Os anúncios do discurso na imprensa da véspera, já traziam indicações supostamente de cocheira, antecipando-lhe o desígnio de retomar a iniciativa, e de colocar em dificuldade os adversários, de dentro e de fora da Casa.
O discursante tem um grupo, que não é dos menores. Reunidos em conciliábulo, pela manhã, na residência do Chefe, as decisões acordadas não tardaram em produzir efeitos. Ameaças em veste de singelos recados foram transmitidas a todos os partidos. Ficassem sabendo que o Chefe não é o único responsável pelas decisões da Casa. Por serem colegiadas, ele não aceitaria ser responsabilizado sozinho.
Da alocução a ser pronunciada, uma frase foi pré-divulgada: “a crise não é minha, é do Senado”. Outras ‘advertências’ seriam proferidas, confeitadas segundo o interlocutor. As cominações poderiam ser explícitas, como a de que a revelação dos atos secretos comprometeria mais da metade dos senadores. Ou então, envoltas com vozes macias, como nos telefonemas do escudeiro Renan Calheiros a Jarbas Vasconcelos e Pedro Simon.
Dessarte preparada, a personagem poderia descer da própria curul e dirigir-se à tribuna. Devidamente arregimentado, se o plenário não estava lotado – afinal, era uma terça-feira – a assistência permaneceu silenciosa durante os trinta e três minutos da fala. De resto, a autoridade fizera saber que não permitiria apartes.
Talvez tudo estivesse ali, as discretas escaramuças, a dosada e prévia artilharia, o público imediato, cujo papel era adrede deixado em suspenso, e por fim a encenação do evento, não transcurada por solícitos auxiliares.
Entretanto, não é a tribuna que faz o orador. Nesses últimos tempos, ela não tem sido visitada por parlamentares que arrebatem a atenção dos circunstantes. Sua Excelência, cuja biografia política é longa e de muitos conhecida, afirmou-se no Maranhão ao desbancar o velho cacique Vitorino Freire. Seria licito esperar que, com a sua longa vivência parlamentar e executiva, corresponderia à expectativa de alguns, pronunciando peça que resgatasse antigas imagens da instituição.
Se a oratória hodierna não mais pretende carregar os ouvintes em arroubos condoreiros, sua eloquência estará mais na concisão e na pujança dos argumentos. Ao subir à tribuna, nas ocasiões maiores, o orador tem precípuo compromisso. Ele deve dizer ao que veio, a saber, qual é a sua proposta para a questão que está na ordem do dia. Nas grandes mensagens, nos deparamos em realidade com mensagem singela na essência que descreva a situação e exponha proposta de solução.
É forçoso reconhecer que não foi o que ontem se presenciou no plenário do Senado Federal.
José Sarney não tomou nem propôs a tomada de medidas concretas, voltadas contra os atos secretos que originaram a crise.
A despeito de estar na sua terceira presidência do Senado, não admitiu qualquer responsabilidade quanto aos atos secretos. “Não sei o que é ato secreto. Mas tudo isso é relativo ao passado. Não tenho nada a ver com isso.”
Tampouco aceita qualquer envolvimento com a crise da instituição. “A crise do Senado não é minha. A crise é do Senado, e é esta instituição que nós devemos preservar. Todos somos responsáveis. Nós aprovamos aqui os atos da Mesa. (...) Temos que corrigir o que está errado. E estarei pronto para cumprir tudo o que o Senado decidir. Vou levar em frente, doa a quem doer.”
Por fim, avocou a própria biografia para se defender das acusações de que teria sido um dos beneficiados pelos mais de quinhentos atos administrativos secretos adotados pela Casa. Dentro dessa peculiar linha de pensamento, asseverou: “ É injustiça do país me julgar”.
O discurso do Presidente do Senado não inclui nenhuma medida concreta para debelar a crise. Sequer anuncia a demissão do diretor-geral, Alexandre Gazineo. E, não obstante dizer-se favorável à averiguação das irregularidades, Sarney se opõe à entrada da Polícia Federal e do Ministério Público nas investigações. Ora, tal oposição equivale a condenar as apurações intramuros ao mesmo resultado das anteriores, isto é, nada.
Sem embargo da vacuidade substantiva do discurso, Sarney receberia os cumprimentos de praticamente todos os presentes. A notar que o primeiro a fazê-lo seria o antigo desafeto e sucessor imediato, Fernando Collor.
Depois, vários senadores apresentaram da tribuna sugestões diversas. A notar igualmente que nenhum deles se atreveu a criticar o Presidente José Sarney.
O único que discrepou – embora longe da tribuna, em entrevista – foi Jarbas Vasconcelos: “Era preferível que Sarney não tivesse nem falado. E logo ele que foi presidente da Casa por três vezes e quem nomeou Agaciel Maia.”
Sem dúvida, o respeitoso silêncio que aureolou o discurso de Sarney se deverá a muitas causas. Entre outras, os trabalhos preparatórios do grupo, as articulações de Renan Calheiros, e a singular e atualíssima carência de valores exponenciais.
quarta-feira, 17 de junho de 2009
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