezenove clubes. Soube então o time liderado por Carlos Alberto manter a serenidade e a força de vontade de manter a liderança, para afinal chegar ao jogo com o Juventude no Maracanã e arrancar, com mais uma suada vitória, a matemática certeza do retorno à Série A.
As tradições desta equipe e de sua grande torcida – espalhada como vimos nós por todo o Brasil – não se satisfariam com o simples acesso à Primeira Divisão. E no jogo de ontem, contra o América R/N, malgrado a resistência do adversário, o C.R.V.G. repetiria os sacrifícios de árdua campanha em dramático triunfo, alcançado nos minutos finais, por um belo gol de Alex Teixeira.
Decerto, a torcida vascaína, se não esqueceu quem pôs o Vasco na 2ª. divisão, tampouco há de faltar em seu entusiasmado apoio ao team, que ora regressa à Primeira Divisão, sem desdenhar de conquistar para a sua coleção de troféus também o caneco da Segundona.[1]
Notícias do Apagão.
Mais uma vez o Presidente Lula demonstra que não é por acaso que se acha a pouco mais de um ano do fim de seu segundo mandato, e em alto nível de popularidade.
Terá sentido que a tentativa de pôr uma pedra na questão do Apagão, seja nas palavras apressadas do Ministro Edison Lobão, seja na desastrosa entrevista da Ministra Chefa da Casa Civil, em que rasgou, com prepotente arrogância, a fantasia de Dilminha paz-e-amor, que lhe fora adrede preparada. Se ambas as personagens proclamam como encerrado o assunto, Lula se perguntou publicamente se o apagão não teria ocorrido por falha humana.
Por isso, indicou que já pediu investigação aos órgãos ligados ao setor elétrico. E acrescentou: “Foi uma coisa grave que precisamos saber o que é. Eu disse à Aneel e ao ONS (Operador Nacional do Sistema) que é preciso ter um processo de investigação em toda a trajetória. É preciso saber o motivo do desastre.”
O bom senso e a capacidade de discernir – mesmo nas alturas presidenciais – o que é necessário a Nação saber, constitui um traço importante, que oportunamente diferencia Lula dos políticos que o cercam.
Tragédia na Ucrânia.
Com a chegada na Europa do frio boreal, a crise da gripe H1N1, a chamada gripe suína, se manifestou na Ucrânia, essa antiga república soviética, com assustadora devastação humana. Assim, as unidades de tratamento intensivo começaram a receber, há duas semanas, pacientes com pulmões tão saturados de sangue que mal podiam respirar.
Pela precariedade do atendimento médico naquele país,os enfermos muita vez evitavam a hospitalização até um ponto em que a doença se achasse muito avançada. Diante do fluxo inesperado – e da má distribuição dos medicamentos – as unidades de terapia intensiva se mostraram sem condições de atender ao grande número de pacientes.
O serviço médico público ucraniano – com salários tão baixos que muitos preferem emigrar para a Europa ocidental e lá trabalhar como agentes sanitários – e ainda por cima com equipamento deficiente, padece igualmente dos atrasos e óbices burocráticos. Dessarte, os prefeitos das cidades de Ternopyl e Lviv, onde foram registrados óbitos suspeitos por pneumonia a doze e dezenove de outubro, se queixaram da negativa do serviço epidemiológico federal em intervir sem confirmação laboratorial da presença do vírus, o que retardou as medidas profiláticas para o fim de outubro.
A despeito de terem direito a tratamento sanitário gratuito, muitos dos pacientes carentes de atenção médicas só a obtém mediante suborno dos atendentes. Por outro lado, embora a Ucrânia disponha de Tamiflu em quantidade substancial, tal medicamento somente se encontra na sede da unidade de doenças infecto-contagiosas. Nessas condições, o medicamento só pode ser cedido depois de comprovada a enfermidade, o que acarreta um prazo de quatro dias para a sua utilização.
Por outro lado, preocupa na Ucrânia o número de médicos e de enfermeiras que contraem a gripe suína, o que se presume seja atribuível à falta de luvas medicinais, máscaras cirúrgicas e de desinfetantes.
Tais dificuldades arrostadas pelos hospitais públicos ucrânianos quiçá nos possam recordar de condições similares encontradiças em outras paragens. Passada, no entanto, a primeira desastrosa fase da epidemia, decorrente do desconhecimento e do despreparo, o número de fatalidades na Ucrânia pôde ser controlado. Nesse sentido, consoante a Organização Mundial da Saúde (OMS), os totais de mortes pela gripe suína naquele país já tendem a não diferenciar-se da média registrada nos demais países.
