A transparência no julgamento da Ação
Penal 470, se para alguns é pelo menos objeto de questionamento, para
outros muitos tende a ser vista como aspecto louvável e oportuno, dada a
relevância deste juízo para a democracia brasileira.
Na sessão de ontem, tivemos um
exemplo de o que tal característica do juízo possa contribuir para uma
avaliação mais concreta e determinada, de o que possa transpirar de longos e
doutos votos dos diversos ministros, muita vez fraseados em linguajar técnico,
por natureza menos inteligível para o grande público. O antagonismo das respectivas posições – acompanhadas, por vezes, de atitudes não corriqueiras naquela grande sala do Supremo – poderá servir para desenhar-lhe, com traços fortes e marcantes, o eventual conteúdo semântico das propostas e das alianças dos ministros participantes neste juízo, marco para a democracia brasileira.
Por mais que setores engajados ideologicamente busquem contraditá-lo, a mensagem transmitida pela evolução do julgamento, além de impactar uma larga audiência – de que se encarrega a cobertura pela tevê da justiça e o noticiário da imprensa - constitui uma aula prática de democracia.
Com todas as suas verrugas – a lentidão da justiça, a verbosidade de certas intervenções, e as altercações e os bate-bocas entre ministros – na respectiva transparência se encontra talvez a sua maior qualidade.
A luz será sempre bem-vinda – mesmo em horas extremas, como um grande escritor o indicou, nas suas derradeiras palavras – e a Ação Penal 470 tem representado, para a sociedade civil, uma aula, por vezes agressiva, porém sempre oportuna, de democracia.
Para um país que se intentara apresentar como de muitas leis que não são cumpridas, este julgamento do Mensalão significa, quiçá não a primeira, senão a mais estentórica, prática e penetrante lição de democracia, na companhia decerto das dificuldades e das antinomias deste regime – na definição famosa, o pior deles, excetuados todos os demais.
Por isso, se junto ao povo soberano as ideias e formas respectivas tendem a se espelhar, não nos matizes e nas sofisticadas gradações de especialistas, mas nos fortes contrastes dos antagonismos, tal não poderá ser interpretado como intolerância. Com efeito, para que se firmem os conceitos, afigura-se imprescindível que se apreendam os elementos essenciais de cada posição.
Se a demonização do adversário deve ser evitada – e quem poderá asseverar que ela será própria apenas de um lado ? – a lição de democracia há de contribuir para que prevaleça, senão a conformidade, pelo menos a tolerância, com o parecer do outro lado. Nesse sentido, o comportamento do Ministro Ricardo Lewandowski, antagonizado em seção eleitoral, constitui, na sua abertura, um exemplo a ser imitado, como aula prática desta mesma democracia.
Por sua vez, o Ministro Joaquim Barbosa – que defende, com germânico rigor, a boa causa – foi admoestado por falta de habilidade. Pró-ativo na prossecução de sua relatoria, ele alia nas suas proposições o rigor da justiça à coerência do estudioso. Se o futuro presidente do Supremo não tem a diplomacia de Ministro Carlos Ayres Britto, não lhe carece a disposição de levar a termo a missão de que foi encarregado.
Até o presente, os seus votos têm sido respaldados por um núcleo significativo de juízes, a começar pelo decano Celso de Mello. Tais apoios não são ocasionais, porém decorrem de proposições bem fundamentadas e alicerçadas nos autos e na legislação.
Assim, avança o juízo do mensalão. Com as dificuldades e as surpresas próprias do regime, mas também com a sua força de convicção, em que um conjunto dissonante de vozes pode culminar em ditames incontrastáveis ?
( Fonte: O Globo )
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