Se excetuarmos a breve e malograda deposição de Hugo Chávez, a América Latina não assistia a golpe militar por mais de duas décadas. Diante da atribulada história de tantos países deste hemisfério, esta conquista democrática não pode ser considerada algo de somenos importância. Não se poderia dizer o mesmo no que tange a mudanças de governo decorrentes de intervenções americanas, como o foi a expedição militar de 19 de dezembro de 1989, ordenada pelo Presidente George Bush senior, para busca e captura do general Manuel Antonio Noriega, até então homem forte do Panamá.
Transcorrida uma semana do golpe em Honduras, com a detenção do Presidente Manuel Zelaya e o seu envio para a Costa Rica, as reações formais e previsíveis se sucederam nas instâncias supranacionais – condenação do golpe pela OEA e pela ONU – e também a nível dos governos regionais. No exterior, Zelaya continuou a ser reconhecido com o presidente de Honduras, embora esta oposição não haja, por ora, logrado mudar a situação interna.
Em Honduras, o presidente interino Roberto Micheletti tem o apoio do Congresso e de boa parcela da população. Não há mudanças no calendário eleitoral, com o pleito presidencial de 29 de novembro mantido, assim como os respectivos candidatos. E a Igreja, através do arcebispo Oscar Andrés Rodriguez, exortou Zelaya a não regressar, para evitar derramamento de sangue.
Por outro lado, a missão a Honduras do Secretário-Geral da OEA, José Miguel Insulza, nada alcançou. Do ponto de vista diplomático, a missão foi exercício em futilidade, dada a sua falta de preparação e a consequente ausência de mínimas condições de êxito. Não querendo encontrar-se com o governo interino, por não reconhecido pela OEA, a sua estada em Tegucigalpa se limitou a contatos com a Suprema Corte e lideranças políticas e religiosas. Não obstante, julgou oportuno insinuar a Zelaya que a sua volta, nos termos em que está colocada, deveria ser repensada.
Eventual retorno do Presidente.
Como se prefigura, a volta de Manuel Zelaya a Honduras constitui uma aventura, de resultados imprevisíveis. Zelaya seria acompanhado nesta empresa pelo Presidente da Assembléia-Geral das Nações Unidas, o nicaraguense Miguel d’Escoto. Separadamente, delegação com o Secretário-Geral da OEA e três chefes de estado, Rafael Correa, do Equador, Cristina Kirchner, da Argentina, e Fernando Lugo, do Paraguai iria para o vizinho San Salvador. Em entrevista ao canal de tevê Telesur, controlado por Hugo Chávez, afirmou o presidente hondurenho: “Estou organizando o meu retorno a Honduras. Vamos nos apresentar no aeroporto internacional de Tegucigalpa com vários presidentes, vários membros de comunidades internacionais.”
Zelaya conta igualmente com o apoio interno de seus partidários, que chegam à capital procedentes das cidades do interior de Honduras.
As últimas notícias indicam que o atual governo de Honduras resolveu fechar o aeroporto, barrando a volta de Manuel Zelaya. A circunstância de a delegação de apoio ao presidente constitucional dirigir-se a El Salvador e não a Tegucigalpa tem claramente a ver com a incerteza do quadro, e a conveniência de se evitarem constrangimentos aos dignitários presentes.
Não se discute a legalidade da pretensão de Manuel Zelaya. Ele tem a seu favor o apoio de todos os governos das Américas, inclusive a novel administração do Presidente Barack Obama. Conquanto tenha optado por atuar no quadro da OEA, preferindo não liderar a oposição ao golpe, é importante assinalar que a atitude de Obama difere bastante de o que se poderia esperar do governo Bush júnior.
Se o modelo anterior fosse seguido, seria natural que Washington não apoiasse Zelaya, porque a sua atuação política repetia o cenário de situações anteriores no continente em que a pregação continuista do caudilho Hugo Chávez frutificou na Bolívia de Evo Morales, e no Equador de Rafael Correa. Vedada antes, a reeleição passou a ser instrumento político do populismo esquerdista, consoante o paradigma chavista. No Brasil, a introdução da reeleição se deve a manobra de FHC, de um partido não-esquerdista, mas os seus efeitos gerais, como a prática vem demonstrando, foram igualmente nefastos.