( Fontes: O Globo, International Herald Tribune)
[ 1] Na oportunidade, agradeço às muitas felicitações recebidas dos leitores deste blog, a cuja satisfação de bom grado me associo.
Quando o Clube de Regatas Vasco da Gama, por primeira vez, caíu na Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro a reação da torcida foi a um tempo de raiva e de determinação. Raiva pelo que acontecera, sequência inelutável de uma direção ruinosa que carregara o Vasco para as últimas colocações da Série A. Ao final, os cálculos matemáticos e a lógica da má gestão levaram o time de tantos títulos e glórias para a chamada Segundona.
Mas a determinação, junto com a cólera, acompanharia a equipe cruz-maltina desde a primeira hora. Essa disposição da torcida se traduziu em apoio ao time e à nova direção de Roberto Dinamite. Foram tempos dífíceis, para varrer os obstáculos deixados pela gestão anterior. A equipe armada pelo técnico Dorival Júnior, superados alguns tropeços iniciais, já entraria no returno à frente dos demais dezenove clubes. Soube então o time liderado por Carlos Alberto manter a serenidade e a força de vontade de manter a liderança, para afinal chegar ao jogo com o Juventude no Maracanã e arrancar, com mais uma suada vitória, a matemática certeza do retorno à Série A.
As tradições desta equipe e de sua grande torcida – espalhada como vimos nós por todo o Brasil – não se satisfariam com o simples acesso à Primeira Divisão. E no jogo de ontem, contra o América R/N, malgrado a resistência do adversário, o C.R.V.G. repetiria os sacrifícios de árdua campanha em dramático triunfo, alcançado nos minutos finais, por um belo gol de Alex Teixeira.
Decerto, a torcida vascaína, se não esqueceu quem pôs o Vasco na 2ª. divisão, tampouco há de faltar em seu entusiasmado apoio ao team, que ora regressa à Primeira Divisão, sem desdenhar de conquistar para a sua coleção de troféus também o caneco da Segundona.[1]
Notícias do Apagão.
Mais uma vez o Presidente Lula demonstra que não é por acaso que se acha a pouco mais de um ano do fim de seu segundo mandato, e em alto nível de popularidade.
Terá sentido que a tentativa de pôr uma pedra na questão do Apagão, seja nas palavras apressadas do Ministro Edison Lobão, seja na desastrosa entrevista da Ministra Chefa da Casa Civil, em que rasgou, com prepotente arrogância, a fantasia de Dilminha paz-e-amor, que lhe fora adrede preparada. Se ambas as personagens proclamam como encerrado o assunto, Lula se perguntou publicamente se o apagão não teria ocorrido por falha humana.
Por isso, indicou que já pediu investigação aos órgãos ligados ao setor elétrico. E acrescentou: “Foi uma coisa grave que precisamos saber o que é. Eu disse à Aneel e ao ONS (Operador Nacional do Sistema) que é preciso ter um processo de investigação em toda a trajetória. É preciso saber o motivo do desastre.”
O bom senso e a capacidade de discernir – mesmo nas alturas presidenciais – o que é necessário a Nação saber, constitui um traço importante, que oportunamente diferencia Lula dos políticos que o cercam.
Tragédia na Ucrânia.
Com a chegada na Europa do frio boreal, a crise da gripe H1N1, a chamada gripe suína, se manifestou na Ucrânia, essa antiga república soviética, com assustadora devastação humana. Assim, as unidades de tratamento intensivo começaram a receber, há duas semanas, pacientes com pulmões tão saturados de sangue que mal podiam respirar.
Pela precariedade do atendimento médico naquele país,os enfermos muita vez evitavam a hospitalização até um ponto em que a doença se achasse muito avançada. Diante do fluxo inesperado – e da má distribuição dos medicamentos – as unidades de terapia intensiva se mostraram sem condições de atender ao grande número de pacientes.
O serviço médico público ucraniano – com salários tão baixos que muitos preferem emigrar para a Europa ocidental e lá trabalhar como agentes sanitários – e ainda por cima com equipamento deficiente, padece igualmente dos atrasos e óbices burocráticos. Dessarte, os prefeitos das cidades de Ternopyl e Lviv, onde foram registrados óbitos suspeitos por pneumonia a doze e dezenove de outubro, se queixaram da negativa do serviço epidemiológico federal em intervir sem confirmação laboratorial da presença do vírus, o que retardou as medidas profiláticas para o fim de outubro.
