quarta-feira, 14 de novembro de 2012

A Revolução Árabe chega na Jordânia ?


            A chamada primavera árabe, anunciada na Tunísia, quando em 17 de dezembro  de 2011 o verdureiro Mohamed Bouaziz ateara fogo às vestes, dá sinais de que pode estender o seu tortuoso caminho pelas terras do Levante. Se a primeira peça a cair fora a ditadura corrupta de Ben Ali, em janeiro de 2012, tiranos e governantes do mundo árabe têm assistido – e amiúde participado - desde então, seja na perplexidade, seja nas diversas formas de negação, no seu caprichoso, por vezes imprevisível avanço.
            Através da história, a revolução tem despertado as reações mais díspares nas suas imprevisíveis sendas, e na própria capacidade de contágio, que muita vez vai além do seu ambiente natural. As mutações revolucionárias da Europa do antigo regime, que a queda da Bastilha iria sinalizar, se espraiariam pelo século dezenove, em sucessivas vagas, em 1830 e, sobretudo, 1848. Se a origem vinha de Paris, ela trazia a promessa da renovação para todo o lugar onde a liberdade fosse cerceada.
            Daí, na sua rota caprichosa e imprevisível, os temores que o novo há de provocar, com a sua mensagem desestabilizante para a multiforme repressão, como se comprova nas nervosas reações de terras na aparência distantes – como o Irã e ainda mais a China – contra essa insidiosa propaganda de uma multiforme liberdade. Será, de resto, esse avatar do diverso que turva a percepção de muitos especialistas nas áreas de repente conturbadas, como se assinala, por exemplo, na negação de parte de Hussein Agha e Robert Malley de que essa primavera seja de fato uma revolução (V. a propósito, The New York Review, 8 novembro 2012: “O Oriente Médio: Isto não é uma Revolução”).
           A guerra civil na Síria, com o seu rastro de perturbações e de contestação, se estende, pelos respectivos efeitos e exemplo, através de seu entorno. As ondas de refugiados convulsionam a fronteira norte da Turquia, assim como o Líbano, a Jordânia e o próprio Israel. Tais manifestações se refletem sobretudo nos pontos sensíveis e, por conseguinte, mais fragilizáveis desses países.
           Não assombra, portanto, que os morteiros sírios se aproximem dos assentamentos israelenses nas alturas de Golan, que se intensifique a artilharia rudimentar mas também potencialmente mortífera da Palestina ocupada em áreas circunvizinhas de Tel-Aviv, e que os acampamentos de refugiados na Turquia levem desconforto e revolta, a par de acirrar os ânimos de outras minorias como os curdos.
           O contágio da revolução na Síria contra o regime alauíta dos al-Assad tampouco deixa de afetar o Libano, em que a poderosa milícia do Hezbollah teme pelo eventual corte no apoio dos irmãos xiitas de Teerã. A antiga Suiça do Levante, com a sua composição entre cristãos maronitas e árabes sunitas, é apenas um retrato na parede, dada a presença sempre mais agressiva da faixa xiita, comandada por Hassan Nasrallah.
          Desde algum tempo, a Jordânia, do rei Abdullah II, se vê ameaçada pelos distúrbios da Primavera Árabe. O ramo hashemita é o último restante dos antigos descendentes do Profeta, que fora decepado no Iraque, com a revolução baathista de 14 de julho de 1958, com o assassínio do rei Faisal II e do Primeiro Ministro Nuri al-Said, e que antes havia sido derrotado na península arábica pela tribo saudita.
         O rei Abdullah, filho do popular rei Hussein, não tem a habilidade do pai, que enfrentara sérios desafios ao próprio trono, como Setembro Negro, contara sempre com a fidelidade das tribos beduínas. No cadinho demográfico que é a Jordânia, a presença palestina é uma decorrência da antiga crise naquela região, com a invasão desestabilizante de Israel (e dos assentamentos de colonos) na margem ocidental do Jordão. Abdullah não evidencia a mesma sabedoria paterna – diante de quem o avô, Abdullah I, fora assassinado – por cultivar o apoio da etnia beduína. Abdullah II e a sua raínha Rania, de origem palestina, não tem sabido manter a fidelidade dos beduínos, cuja valia se provara determinante para o pai.
        As manifestações contra o rei ressurgiram pela determinação do novo Primeiro Ministro Abdullah Ensour de elevar o preço da gasolina e do querosene. Como um rastilho de pólvora, na noite de ontem, radicalizou-se o discurso das multidões. Pela importância social desse combustível – cujo preço vinha sendo mantido artificialmente baixo, reprimido pelo seu desestabilizante impacto inflacionário – as novas cotações tiveram efeito devastador, lançando para as praças e ruas um protesto que cresceu e se tornou mais agressivo pela força galvanizada.
        Até o presente, as manifestações se tinham abstido de atacar diretamente o monarca. Desta feita,malgrado as proibições legais, o rei vem sendo confrontado diretamente, sem respeitosos circunlóquios.
           A Jordânia sofreu a invasão de refugiados sírios. Como se sabe, a revolução na terra de al-Assad se iniciara na cidade sulina de Deraa,  muito próxima da Jordânia. Dessarte, as primeiras ondas de fugitivos da ditadura alauíta se homiziaram na terra de Abdullah. Existiria hoje  na Jordânia contingente respeitável de deslocados sírios, o que tem contribuído para lacerar o tecido social daquele país árabe, que não tem petróleo.
            Não se desconhece o papel exercido pelo ouro negro para lograr o controle da população, como através do incremento de benesses sociais pelas monarquias saudita e dos emirados do golfo pérsico. Esta é uma moeda de que Abdullah II não dispõe.

 
(  Fonte:  CNN  )

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