O desenvolvimento chinês, a rapidez do crescimento da República Popular da China, apontam decerto para um grande futuro. Sem embargo, a despeito dos sustentados índices desse avanço, e da progressiva atenção que a RPC vem recebendo do governo e povo americanos, maior conhecimento da vasta realidade daquele país continental há de mostrar que o caminho a ser percorrido ainda é longo. Na verdade, muitas se afiguram as disparidades existentes, reflexo não só de certos vícios de origem, mas também da própria celeridade do processo.
Talvez o fator principal das desigualdades resida na contradição básica existente no sistema político que preside a tal processo. As chamadas reformas introduzidas por Deng Xiaoping levaram a que o partido comunista chinês presidisse à implantação do capitalismo na China, como meio de aceleração do desenvolvimento industrial e tecnológico, dentro da observação das normas de livre mercado.
As resistências iniciais da ala veterana foram gradualmente sendo superadas. Para tanto, foi importante a contribuição trazida pelo Primeiro Ministro Zhao Ziyang (1980-87), cuja capacidade suasória logrou convencer os conservadores acerca da factibilidade doutrinal da liberdade econômica no quadro do poder de PCC. Quando Deng, em 1987, o colocou como Secretário-Geral do Partido, Zhao acompanhou de perto o processo de liberalização política que culminaria nas manifestações de protesto na Praça Tiananmen em 1989.
Por não demonizar o movimento, como o fizeram oPremier Li Peng e o vice-premier Yao Yilin, Zhao entrevia possibilidade de diálogo com as novas lideranças. Descobria na democracia um fator importante para a neutralização da corrupção, que tanto prolifera em sistema de partido único como o chinês.
Infelizmente, o velho Deng favoreceu a ala de Li Peng, com a sucessiva repressão militar e o massacre da praça de Tiananmen. Zhao foi afastado da secretaria geral e teve a prisão domiciliar decretada. Assim permaneceu até a sua morte em 17 de janeiro de 2005. O seu pensamento continuou a motivar o temor da hierarquia, a ponto de que o falecimento de Zhao Ziyang tenha sido tratado sob estrito sigilo.
Prevaleceu, portanto, a inércia na manutenção de um sistema híbrido, em que a liberdade econômica deve coexistir com o autoritarismo político do PCC.
Como se há de intuir, a corrupção, se não abriga preconceito contra quaisquer regimes políticos, encontra condições quase ideais de florescimento em sistemas repressivos burocrático-autoritários, sem o controle de livres meios de comunicação e, por conseguinte, sem opinião pública aberta e conscientizada.
A corrupção na China, como os esporádicos processos contra funcionários partidários de baixa e média hierarquia o demonstram, grassa em todos os níveis. O episódio abaixo relatado serve de exemplo, não só quanto ao caráter odioso que pode revestir, mas também da sobrevivência de aspectos primitivos em termos de documentação.
Durante a maior parte de sua educação Xue Longlong foi acompanhado de ano para ano, de colégio para colégio, por uma pasta marrom, com o carimbo “estritamente confidencial”. Dentro dela se achavam as notas, os resultados de exames, avaliações por colegas estudantes e professores, seu requerimento de admissão ao Partido Comunista e, especialmente, a prova de sua colação de grau na universidade.
Todos os chineses com curso ginasial têm este arquivo pessoal. Como fornecem o histórico de conquistas e fracassos, tais maços são insubstituíveis, eis que dão a potenciais empregadores, funcionários governamentais e outros a oportunidade de aferir o valor do indivíduo. Dada a sua importância, são guardados sob chave em armários de repartições governamentais, escolares e gabinetes de trabalho.
Há dois anos atrás, o maço de Xue desapareceu. Junto com o dele, sumiram dez outros maços, todos eles de universitários formados com louvor em 2006. Todos eles têm origem em famílias pobres, na cidade de Wubu, no centro-norte da China, nas margens do rio Amarelo.
Com o desaparecimento das pastas marrons igualmente se dissipou o respectivo futuro. Consoante a versão dos funcionários competentes, o extravio se deveu a obras realizadas por operários no local. No entanto, de acordo com as vítimas, o mais provável é que funcionários tenham furtado os maços para vendê-los posteriormente a alunos com notas medíocres, à cata de uma nova identidade e de melhores oportunidades de emprego. Essa forma de comportamento de funcionários é fenômeno encontradiço em várias cidades chinesas.
Atualmente, Xue – que esperava trabalhar em estatal petrolífera – é agente imobiliário porta a porta; Wang Yong – que pretendia ser professor ou funcionário bancário – está desempregado; Wang Jindong – que aspirava lugar em estatal de produtos químicos – é operário de construção, com salário inferior a dez dólares por dia.
Em matéria de abusos dentro do Partido Comunista, o grupo de funcionários locais é o mais acusado de corrupção. Não obstante as promessas dos principais líderes de extirpar a corrupção, a partir do próprio Presidente Hu Jintao, continua a ser decepcionante a experiência de pessoas prejudicadas, que não se conformam e reivindicam a intervenção oficial. No caso de um universitário recém-formado, que descobriu em 2007 haver ‘desaparecido’ o seu maço, a reação das autoridades não se pautou pelas declarações do líder supremo. Como no passado, culpabilizaram a vítima. Além de denegar-lhe qualquer investigação, colocaram os pais da vítima sob vigilância. Dentro do costumeiro acosso aos ‘criadores de problemas’ se seguiram repetidas detenções desses familiares. Por outro lado, um grupo de cinco pais – que acreditara nas promessas das autoridades – ao tentar apresentar petição ao governo federal ficou detido em cadeia ‘informal’ em Beijing, durante nove dias.
Assinale-se, outrossim, que os formandos singularizados pelos funcionários corruptos costumam pertencer às camadas mais pobres da população chinesa. A sua educação universitária exige grandes sacrifícios da família, com pesado endividamento. No caso de Xue, o seu pai ficou devendo mais de dez mil dólares, o que corresponde ao dobro do valor venal de sua pequena propriedade agrícola.
Tudo isso parece ter saído de um romance francês do século XIX, pela insensibilidade dos poderosos, rapacidade de burocratas desonestos, e injustos padecimentos dos jovens protagonistas. Há apenas três diferenças a registrar: a história é dos dias de hoje, não é ficção e o final não é feliz.
sexta-feira, 31 de julho de 2009
quinta-feira, 30 de julho de 2009
A Salgada Conta da Recaída Populista
Aquilo que Everardo Maciel, ex-Secretário da Receita, prognosticara, as estatísticas ora demonstram: a dívida pública aumentou R$ 105,485 bilhões no primeiro semestre de 2009, chegando a um total de R$ 1,259 trilhão, ou 43,1% do Produto Interno Bruto (PIB). Com efeito, já em 9 de julho, este blog citava: “(O Governo) está compensando os aumentos dos gastos e a queda da arrecadação, com a redução progressiva do superavit primário, o que elevará a dívida/PIB. Isso é um caminho suicida.”
Os gráficos dos cadernos de economia dos jornais de hoje desvelam a trajetória do débito que chegou a 53,53% do PIB, em 2003, e que o governo Lula através de uma gestão bem-comportada reduziu para 38,83% do PIB em 2008.
Com a irrupção da crise financeira internacional – lembram-se? a que Lula definira como uma marolinha para o Brasil – houve acentuada queda nas receitas fiscais. Essa menor arrecadação se deve sobretudo à recessão econômica, embora também haja a registrar redução de impostos sobre automóveis e motocicletas, a par de eletrodomésticos. O alegado propósito governamental seria o de reativar a demanda por veículos das classes de menor renda, com incentivo a prestações a perder de vista. Além da inchação artificial do consumo – que tem turbadoras semelhanças com a bolha das hipotecas subprime – parece oportuno assinalar que os lucros vão precipuamente para montadoras estrangeiras, com reflexo negativo nas remessas de lucro, do balanço de transações correntes.
Do quadro, no entanto, os fatores acima constituem a parte menos preocupante. Se a redução da arrecadação advem sobretudo de razões sobre as quais o governo não tem controle, não se pode dizer o mesmo do incremento dos gastos públicos, devido à elevação das despesas de custeio. Além de serem de compressão muito mais difícil, pois é impossível cortar salário, reduzir aposentadoria ou demitir funcionário público no futuro. Decidir promover aumento em tais despesas – os dispêndios cresceram em R$23 bilhões em relação ao mesmo período do ano anterior – em detrimento dos investimentos, que se alçaram apenas em R$ 1,6 bilhão, reflete comportamento duplamente irresponsável.
Por motivos eleitoreiros, se incha a folha de pagamentos do pessoal público, o que além de sobrecarregar as contas, são despesas que não contribuem acentuadamente para a reativação da economia e, por conseguinte, a maior recuperação no setor fiscal.
Por outro lado, em atribuindo a tais despesas de pessoal um aumento praticamente quinze vezes superior ao do investimento, se frisa uma gestão populista e, mesmo, temerária das finanças públicas.
Para quem ignora a situação da infraestrutura de transportes, do deficit sanitário, para não falar de educação, se já é difícil entender tal inversão de prioridades, que dizer do peso crescente de programas assistencialistas, como o bolsa-família, e agora esse incrível vale-cultura, o procedimento do governo não semelha diferir das práticas populistas de garotinhos com almoço, cinema e teatro a um real, e quejandos.
Contudo, o caminho suicida ainda não é este. Para bancar o acréscimo de gastos em tempos de vacas magras, o governo de Lula resolve, como os lemingues da tundra ártica, despencar-se do penhasco da redução progressiva do superavit fiscal, o que provoca inelutavelmente o aumento da dívida, e seu maior peso em relação ao produto interno bruto.
É inaceitável que o governo procure mascarar os efeitos imediatos da crise com medidas que, para o futuro, vão agravá-la. No passado, de má vontade se tolerou que, por causa da precedência do superavit fiscal, não fosse ele prejudicado por alocação de recursos a investimentos na infraestrutura. Aceitava-se a situação, sob o argumento de que era para sanear a dívida, possibilitando em dias vindouros a injeção de fundos em tais setores como estradas, saúde, educação, segurança.
Agora, por populismo eleitoreiro, agravamos o estado da dívida pública, com dispêndios irresponsáveis, que consigo trazem nenhum remédio senão a piora geral da economia.
Por um ilusório brinquedo de faz-de-conta, ao contrário do Dr. Pangloss, se escolhe o pior dos mundos. Ao enjeitar a boa gestão, que tem um escopo defensável, e que nos infunde esperança no futuro, a escolha será a das marchas e contramarchas do passado, sem outro propósito que o de enganar o eleitor ?
Os gráficos dos cadernos de economia dos jornais de hoje desvelam a trajetória do débito que chegou a 53,53% do PIB, em 2003, e que o governo Lula através de uma gestão bem-comportada reduziu para 38,83% do PIB em 2008.