A despeito de terem direito a tratamento sanitário gratuito, muitos dos pacientes carentes de atenção médicas só a obtém mediante suborno dos atendentes. Por outro lado, embora a Ucrânia disponha de Tamiflu em quantidade substancial, tal medicamento somente se encontra na sede da unidade de doenças infecto-contagiosas. Nessas condições, o medicamento só pode ser cedido depois de comprovada a enfermidade, o que acarreta um prazo de quatro dias para a sua utilização.
Por outro lado, preocupa na Ucrânia o número de médicos e de enfermeiras que contraem a gripe suína, o que se presume seja atribuível à falta de luvas medicinais, máscaras cirúrgicas e de desinfetantes.
Tais dificuldades arrostadas pelos hospitais públicos ucrânianos quiçá nos possam recordar de condições similares encontradiças em outras paragens. Passada, no entanto, a primeira desastrosa fase da epidemia, decorrente do desconhecimento e do despreparo, o número de fatalidades na Ucrânia pôde ser controlado. Nesse sentido, consoante a Organização Mundial da Saúde (OMS), os totais de mortes pela gripe suína naquele país já tendem a não diferenciar-se da média registrada nos demais países.
( Fontes: O Globo, International Herald Tribune)
[ 1] Na oportunidade, agradeço às muitas felicitações recebidas dos leitores deste blog, a cuja satisfação de bom grado me associo.
sexta-feira, 13 de novembro de 2009
Apagão, assunto encerrado ?
Depois de estranho silêncio da Ministra Dilma Rousseff sobre o apagão, talvez observação do Governador Aécio Neves tenha tido o condão de que ela não mais se escondesse por trás da sombra do Ministro Edison Lobão.
Mineiramente, assim se manifestou o pré-candidato do PSDB: “Não creio que do ponto de vista técnico o apagão tenha efeitos na campanha. Agora, a operação para blindar a ministra Dilma, isso passa a ideia de fragilidade em sua candidatura”.
É difícil não entrever em tais declarações a causa eficiente para a entrevista na tarde do mesmo dia da pré-candidata do oficialismo e responsável pelo planejamento do setor elétrico no governo Lula.
Dignou-se então a Ministra-Chefa da Casa Civil informar a sociedade, 48 horas após o colapso na energia, que o sistema foi “inteiramente recuperado” e que, “para o Governo, esse episódio está encerrado.”
Deveríamos então ficar aliviados com a alvissareira notícia, transmitida por Sua Excelência com o tom peremptório que se casa com sua personalidade, a despeito dos intentos dos publicitários de turno de vesti-la com pele de cordeiro, reminiscente do Lula, ‘paz e amor’ da eleição de 2002 ?
Não tanto, pois para quem afiança que o sistema foi “inteiramente recuperado”, e que com a suavidade de um ucase[1] determina que “para o governo, esse episódio está encerrado”, desperta no mínimo assombro que ela acrescente não estar o Brasil “livre de blecaute”. Para que tal ocorra, se apressa em aduzir, o nível de investimentos no setor elétrico teria que ser elevadíssimo.
Interessante notar, a propósito, que o governo Lula só investiu 38% das dotações alocadas para o setor energético. Fica então a pergunta do porque desta drástica redução de quase dois terços para o aparelhamento do sistema. Decerto, não se há de reputar elevadíssimos os montantes rotineiros de que o sistema carece.
Sem entrar de imediato na análise da incongruência do autoritário encerramento de discussão de um caso não resolvido, assinale-se que o Ministro de Minas e Energia, Édison Lobão, acorreu, pressuroso, no apoio à Ministra-Chefa, pronunciando, do alto de sua competência, que o apagão “é assunto encerrado”.
A situação escarnece dos apodos oposicionistas de que o Presidente Lula e seus auxiliares, tanto executivos, quanto legislativos, partam para a blindagem extrema da pré-candidata Dilma, seja no Congresso, seja alhures. Nada de interrogatórios parlamentares, nada de quesitos importunos de oposicionistas que, porventura, a coloquem em dificuldade.
