Como toda a situação do gênero, não é decerto possível prever como evoluirão os acontecimentos no Irã. Conforme noticiado, na sexta-feira à noite, o Líder Supremo Ali Khamenei, perante auditório repleto de zelosos partidários, inclusive Mahmoud Ahmadinejad, lançara um ultimatum às forças democráticas, encabeçadas por Mir Hussein Moussavi.
Deviam cessar as manifestações de protesto. Aqueles que desrespeitassem a ordem, seriam responsáveis pelo derramamento de sangue. Nesse tipo de regime, sabemos que as vítimas são em geral consideradas responsáveis, mas talvez nenhum mandatário tenha sido tão constrangedoramente explícito quanto o foi Khamenei.
Se as concentrações pacíficas de milhões de iranianos evoluirão para um movimento revolucionário, somente os próximos dias poderão responder.
Na fluidez particular deste momento histórico, existem no entanto alguns sinais significativos. Assim, o líder supremo não hesitou em mostrar a irrelevância da única concessão feita à oposição. Ao declarar como definitivo o triunfo de Ahmadinejad – “O Estado Islâmico não iria trapacear nem trairia o voto do povo. O mecanismo legal para eleições não permite qualquer fraude.” - , Khamenei despojou de qualquer sentido a recontagem parcial ora realizada pelo Conselho dos Guardiães.
Se a dita recontagem é apenas um gesto vazio – eis que limitada a percentual baixo dos sufrágios, mesmo que conduzida lisamente não poderia mudar o resultado -, o líder supremo decidiu achincalhá-la ainda mais.
Por outro lado, Moussavi vem demonstrando porque a sua liderança cresceu tanto nos últimos dias. A despeito das ameaças, o candidato esbulhado não recuou. Conclamou os partidários a prosseguirem na sua caminhada, a par de faze-los saber que se algo lhe ocorrer, que seja declarada uma greve geral em todo o país.
Existe, contudo, outro aspecto que talvez sobreleve aos demais. No passado, em todos os protestos sob o regime islâmico no Irã, nunca uma determinação do Líder Supremo fora desrespeitada.
Dessa feita, apesar do ultimatum do ayatollah, de suas ameaças e de haver apostrofado a desobediência como contrária ao Islam, o movimento contestador não desapareceu das ruas. Se o número de manifestantes no dia imediato à alocução de Khamenei foi de alguns milhares, ao invés das centenas de milhares nas manifestações anteriores, a violência da polícia e sobretudo dos basiji não deixava dúvidas quanto aos temores dos atuais detentores do poder, e da sua ânsia de esmagar a contestação, uma vez liberados de quaisquer peias na sua truculência pelo próprio Líder Supremo.
Se o movimento democrático já registrara mártires, como aqueles que motivaram a grande marcha, feita a pedido de Moussavi, de manifestantes vestidos de negro, em expressão do luto pelo sacrifício de companheiros, o total de mortes entre aqueles que ousaram desobedecer a diretiva de Khamenei é, no presente, de dezenove pessoas, consoante a contagem oficial dos órgãos de segurança.
Dadas as dificuldades encontradas pelos jornalistas europeus em cobrir a situação no Irã, devido não só à consueta repressão às atividades dos meios de comunicação, mas também às acusações rituais dirigidas contra potências estrangeiras (Estados Unidos, Grã-Bretanha, Israel). Nada disso é incomum em regimes autoritários, dada a necessidade que têm, em função de sua inerente fraqueza, de culpabilizar o Outro, e de assim tentar desvirtuar as verdadeiras motivações dos movimentos de contestação democrática.
Se se afigura prematura qualquer antecipação do rumo que tomarão os acontecimentos, já se pode asseverar que, por primeira vez, determinação do Supremo Lider foi ignorada por aglomerações significativas de manifestantes, não obstante os riscos que sabiam estar correndo.
O futuro dirá se a bestialidade das milícias islâmicas (basiji) e das forças policiais ao abater, sem outro motivo que a nua crueldade, jovens como a moça Neda e se encarregará de agir como sinistro contingente auxiliar da revolução democrática, a exemplo do ocorrido há trinta atrás, quando da brutal repressão intentada pelas hostes do Xá Reza Pahlevi.
domingo, 21 de junho de 2009
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