Era opinião corrente que o Irã dos ayatollahs constituísse exceção no mundo islâmico. Em muitos países árabes, as eleições são uma farsa, montada sobretudo para consumo ocidental, que, na mor parte das vezes, se presta ao jogo, fingindo acreditar na lisura dos procedimentos. A coisa aí chega a tal ponto que uma televisão francesa logrou filmar ao vivo a fraude em seção eleitoral de país magrebino.
Quanto ao Irã, sublinhava-se o caráter democrático da votação para presidente.
De acordo com essa versão, a intervalos de quatro anos a sociedade iraniana livremente escolhia o seu primeiro mandatário.
O alegado ‘triunfo’ eleitoral de Mahmoud Ahmadinejad, com 62,2% dos votos contra 34,0% concedidos ao candidato das oposições, Mir Hossein Moussavi, veio abalar essa difundida lenda.
Antes de tratar da situação no Irã, semelha oportuno assinalar os tópicos a seguir.
O suposto ‘presidente’ iraniano, como se sabe, não é o principal mandatário. Com efeito, o supremo líder do Irã, que preside o Conselho dos Guardiães, é o Ayatollah Ali Khamenei. Não foi o povo quem ali o colocou, mas sim o dito Conselho, que tampouco tem chancela popular.
Configurando um regime teocrático, Ali Khamenei, como o Ayatollah Khomeini no passado, está acima dos representantes eleitos.Aliás, tanto para a presidência, quanto para o parlamento, só podem concorrer aqueles que obtiverem o ‘nihil obstat’ do estamento dominante, que está representado pela vanguarda
dos mullahs.
Para que se tenha ideia da severidade do crivo dos ayatollahs, dos setecentos nomes que desejaram pleitear a presidência, somente quatro foram julgados aptos consoante os peculiares critérios imperantes.
Dessarte, falar de democracia no Irã não corresponde exatamente a uma descrição fiel do cenário político naquele país.
Conquanto houvesse dúvidas quanto à primeira eleição de Ahmadinejad para a presidência, as características deste primeiro turno inviabilizam qualquer comparação com o pleito anterior. Sondagens haviam mostrado que o candidato das oposições, Moussavi, tinha grandes possibilidades de vencer.
Assim, tanto o desequilíbrio no cômputo dos votos, com uma desproporcional vantagem para o candidato dos ayatollahs, quanto a própria inusitada rapidez do escrutínio, face ao afluxo maciço dos eleitores, não poderia deixar de levantar suspeitas e mesmo certezas quanto à grosseira manipulação do resultado.
Testemunho da raiva popular, diante do afrontoso desrespeito à sua vontade, tem sido os três dias de protestos de boa parte da população citadina, o que motivou violenta reação tanto da polícia de choque, quanto das milícias, a par de draconianas medidas de censura à imprensa e aos meios de comunicação.
O Supremo líder Ali Khamenei não tardou em intervir. Ao contrário do que esperava o candidato Moussavi, em declaração difundida pela tevê estatal na noite de sábado treze, Khamenei terá fechado a porta para eventuais contestações, ao congratular Ahmadinejad pela vitória, e ao encarecer os demais candidatos a reconhecerem a derrota.
Não obstante o apoio do estamento à sua criatura, Mahmoud Ahmadinejad, os protestos continuam, e grandes concentrações se verificam, malgrado as intervenções e as bastonadas da polícia motorizada e dos milicianos. Não é sem razão que as ditaduras têm velho e arraigado temor do povo e sobretudo da massa, pela sua inopinada obstinação em não curvar-se às determinações dos poderosos de turno.
Nesta data, e é certamente significativo que tal haja ocorrido, o líder das oposições, Mir Hossein Moussavi, compareceu a uma concentração de seus votantes, e tornou a reiterar o caráter fraudulento do escrutínio que favorecera o atual presidente.
Apesar de haver rumores acerca de detenções indiscriminadas – a princípio correra o boato da prisão de Moussavi - existem dois aspectos que merecem atenção. De início, a circunstância de Moussavi não só continuar livre, mas poder expressar a sua posição, que é comum a de seus partidários.
Por outro lado, o que corrobora indiretamente a extensão da contestação, o Conselho dos Guardiães veio a público para informar que procederá a um exame nos totais coligidos pela Comissão de Apuração, com vistas a verificar da existência de irregularidades na apuração dos votos. O exame em apreço atende a requerimento de Moussavi, e o resultado será conhecido em prazo de dez dias. Sem a ocorrência de desenvolvimentos imprevisíveis, não semelha provável que o Conselho de Guardiães invalide a eleição e determine nova consulta popular.
segunda-feira, 15 de junho de 2009
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Um comentário:
A democratização do mundo islâmico é um desafio histórico sem chance de algum sucesso.
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