Com a irrupção da crise financeira internacional – lembram-se? a que Lula definira como uma marolinha para o Brasil – houve acentuada queda nas receitas fiscais. Essa menor arrecadação se deve sobretudo à recessão econômica, embora também haja a registrar redução de impostos sobre automóveis e motocicletas, a par de eletrodomésticos. O alegado propósito governamental seria o de reativar a demanda por veículos das classes de menor renda, com incentivo a prestações a perder de vista. Além da inchação artificial do consumo – que tem turbadoras semelhanças com a bolha das hipotecas subprime – parece oportuno assinalar que os lucros vão precipuamente para montadoras estrangeiras, com reflexo negativo nas remessas de lucro, do balanço de transações correntes.
Do quadro, no entanto, os fatores acima constituem a parte menos preocupante. Se a redução da arrecadação advem sobretudo de razões sobre as quais o governo não tem controle, não se pode dizer o mesmo do incremento dos gastos públicos, devido à elevação das despesas de custeio. Além de serem de compressão muito mais difícil, pois é impossível cortar salário, reduzir aposentadoria ou demitir funcionário público no futuro. Decidir promover aumento em tais despesas – os dispêndios cresceram em R$23 bilhões em relação ao mesmo período do ano anterior – em detrimento dos investimentos, que se alçaram apenas em R$ 1,6 bilhão, reflete comportamento duplamente irresponsável.
Por motivos eleitoreiros, se incha a folha de pagamentos do pessoal público, o que além de sobrecarregar as contas, são despesas que não contribuem acentuadamente para a reativação da economia e, por conseguinte, a maior recuperação no setor fiscal.
Por outro lado, em atribuindo a tais despesas de pessoal um aumento praticamente quinze vezes superior ao do investimento, se frisa uma gestão populista e, mesmo, temerária das finanças públicas.
Para quem ignora a situação da infraestrutura de transportes, do deficit sanitário, para não falar de educação, se já é difícil entender tal inversão de prioridades, que dizer do peso crescente de programas assistencialistas, como o bolsa-família, e agora esse incrível vale-cultura, o procedimento do governo não semelha diferir das práticas populistas de garotinhos com almoço, cinema e teatro a um real, e quejandos.
Contudo, o caminho suicida ainda não é este. Para bancar o acréscimo de gastos em tempos de vacas magras, o governo de Lula resolve, como os lemingues da tundra ártica, despencar-se do penhasco da redução progressiva do superavit fiscal, o que provoca inelutavelmente o aumento da dívida, e seu maior peso em relação ao produto interno bruto.
É inaceitável que o governo procure mascarar os efeitos imediatos da crise com medidas que, para o futuro, vão agravá-la. No passado, de má vontade se tolerou que, por causa da precedência do superavit fiscal, não fosse ele prejudicado por alocação de recursos a investimentos na infraestrutura. Aceitava-se a situação, sob o argumento de que era para sanear a dívida, possibilitando em dias vindouros a injeção de fundos em tais setores como estradas, saúde, educação, segurança.
Agora, por populismo eleitoreiro, agravamos o estado da dívida pública, com dispêndios irresponsáveis, que consigo trazem nenhum remédio senão a piora geral da economia.
Por um ilusório brinquedo de faz-de-conta, ao contrário do Dr. Pangloss, se escolhe o pior dos mundos. Ao enjeitar a boa gestão, que tem um escopo defensável, e que nos infunde esperança no futuro, a escolha será a das marchas e contramarchas do passado, sem outro propósito que o de enganar o eleitor ?
quarta-feira, 29 de julho de 2009
Demasiadas Concessões em Itaipu
Do recente acordo Brasil – Paraguai, que acaba de ser assinado pelos presidentes Lula da Silva e Fernando Lugo, há muito o que assinalar, mas infelizmente pouco que acrescente aos fastos da diplomacia brasileira.
Para que melhor se entenda das razões dos resultados obtidos, cabe um sumário da prática diplomática. Os chefes de estado e de governo não negociam diretamente os tratados. Para disporem de mais tempo e acautelarem os direitos respectivos, a negociação é feita por agentes diplomáticos, de preferência experientes. A história diplomática brasileira é, por isso, uma longa cadeia de êxitos, que honram os ministérios dos negócios estrangeiros do Império, e o Itamaraty, dos ministérios de relações exteriores da República.
Essa prática de negociação, na verdade, antecede à própria independência. Alexandre de Gusmão, brasileiro de Santos, e secretário de D. João V, negociou o tratado de Madrid, que daria à posteridade a feição do Brasil que hoje conhecemos.
Fê-lo, no entanto, através de instruções pormenorizadas ao negociador formal, que as repassaria ao negociador espanhol. Pelo preparo e a experiência dessa figura tutelar da diplomacia, D. João V obteve para Portugal e sua então colônia, Brasil, o melhor dos resultados, sem que ele, ou seu negociador secreto, carecessem pôr os pés em Castela.
Quando mãos inexperientes acreditaram poder se substituir à experiência diplomática – e, por sorte, até o presente, os exemplos são escassos – os resultados foram mais do que decepcionantes, na verdade atentatórios ao interesse nacional. Basta referir o apressado tratado firmado por Quintino Bocaiúva, cedendo à Argentina terras que estavam em nosso poder, habitadas por cidadãos brasileiros e de importância estratégica para a segurança nacional.[i] Em boa hora rejeitado pelo Congresso brasileiro, a questão voltou aos termos deixados pelo Imperador em 7 de setembro de 1889, vale dizer, o arbitramento. Disso oportunamente cuidaria, para sua glória e reconhecimento da Nação, o Barão do Rio Branco.
Mas retornemos aos tempos atuais. O Presidente Lula, e sua assessoria, julgou trabalhar em prol do congraçamento brasilo-paraguaio, ao ceder à pressurosa insistência do Presidente Fernando Lugo. Talvez no quadro das negociações sindicais, a que está mais afeito, assumiu a pressa de Lugo como se dele igualmente fora.
Sem que de tais detalhes tivesse consciência, terá mutatis mutandi repetido, nos dias de hoje, o triste documento produzido pelo açodado ministro do exterior do Marechal Deodoro da Fonseca.
Intentemos resumir o que Lula concedeu ao ex-bispo F. Lugo. Pelo tratado de 1973, Brasil e Paraguai tem direito a 50% da energia gerada em Itaipu. Na prática, por só consumir 5%, o Paraguai vende o restante, conforme o estipulado, ao Brasil (Eletrobrás). A primeira concessão é a de que o Paraguai, no futuro, ofereça a sua cota no mercado livre de energia do Brasil, sem intermediação da Eletrobrás. E, a partir de 2023, se abre a possibilidade de a venda ser liberada a outros países. Por outro lado, ao invés da compensação que ora paga o Brasil, de US$ 120 milhões, a dita compensação passa a US$ 360 milhões. Não páram aí as concessões. Ao contrário de apenas financiar pelo BNDES linha de transmissão a fim de levar a energia de Itaipu até Assunção, esta obra, orçada em US$ 450 milhões, passará a ser custeada pela usina de Itaipu.
O negociador brasileiro, cujo semblante contrastava com a exultância do negociador paraguaio, tentou sublinhar que não haverá custo adicional para o contribuinte brasileiro. Resulta difícil crer que Itaipu binacional possa absorver doravante conta tão salgada.
Passa agora, no que nos concerne, a questão à competência do Congresso brasileiro. Esperemos que os nossos congressistas tenham presentes as suas responsabilidades e a tradição diplomática brasileira. Não confundamos boa vizinhança com excessiva prodigalidade e a produção de documento que não honra a tradição diplomática de exação e equilíbrio que nos legaram os nossos maiores.
[i] V.p.197, Álvaro Lins, Rio Branco,Cia.Editora Nacional, São Paulo, 1965.
Para que melhor se entenda das razões dos resultados obtidos, cabe um sumário da prática diplomática. Os chefes de estado e de governo não negociam diretamente os tratados. Para disporem de mais tempo e acautelarem os direitos respectivos, a negociação é feita por agentes diplomáticos, de preferência experientes. A história diplomática brasileira é, por isso, uma longa cadeia de êxitos, que honram os ministérios dos negócios estrangeiros do Império, e o Itamaraty, dos ministérios de relações exteriores da República.
Essa prática de negociação, na verdade, antecede à própria independência. Alexandre de Gusmão, brasileiro de Santos, e secretário de D. João V, negociou o tratado de Madrid, que daria à posteridade a feição do Brasil que hoje conhecemos.
Fê-lo, no entanto, através de instruções pormenorizadas ao negociador formal, que as repassaria ao negociador espanhol. Pelo preparo e a experiência dessa figura tutelar da diplomacia, D. João V obteve para Portugal e sua então colônia, Brasil, o melhor dos resultados, sem que ele, ou seu negociador secreto, carecessem pôr os pés em Castela.
Quando mãos inexperientes acreditaram poder se substituir à experiência diplomática – e, por sorte, até o presente, os exemplos são escassos – os resultados foram mais do que decepcionantes, na verdade atentatórios ao interesse nacional. Basta referir o apressado tratado firmado por Quintino Bocaiúva, cedendo à Argentina terras que estavam em nosso poder, habitadas por cidadãos brasileiros e de importância estratégica para a segurança nacional.[i] Em boa hora rejeitado pelo Congresso brasileiro, a questão voltou aos termos deixados pelo Imperador em 7 de setembro de 1889, vale dizer, o arbitramento. Disso oportunamente cuidaria, para sua glória e reconhecimento da Nação, o Barão do Rio Branco.
Mas retornemos aos tempos atuais. O Presidente Lula, e sua assessoria, julgou trabalhar em prol do congraçamento brasilo-paraguaio, ao ceder à pressurosa insistência do Presidente Fernando Lugo. Talvez no quadro das negociações sindicais, a que está mais afeito, assumiu a pressa de Lugo como se dele igualmente fora.
Sem que de tais detalhes tivesse consciência, terá mutatis mutandi repetido, nos dias de hoje, o triste documento produzido pelo açodado ministro do exterior do Marechal Deodoro da Fonseca.
Intentemos resumir o que Lula concedeu ao ex-bispo F. Lugo. Pelo tratado de 1973, Brasil e Paraguai tem direito a 50% da energia gerada em Itaipu. Na prática, por só consumir 5%, o Paraguai vende o restante, conforme o estipulado, ao Brasil (Eletrobrás). A primeira concessão é a de que o Paraguai, no futuro, ofereça a sua cota no mercado livre de energia do Brasil, sem intermediação da Eletrobrás. E, a partir de 2023, se abre a possibilidade de a venda ser liberada a outros países. Por outro lado, ao invés da compensação que ora paga o Brasil, de US$ 120 milhões, a dita compensação passa a US$ 360 milhões. Não páram aí as concessões. Ao contrário de apenas financiar pelo BNDES linha de transmissão a fim de levar a energia de Itaipu até Assunção, esta obra, orçada em US$ 450 milhões, passará a ser custeada pela usina de Itaipu.
O negociador brasileiro, cujo semblante contrastava com a exultância do negociador paraguaio, tentou sublinhar que não haverá custo adicional para o contribuinte brasileiro. Resulta difícil crer que Itaipu binacional possa absorver doravante conta tão salgada.