Semelha peculiar deveras o açodamento de Dilma, Lobão & Cia. de encerrar o debate sobre o molesto acontecimento. Exemplos passados avivam suspeitas de que as hostes governistam temam no episódio a verdade, assim como o demo estremece diante da cruz. Se não, qual o motivo verossímil de tal açodamento ? Não seria interessante para a Administração conhecer os fatos – sempre na presunção de que ainda não os saiba – pois, esta ciência lhe será útil no futuro, auxiliando-a quem sabe a prevenir desastres tão embaraçosos ? Ou serão os raios de Júpiter, esta divindade desde muito decaída, a terem, além dos tempos de FHC, uma nova sobrevida ?
A ocultação das circunstâncias que determinam ocorrências desagradáveis será sempre tentação dos governos no exercício de suas funções. No caso presente, esses intentos são canhestros e inúteis. Como a pretensa causa meteorológica foi afastada por quem de direito, seria oportuno e inteligente apurar-se as causas reais do apagão. Oportuno, porque o encerramento do assunto não satisfaz, e inteligente, pela simples razão de que, mais cedo ou mais tarde, os fatores determinantes virão a lume.
Tais motivações são alvitradas, presumindo a existência de boa fé na Administração. Tentar espichar o silêncio contra vento e maré atiça o faro de investigadores radicais, dentro da chã sabedoria de que para ações e fatos comprometedores a esperança só reside nos férreos segredos do desespero.
[1] Decreto imperial na antiga Rússia.
Mineiramente, assim se manifestou o pré-candidato do PSDB: “Não creio que do ponto de vista técnico o apagão tenha efeitos na campanha. Agora, a operação para blindar a ministra Dilma, isso passa a ideia de fragilidade em sua candidatura”.
É difícil não entrever em tais declarações a causa eficiente para a entrevista na tarde do mesmo dia da pré-candidata do oficialismo e responsável pelo planejamento do setor elétrico no governo Lula.
Dignou-se então a Ministra-Chefa da Casa Civil informar a sociedade, 48 horas após o colapso na energia, que o sistema foi “inteiramente recuperado” e que, “para o Governo, esse episódio está encerrado.”
Deveríamos então ficar aliviados com a alvissareira notícia, transmitida por Sua Excelência com o tom peremptório que se casa com sua personalidade, a despeito dos intentos dos publicitários de turno de vesti-la com pele de cordeiro, reminiscente do Lula, ‘paz e amor’ da eleição de 2002 ?
Não tanto, pois para quem afiança que o sistema foi “inteiramente recuperado”, e que com a suavidade de um ucase[1] determina que “para o governo, esse episódio está encerrado”, desperta no mínimo assombro que ela acrescente não estar o Brasil “livre de blecaute”. Para que tal ocorra, se apressa em aduzir, o nível de investimentos no setor elétrico teria que ser elevadíssimo.
Interessante notar, a propósito, que o governo Lula só investiu 38% das dotações alocadas para o setor energético. Fica então a pergunta do porque desta drástica redução de quase dois terços para o aparelhamento do sistema. Decerto, não se há de reputar elevadíssimos os montantes rotineiros de que o sistema carece.
Sem entrar de imediato na análise da incongruência do autoritário encerramento de discussão de um caso não resolvido, assinale-se que o Ministro de Minas e Energia, Édison Lobão, acorreu, pressuroso, no apoio à Ministra-Chefa, pronunciando, do alto de sua competência, que o apagão “é assunto encerrado”.
A situação escarnece dos apodos oposicionistas de que o Presidente Lula e seus auxiliares, tanto executivos, quanto legislativos, partam para a blindagem extrema da pré-candidata Dilma, seja no Congresso, seja alhures. Nada de interrogatórios parlamentares, nada de quesitos importunos de oposicionistas que, porventura, a coloquem em dificuldade.
Semelha peculiar deveras o açodamento de Dilma, Lobão & Cia. de encerrar o debate sobre o molesto acontecimento. Exemplos passados avivam suspeitas de que as hostes governistam temam no episódio a verdade, assim como o demo estremece diante da cruz. Se não, qual o motivo verossímil de tal açodamento ? Não seria interessante para a Administração conhecer os fatos – sempre na presunção de que ainda não os saiba – pois, esta ciência lhe será útil no futuro, auxiliando-a quem sabe a prevenir desastres tão embaraçosos ? Ou serão os raios de Júpiter, esta divindade desde muito decaída, a terem, além dos tempos de FHC, uma nova sobrevida ?
