segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Cheiro de Inflação

                                 

        De uns meses para cá, a familiar figura que infernizara não só a vida dos brasileiros, mas lhes envenenara a economia – os não tão jovens hão de ter presente as décadas perdidas – vem aparecendo com crescente e inquietante desenvoltura.
       Em tudo isso, há uma pesada ironia, que beira o sarcasmo. Depois de todo o padecimento provocado pela carestia, com a sua execrável ciranda dos preços, a falta de incentivo para as inversões, os salários sempre defasados, as pensões dos inativos transformadas em mais-valia do Estado, a economia entregue aos agiotas, no avanço inexorável das remarcações, seja espontâneas, seja indexadas em abominável floresta de siglas, a monótona série dos planos, todos heterodoxos e destinados àquela imensa lata de lixo, de onde só proliferariam as brutais atualizações nas cascadas de processos judiciais que a desordem financeira torna inevitáveis.
        Tudo isso, todo esse sofrimento coletivo, e a maldição decorrente sobre a atividade econômica, que despojada de incentivo cai no marasmo – preferindo a ilusão dos juros fáceis do overnight às incertezas do investimento - a economia brasileira afinal não só se livrara, mas passara a colher os frutos de situação financeira sob controle.
        Seria ofender a inteligência do leitor se aqui intentasse as benesses dos longos anos de estabilidade. Ela sobrevivera à passagem do governo de quem instituíra e implementara o Plano Real a quem, por cego oportunismo oposicionista, antes buscara inviabilizá-lo junto à opinião pública  e aos tribunais.
       Na verdade, o Partido dos Trabalhadores, sob Lula, teve o bom senso de não matar a galinha dos ovos de ouro, preservando conquista que passou a ser de toda a nacionalidade. O povo não é burro,  por isso não acreditara nas frenéticas campanhas contra o suposto embuste eleitoreiro. A seriedade do Plano,  sua ortodoxia e caráter gradualista muito contribuíra para que a sociedade intuísse que não estava diante daquelas geringonças milagreiras – planos Cruzado, Bresser, Collor e que tais – marcados por rituais esperanças e metodicamente varridos pelos ásperos ventos da realidade.
       Será que por infortunada conjuntura e  palpite ainda mais infeliz a nossa gente e o país serão submetidos a uma ópera bufa que pode se transmutar em tragédia, invalidando o esforço de toda uma geração ?
      O momento pouco afortunado é a circunstância de os principais garantes da economia e das finanças serem personalidades faltas de energia e da necessária firmeza para impedir que certas conquistas e certos preceitos sejam irresponsavelmente ignorados ou desrespeitados. Na transição dos tucanos para os petistas, houve atores que tiveram o bom senso de preservar o que já tinha mostrado a respectiva serventia. Como a democracia, a economia pode ser frágil e delicada plantinha, máxime se tratada com o estouvamento dos aprendizes.
      Dessarte o palpite infeliz não encontrará ninguém com estatura e autoridade para despojá-lo de seus ouropéis e expô-lo pelo que em verdade representa, na sua estulta certeza de aprendiz, de exumar, sob as fumaças de anacrônico desenvolvimentismo,  o mau espírito que tanta inútil faina e desgraça trouxera para o nosso país do futuro.
    Por não ser assim tão jovem, dona Dilma não tem o direito de brincar com tal conquista da nacionalidade. Se preciso fora, tem na América do Sul os exemplos e os espantalhos da irresponsabilidade. Ao norte, no paraíso do caudilho Hugo Chávez, a inflação que as proibições do regime não logram ocultar, com o seu rasto de racionamento, estagnação e desgoverno; e ao sul, no reino da viúva Kirchner, com os seus índices forjados no caldo intimidatório do velho peronismo.
    E que não se enganem com duas coisas: a inflação, a princípio, parece trazer bons ventos para o crédito estatal. É doce ilusão, que logo se desfaz, ao reativar a infernal corrente da carestia, com a sua cultura de índices e, sobretudo, ao redespertar a estúpida cobiça empresarial, que logo embarafusta na dança dos aumentos preventivos.
    Por  descuido do destino, se preservou uma série de índices, todos oriundos dos tempos plúmbeos da cultura inflacionária, e que ora desatinado propósito  pode ironicamente reviver.
    Não é, decerto, a primeira vez que faço tal advertência. Que a Presidenta da República não se iluda com a  solidão no poder, e o largo espaço que, convidativo, semelha abrir-se à sua frente. Cercada por anões, ela pode crer-se maior do que o seja em realidade.
     Não há para a sua ação, na lógica cruel das boas intenções da fábula, em aparência nenhum obstáculo. Ela há de sentir-se  poderosa e, por conseguinte, a húbris que a acomete será tomada como mensagem exclusiva do próprio discernimento. Se não acredita nos deuses, tampouco duvidará de suas íntimas certezas.
    Se as vozes do bom senso não lhe chegam aos ouvidos, que não se engane. Não será com palavras vazias, com mantras do gênero ‘a inflação está sob controle’, nem com irrefletidos ‘convites’ a novas e irresponsáveis baixas de juro – o único instrumento de autoridade financeira sem qualquer autonomia – que  há de escamotear  sua responsabilidade no tribunal da opinião pública.
    E que não se iluda com os eflúvios do poder econômico sem travas. Se trouxer de volta a inflação, não pagará sozinha pelo erro cometido. Seu partido,  seu criador e todos os que ora se calam, os arrastará para uma condenação plena de raiva e de desencanto.
    Refazer todo o opróbrio e o suplício de uma geração, por quê ?    


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