Passa agora, no que nos concerne, a questão à competência do Congresso brasileiro. Esperemos que os nossos congressistas tenham presentes as suas responsabilidades e a tradição diplomática brasileira. Não confundamos boa vizinhança com excessiva prodigalidade e a produção de documento que não honra a tradição diplomática de exação e equilíbrio que nos legaram os nossos maiores.
[i] V.p.197, Álvaro Lins, Rio Branco,Cia.Editora Nacional, São Paulo, 1965.
terça-feira, 28 de julho de 2009
Lula: Tapando o Sol com a Peneira
Com o apego extremado de José Sarney à presidência do Senado, justamente quem se diz ter tanto apreço à liturgia de um cargo, não lhe passará acaso pela cabeça que o aferrar-se a posições ao arrepio da maioria só tende a aumentar o próprio desgaste e a tornar-lhe mais pesada a queda final ?
Por outro lado, errará todo aquele que se propõe a julgar Luis Inácio Lula da Silva pelos parâmetros do passado, do comportamento do líder sindical afrontando a ditadura, do constituinte que, junto com a bancada, se recusou a assinar a Constituição Cidadã, que proscrevia do PT àqueles que aderiam a posições da maioria, inda que sensatas. Por que tal personagem há muito foi jogado às gavetas?
Em seu novo avatar – que, aliás, não é tão novo – o personagem presidencial se irrita com a hipocrisia de os que censuram deputados por se valerem da fazenda pública para assuntos privados e não hesita em arrostar a opinião pública ao desmerecer os escândalos no Senado.
Tal postura se exacerba na sua defesa, contra vento e maré, do oligarca do Maranhão, instando o povo a respeitar a biografia do ilustre estadista, que não pode ser tratado como se fosse um homem comum.
Pondo de lado que o Primeiro Magistrado da Nação se atreva a ignorar cláusulas pétreas da Constituição, como a igualdade de todos em obrigações e direitos, seria o caso de relembrar a Sua Excelência que não só Sarney deveria ser o primeiro em respeitar a sua biografia, mas também ele, o ex-agente sindical, careceria de tê-la bem presente.
Por ora, não é o que parece.
Que não se iluda se acredita que lhe será menos oneroso o apoio envergonhado ao claudicante Vice-Rei do Norte, que iniciara com a proibição das fotos no seu almoço de desagravo ao presidente do Senado.
Agora, quando pede a José Múcio Monteiro, da Coordenação Política - que vem a ser um dos seus quase quarenta ministros- a desautorizar nota do Senador Aloizio Mercadante, imaginará acaso o Presidente Lula que o seu desgaste será evitado ?
Se Mercadante, que é líder da bancada do PT no Senado, apenas solicita que Sarney peça licença da presidência, e, por isso, se intenta desmoralizá-lo, assacando que não fala pelo PT, caberia indagar duas coisas: i. se a causa (do presidente) é justa, por que o temor quanto aos efeitos sobre a própria imagem; ii. e qual a razão do destempero contra o senador paulista, respeitado militante petista, se apenas pede a licença, quando muitos outros já exigem a cassação por falta de decoro ?
Será necessário explicitar o que os cortesãos calam, mas a inocência do menino proclama aos quatro ventos ? Se quando uns poucos já não reputam até mesmo cabível a encabulada homenagem que o vício costuma prestar à virtude, como hão de pensar que o desbragado cinismo de defender a falta de princípios como se fora um princípio possa ser aceito pela opinião pública ?
E no seu açodamento de não desagradar ao PMDB, pensando na sua pré-candidata Dilma Rousseff, e secundando a tropa de choque de Renan Calheiros e Paulo Duque, imagina o Presidente Lula da Silva que não chocará a seus partidários, pobres e ricos, com o despejado batalhar por quem até a Justiça do Maranhão já mandou retirar o sobrenome das placas ?
Por outro lado, errará todo aquele que se propõe a julgar Luis Inácio Lula da Silva pelos parâmetros do passado, do comportamento do líder sindical afrontando a ditadura, do constituinte que, junto com a bancada, se recusou a assinar a Constituição Cidadã, que proscrevia do PT àqueles que aderiam a posições da maioria, inda que sensatas. Por que tal personagem há muito foi jogado às gavetas?
Em seu novo avatar – que, aliás, não é tão novo – o personagem presidencial se irrita com a hipocrisia de os que censuram deputados por se valerem da fazenda pública para assuntos privados e não hesita em arrostar a opinião pública ao desmerecer os escândalos no Senado.
Tal postura se exacerba na sua defesa, contra vento e maré, do oligarca do Maranhão, instando o povo a respeitar a biografia do ilustre estadista, que não pode ser tratado como se fosse um homem comum.
Pondo de lado que o Primeiro Magistrado da Nação se atreva a ignorar cláusulas pétreas da Constituição, como a igualdade de todos em obrigações e direitos, seria o caso de relembrar a Sua Excelência que não só Sarney deveria ser o primeiro em respeitar a sua biografia, mas também ele, o ex-agente sindical, careceria de tê-la bem presente.
Por ora, não é o que parece.
Que não se iluda se acredita que lhe será menos oneroso o apoio envergonhado ao claudicante Vice-Rei do Norte, que iniciara com a proibição das fotos no seu almoço de desagravo ao presidente do Senado.
Agora, quando pede a José Múcio Monteiro, da Coordenação Política - que vem a ser um dos seus quase quarenta ministros- a desautorizar nota do Senador Aloizio Mercadante, imaginará acaso o Presidente Lula que o seu desgaste será evitado ?
Se Mercadante, que é líder da bancada do PT no Senado, apenas solicita que Sarney peça licença da presidência, e, por isso, se intenta desmoralizá-lo, assacando que não fala pelo PT, caberia indagar duas coisas: i. se a causa (do presidente) é justa, por que o temor quanto aos efeitos sobre a própria imagem; ii. e qual a razão do destempero contra o senador paulista, respeitado militante petista, se apenas pede a licença, quando muitos outros já exigem a cassação por falta de decoro ?
Será necessário explicitar o que os cortesãos calam, mas a inocência do menino proclama aos quatro ventos ? Se quando uns poucos já não reputam até mesmo cabível a encabulada homenagem que o vício costuma prestar à virtude, como hão de pensar que o desbragado cinismo de defender a falta de princípios como se fora um princípio possa ser aceito pela opinião pública ?
E no seu açodamento de não desagradar ao PMDB, pensando na sua pré-candidata Dilma Rousseff, e secundando a tropa de choque de Renan Calheiros e Paulo Duque, imagina o Presidente Lula da Silva que não chocará a seus partidários, pobres e ricos, com o despejado batalhar por quem até a Justiça do Maranhão já mandou retirar o sobrenome das placas ?
segunda-feira, 27 de julho de 2009
Colcha de Retalhos XV
As limitações da Superpotência
Em sua recente tournée por ex-repúblicas soviéticas, o Vice-Presidente Joe Biden visitou a Georgia. Recebido pelo Presidente Mikheil Saakashvili, pôde presenciar a ‘ressurreição’ do líder georgiano, que havia sido dado como um ‘cadáver político’. Com efeito, ao lançar o seu exército em agosto de 2008 contra a capital separatista Tskhinvali, da Ossetia do Sul, Saakashvili provocou a intervenção russa, e a fulminante derrota de suas tropas. Do episódio, restou a perda para a Georgia das regiões da Ossetia do Sul e da Abkhazia.
O fato consumado do reconhecimento de Moscou às duas repúblicas separatistas veio colocar as relações do Ocidente com a Rússia no nível mais baixo, no pós-fim da Guerra Fria.
Ao precipitar o início do conflito – ocorrido nos dias de abertura dos jogos olímpicos de Beijing – Saakashvili tentara lance arriscado, confiante em eventual apoio estadunidense ao seu intento de dominar a província rebelde. Contava, igualmente, com algum embaraço de Moscou em reagir, sob as luzes da Olimpíada, em defesa de comunidade que lhe solicitava o urgente socorro.
Para sua decepção – e abrupta queda na popularidade – Saakashvili se viu em um inferno astral de própria criação: as limitações de uma presença mais afirmativa dos Estados Unidos ficaram expostas, enquanto o exército russo invadia o território de Geórgia, para dar o respaldo militar à secessão das duas republiquetas.
Pouco importaria se nenhum outro país reconheçesse a Ossetia do Sul e a Abkhazia. As povoações de origem étnica russa dispunham afinal das condições políticas – concedidas pelo urso russo – para assegurarem a respectiva independência factual em relação a Tbilisi, capital da Geórgia.
Mikheil Saakashvili, havido como acabado, foi abandonado inclusive por antigos correligionários, que se posicionaram para uma queda tida como inevitável. Grandes protestos de massa diante do palácio presidencial – do gênero daqueles que determinaram a derrubada do antecessor de Saakashvili, Eduard A. Shevardnadze (ex-ministro do exterior soviético, no governo de Gorbatchev) – se sucediam diariamente.
O Presidente, no entanto, se recusou a renunciar, e em umas tantas semanas o movimento começou a perder força.
A visita do vice-Presidente Joe Biden, a despeito de canhestros intentos iniciais do Presidente de ganhar o apoio americano, acabou contribuindo para selar a recuperação política de Saakashvili. Conseguiu, inclusive, declarações críticas de Biden que estão em dissonância com o relativo degelo nas relações russo-americanas, depois do encontro de Barack Obama e Dmitri Medvedev.
O aporte trazido por Biden chancela, por ora, o ressurgimento de Saakashvili. Não garante, porém, a sua sobrevida pelos restantes quatro anos de mandato. Tal dependerá de seu discernimento político e da evolução das relações da Geórgia com a potência russa que está bem mais perto do que o distante aliado estadunidense.
O desmaio do Presidente Sarkozy e a presença de Carla Bruni.
Enquanto fazia o seu cooper nas cercanias do Palácio de Versailles, o Presidente Nicolas Sarkozy se sentiu mal, sob o calor estival. Ele teria caído, sendo socorrido pela sua escolta. Pouco depois chegava a esposa, Carla Bruni, e, de imediato, foi transportado de helicóptero para o hospital militar de Val-de-Grâce.
Após bateria de exames e a permanência durante a noite para a observação médica, Sarkozy saíu do hospital com o diagnóstico de que teve problema menor no nervo vago, que conecta o cérebro e o coração.
A proximidade de Carla a Sarkozy igualmente se traduz em discreta campanha de dar aparência e atitude mais presidenciais ao marido, não só com trajes de cores mais formais, senão com postura mais discreta, diversa da ubiquidade que lhe assinalara o comportamento nos meses iniciais de seu mandato.
O intento da esposa também possui objetivos mais ambiciosos, ao buscar modificar-lhe os gostos literários e artísticos, tentando elevar suas preferências culturais a autores como Sartre, a diretores como David Lynch, e a filmes como “Laranja Mecânica” e “Gata em Telhado de Zinco Quente”.
Resta saber se o público acreditará na metamorfose do atual ocupante do Palácio do Elysée, que o aproximaria dos antecessores François Mitterrand e Jacques Chirac, e o prepararia para disputar o segundo mandato quinquenal.