A ocultação das circunstâncias que determinam ocorrências desagradáveis será sempre tentação dos governos no exercício de suas funções. No caso presente, esses intentos são canhestros e inúteis. Como a pretensa causa meteorológica foi afastada por quem de direito, seria oportuno e inteligente apurar-se as causas reais do apagão. Oportuno, porque o encerramento do assunto não satisfaz, e inteligente, pela simples razão de que, mais cedo ou mais tarde, os fatores determinantes virão a lume.
Tais motivações são alvitradas, presumindo a existência de boa fé na Administração. Tentar espichar o silêncio contra vento e maré atiça o faro de investigadores radicais, dentro da chã sabedoria de que para ações e fatos comprometedores a esperança só reside nos férreos segredos do desespero.
[1] Decreto imperial na antiga Rússia.
quinta-feira, 12 de novembro de 2009
Apagão, Símbolo do Subdesenvolvimento
Como não ver com incredulidade as desculpas do Ministro Lobão e a enésima tentativa de Lula de apequenar como mero incidente um fenômeno que atingiu 18 estados e privou de 45% a carga de energia do país, em duração média de quatro horas?
Tampouco se podem engolir as oportunistas críticas da oposição. Acaso pensam esses catões de arribação que somos todos desmemoriados ? Quem não se recorda da precariedade deste abastecimento nos tempos de FHC, que nos brindou com bastos apagões e o sacrifício de longo racionamento de energia ?
Ambos os lados, seja por faltas passadas ou presentes, merecem o menosprezo do povo brasileiro, submetido não só ao desconforto do brusco e não-previsto colapso da energia, mas a todas as suas sequelas de espantosa e exasperante amplitude.
As atabalhoadas desculpas do Ministro Edison Lobão, esta criatura do sistema Sarney, constituem deplorável retrato do próprio despreparo e do pegajoso subdesenvolvimento nacional. Como acentuou Míriam Leitão, a princípio disse que era pane em Itaipu. Atribuiu ao governo anterior as faltas de interligação. De novo, se equivoca, eis que o sistema se acha há decadas interligado. Então, parafraseando a velha fábula, se não foi isso, foram problemas meteorológicos ! Um raio seguramente é o culpado ! Qualquer coisa é válida, menos falha humana.
Entrementes o seu loquaz chefe minimiza o acontecido – como é o vezo dele. Na sua logorreia, sequer se detém com o insignificante problema do hospital que, por acrescida improvidência, não dispõe de gerador (para atender a deficiências respiratórias e renais, entre outras), ou alguém que fique encerrado no sufocante breu de elevador, ou privado de água corrente, ou com aparelhos eletrônicos e eletro-domésticos danificados, ou com a casa incendiada por curto circuito,etc. etc. ?
Será uma cansada reação de raiva impotente, ao depararmos esses políticos cujas promessas têm a vida curta – “Nós temos uma outra certeza, que não vai ter apagão. Nós hoje voltamos a fazer planejamento”, Dilma Rousseff, a 29 de outubro p.p. ?
É de recordar-se que no tucanato igualmente fora o maldito raio o culpado do desastre.
Tais explicações – e insistentes intentos de desviar a atenção, com acusações a FHC et al. – semelham mais o zunido incômodo de insetos, que molestos roçam em nossos ouvidos antes que o despachemos com gesto impaciente. Porque outro órgão do Estado reputa mínima a chance de raios serem a causa do apagão. Não foram detectados raios capazes de provocar o desligamento da rede. E no suposto local onde tudo teria começado, na subestação de Itaberá, a tempestade mais próxima distava trinta km !
Ao invés da discurseira vazia, das parvas explicações, se pensa na inchação dos empregos públicos, na proliferação de ministérios inúteis em número a rivalizar com os do bando de Ali Babá, e se acercando ao âmago da questão, a irresponsibilidade na incúria das inversões de infraestrutura, em pesquisa e em investimento.
É forçoso reconhecer que as semelhanças entre Chávez e Lula não se cingem ao discurso neopopulista. São muy amigos, embora as dádivas sejam mais de Nosso Guia do que do falastrão caudilho. E, agora, será que nos descobriremos irmanados pelos achaques energéticos de lá (banhos de 3 minutos, carência de água, apagões a mancheias) pela explosão da mancha assistencialista, a estulta e condenada transposição do Rio São Francisco, e as ignaras, nervosas explicações do Ministro Lobão, a par de temerárias e arrogantes promessas da mãe do PAC e candidata de algibeira do senhor Presidente – o único que trabalha, eis que todos os seus antecessores nada fizeram !
