A gravidade do golpe militar em Tegucigalpa de muito transcende as quizílias internas de Honduras. O país mais pobre da América Central e por muito com presença estadunidense bastante marcada, passou a ter, nos anos oitenta, a exemplo do restante da América Latina, sucessão de governos formalmente democráticos.
Como em outros Estados, o exército aí conservou marcante influência, constituindo, também no figurino de outras nações latino-americanas, um estamento à parte. O poder castrense, respeitado pelos políticos civis, obedecia às próprias regras. Subordinado apenas formalmente às autoridades paisanas, representava microcosmo autônomo, gerido corporativamente. Tal paradigma não se circunscreve, decerto, à pequena Honduras, sendo triste sárcina de muitos países de nossa América Latina. No Brasil, malgrado a superposição das autoridades constitucionais trazida pelo Ministério da Defesa, o poder civil se ressente de uma autêntica implantação, que os militares têm sabido até o presente evitar, conservada a desmedida importância dos respectivos comandantes, que ainda são chamados com excessiva frequência a assessorar diretamente o Presidente da República.
A implícita ameaça do pronunciamiento em Honduras para a democracia latino-americana não pode ser menosprezada. Se salta aos olhos que não tem o imediatismo de um rastilho de pólvora, tampouco ela deve ser ignorada, como se fora um perigo a que estariam imunes as demais culturas políticas nacionais.
A prevalência da democracia na América Latina é fenômeno demasiado recente para que o consideremos de sólida implantação.
Para melhor entendê-lo, detenhemo-nos, a princípio, nas causas próximas da mudança de governo em Honduras. O Presidente Manuel Zelaya, influenciado talvez por seus companheiros da Alba de Hugo Chávez, não se comportou com isenção constitucional, quando procurou implementar um referendo para forçar reforma da Carta Magna. Além de tentar envolver o Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, General Romeo Vásquez, Zelaya peitou a Corte Suprema, ao seguir adiante com o projeto do referendo ilegal.
Dessarte, pautado ou não pela cartilha do caudilho Chávez, o Presidente Zelaya no afã de inserir o instituto da reeleição na Constituição agiu claramente à margem da lei.
No entanto, o modus faciendi de sua destituição, mediante golpe militar que o transportou para a Costa Rica, a posteriori avalizado pelo Congresso, é um cenário demasiado conhecido em nossas paragens, e que nenhum excesso presidencial poderia justificar.
Sob a chancela da Corte Suprema, o Congresso elegeu como Primeiro Mandatário interino, a Roberto Micheletti, o presidente da Assembléia hondurenha.
O golpe de estado foi condenado, por unanimidade, pela Organização dos Estados Americanos (OEA), o que também foi feito separadamente pelas chancelarias de Brasil, Estados Unidos e Venezuela.
Contudo, a reação interamericana não carece de deter-se nessas enérgicas condenações. Ela precisa revestir-se de traços bastante mais concretos. De início, o não-reconhecimento do governo oriundo do golpe militar, como o próprio Presidente deposto, esquecendo o recente anti-americanismo, solicitou de Washington. Em seguida, a criação de condições para que o presidente legal seja reinstituído no poder, desde que se comprometa a respeitar a Constituição. De toda maneira, os acontecimentos de Tegucigalpa não podem constituir precedente de que o afastamento manu militari dos presidentes haja voltado a tornar-se um dos instrumentos válidos de política interna.
Os militares, onde estejam, carecem de verificar que os golpes de força continuam a ser inadmissíveis, não só na retórica da OEA, mas também na prática das relações internacionais, inviabilizados por falta de qualquer sustentação política e econômica.
segunda-feira, 29 de junho de 2009
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