(Fonte: International Herald Tribune)
Em sua recente tournée por ex-repúblicas soviéticas, o Vice-Presidente Joe Biden visitou a Georgia. Recebido pelo Presidente Mikheil Saakashvili, pôde presenciar a ‘ressurreição’ do líder georgiano, que havia sido dado como um ‘cadáver político’. Com efeito, ao lançar o seu exército em agosto de 2008 contra a capital separatista Tskhinvali, da Ossetia do Sul, Saakashvili provocou a intervenção russa, e a fulminante derrota de suas tropas. Do episódio, restou a perda para a Georgia das regiões da Ossetia do Sul e da Abkhazia.
O fato consumado do reconhecimento de Moscou às duas repúblicas separatistas veio colocar as relações do Ocidente com a Rússia no nível mais baixo, no pós-fim da Guerra Fria.
Ao precipitar o início do conflito – ocorrido nos dias de abertura dos jogos olímpicos de Beijing – Saakashvili tentara lance arriscado, confiante em eventual apoio estadunidense ao seu intento de dominar a província rebelde. Contava, igualmente, com algum embaraço de Moscou em reagir, sob as luzes da Olimpíada, em defesa de comunidade que lhe solicitava o urgente socorro.
Para sua decepção – e abrupta queda na popularidade – Saakashvili se viu em um inferno astral de própria criação: as limitações de uma presença mais afirmativa dos Estados Unidos ficaram expostas, enquanto o exército russo invadia o território de Geórgia, para dar o respaldo militar à secessão das duas republiquetas.
Pouco importaria se nenhum outro país reconheçesse a Ossetia do Sul e a Abkhazia. As povoações de origem étnica russa dispunham afinal das condições políticas – concedidas pelo urso russo – para assegurarem a respectiva independência factual em relação a Tbilisi, capital da Geórgia.
Mikheil Saakashvili, havido como acabado, foi abandonado inclusive por antigos correligionários, que se posicionaram para uma queda tida como inevitável. Grandes protestos de massa diante do palácio presidencial – do gênero daqueles que determinaram a derrubada do antecessor de Saakashvili, Eduard A. Shevardnadze (ex-ministro do exterior soviético, no governo de Gorbatchev) – se sucediam diariamente.
O Presidente, no entanto, se recusou a renunciar, e em umas tantas semanas o movimento começou a perder força.
A visita do vice-Presidente Joe Biden, a despeito de canhestros intentos iniciais do Presidente de ganhar o apoio americano, acabou contribuindo para selar a recuperação política de Saakashvili. Conseguiu, inclusive, declarações críticas de Biden que estão em dissonância com o relativo degelo nas relações russo-americanas, depois do encontro de Barack Obama e Dmitri Medvedev.
O aporte trazido por Biden chancela, por ora, o ressurgimento de Saakashvili. Não garante, porém, a sua sobrevida pelos restantes quatro anos de mandato. Tal dependerá de seu discernimento político e da evolução das relações da Geórgia com a potência russa que está bem mais perto do que o distante aliado estadunidense.
O desmaio do Presidente Sarkozy e a presença de Carla Bruni.
Enquanto fazia o seu cooper nas cercanias do Palácio de Versailles, o Presidente Nicolas Sarkozy se sentiu mal, sob o calor estival. Ele teria caído, sendo socorrido pela sua escolta. Pouco depois chegava a esposa, Carla Bruni, e, de imediato, foi transportado de helicóptero para o hospital militar de Val-de-Grâce.
Após bateria de exames e a permanência durante a noite para a observação médica, Sarkozy saíu do hospital com o diagnóstico de que teve problema menor no nervo vago, que conecta o cérebro e o coração.
A proximidade de Carla a Sarkozy igualmente se traduz em discreta campanha de dar aparência e atitude mais presidenciais ao marido, não só com trajes de cores mais formais, senão com postura mais discreta, diversa da ubiquidade que lhe assinalara o comportamento nos meses iniciais de seu mandato.
O intento da esposa também possui objetivos mais ambiciosos, ao buscar modificar-lhe os gostos literários e artísticos, tentando elevar suas preferências culturais a autores como Sartre, a diretores como David Lynch, e a filmes como “Laranja Mecânica” e “Gata em Telhado de Zinco Quente”.
Resta saber se o público acreditará na metamorfose do atual ocupante do Palácio do Elysée, que o aproximaria dos antecessores François Mitterrand e Jacques Chirac, e o prepararia para disputar o segundo mandato quinquenal.
(Fonte: International Herald Tribune)
domingo, 26 de julho de 2009
A Podridão está só no quintal ?
Nesses últimos meses, será difícil topar com uma primeira página dos principais jornais do país que não noticie sobre escândalo no Legislativo, eventuais comentários do Presidente Lula, e supostas irregularidades em estatais. Nas páginas internas, de quando em vez, aparecem matérias sobre privilégios e corporativismo no Judiciário.
Não há negar que o presidente do Senado, José Sarney, tem sido aquinhoado com a maior parte dessa cobertura negativa. E não é decerto por acaso que tal se verifica.
A crise do Senado se agravou sobretudo com as denúncias sobre os atos secretos. Em um primeiro discurso, em que tentou generalizar o problema, Sarney acreditou contornar a ameaça à sua presidência, com recurso simultâneo a telefonemas orquestrados por Calheiros e sua tropa de choque.
Repetindo dramas anteriores, as habilidades retóricas ditas salvadoras tiveram vida curta, enquanto saíam dos porões do Senado novos escândalos. De um plenário intimidado na reação inicial da defesa do oligarca maranhense, sem que nenhum senador ousasse criticá-lo da tribuna, a situação se deteriorou com a rapidez inerente às grandes crises.
José Sarney, o maior oligarca da República, se viu constrangido a desaparecer da assembleia, deixando vazia a curul a que tanto se apega, para evitar o contato pessoal com discursos de colegas senadores a pedir-lhe – metaforicamente – a augusta cabeça.
Coisas impensáveis na grande imprensa principiaram a se tornar quase corriqueiras. Assim, professor respeitado de universidade federal, em entrevista, ( V. blog de 20 de julho) definiu a crise como tendo um lado muito positivo e produtivo, por estarmos caminhando para virar a página, vale dizer, para nos vermos livres do “símbolo maior” do coronelismo no país. Em consequência disso advirá sua anunciada morte política com positiva mudança para a democracia brasileira.
O leitor atento encontrará decerto nas páginas internas de jornais tentativas de relativizar os crimes ( e as mentiras ) desse Vice-rei do Norte, que tem dominado o cenário do Maranhão e do Amapá. São os alegres compadres de Brasília – que Carlos Lacerda, quando escrevia com um heterônimo na imprensa dos tempos da ditadura, por vezes lograva constranger ao silêncio. Navegar contra o vento é sempre possível, se se logra desviar a atenção para outras transgressões, supostamente cometidas por opositores seus.
Mas a relativização não semelha ter limites para o defensor por excelência da república, no que respeita às alegadas injustiças praticadas contra Sarney e outros legisladores de menor nomeada.
Apesar de colher da leitura (por assessores) das pesquisas de opinião que a sua incrível popularidade principia a sofrer, por conta desse comportamento, Sua Excelência o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda se aventura em procurar explicar e respaldar o que, em dirigentes da hierarquia de Sarney, é inexplicável e indefensável.
Na progressão da queda que para tantos se afigura inexorável, Lula, no entanto, tem feito algumas concessões. A par de não querer ser fotografado em companhia tão onerosa, na sua derradeira intervenção, considerou oportuno alinhar junto a crimes de violência e sangue, as práticas do empreguismo e do nepotismo. Estamos habituados à canhestra e peculiar análise presidencial, que a sua compulsiva improvisação desvenda impiedosa diante de país já habituado a discursos mais pensados e elaborados.
Dentre os inúmeros poderes do Presidente, está o que Theodore Roosevelt a seu tempo denominou de bully pulpit, uma espécie de tribuna pedagógica para a nação. Será que Lula foi eleito para relativizar os delitos, para reivindicar para os grandes tratamento diferenciado, fundado não em qualidades excelsas, mas na circunstância de ser um alto dignitário, cuja preservação aproveita ao esquema de governança do PT e assemelhados ? Em suma, pleitear a estrondosa negação do preceito constitucional de que todos são iguais em direitos e obrigações ?
Não há negar que o presidente do Senado, José Sarney, tem sido aquinhoado com a maior parte dessa cobertura negativa. E não é decerto por acaso que tal se verifica.
A crise do Senado se agravou sobretudo com as denúncias sobre os atos secretos. Em um primeiro discurso, em que tentou generalizar o problema, Sarney acreditou contornar a ameaça à sua presidência, com recurso simultâneo a telefonemas orquestrados por Calheiros e sua tropa de choque.
Repetindo dramas anteriores, as habilidades retóricas ditas salvadoras tiveram vida curta, enquanto saíam dos porões do Senado novos escândalos. De um plenário intimidado na reação inicial da defesa do oligarca maranhense, sem que nenhum senador ousasse criticá-lo da tribuna, a situação se deteriorou com a rapidez inerente às grandes crises.
José Sarney, o maior oligarca da República, se viu constrangido a desaparecer da assembleia, deixando vazia a curul a que tanto se apega, para evitar o contato pessoal com discursos de colegas senadores a pedir-lhe – metaforicamente – a augusta cabeça.
Coisas impensáveis na grande imprensa principiaram a se tornar quase corriqueiras. Assim, professor respeitado de universidade federal, em entrevista, ( V. blog de 20 de julho) definiu a crise como tendo um lado muito positivo e produtivo, por estarmos caminhando para virar a página, vale dizer, para nos vermos livres do “símbolo maior” do coronelismo no país. Em consequência disso advirá sua anunciada morte política com positiva mudança para a democracia brasileira.
O leitor atento encontrará decerto nas páginas internas de jornais tentativas de relativizar os crimes ( e as mentiras ) desse Vice-rei do Norte, que tem dominado o cenário do Maranhão e do Amapá. São os alegres compadres de Brasília – que Carlos Lacerda, quando escrevia com um heterônimo na imprensa dos tempos da ditadura, por vezes lograva constranger ao silêncio. Navegar contra o vento é sempre possível, se se logra desviar a atenção para outras transgressões, supostamente cometidas por opositores seus.
Mas a relativização não semelha ter limites para o defensor por excelência da república, no que respeita às alegadas injustiças praticadas contra Sarney e outros legisladores de menor nomeada.
Apesar de colher da leitura (por assessores) das pesquisas de opinião que a sua incrível popularidade principia a sofrer, por conta desse comportamento, Sua Excelência o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda se aventura em procurar explicar e respaldar o que, em dirigentes da hierarquia de Sarney, é inexplicável e indefensável.
Na progressão da queda que para tantos se afigura inexorável, Lula, no entanto, tem feito algumas concessões. A par de não querer ser fotografado em companhia tão onerosa, na sua derradeira intervenção, considerou oportuno alinhar junto a crimes de violência e sangue, as práticas do empreguismo e do nepotismo. Estamos habituados à canhestra e peculiar análise presidencial, que a sua compulsiva improvisação desvenda impiedosa diante de país já habituado a discursos mais pensados e elaborados.