Em tempo, o modesto blog, terminado às 10:4lhs da manhã, ignora quando será postado na internet. A quem culpar, devo ? A Zeus, com seus raios, ou a Lobão, com o seu domínio da respectiva Pasta ?
Tampouco se podem engolir as oportunistas críticas da oposição. Acaso pensam esses catões de arribação que somos todos desmemoriados ? Quem não se recorda da precariedade deste abastecimento nos tempos de FHC, que nos brindou com bastos apagões e o sacrifício de longo racionamento de energia ?
Ambos os lados, seja por faltas passadas ou presentes, merecem o menosprezo do povo brasileiro, submetido não só ao desconforto do brusco e não-previsto colapso da energia, mas a todas as suas sequelas de espantosa e exasperante amplitude.
As atabalhoadas desculpas do Ministro Edison Lobão, esta criatura do sistema Sarney, constituem deplorável retrato do próprio despreparo e do pegajoso subdesenvolvimento nacional. Como acentuou Míriam Leitão, a princípio disse que era pane em Itaipu. Atribuiu ao governo anterior as faltas de interligação. De novo, se equivoca, eis que o sistema se acha há decadas interligado. Então, parafraseando a velha fábula, se não foi isso, foram problemas meteorológicos ! Um raio seguramente é o culpado ! Qualquer coisa é válida, menos falha humana.
Entrementes o seu loquaz chefe minimiza o acontecido – como é o vezo dele. Na sua logorreia, sequer se detém com o insignificante problema do hospital que, por acrescida improvidência, não dispõe de gerador (para atender a deficiências respiratórias e renais, entre outras), ou alguém que fique encerrado no sufocante breu de elevador, ou privado de água corrente, ou com aparelhos eletrônicos e eletro-domésticos danificados, ou com a casa incendiada por curto circuito,etc. etc. ?
Será uma cansada reação de raiva impotente, ao depararmos esses políticos cujas promessas têm a vida curta – “Nós temos uma outra certeza, que não vai ter apagão. Nós hoje voltamos a fazer planejamento”, Dilma Rousseff, a 29 de outubro p.p. ?
É de recordar-se que no tucanato igualmente fora o maldito raio o culpado do desastre.
Tais explicações – e insistentes intentos de desviar a atenção, com acusações a FHC et al. – semelham mais o zunido incômodo de insetos, que molestos roçam em nossos ouvidos antes que o despachemos com gesto impaciente. Porque outro órgão do Estado reputa mínima a chance de raios serem a causa do apagão. Não foram detectados raios capazes de provocar o desligamento da rede. E no suposto local onde tudo teria começado, na subestação de Itaberá, a tempestade mais próxima distava trinta km !
Ao invés da discurseira vazia, das parvas explicações, se pensa na inchação dos empregos públicos, na proliferação de ministérios inúteis em número a rivalizar com os do bando de Ali Babá, e se acercando ao âmago da questão, a irresponsibilidade na incúria das inversões de infraestrutura, em pesquisa e em investimento.
É forçoso reconhecer que as semelhanças entre Chávez e Lula não se cingem ao discurso neopopulista. São muy amigos, embora as dádivas sejam mais de Nosso Guia do que do falastrão caudilho. E, agora, será que nos descobriremos irmanados pelos achaques energéticos de lá (banhos de 3 minutos, carência de água, apagões a mancheias) pela explosão da mancha assistencialista, a estulta e condenada transposição do Rio São Francisco, e as ignaras, nervosas explicações do Ministro Lobão, a par de temerárias e arrogantes promessas da mãe do PAC e candidata de algibeira do senhor Presidente – o único que trabalha, eis que todos os seus antecessores nada fizeram !
Em tempo, o modesto blog, terminado às 10:4lhs da manhã, ignora quando será postado na internet. A quem culpar, devo ? A Zeus, com seus raios, ou a Lobão, com o seu domínio da respectiva Pasta ?
quarta-feira, 11 de novembro de 2009
Crise Ética nos Poderes do Estado
As autoridades dos poderes estatais devem agir de forma ética, a começar pelo respeito das leis e dos bons costumes. Não, caro leitor, não estou citando aqui o conselheiro Acácio.
Por que se espera do poder, seja executivo, legislativo ou judiciário que aja de forma correta, ao amparo da legislação ? Por duas razões básicas: i. são detentores, por mandato legal, da vis impositiva, através do exercício constitucional das respectivas competências; ii. por meio do exemplo, tanto pela própria conduta, quanto pela exação ex-officio, fornecem modelo para a sociedade civil.
