Os leitores deste blog tem encontrado amiúde essas iniciais. Como já assinalei, elas se reportam a Grand Old Party (grandioso e velho partido). Não há dúvida de que o Partido Republicano é velho, mas tendo presente a sua visão dos Estados Unidos, parece questionável que possa ser considerado como ‘grand’, na acepção de magnífico, esplêndido, grandioso.
O sistema bipartidário americano atravessa crise que se vem agravando com o passar do tempo. Uma das primeiras vítimas desse estado de coisas é o virtual desaparecimento do chamado espírito do bipartidismo, vigente no século passado, no qual as bancadas democrata e republicana, na Câmara de Representantes e no Senado, se viam essencialmente como adversárias e não inimigas. Por causa de tal atmosfera, muitas das principais leis sociais nos Estados Unidos tiveram o endosso final bipartidário, como a legislação do Medicare (idosos) e Medicaid (pobres), promulgada na gestão do democrata Lyndon B. Johnson, teve o apoio das lideranças democrata e republicana.
Subjacente à disputa política, com a sua oratória, defesa de diferentes pontos de vista, caráter vivaz e aguerrido, as duas grandes agremiações não perdiam de vista o interesse nacional, que se sobreporia aos aspectos sectários, por vezes facciosos, pelos quais se diferençavam perante a opinião pública.
Se bem que o processo de radicalização tenha atingido aos dois partidos, os seus efeitos têm incidido com mais peso no partido Republicano. Tal não aconteceu decerto da noite para o dia, mas poderia assinalar-se a sua aceleração a partir da presidência de Ronald Reagan (1981-89). Reagan, considerado pelos republicanos com um dos grandes presidentes estadunidenses, tornou-se um ícone do conservadorismo, posto muitas das posições que a ala majoritária do GOP lhe atribui não correspondam à realidade.
Se Reagan inaugurou, por assim dizer, a política irresponsável da supply-side economics (a economia do lado da oferta), e a sua decorrente trickle down economics (o efeito ativador do gotejar da oferta sobre a economia), ele também advogou políticas que hoje são anátema para o estamento republicano, como, v.g., incrementos incidentais de tributos e o consequente aumento das rendas estatais.
Com Reagan cresceu a direita do G.O.P., reforçada pelo influxo dos evangélicos. Essa radicalização progressiva do partido, teve duas consequências precípuas. Com a visão maniqueísta da direita evangélica, se acentuou a contraposição com o partido democrata. Diante da demonização do adversário e de suas teses, os novos egressos na bancada republicana não poderiam conceber relações de fidalguia e companheirismo com elementos que para eles provinham de partido impregnado de tais reprováveis posições, inclusive sob aspectos tingidos de religiosos.
A segunda – e lamentável – consequência foi a tendência aparentemente irreversível do desaparecimento da ala moderada no GOP. A sua presença importante na composição republicana ensejava visão menos sectária e, portanto, mais aberta ao diálogo com os democratas. Hoje o Partido Republicano se compõe da linha conservadora-evangélica e da facção do Tea Party, surgida sob as benesses dos irmãos David e Charles Koch, os bilionários petroleiros, que se encarniçam contra tudo o que possa recender de liberal (progressista),e por conseguinte democrático e ecológico. O conglomerado Koch tem sede em Wichita no Kansas, com rendimentos anuais estimados em cem bilhões de dólares. O Tea Party, galvanizado como reação à ameaça Obama, é integrado por radicais de direita e reacionários, sendo em princípio contrários ao poder estatal, que desejam reduzir ao máximo.
No Congresso – e em particular na Câmara de Representantes – dele existe uma ala importante, oriunda das eleições intermediárias de 2010. Os seus efeitos desagregadores já foram sentidos pela procedimento extorsivo de transformar a elevação do teto da dívida pública – até então com uma única exceção – uma questão havida como burocrática e rotineira, em autêntico casus belli.
Toda essa estratégia de manipular o interesse nacional com fins de instrumentalização política partiu da Câmara de Representantes, especialmente do líder Eric Cantor que pensa valer-se da bancada do Tea Party para projetá-lo no cenário nacional. O próprio Speaker John Boehner teve de recuar e alinhar-se com os extremistas. Tal postura que manipula o interesse do Estado americano – e o põe em risco, como no caso de um eventual calote da dívida – semelha característico dos novos métodos do GOP.
Perante tal estado de coisas, subsistem apenas vestígios de moderados – uma espécie em virtual processo de extinção – no Congresso americano. Terá sido um dos crassos erros de visão política do Presidente Barack Obama o haver considerado possível, a exemplo de antanho, de costurar alianças fundadas no bipartidismo e no interesse nacional. Dessarte, ele foi engambelado por senadores republicanos ditos moderados em intermináveis conversas que a nada levaram (não houve um voto sequer republicano no frigir dos ovos para a aprovação da Reforma de Plano Geral de Saúde). Até o presente, a dita Reforma, apesar de sancionada, está pendente de análise judiciária, eis que prosperou a estratégia do GOP de conseguir pela justiça a anulação da reforma sanitária. A meu ver, essa reforma, se Obama não for reeleito, deverá provavelmente – e deploravelmente – ser enterrada por via judiciária.
Por fim, para vincar os traços marcantes do Partido Republicano parece oportuno resumir alguns pontos mencionados pelo colunista Paul Krugman, em seu artigo hodierno. Ao largo do movimento popular contrário às práticas de Wall Street, cuja força aparece no protesto espontâneo em praça vizinha àquele centro, de onde se originara a crise das hipotecas subprime, o GOP deseja revogar a lei de reforma financeira Dodd-Frank. Dado o escopo dessa importante legislação, que visa a evitar a desregulamentação das atividades especulativas – e que causara a recessão mundial deflagrada pela falência do Banco Lehman Brothers – é difícil não reputar desatinado quem pretenda restabelecer o statu quo anterior.
Um dos paradoxos atuais é a circunstância de que o Presidente do Fed, Ben Bernanke constitui um dos alvos preferidos do Partido Republicano. Estranhamente, desejam exonerá-lo do Federal Reserve pelo seu suposto ativismo em prol do crescimento da atividade econômica e, portanto, maior número de empregos.
Outro aspecto estranho é que, a partir de Bush Júnior, para os republicanos, o equilíbrio do orçamento passou a não ter importância (Bill Clinton, um democrata, foi o último presidente a legar ao seu sucessor um balanço de contas superavitário).
As suas propostas tributárias – a última do pré-candidato Herman Cain com as eufônicas taxas 9-9-9 – continuam a prejudicar as classes menos aquinhoadas, e a favorecer os mais afluentes.
Nesse contexto, as palavras de Krugman não pecam pelo exagero: ‘É algo terrível quando um indivíduo perde a noção da realidade. Mas é muito pior quando a mesma coisa ocorre com todo um partido político, o qual já tem o poder de bloquear qualquer coisa que o presidente venha a propor – e que dentro em breve poderá controlar o governo inteiro.’
( Fontes: International Herald Tribune, Folha de S. Paulo ).
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