Dentre os inúmeros poderes do Presidente, está o que Theodore Roosevelt a seu tempo denominou de bully pulpit, uma espécie de tribuna pedagógica para a nação. Será que Lula foi eleito para relativizar os delitos, para reivindicar para os grandes tratamento diferenciado, fundado não em qualidades excelsas, mas na circunstância de ser um alto dignitário, cuja preservação aproveita ao esquema de governança do PT e assemelhados ? Em suma, pleitear a estrondosa negação do preceito constitucional de que todos são iguais em direitos e obrigações ?
sábado, 25 de julho de 2009
Primeiras Nuvens sobre a Reforma do Plano de Saúde
Com relação à introdução de plano geral de saúde, um dos principais compromissos de ambos os candidatos democratas durante as longas e disputadas primárias, esta ambicionada ampliação da assistência sanitária ora constitui um dos projetos basilares deste mandato do Presidente Barack Obama.
A despeito da seriedade e profissionalismo da iniciativa, que se intentou realizar simultaneamente no Senado e na Câmara de Representantes – conforme reportado neste blog – forçoso será convir que os projetos legislativos não procedem nos prazos estimados anteriormente.
Depois do malogro da tentativa na Administração Clinton, nenhum político experiente presumiria que a sua implantação seria consensual, sem topar com resistências maiores. No entanto, dado o empenho do Presidente Obama e a favorável circunstância de que ambas as Casas do Congresso têm sólidas maiorias democratas, havia a expectativa de que se poderia realizar a empresa dentro de prazos não muito extensos.
O Presidente estabelecera que a primeira etapa estaria concluída no Senado e na Câmara antes do recesso de verão, que se inicia a oito de agosto p.f. Ao interromperem os trabalhos legislativos, senadores e representantes teriam votado, no âmbito das câmaras respectivas, os projetos do plano geral de saúde. Ficaria, por conseguinte, para a retomada da sessão em setembro a indispensável negociação na chamada conferência intercameral, com vistas à ulterior aprovação do texto conjunto definitivo, para encaminhamento à chancela presidencial.
O líder da maioria democrata no Senado, Harry Reid (Nevada), teve de desdizer da prévia promessa, ao anunciar que o Senado não mais votará a legislação sobre assistência sanitária antes de partir para o recesso. O Senador Reid atribuíu aos republicanos a postergação, ao declarar que eles tinham pedido por mais tempo, e que não julgara desarrazoada a solicitação, por se tratar “de questão complexa e difícil”.
A par de o atraso ser causado por vontade da oposição do G.O.P., que sente a possibilidade de estorvar um projeto basilar da Administração Obama, não há negar que parte das dificuldades advêm igualmente do lado democrata. O Senador Reid esperava acordo bipartidário no Comitê de Finanças do Senado, o que ora semelha excessivo otimismo do líder da maioria, atendida a postura republicana de buscar a própria afirmação pela oposição extremada diante de um presidente popular e igualmente levadas em conta as idiossincrasias do Comitê de Finanças, presidido pelo Senador Max Baucus (Dem.-Montana).
Há a impressão de vários membros democratas do Comitê de que Baucus estaria fazendo concessões excessivas aos republicanos. Dessarte, o acordo bipartidário pareceria começar a ficar demasiado caro para o projeto democrata de reforma do plano de saúde.
Por sua vez, a Speaker da Câmara, Nancy Pelosi reiterou nesta última quarta-feira dispor dos votos necessários para a aprovação do projeto, embora ainda não haja programado a votação. Nesse particular, na contenda pelo Plano Geral de Saúde os sufrágios centristas estão recebendo grande e talvez desproporcional atenção quanto à respectiva força política. Existe na Câmara facção intitulada Blue Dogs (cachorros azuis, azul sendo a cor dos democratas), conservadora em termos fiscais, que considera estar longe a possibilidade de acordo na matéria.
Todas essas desinteligências levaram o Presidente Obama a falar diretamente para a opinião pública. Em intervenção televisiva, ele reconheceu o ceticismo de alguns, mas enfatizou que reestruturação do sistema federal de assistência sanitária beneficiará o Povo americano e reforçará a Economia.
As principais restrições ao Plano se referem aos custos financeiros, orçados em despesas adicionais de um trilhão de dólares, em um decênio. Por outro lado, há o temor entre os democratas que a maioria existente em apoio à Reforma perderia em força inercial (momentum) com a interrupção de cinco semanas nos trabalhos congressuais.
É evidente que seria preferível a votação antecipada pelas duas câmaras da proposta Reforma. Sem embargo, não há dúvidas de que a luta será encarniçada e que os republicanos – com seus poderosos aliados nas associações médicas e farmacêuticas que ganham com o presente estado de coisas – não hão de criar facilidades para o que constituiria decerto grande êxito para a nova Administração, só comparável às reformas implementadas nos anos sessenta, pelo Presidente Lyndon Johnson.
A despeito da seriedade e profissionalismo da iniciativa, que se intentou realizar simultaneamente no Senado e na Câmara de Representantes – conforme reportado neste blog – forçoso será convir que os projetos legislativos não procedem nos prazos estimados anteriormente.
Depois do malogro da tentativa na Administração Clinton, nenhum político experiente presumiria que a sua implantação seria consensual, sem topar com resistências maiores. No entanto, dado o empenho do Presidente Obama e a favorável circunstância de que ambas as Casas do Congresso têm sólidas maiorias democratas, havia a expectativa de que se poderia realizar a empresa dentro de prazos não muito extensos.
O Presidente estabelecera que a primeira etapa estaria concluída no Senado e na Câmara antes do recesso de verão, que se inicia a oito de agosto p.f. Ao interromperem os trabalhos legislativos, senadores e representantes teriam votado, no âmbito das câmaras respectivas, os projetos do plano geral de saúde. Ficaria, por conseguinte, para a retomada da sessão em setembro a indispensável negociação na chamada conferência intercameral, com vistas à ulterior aprovação do texto conjunto definitivo, para encaminhamento à chancela presidencial.
O líder da maioria democrata no Senado, Harry Reid (Nevada), teve de desdizer da prévia promessa, ao anunciar que o Senado não mais votará a legislação sobre assistência sanitária antes de partir para o recesso. O Senador Reid atribuíu aos republicanos a postergação, ao declarar que eles tinham pedido por mais tempo, e que não julgara desarrazoada a solicitação, por se tratar “de questão complexa e difícil”.
A par de o atraso ser causado por vontade da oposição do G.O.P., que sente a possibilidade de estorvar um projeto basilar da Administração Obama, não há negar que parte das dificuldades advêm igualmente do lado democrata. O Senador Reid esperava acordo bipartidário no Comitê de Finanças do Senado, o que ora semelha excessivo otimismo do líder da maioria, atendida a postura republicana de buscar a própria afirmação pela oposição extremada diante de um presidente popular e igualmente levadas em conta as idiossincrasias do Comitê de Finanças, presidido pelo Senador Max Baucus (Dem.-Montana).
Há a impressão de vários membros democratas do Comitê de que Baucus estaria fazendo concessões excessivas aos republicanos. Dessarte, o acordo bipartidário pareceria começar a ficar demasiado caro para o projeto democrata de reforma do plano de saúde.
Por sua vez, a Speaker da Câmara, Nancy Pelosi reiterou nesta última quarta-feira dispor dos votos necessários para a aprovação do projeto, embora ainda não haja programado a votação. Nesse particular, na contenda pelo Plano Geral de Saúde os sufrágios centristas estão recebendo grande e talvez desproporcional atenção quanto à respectiva força política. Existe na Câmara facção intitulada Blue Dogs (cachorros azuis, azul sendo a cor dos democratas), conservadora em termos fiscais, que considera estar longe a possibilidade de acordo na matéria.
Todas essas desinteligências levaram o Presidente Obama a falar diretamente para a opinião pública. Em intervenção televisiva, ele reconheceu o ceticismo de alguns, mas enfatizou que reestruturação do sistema federal de assistência sanitária beneficiará o Povo americano e reforçará a Economia.
As principais restrições ao Plano se referem aos custos financeiros, orçados em despesas adicionais de um trilhão de dólares, em um decênio. Por outro lado, há o temor entre os democratas que a maioria existente em apoio à Reforma perderia em força inercial (momentum) com a interrupção de cinco semanas nos trabalhos congressuais.
É evidente que seria preferível a votação antecipada pelas duas câmaras da proposta Reforma. Sem embargo, não há dúvidas de que a luta será encarniçada e que os republicanos – com seus poderosos aliados nas associações médicas e farmacêuticas que ganham com o presente estado de coisas – não hão de criar facilidades para o que constituiria decerto grande êxito para a nova Administração, só comparável às reformas implementadas nos anos sessenta, pelo Presidente Lyndon Johnson.
sexta-feira, 24 de julho de 2009
Colcha de Retalhos XIV
A Caravana de Zelaya
Depois da terceira proposta de conciliação, apresentada pelo mediador Oscar Arias, rejeitada pelo governo Roberto Micheletti, o presidente deposto, José Manuel Zelaya, à frente de uma caravana, resolveu tentar a entrada por terra em Honduras. O comboio deixou a Embaixada de Honduras em Manágua no meio da tarde de ontem, rumo a Esteli (160km ao norte da capital), cerca de metade do trajeto até a fronteira.
O ingresso em Honduras seria pelas cidades nicaraguenses de Ocotal e Somoto, que são fronteiriças. A ideia seria atravessar a fronteira a pé, na companhia de milhares de simpatizantes.
Esta será a segunda tentativa de Zelaya de regressar ao país (a primeira, via aérea, não pôde concretizar-se, porque a aeronave não recebeu permissão de pouso). Ignora-se qual será a atitude do governo Micheletti. Tropas militares estariam sendo deslocadas para guarnecer a fronteira.
Anteriormente, Micheletti prometera deter Zelaya, na hipótese de que ele adentrasse Honduras. É acusado de dezoito crimes vinculados à tentativa de promover consulta popular sobre Assembleia Constituinte que a Suprema Corte e o Congresso hondurenhos reputaram ilegal.
Há visível preocupação quanto aos eventuais desenvolvimentos do regresso antecipado de José Manuel Zelaya. O secretário-geral da OEA, o chileno José Miguel Insulza encareceu ontem tanto Zelaya, quanto o governo golpista, que considerem positivamente a citada proposta de acordo, feita pelo mediador Oscar Arias.
Também os Estados Unidos apelaram por um acordo. Foram, de resto, os únicos a criticarem abertamente a tentativa de Zelaya. A esse propósito, o Departamento de Estado considerou imprudente qualquer ação de Zelaya ou de “outros países” (óbvia alusão a Nicarágua e Venezuela) que possa aumentar os riscos de eventual violência.
O Presidente Barack Obama tem sofrido pressões do partido republicano, que é contrário a sanções a Honduras, sob o argumento de que o golpe contra Zelaya foi um freio ao avanço chavista na região.