Será lugar comum deplorar os costumes de seus contemporâneos ? Vem-nos à lembrança a exclamação de Marco Túlio Cícero, no primeiro discurso contra Catilina. Esse ó tempora, ó mores parecia revelar desregramento na tarda República Romana. No entanto, épocas muito piores se sucederiam, a ponto de que se lançasse olhar nostágico para os tempos em que as leis ainda eram respeitadas, e a ordem pública salvaguardada.
Na atualidade, alarga-se a vala entre o cidadão comum e as autoridades do Estado. Como pode o homem da rua admirar àqueles que elege quadrienalmente, ou que contempla abancados nas altas curuis da magistratura ?
O Congresso Nacional pode acaso inspirar não diria orgulho, mas respeito ao trabalhador ? Que emprego este encontraria que lhe proporcionasse dois pífios dias de labuta, conjugados com generosas passagens aéreas, ajudas de custo e quejandos ? E apesar dos escândalos que irromperam na Câmara e mais ainda no Senado, quantas punições terá o leitor deparado nos jornais ?
Porque este homem comum bem sabe que se desrespeitar horário, faltar ao trabalho sem motivo válido, ou não cumprir as respectivas funções, não há de esperar que o patrão faça vista grossa e lhe passe a mão na cabeça.
Nos tempos do corporativismo, os senhores congressistas não são cerceados por tais regras que o homem comum deve obedecer. Quem foi punido pela farra das passagens ? Que instrumentos tem o cidadão para determinar se os fundos gastos nos trens da alegria para o exterior, nas viagens a serviço para o Havaí, a Europa e, através do Atlântico, para os Estados Unidos, foram repostos ? Devemos acaso supor que nenhum parlamentar tenha mentido, deixado de pagar impostos, e que tais, se ninguém, deputado ou senador, foi declarado faltar ao decoro e por conseguinte cassado ?
Se aqui ninguém foi obrigado a ressarcir os cofres públicos, neste nivelamento por baixo, como é deprimente observar que em outras latitudes, como, v.g., na Inglaterra, mãe dos parlamentos, os faltosos, detenham mando ou não, repuseram as somas indevidamente auferidas.
Será lícito definir como o nadir o que ocorreu no Senado com o presidente José Sarney e asseclas, como o quadro emblemático da presente república ?
Na aparência a confirmar essa liderança às avessas, deparamos, no Rio de Janeiro, onde não faz muito uma juíza ordinária construíu sua reputação, da noite para o dia, mandando prender toda a cúpula do jogo do bicho, que adrede convocara, agora noticiarem os jornais a incrível nova que ‘bicheiros pagaram festa para presidentes dos Tribunais Regionais Eleitorais’.
E não pára por aí. Antes, correu notícia que desembargador deste Estado, corregedor do TJ, em associação com empresário, estaria envolvido em tráfico de influência em termos de sentenças judiciais . Diante disto, o corregedor do Conselho Nacional de Justiça anuncia investigações para determinar se houve ilícito.
O Conselho Nacional de Justiça, de atribulada feitura, veio atender a um reclamo de maior controle da Justiça. Se o chamado controle externo não pôde ser estabelecido, progresso neste campo foi realizado, posto que apreciaríamos a divulgação de magistrados porventura transgressores que tenham sido escarmentados e punidos como é a sina do cidadão comum.
Tampouco no Executivo encontra eco o anseio do povo para que a lei seja igual para todos. Talvez inebriado pelos píncaros da respectiva popularidade, o Presidente da República se abstém de subir ao que Theodore Roosevelt denominava de bully pulpit, uma espécie de tribuna ética em que os bons exemplos fossem apontados e recomendados.
Sua Excelência, ao invés, confunde proximidade no poder com necessidade de relativizar as faltas dos altos personagens. A lista é longa e merecerá atenção a seu devido tempo. Basta, neste momento, recordar a assertiva de ‘hipocrisia’ nas condenas ao abuso nas passagens aéreas, e o lapidar juízo de que Sarney não é homem comum.
Eleitor, não te esqueças: tua única arma é o voto. E através deste voto um Brasil melhor, mais parecido contigo, pode ser construído.
