sábado, 22 de outubro de 2011

A Hora da Verdade

                                     

       O presente episódio do seriado  que a opinião pública designara como ‘faxina’ parece encaminhar-se para  desfecho lamentável, cuja única qualidade seria a de afinal refletir não reais propósitos de uma gestão ética de governo mas a exposição de realidade  nua e crua.Tal estado de coisas constituiu a norma dos dois mandatos de Lula da Silva, e volta a impor-se à administração de Dilma Rousseff.
      Antes de chegar aos sórdidos detalhes de um desfecho que muitos desejavam pudesse não só ser evitado, mas também revertido nas próprias condicionantes, permita-me o leitor relembrar-lhe algumas incômodas verdades.
      Todas essas práticas - que ora a sociedade civil contempla consternada - só se tornaram possíveis na atual extensão, arrogância e descaramento graças ao nefasto [1]instituto da reeleição. Os governantes petistas que na oposição combateram a reforma não se enganavam. A iniciativa pro domo sua de Fernando Henrique Cardoso, aprovada com  votos espúrios como sabemos, não poderia ter piores consequências, sendo a mãe de toda a corrupção não só nos três níveis executivos da Federação, mas também pelo eventual favorecimento em outros poderes, muitas vezes com o desequilíbrio na isonomia.
       Nesse contexto, é apenas um tímido levantar de franja a frase do presidente Lula de que ‘Sarney não é um cidadão comum’, mas como dói nas suas implicações de frontal e afrontoso desrespeito  a uma das normas ditas pétreas da Constituição !
      Hoje em dia, no  terceiro mandato, o PT é uma caricatura da agremiação combativa e principista dos anos da planície. Nem todas as suas campanhas estavam certas – e a luta contra o Plano Real se inclui nos erros – mas não há negar que no presente cinismo e nas composições ao arrepio da sociedade o corrente Partido dos Trabalhadores não mais se distingue dos PMDBs, PRs e congêneres que deparamos a rolar felizes no chavascal do corporativismo legislativo.
       Durante a campanha eleitoral mencionei a perspectiva de repetirmos no Brasil a experiência mexicana do maximato. Como se sabe, o presidente Plutarco Elias Calles desejou continuar mandando além do respectivo mandato constitucional. Para contornar a única1 cláusula pétrea da Constituição Mexicana – a da não-reeleição -, ele se manteve na direção do partido situacionista e procedeu a eleições dos chamados presidentes peleles (fantoches), que foram três. Caberia a Lázaro Cardenas, após pacientar por dois anos, livrar o México do maximato, colocando a Plutarco em um avião em viagem sem volta para o exterior. Pôde assim governar autonomamente por quatro anos, em uma das melhores administrações desse grande país.       
     O fato de Dilma Rousseff haver sido eleita em segundo turno com 55 milhões de votos não apaga a circunstância de que deve  sua vitória ao patrocínio de seu criador, Luiz Inácio Lula da Silva. Ao invés do terceiro mandato consecutivo – no estilo de seu camarada Hugo Chávez – Lula preferiu designar sua eficiente gestora administrativa. Por mais que os áulicos falem da futura reeleição de Dilma, o que pensam – e prevêem – os hierarcas petistas é a provável candidatura do fundador do partido ao colimado terceiro período presidencial, com o que se completariam dezesseis anos no poder.
      A novela da faxina – esta limpeza ética começada diante do descalabro do DNIT – terá sido boa enquanto durou. A princípio assumida, mas logo acobertada pelos encabulados panos da hipocrisia, por causa dos amuos petistas pela exposição da óbvia corresponsabilidade do governo Lula na suposta corrupção.
     Surgiu então a época dos malfeitos, o malabarismo com que Dilma dava o dito por não dito, e fruía do aplauso da opinião pública agradecida.
     Entre criador e criatura só há duas relações possíveis – a de ruptura e a submissão.Posto que a primeira seja vista como mais comum, a subordinação é também corriqueira e, em geral, reflete a preexistência das condições anteriores. Quando este, mesmo sem  cargo público, mantém na prática os pré-requisitos do mando – como foi o caso de Plutarco Elías, pelo controle do PRI – a natureza da relação tende a ser quase compulsória.
      Talvez a influência de Lula sobre Dilma seja ainda mais complexa, mas não há negar o continuado grau de ascendência do ex-presidente sobre o seu partido. Outra condicionante do poder é a da probabilidade de sua expectativa. Basta olhar em torno para medir a extensão da ingerência de Lula no PT.
      Dessarte, a involução do alegado projeto ético da Presidente Dilma Rousseff não poderia ser mais evidente e desmoralizante.
      Depois de uma série de rumores – inclusive recados do Planalto ao PCdoB quanto à sua inelutável saída do gabinete – intervém a brutal marcha a ré hoje desvelada. Por um lado, Lula manda que o PCdoB resista e que Orlando Silva não submeta o consueto pedido de exoneração. Por outro, se desfaz o castelo de cartas da autoridade da presidenta, ela se curva à determinação do criador, e mantém o ministro mais do que comprometido por uma série de revelações, e por fontes as mais diversas (de um delator, das acusações do predecessor Agnelo Queiroz, das investigações da CGU, e agora de um pastor evangélico).
     A opinião pública queria acreditar na capacidade da administradora Dilma Rousseff de enfrentar o descalabro na gestão da coisa pública, e assim augurava melhor utilização da pesada carga tributária que recai sobre o brasileiro, e da qual não nos é dado ver retorno apropriado e comensurável. Às vésperas da Copa do Mundo e das Olimpíadas, é mais do que irresponsável, achando-se no limite do tresloucado  manter um partido que se vale, entre outras coisas, de imagens que não lhe pertencem – como Anita Prestes acaba de denunciar ao ensejo da publicidade do PCdoB – e de que se reclama uma substancial devolução de somas desviadas para ONGs.
     Afigura-se difícil apontar o que é aqui mais confrangedor e deplorável: se o melancólico recuo de uma presidenta que confessa não ter a última palavra sobre a nomeação de seus auxiliares diretos, ou se a determinação chocante e deprimente, na contramão do sentir da sociedade, de um ex-presidente que se acredita acima das regras e das disposições mais comezinhas em matéria de gestão da coisa pública ?


(Fontes:  O Globo e Folha de S.Paulo )



(1) A outra, que prescrevia o sufrágio efetivo, foi logo desmoralizada pela fraude generalizada no cômputo dos votos dos cidadãos.

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