Segundo se depreende de comentários de chanceleres latino-americanos, a par da União Européia, somente através de pressão estadunidense seria possível levar as duas facções hondurenhas a uma composição. Nessa eventualidade, se sairia do negativismo que tem assinalado sobretudo as reações do governo Roberto Micheletti às propostas de mediação do Presidente Oscar Arias.
Lucy Bloch
Faleceu no começo da tarde de ontem, 23 de julho, Lucy Bloch, que foi casada com Adolpho Bloch por quarenta anos. Dele se separou judicialmente nos anos oitenta.
Nascida em Rio Grande, RS, em 7 de junho de 1909, completara cem anos de vida há pouco mais de um mês. Lucy Bloch teve, sobretudo dos anos cinquenta aos anos setenta, marcada presença profissional, política e social. Esposa de Adolpho, participou intensamente, como fundadora, da formulação e lançamento da revista Manchete, bem como das demais publicações do grupo Bloch Editores. Foi diretora da revista Joia e colaborou na implantação das diversas sedes regionais e internacionais da Manchete, com ênfase em Brasília, São Paulo, Paris e Lisboa. Foi a primeira diretora de um órgão nacional de turismo, para tanto nomeada pelo Presidente João Goulart. Manteve relações de amizade com diversos brasileiros ilustres, como o Presidente Juscelino Kubitschek, o presidente Tancredo Neves, o Governador Magalhães Pinto e inúmeros expoentes da intelligentsia brasileira, entre intelectuais, escritores, artistas, pintores e escultores. Das suas relações contemporâneas, a única que permanece em atividade é o arquiteto Oscar Niemeyer.
Nos anos iniciais que se seguiram ao golpe militar, houve uma associação informal de apoio aos resistentes ao regime, cujas palavras título formavam o acrônimo Luci, em homenagem ao seu trabalho naqueles tempos difíceis.
Depois da terceira proposta de conciliação, apresentada pelo mediador Oscar Arias, rejeitada pelo governo Roberto Micheletti, o presidente deposto, José Manuel Zelaya, à frente de uma caravana, resolveu tentar a entrada por terra em Honduras. O comboio deixou a Embaixada de Honduras em Manágua no meio da tarde de ontem, rumo a Esteli (160km ao norte da capital), cerca de metade do trajeto até a fronteira.
O ingresso em Honduras seria pelas cidades nicaraguenses de Ocotal e Somoto, que são fronteiriças. A ideia seria atravessar a fronteira a pé, na companhia de milhares de simpatizantes.
Esta será a segunda tentativa de Zelaya de regressar ao país (a primeira, via aérea, não pôde concretizar-se, porque a aeronave não recebeu permissão de pouso). Ignora-se qual será a atitude do governo Micheletti. Tropas militares estariam sendo deslocadas para guarnecer a fronteira.
Anteriormente, Micheletti prometera deter Zelaya, na hipótese de que ele adentrasse Honduras. É acusado de dezoito crimes vinculados à tentativa de promover consulta popular sobre Assembleia Constituinte que a Suprema Corte e o Congresso hondurenhos reputaram ilegal.
Há visível preocupação quanto aos eventuais desenvolvimentos do regresso antecipado de José Manuel Zelaya. O secretário-geral da OEA, o chileno José Miguel Insulza encareceu ontem tanto Zelaya, quanto o governo golpista, que considerem positivamente a citada proposta de acordo, feita pelo mediador Oscar Arias.
Também os Estados Unidos apelaram por um acordo. Foram, de resto, os únicos a criticarem abertamente a tentativa de Zelaya. A esse propósito, o Departamento de Estado considerou imprudente qualquer ação de Zelaya ou de “outros países” (óbvia alusão a Nicarágua e Venezuela) que possa aumentar os riscos de eventual violência.
O Presidente Barack Obama tem sofrido pressões do partido republicano, que é contrário a sanções a Honduras, sob o argumento de que o golpe contra Zelaya foi um freio ao avanço chavista na região.
Segundo se depreende de comentários de chanceleres latino-americanos, a par da União Européia, somente através de pressão estadunidense seria possível levar as duas facções hondurenhas a uma composição. Nessa eventualidade, se sairia do negativismo que tem assinalado sobretudo as reações do governo Roberto Micheletti às propostas de mediação do Presidente Oscar Arias.
Lucy Bloch
Faleceu no começo da tarde de ontem, 23 de julho, Lucy Bloch, que foi casada com Adolpho Bloch por quarenta anos. Dele se separou judicialmente nos anos oitenta.
Nascida em Rio Grande, RS, em 7 de junho de 1909, completara cem anos de vida há pouco mais de um mês. Lucy Bloch teve, sobretudo dos anos cinquenta aos anos setenta, marcada presença profissional, política e social. Esposa de Adolpho, participou intensamente, como fundadora, da formulação e lançamento da revista Manchete, bem como das demais publicações do grupo Bloch Editores. Foi diretora da revista Joia e colaborou na implantação das diversas sedes regionais e internacionais da Manchete, com ênfase em Brasília, São Paulo, Paris e Lisboa. Foi a primeira diretora de um órgão nacional de turismo, para tanto nomeada pelo Presidente João Goulart. Manteve relações de amizade com diversos brasileiros ilustres, como o Presidente Juscelino Kubitschek, o presidente Tancredo Neves, o Governador Magalhães Pinto e inúmeros expoentes da intelligentsia brasileira, entre intelectuais, escritores, artistas, pintores e escultores. Das suas relações contemporâneas, a única que permanece em atividade é o arquiteto Oscar Niemeyer.
Nos anos iniciais que se seguiram ao golpe militar, houve uma associação informal de apoio aos resistentes ao regime, cujas palavras título formavam o acrônimo Luci, em homenagem ao seu trabalho naqueles tempos difíceis.
quinta-feira, 23 de julho de 2009
Na Raiz dos Males do Legislativo a Impunidade
Em relação aos inúmeros problemas de conduta de Senadores e Deputados, a causa mediata de sua atitude associal, afrontosa e arrogante está na virtual certeza de impunidade pelas transgressões e delitos cometidos contra as normas estabelecidas para o convívio social, a que se acham obrigados os demais membros da sociedade civil.
E de onde vem a sensação infantil de absoluto privilégio destas singulares corporações, eleitas pelo Povo para cuidarem do bem público, mas que se ocupam precipuamente de colher vantagens privadas do Erário, ao arrepio dos interesses da comunidade que deveriam ser o seu norte ?
As motivações imediatas desse comportamento anti-social está em uma sensação metacorporativista de se acharem acima da lei, fora do alcance das normas do direito penal e cível que valem para os verdadeiros homens comuns. Se aparentam grande semelhança com respeito às quadrilhas e às associações criminosas em termos de escopo de ação, estas últimas deles se diferenciam por agirem à margem da lei não levadas por sensação de superioridade a seu respeito, mas na expectativa de escaparem às normas e às malhas do aparelho de segurança do Estado.
E não se vá cair no crasso equívoco do Presidente da República, que tem utilizado, com constrangedora frequência, a sua alta posição não para recomendar aos cidadãos a obediência à lei e elogiar e secundar aqueles que combatem os privilégios e as sinecuras, porém para acoimar de hipocrisia as condenações a congressistas de se aproveitarem da fazenda pública, e, o que é mais grave, de reivindicar para um Senador um status acima da norma pétrea cristalizada pelo artigo 5º da Constituição Federal, de que todos são iguais perante a lei.
À vista de tais considerações, cabe a pergunta por que as cláusulas inseridas na Carta Magna e no regimento das duas Casas do Congresso são encaradas pelos congressistas – e é bom frisar que o nivelamento como soi acontecer se fez por baixo, com o dito alto clero se pautando pelas ‘regras’do baixo clero – como virtual letra morta ? Com efeito, se o Conselho de Ética da Câmara se presta à pantomima encenada no caso do chamado deputado do castelo, Edmar Moreira (sem partido-MG), já antecipada pelo descaramento do deputado Sérgio Moraes (PTB-RS), demonstrando na prática que se lixa para a opinião pública, pode-se afirmar que a Câmara de Deputados não precisa descer mais não só em termos de respeito ao Povo brasileiro, senão no que tange ao pundonor da própria instituição.
Tenho penosa ciência de que a alusão a tais conceitos há de despertar risos de deboche junto a essa grei que prefiro não definir além dessas palavras, mais por atenção a exemplos honrosos do passado do que os da realidade presente.
Não há decerto outra explicação a não ser a certeza da impunidade para a pletora de episódios confrangedores, como o trem-da-alegria para Paris, encabeçado pelo Presidente da Câmara, Michel Temer, e a que acorreram, entre vários deputados, Candido Vacarezza, lider do PT, Carlos Zarattini, vice-líder do PT, Ibsen Pinheiro, aquele dos tempos dos anões do orçamento (PMDB-RS), José Anibal (líder do PSDB), Raul Jungmann (PPS-PE), presidente da Frente Parlamentar de Defesa Nacional, e Ronaldo Caiado, líder do DEM na Câmara. Não os demoveram de aceitar a viagem com tudo pago eventuais escrúpulos quanto à pendente concorrência de caças para a Aeronáutica, de que é concorrente a fábrica gaulesa Dassault.
Recordo-me, a propósito, que, nos Estados Unidos, deputados republicanos foram forçados a renunciar aos próprios mandatos por causa de aceitação de viagens desse gênero, em que havia suspeita de tráfico de influência. E não me refiro à raia miúda, mas ao poderoso Tom Delay, lider da então maioria republicana na Casa de Representantes, punido por ter aceito participar de viagem paga por lobista.
E, se me permitem, mais uma comparação pouco animadora, a ‘Mãe dos Parlamentos’, sacudida por escândalo de despesas abusivas que abalou a todos os partidos, aprovou medida que institui órgão independente para controlar os gastos dos deputados do Reino Unido, prevendo até um ano de prisão para parlamentares que declararem despesas falsas ou usarem fundos públicos indevidamente.
Por fim, o papel do Senado Federal se afigura tão lamentável ou quiçá até mais do que a Câmara. A exemplo de seus antecessores Jáder Barbalho e Renan Calheiros, o presidente José Sarney (PMDB-AP) se afunda progressivamente em chavascal de procedimentos suspeitos de incompatibilidade com o decoro. Nessa cadeia de escândalos, ora avultam as duas mentiras relativas a alegado desconhecimento dos atos secretos e, agora, as gravações telefônicas do filho Fernando Sarney e de sua conversa com o pai e oligarcar-mor, para garantir a nomeação por Agaciel Maia do namorado da filha (de Fernando) Maria Beatriz Sarney, para um cargo da quota familiar no Senado.
Servirá de algo para o ‘homem comum’ José Sarney que o líder Renan haja lotado o Conselho de Ética com a sua dita ‘tropa de choque’, sob a presidência, para escárnio da instituição, do suplente Paulo Duque (PMDB-RJ) ?
No Senado, como na Câmara, a despeito do deserto da moralidade, as punições só surgem no horizonte quando o plenário sente que a corda está esgarçada e que, para garantir a própria pele, será aconselhável desvencilhar-se da carga demasiado incômoda para o bem-estar da corporação.