Para a democracia no Continente, por conseguinte, o apoio de Obama é uma decisão relevante.
No entanto, é indispensável examinar todo o problema levantado pelo afastamento do presidente Manuel Zelaya. Não se pode esquecer que Zelaya foi um dos grandes fautores da situação atual.
Dentro do projeto chavista de poder, Zelaya procurou criar condições para a sua permanência no poder. Ao ser eleito pelo partido liberal (que é conservador) prestou juramento à Constituição que não admite a reeleição sob qualquer aspecto. Não se trata apenas de poder ser reeleito em um mandato sucessivo; é também defesa a reeleição para qualquer mandato futuro, mesmo não-consecutivo.
Outrossim, a não-reeleição está incluída nas cláusulas pétreas da Constituição. Nada disso impediu Zelaya de intentar forçar revisão constitucional, cuja principal razão estava no projeto continuista. Dessarte, em março decretou a realização de referendo, pelo qual a população decidiria sobre a convocação de assembléia constituinte.
A despeito de a Suprema Corte e o Ministério Público terem reputado ilegal a consulta, e o Congresso haver posteriormente aprovado lei que só permite referendos 180 dias antes ou depois das eleições, o presidente Zelaya manteve a consulta. Destituíu o chefe do Estado Maior das Forças Armadas, general Romeo Vásquez, depois que este se recusou a colaborar no projeto continuista.
Horas antes da realização do referendo, a Suprema Corte determinou manu militari a prisão de Zelaya, por descumprir a ordem judicial.
Seguiram-se as peripécias já conhecidas da prisão de Zelaya, da apreciação de sua ‘renúncia’ pela Congresso e a eleição de Roberto Micheletti, como presidente interino.
Nos dias sucessivos, Manuel Zelaya teve reconhecida pela comunidade internacional a sua condição de presidente constitucional. Fundado na própria legitimidade, procura implementar a sua retomada do poder. Nada a opor, desde que tenha presente que a constitucionalidade do cargo não é algo divisível, com atributos a serem mantidos, e outros descartáveis.
O seu retorno à Tegucigalpa pressupõe respeito ao próprio juramento e o exercício do cargo respectivo até o final do seu presente mandato. Projetos alternativos envolveriam instrumentalização do golpismo que, acertadamente, ele condena, no que concerne a seus adversários políticos.
Nessas condições, é de augurar-se que as autoridades hondurenhas permitam o regresso do Presidente Manuel Zelaya. É importante, outrossim, que Zelaya tenha presente que tal retorno se faz sob os auspícios da OEA e não da Alba. Somente solução de compromisso, com a aplicação da Constituição vigente, pode assegurar que as sombras de qualquer golpe sejam afastadas do país centro-americano.
domingo, 5 de julho de 2009
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Um comentário:
Discordo em grande parte da visão do blogueiro. Ao legitimar o mandato de Zelaya, está se desrespeitando o processo legal e político do país. Parece-me que apenas o fato do presidente ter sido expulso do país dá base (tênue) para o que estão chamando de golpe. O que diriam se tivesse sido preso? Zelaya pretendia usar instrumentos pretensamente democráticos para dar o golpe. Ninguém dizia nada na comunidade internacional. As instituições legais do país o impediram legalmente e isso é chamado de golpe. É muita hipocrisia. Pobre Honduras - perto demais da Alba e insignificante demais para os EUA. Quem a OEA, Brasil, Venezuela e EUA (para não falar do resto da AL) acham que enganam - estão tentando dar seguimento ao golpe verdadeiro? Resta ver o que acontecerá quando Zelaya voltar e houver um massacre (ou mesmo antes, insuflado por Chávez) e o país perder a sua democracia definitivamente pelas manipulações da Alba e a timidez dos EUA (enquanto o Brasil aplaude). Vale a pena lembrar que nem a OEA nem ninguém gritou golpe ou tentou proteger a democracia boliviana quando Sánches de Lozada foi sitiado e forçado a renunciar, além de expulso.
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