Por que se espera do poder, seja executivo, legislativo ou judiciário que aja de forma correta, ao amparo da legislação ? Por duas razões básicas: i. são detentores, por mandato legal, da vis impositiva, através do exercício constitucional das respectivas competências; ii. por meio do exemplo, tanto pela própria conduta, quanto pela exação ex-officio, fornecem modelo para a sociedade civil.
Será lugar comum deplorar os costumes de seus contemporâneos ? Vem-nos à lembrança a exclamação de Marco Túlio Cícero, no primeiro discurso contra Catilina. Esse ó tempora, ó mores parecia revelar desregramento na tarda República Romana. No entanto, épocas muito piores se sucederiam, a ponto de que se lançasse olhar nostágico para os tempos em que as leis ainda eram respeitadas, e a ordem pública salvaguardada.
Na atualidade, alarga-se a vala entre o cidadão comum e as autoridades do Estado. Como pode o homem da rua admirar àqueles que elege quadrienalmente, ou que contempla abancados nas altas curuis da magistratura ?
O Congresso Nacional pode acaso inspirar não diria orgulho, mas respeito ao trabalhador ? Que emprego este encontraria que lhe proporcionasse dois pífios dias de labuta, conjugados com generosas passagens aéreas, ajudas de custo e quejandos ? E apesar dos escândalos que irromperam na Câmara e mais ainda no Senado, quantas punições terá o leitor deparado nos jornais ?
Porque este homem comum bem sabe que se desrespeitar horário, faltar ao trabalho sem motivo válido, ou não cumprir as respectivas funções, não há de esperar que o patrão faça vista grossa e lhe passe a mão na cabeça.
Nos tempos do corporativismo, os senhores congressistas não são cerceados por tais regras que o homem comum deve obedecer. Quem foi punido pela farra das passagens ? Que instrumentos tem o cidadão para determinar se os fundos gastos nos trens da alegria para o exterior, nas viagens a serviço para o Havaí, a Europa e, através do Atlântico, para os Estados Unidos, foram repostos ? Devemos acaso supor que nenhum parlamentar tenha mentido, deixado de pagar impostos, e que tais, se ninguém, deputado ou senador, foi declarado faltar ao decoro e por conseguinte cassado ?
Se aqui ninguém foi obrigado a ressarcir os cofres públicos, neste nivelamento por baixo, como é deprimente observar que em outras latitudes, como, v.g., na Inglaterra, mãe dos parlamentos, os faltosos, detenham mando ou não, repuseram as somas indevidamente auferidas.
Será lícito definir como o nadir o que ocorreu no Senado com o presidente José Sarney e asseclas, como o quadro emblemático da presente república ?
Na aparência a confirmar essa liderança às avessas, deparamos, no Rio de Janeiro, onde não faz muito uma juíza ordinária construíu sua reputação, da noite para o dia, mandando prender toda a cúpula do jogo do bicho, que adrede convocara, agora noticiarem os jornais a incrível nova que ‘bicheiros pagaram festa para presidentes dos Tribunais Regionais Eleitorais’.
E não pára por aí. Antes, correu notícia que desembargador deste Estado, corregedor do TJ, em associação com empresário, estaria envolvido em tráfico de influência em termos de sentenças judiciais . Diante disto, o corregedor do Conselho Nacional de Justiça anuncia investigações para determinar se houve ilícito.
O Conselho Nacional de Justiça, de atribulada feitura, veio atender a um reclamo de maior controle da Justiça. Se o chamado controle externo não pôde ser estabelecido, progresso neste campo foi realizado, posto que apreciaríamos a divulgação de magistrados porventura transgressores que tenham sido escarmentados e punidos como é a sina do cidadão comum.
Tampouco no Executivo encontra eco o anseio do povo para que a lei seja igual para todos. Talvez inebriado pelos píncaros da respectiva popularidade, o Presidente da República se abstém de subir ao que Theodore Roosevelt denominava de bully pulpit, uma espécie de tribuna ética em que os bons exemplos fossem apontados e recomendados.
Sua Excelência, ao invés, confunde proximidade no poder com necessidade de relativizar as faltas dos altos personagens. A lista é longa e merecerá atenção a seu devido tempo. Basta, neste momento, recordar a assertiva de ‘hipocrisia’ nas condenas ao abuso nas passagens aéreas, e o lapidar juízo de que Sarney não é homem comum.
Eleitor, não te esqueças: tua única arma é o voto. E através deste voto um Brasil melhor, mais parecido contigo, pode ser construído.
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