No Continente, nos apodam de imitadores. Seria bom que, por motivo meritório, o Congresso copiasse exemplos estrangeiros e introduzisse mecanismo tendentes a tornar a punição do infrator a consequência lógica de comportamentos delituosos, aplicado aos senhores parlamentares, no que couber, o tratamento reservado aos homens comuns.
Assim, como a miragem no deserto, afinal se dissiparia a vexaminosa impunidade parlamentar.
E de onde vem a sensação infantil de absoluto privilégio destas singulares corporações, eleitas pelo Povo para cuidarem do bem público, mas que se ocupam precipuamente de colher vantagens privadas do Erário, ao arrepio dos interesses da comunidade que deveriam ser o seu norte ?
As motivações imediatas desse comportamento anti-social está em uma sensação metacorporativista de se acharem acima da lei, fora do alcance das normas do direito penal e cível que valem para os verdadeiros homens comuns. Se aparentam grande semelhança com respeito às quadrilhas e às associações criminosas em termos de escopo de ação, estas últimas deles se diferenciam por agirem à margem da lei não levadas por sensação de superioridade a seu respeito, mas na expectativa de escaparem às normas e às malhas do aparelho de segurança do Estado.
E não se vá cair no crasso equívoco do Presidente da República, que tem utilizado, com constrangedora frequência, a sua alta posição não para recomendar aos cidadãos a obediência à lei e elogiar e secundar aqueles que combatem os privilégios e as sinecuras, porém para acoimar de hipocrisia as condenações a congressistas de se aproveitarem da fazenda pública, e, o que é mais grave, de reivindicar para um Senador um status acima da norma pétrea cristalizada pelo artigo 5º da Constituição Federal, de que todos são iguais perante a lei.
À vista de tais considerações, cabe a pergunta por que as cláusulas inseridas na Carta Magna e no regimento das duas Casas do Congresso são encaradas pelos congressistas – e é bom frisar que o nivelamento como soi acontecer se fez por baixo, com o dito alto clero se pautando pelas ‘regras’do baixo clero – como virtual letra morta ? Com efeito, se o Conselho de Ética da Câmara se presta à pantomima encenada no caso do chamado deputado do castelo, Edmar Moreira (sem partido-MG), já antecipada pelo descaramento do deputado Sérgio Moraes (PTB-RS), demonstrando na prática que se lixa para a opinião pública, pode-se afirmar que a Câmara de Deputados não precisa descer mais não só em termos de respeito ao Povo brasileiro, senão no que tange ao pundonor da própria instituição.
Tenho penosa ciência de que a alusão a tais conceitos há de despertar risos de deboche junto a essa grei que prefiro não definir além dessas palavras, mais por atenção a exemplos honrosos do passado do que os da realidade presente.
Não há decerto outra explicação a não ser a certeza da impunidade para a pletora de episódios confrangedores, como o trem-da-alegria para Paris, encabeçado pelo Presidente da Câmara, Michel Temer, e a que acorreram, entre vários deputados, Candido Vacarezza, lider do PT, Carlos Zarattini, vice-líder do PT, Ibsen Pinheiro, aquele dos tempos dos anões do orçamento (PMDB-RS), José Anibal (líder do PSDB), Raul Jungmann (PPS-PE), presidente da Frente Parlamentar de Defesa Nacional, e Ronaldo Caiado, líder do DEM na Câmara. Não os demoveram de aceitar a viagem com tudo pago eventuais escrúpulos quanto à pendente concorrência de caças para a Aeronáutica, de que é concorrente a fábrica gaulesa Dassault.
Recordo-me, a propósito, que, nos Estados Unidos, deputados republicanos foram forçados a renunciar aos próprios mandatos por causa de aceitação de viagens desse gênero, em que havia suspeita de tráfico de influência. E não me refiro à raia miúda, mas ao poderoso Tom Delay, lider da então maioria republicana na Casa de Representantes, punido por ter aceito participar de viagem paga por lobista.
E, se me permitem, mais uma comparação pouco animadora, a ‘Mãe dos Parlamentos’, sacudida por escândalo de despesas abusivas que abalou a todos os partidos, aprovou medida que institui órgão independente para controlar os gastos dos deputados do Reino Unido, prevendo até um ano de prisão para parlamentares que declararem despesas falsas ou usarem fundos públicos indevidamente.
Por fim, o papel do Senado Federal se afigura tão lamentável ou quiçá até mais do que a Câmara. A exemplo de seus antecessores Jáder Barbalho e Renan Calheiros, o presidente José Sarney (PMDB-AP) se afunda progressivamente em chavascal de procedimentos suspeitos de incompatibilidade com o decoro. Nessa cadeia de escândalos, ora avultam as duas mentiras relativas a alegado desconhecimento dos atos secretos e, agora, as gravações telefônicas do filho Fernando Sarney e de sua conversa com o pai e oligarcar-mor, para garantir a nomeação por Agaciel Maia do namorado da filha (de Fernando) Maria Beatriz Sarney, para um cargo da quota familiar no Senado.
Servirá de algo para o ‘homem comum’ José Sarney que o líder Renan haja lotado o Conselho de Ética com a sua dita ‘tropa de choque’, sob a presidência, para escárnio da instituição, do suplente Paulo Duque (PMDB-RJ) ?
No Senado, como na Câmara, a despeito do deserto da moralidade, as punições só surgem no horizonte quando o plenário sente que a corda está esgarçada e que, para garantir a própria pele, será aconselhável desvencilhar-se da carga demasiado incômoda para o bem-estar da corporação.
No Continente, nos apodam de imitadores. Seria bom que, por motivo meritório, o Congresso copiasse exemplos estrangeiros e introduzisse mecanismo tendentes a tornar a punição do infrator a consequência lógica de comportamentos delituosos, aplicado aos senhores parlamentares, no que couber, o tratamento reservado aos homens comuns.
Assim, como a miragem no deserto, afinal se dissiparia a vexaminosa impunidade parlamentar.
quarta-feira, 22 de julho de 2009
Considerações sobre a Constituição dita Cidadã
Em cinco de outubro de 1988, foi solenemente promulgada pelo Dr. Ulysses Guimarães, presidente da Constituinte, a nova Constituição da República Federativa do Brasil. Por ele chamada a ‘Constituição Cidadã’, vinha substituir a Carta de 1967 e Atos institucionais editados pelo regime militar e retomava a tradição democrática brasileira, assinalada pela sua predecessora, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946.
A Constituição de 1988 é a nossa sétima carta magna: a de 1824, outorgada, no Império; e as de 1891, 1934 (ambas democráticas), 1937 (outorgada), 1946 (democrática) e 1967 (índole autoritária). Assim, ao contrário da época imperial, em que a Carta de 1824 vigorou, com o Ato Adicional de l834, durante 65 anos, na República, o período de duração das diversas cartas magnas não excede aos 39 anos da de 1891.
Se cotejada com a Constituição dos Estados Unidos da América, de 17 de setembro de 1787, que teve 27 emendas em 222 anos, a Constituição brasileira, em menos de 21 anos de vigência, já exibe 62 emendas, o que fornece a gorda média de 2,95 emendas por ano.
A que atribuir esse número excessivo de emendas ? A meu ver, a duas razões principais: i. o vezo do constituinte brasileiro em inserir disposições na carta magna que, a rigor, poderiam ser tratadas em leis constitucionais, ou até mesmo na legislação ordinária; ii. a relativa facilidade da tramitação da emenda constitucional.
Por outro lado, no que concerne à extensão do texto constitucional, sua amplitude final resultou da opção da Constituinte de não aceitar como base para seus trabalhos o anteprojeto da Comissão Afonso Arinos. Em função da dispensa de qualquer ordenamento prévio, o projeto inicial de seus trabalhos foi alcunhado de Frankenstein.
Outra condicionante que contribuíu para um certo desequilíbrio na ulterior distribuição dos atributos dos poderes executivo e legislativo foi a premissa do constituinte quanto ao regime político. Com efeito, se considerava que o regime seria parlamentarista, e não presidencialista. Se a consulta popular determinou a escolha do regime presidencialista, as consequentes adequações nem sempre terão condições de respeitar plenamente a filosofia de um sistema bastante diverso em termos de governança.
A Constituição de 1988, apesar da mencionada extensão e da inserção de disposições que pela sua natureza melhor caberiam em lei complementar ou na legislação ordinária, tem méritos reconhecidos como a ênfase social, supressão da censura, o instituto do habeas-data, a admissibilidade da atividade nuclear somente para fins pacíficos, e o respeito aos direitos humanos. Em certos aspectos, todavia, ela foi demasiado generosa, aumentando despesas e tributos, além de cristalizar privilégios. No que concerne ao meio ambiente, admite a concorrência da lei federal e da estadual, o que pode gerar problemas de jurisdição, a despeito do parágrafo 4º do artigo 24, em que a superveniência da lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.
O Congresso, em todos esses anos, não regulamentou artigos como o 23º , que trata de funções comuns dos entes federados, a despeito de parágrafo único que dispõe sobre lei complementar que fixará normas para a cooperação entre a União, os Estados e os Municípios. Sobram indefinições, como, v.g., em relação ao meio ambiente.
O artigo 37, inciso VII, determina que “o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei complementar”. Nada foi feito, com grave prejuízo para a população em função de greves em áreas essenciais do serviço público, como nos setores de saúde e segurança.
Outra falha do Congresso, e não das menores, é a falta da regulamentação da proibição da censura. Depois da exultação dos primeiros anos, a censura tem intentado o seu retorno, seja por via judiciária, seja através do Ministério da Justiça, com a criação de órgãos que se valem ou da ignorância, ou da caráter timorato de organizações televisivas. Lei complementar que, em essência, equivaleria ao papel das célebres Emendas I e II à Constituição americana, e criaria a base legal para reprimir os abusos e as insídias dos perenes candidatos a censor (V., a respeito, os meus blogs ‘A Hidra da Censura’ (14.VI.09) e ‘A Volta da Censura’ (22.III.09) ).
Havendo a revisão constitucional de 1993 se cingido a umas poucas disposições, como a redução do mandato presidencial de cinco para quatro anos (que se deveu a motivos casuístas), caberia prever futura sessão de revisão da Constituição. Para tanto, seria eleita uma convenção com representantes escolhidos de acordo com as populações de cada Estado.
