Imprensa e políticos se digladiam quanto ao
significado da mensagem transmitida pelas urnas dos comícios de seis de
novembro. Por mais que a eleição haja sido renhida algumas verdades ressaltam
para aqueles que não desejam apenas colher elementos para continuar aferrados
aos mesmos postulados de antes.
A premissa maior é que, malgrado as
invectivas e as solenes promessas de terra arrasada, Barack H. Obama não se verá
confinado no inglório grupo dos presidentes de um só mandato. Venceu lisamente
um pleito duramente disputado, com 303 votos eleitorais contra 206 (os
pendentes 29, relativos à lenta apuração no estado da Flórida, não afetam o
resultado final). Além disso, posto que
não seja obrigatório na determinação do ganhador, Obama teve igualmente maioria
na votação popular, com 60,1 milhões de sufrágios contra 57,4 milhões dados a Mitt Romney.Dá-se, portanto, uma inegável segunda oportunidade para Barack Obama. No primeiro mandato, a inexperiência executiva do presidente havia deixado marcas – e notadamente no primeiro biênio, com a tunda (shellacking) das eleições intermediárias e a perda do controle da Casa de Representantes. Não obstante tal princípio, os quatro anos não passaram em branca nuvem. Com efeito, Obama lograra fazer aprovar a Lei da assistência sanitária custeável (Affordable Healthcare Act), uma realização-marco, tentada em vão desde Theodore Roosevelt, em princípios do século vinte; a Lei Dodd-Frank, de reforma de Wall Street e de proteção ao Consumidor. Ela regulamenta os mercados acionários, com vistas a evitar a então imperante desordem, uma das causas principais da insânia dos derivativos e dos CDOs que desaguara na grande crise financeira de 2008; e a lei dos Estímulos, que atuou para reativar inúmeros setores da economia, com grandes benefícios, como assinalado em obra de Michael Grunwald, “o novo New Deal” .
Por outro lado, e esse reflexo colateral não é desprezível, o triunfo de Obama ao barrar a assunção de Mitt Romney impede o projeto do ex-governador de Massachusetts de revogar a lei da Reforma Sanitária (o Obamacare dos republicanos), e a própria Lei Dodd-Frank. Como é notório, uma das causas precípuas da desordem financeira a que presidira Alan Greenspan no Fed fora o afastamento de leis regulatórias do mercado, como a famosa lei Glass-Steagal, de 1933, por iniciativa de Robert Rubin e Larry Summers, na segunda Administração de Clinton. Essa legislação que coibira os abusos do período antecedente da grande depressão havia sido imprudentemente afastada. Em tais condições, estas duas importantes legislações ora disporão de mais quatro anos para firmarem-se junto à coletividade americana.
Infelizmente, o GOP manteve o seu predomínio na Casa de Representantes. Malgrado a impopularidade da Câmara baixa, por força do radicalismo da bancada do Tea Party (facção republicana de ultra-direita), e a resultante paralisia legislativa, por um mistério americano – talvez explicável pelo enfoque municipalista que se deu ao pleito para deputados – a maioria do GOP persiste, posto que algo diminuída. Na sua direção, até disposição em contrário, persistem o Speaker John Boehner, e o Líder da Maioria Eric Cantor. Aquele é supostamente mais moderado – embora tenha negado, por primeira vez, um dia para a mensagem do Presidente sobre o Estado da União – e o segundo cultiva os radicais do Tea Party, e mal fala com o seu Speaker.
Já no Senado, ao contrário das expectativas republicanas, a maioria democrata se fortaleceu. Houve ganhos muito positivos para a instituição, como a memorável vitória de Elizabeth Warren contra Scott Brown (aquele que sucedera a Ted Kennedy, valendo-se da inepta campanha de Martha Coakley). Warren é uma lutadora, que não dará vida fácil aos industriais e seus amigos na defesa intransigente dos direitos dos consumidores. Também por cortesia do Tea Party – já antecipado neste blog – fora afastado o veterano senador republicano Richard Lugar, e substituído por um radical conservador daquela facção reacionária. Em consequência, agradecido, o Partido Democrata pôde aumentar a sua bancada, o que seria impensável contra Lugar, que pleiteava o sexto mandato pelo estado de Indiana.
Fala-se muito do chamado Fiscal Cliff (precipício fiscal), que é o conjunto de cortes draconianos a serem acionados automaticamente, no caso de falta de acordo entre governo e congresso, ao ensejo da nova renegociação da elevação do teto da dívida fiscal. Tem-se bem presente o espetáculo lamentável das negociações entre o Presidente e a liderança republicana na Casa de Representantes, no qual o prestígio de Barack Obama tocara no seu nadir.
Não é lícito crer que o presidente vá reincidir nas suas ilusões quanto ao ressuscitar do espírito bipartidista. A tal respeito, o Speaker Boehner já deu declaração bastante instrutiva. Ao dizer-se pronto para negociar, enfatizou a sua leitura da voz das urnas, que se teria manifestado contrária ao aumento de impostos.
Negociações para terem êxito devem fundar-se na falta de ilusões de parte a parte. Uma das causas precípuas para o surgimento dos grandes déficits do governo de George W. Bush está no irresponsável corte nos impostos pagos pelas grandes fortunas. Encetar uma negociação sob tal pressuposto será condená-la ao malogro, eis que republicanos e democratas não podem pautar a sua participação por um posturing (postura) demagógico que, na verdade, deseja impor a posição de nenhum dos lados, e não construir acordo baseado em transigências recíprocas.
As fórmulas procrusteanas estabelecidas pelos mecanismos automáticos do suposto entendimento para enfrentar o déficit são instrumentos demagógicos que nada resolvem. Bill Clinton concluiu o seu segundo mandato com uma série inédita de superávits orçamentários. A atual situação é muito diversa daquela e exigirá remédios mais brandos e mais consoantes com as realidades da segunda década do século XXI.
Para levar a cabo essa árdua negociação, o presidente não está sozinho, eis que dispõe de uma das Casas do Congresso. Na outra, se o GOP ainda dispõe de maioria, tal não é passe-livre para procedimentos irresponsáveis, com a volta do chamado gridlock (paralisia institucional). Nos tempos do Speaker Newt Gingrich, o Presidente Bill Clinton venceu junto à opinião pública o embate com o GOP (que tinha inclusive maioria no Senado). Ganhou a batalha com uma mistura de firmeza e astúcia, uma receita sempre válida se o tratamento se destina a pessoas destituídas de um mínimo de bom senso.
( Fonte: International Herald Tribune )
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