Dentre outros, os seguintes princípios constitucionais seriam recomendáveis:
assim como todos os brasileiros são iguais perante a lei, também devem sê-lo politicamente, de modo que os 513 deputados sejam distribuídos segundo a população de cada Estado, de modo que o voto do eleitor tem igual peso no Amapá e em São Paulo;
todos os mandatos do legislativo e do executivo seriam de quatro anos;
haveria dois senadores por Estado. Na hipótese de seu impedimento, seria convocada eleição para o preenchimento do restante do mandato;
as emendas constitucionais requerem a votação de dois terços dos deputados e senadores. A segunda leitura e votação respectiva ocorrerão na seguinte legislatura, sendo vedada a aprovação de emendas em uma só legislatura;
é vedada a reeleição de candidatos ao executivo da União, dos Estados e Municípios para o seguinte mandato;
não carecerá de autorização legislativa a prisão de autoridades dos três poderes flagrante delicto;
a imunidade do presidente da república, do vice-presidente da república, e do presidente do Supremo Tribunal Federal a processos de ordem penal e civil vencerá ao fim dos respectivos mandatos;
a eventual renúncia do titular de mandatos legislativos federais e estaduais, a qualquer tempo dos procedimentos de instrução e julgamento, não afetará a continuação do processo para implementar a cassação por oito anos dos direitos eleitorais;
será respeitada a proporcionalidade partidária desde que não exceda a cinco partidos, com representação nacional;
a condenação penal em segunda instância, mesmo se recorrida, determinará, no que couber, a perda do cargo ocupado, o pagamento da multa estipulada e a imediata prisão do réu;
só é admissível a caracterização do desacato à autoridade, quando a pessoa ofendida estiver no exercício de suas funções legais, for de nível superior, e envolver violência ou ameaça de violência, devidamente comprovada por terceiros.
(Fontes: Constituição Federal e artigo J.Camilo Penna em O Globo)
A Constituição de 1988 é a nossa sétima carta magna: a de 1824, outorgada, no Império; e as de 1891, 1934 (ambas democráticas), 1937 (outorgada), 1946 (democrática) e 1967 (índole autoritária). Assim, ao contrário da época imperial, em que a Carta de 1824 vigorou, com o Ato Adicional de l834, durante 65 anos, na República, o período de duração das diversas cartas magnas não excede aos 39 anos da de 1891.
Se cotejada com a Constituição dos Estados Unidos da América, de 17 de setembro de 1787, que teve 27 emendas em 222 anos, a Constituição brasileira, em menos de 21 anos de vigência, já exibe 62 emendas, o que fornece a gorda média de 2,95 emendas por ano.
A que atribuir esse número excessivo de emendas ? A meu ver, a duas razões principais: i. o vezo do constituinte brasileiro em inserir disposições na carta magna que, a rigor, poderiam ser tratadas em leis constitucionais, ou até mesmo na legislação ordinária; ii. a relativa facilidade da tramitação da emenda constitucional.
Por outro lado, no que concerne à extensão do texto constitucional, sua amplitude final resultou da opção da Constituinte de não aceitar como base para seus trabalhos o anteprojeto da Comissão Afonso Arinos. Em função da dispensa de qualquer ordenamento prévio, o projeto inicial de seus trabalhos foi alcunhado de Frankenstein.
Outra condicionante que contribuíu para um certo desequilíbrio na ulterior distribuição dos atributos dos poderes executivo e legislativo foi a premissa do constituinte quanto ao regime político. Com efeito, se considerava que o regime seria parlamentarista, e não presidencialista. Se a consulta popular determinou a escolha do regime presidencialista, as consequentes adequações nem sempre terão condições de respeitar plenamente a filosofia de um sistema bastante diverso em termos de governança.
A Constituição de 1988, apesar da mencionada extensão e da inserção de disposições que pela sua natureza melhor caberiam em lei complementar ou na legislação ordinária, tem méritos reconhecidos como a ênfase social, supressão da censura, o instituto do habeas-data, a admissibilidade da atividade nuclear somente para fins pacíficos, e o respeito aos direitos humanos. Em certos aspectos, todavia, ela foi demasiado generosa, aumentando despesas e tributos, além de cristalizar privilégios. No que concerne ao meio ambiente, admite a concorrência da lei federal e da estadual, o que pode gerar problemas de jurisdição, a despeito do parágrafo 4º do artigo 24, em que a superveniência da lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.
O Congresso, em todos esses anos, não regulamentou artigos como o 23º , que trata de funções comuns dos entes federados, a despeito de parágrafo único que dispõe sobre lei complementar que fixará normas para a cooperação entre a União, os Estados e os Municípios. Sobram indefinições, como, v.g., em relação ao meio ambiente.
O artigo 37, inciso VII, determina que “o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei complementar”. Nada foi feito, com grave prejuízo para a população em função de greves em áreas essenciais do serviço público, como nos setores de saúde e segurança.
Outra falha do Congresso, e não das menores, é a falta da regulamentação da proibição da censura. Depois da exultação dos primeiros anos, a censura tem intentado o seu retorno, seja por via judiciária, seja através do Ministério da Justiça, com a criação de órgãos que se valem ou da ignorância, ou da caráter timorato de organizações televisivas. Lei complementar que, em essência, equivaleria ao papel das célebres Emendas I e II à Constituição americana, e criaria a base legal para reprimir os abusos e as insídias dos perenes candidatos a censor (V., a respeito, os meus blogs ‘A Hidra da Censura’ (14.VI.09) e ‘A Volta da Censura’ (22.III.09) ).
Havendo a revisão constitucional de 1993 se cingido a umas poucas disposições, como a redução do mandato presidencial de cinco para quatro anos (que se deveu a motivos casuístas), caberia prever futura sessão de revisão da Constituição. Para tanto, seria eleita uma convenção com representantes escolhidos de acordo com as populações de cada Estado.
Dentre outros, os seguintes princípios constitucionais seriam recomendáveis:
assim como todos os brasileiros são iguais perante a lei, também devem sê-lo politicamente, de modo que os 513 deputados sejam distribuídos segundo a população de cada Estado, de modo que o voto do eleitor tem igual peso no Amapá e em São Paulo;
todos os mandatos do legislativo e do executivo seriam de quatro anos;
haveria dois senadores por Estado. Na hipótese de seu impedimento, seria convocada eleição para o preenchimento do restante do mandato;
as emendas constitucionais requerem a votação de dois terços dos deputados e senadores. A segunda leitura e votação respectiva ocorrerão na seguinte legislatura, sendo vedada a aprovação de emendas em uma só legislatura;
é vedada a reeleição de candidatos ao executivo da União, dos Estados e Municípios para o seguinte mandato;
não carecerá de autorização legislativa a prisão de autoridades dos três poderes flagrante delicto;
a imunidade do presidente da república, do vice-presidente da república, e do presidente do Supremo Tribunal Federal a processos de ordem penal e civil vencerá ao fim dos respectivos mandatos;
a eventual renúncia do titular de mandatos legislativos federais e estaduais, a qualquer tempo dos procedimentos de instrução e julgamento, não afetará a continuação do processo para implementar a cassação por oito anos dos direitos eleitorais;
será respeitada a proporcionalidade partidária desde que não exceda a cinco partidos, com representação nacional;
a condenação penal em segunda instância, mesmo se recorrida, determinará, no que couber, a perda do cargo ocupado, o pagamento da multa estipulada e a imediata prisão do réu;
só é admissível a caracterização do desacato à autoridade, quando a pessoa ofendida estiver no exercício de suas funções legais, for de nível superior, e envolver violência ou ameaça de violência, devidamente comprovada por terceiros.
(Fontes: Constituição Federal e artigo J.Camilo Penna em O Globo)
terça-feira, 21 de julho de 2009
A Tchetchênia e os Direitos Humanos
Outra jornalista russa, Natasha Estemirova, caíu vítima de seu dedicado trabalho em prol dos direitos humanos na pequena república da Tchetchênia, integrante da Federação Russa. A própria coragem emula a da amiga e colega de profissão, Anna Politkovskaya, assassinada em 2006.
Ambas as trajetórias se assinalam pela denúncia de atentados e outras violações dos direitos humanos naquela conflagrada região do império russo, assim como pelo caráter destemido com que arrostaram as inúmeras ameaças recebidas pela atividade desenvolvida.
Se as atenções de Anna Politkovskaya se dirigiram igualmente às crescentes transgressões de Vladimir Putin contra a liberdade democrática na Rússia, as suspeitas quanto aos mandantes dos assassínios de ambas recaem sobretudo em autoridades tchetchenas.
As duas jornalistas não ignoravam os riscos que corriam. Muitos de seus colegas de profissão tentaram demovê-las de prosseguir na senda de um jornalismo dedicado a expor os crimes e os abusos das autoridades e dos chefes políticos da Tchetchênia.
O atual presidente da República Tchetchena, Ramzan A. Kadyrov, antigo rebelde transmutado em pró-consul de Moscou, é chefe de governo que administrou centros de tortura. Segundo os testemunhos colhidos por Estemirova,em tais centros os detentos são submetidos a sevícias, choques elétricos, falsas execuções, violências sexuais, queimaduras por tochas de gás acetileno. Para os menos afortunados, o homicídio será o fecho dos próprios sofrimentos.
Estemirova continuou com as suas investigações, não obstante ser confrontada com a saída forçada de seus auxiliares ou mesmo com o seu desaparecimento. Compareceu muitas vezes perante as autoridades tchetchenas para ouvir reclamações raivosas acerca do trabalho desenvolvido. O próprio Kadyrov a convocou para o seu gabinete e a mensagem transmitida não diferiu das anteriores: páre.
Tanto Anna Politkovskaya quanto Natasha Estemirova foram abatidas por capangas. Contudo, a macabra semelhança aí se detém. A Politkovskaya foi morta à tardinha, em Moscou, no hall de entrada do edifício de apartamentos onde residia. Trazia sacola com algumas compras do supermercado. O assassino, um matador profissional, a fulminou com dois tiros de pistola, e, sem ser visto, retirou-se.
Por sua vez, Estemirova foi sequestrada, de seu alojamento em Grozny. Pôde apenas gritar que estava sendo raptada, enquanto a metiam dentro de um carro Lada. Não mais seria vista em vida, como muitas das vítimas cujo desaparecimento ela investigara.
Há uma outra diferença a observar, e se refere à reação do Presidente da Federação Russa. Na ocasião do assassinato de Politkovskaya, o então Presidente – hoje Primeiro Ministro – Vladimir Putin não se manifestou por três dias e quando o fez, julgou oportuno desfazer do mérito do trabalho da falecida. A execução de Estemirova colheu o atual Presidente Dmitri Medvedev em visita à Chanceler Angela Merkel, na Alemanha. Ao invés de seu predecessor, elogiou em declaração pública o trabalho da jornalista: “Estemirova se ocupava de tarefa muito útil. Estava dizendo a verdade, com juízos quiçá às vezes ásperos, a respeito dos processos que se acham em andamento no país.”
( fonte: International Herald Tribune)
Ambas as trajetórias se assinalam pela denúncia de atentados e outras violações dos direitos humanos naquela conflagrada região do império russo, assim como pelo caráter destemido com que arrostaram as inúmeras ameaças recebidas pela atividade desenvolvida.
Se as atenções de Anna Politkovskaya se dirigiram igualmente às crescentes transgressões de Vladimir Putin contra a liberdade democrática na Rússia, as suspeitas quanto aos mandantes dos assassínios de ambas recaem sobretudo em autoridades tchetchenas.
As duas jornalistas não ignoravam os riscos que corriam. Muitos de seus colegas de profissão tentaram demovê-las de prosseguir na senda de um jornalismo dedicado a expor os crimes e os abusos das autoridades e dos chefes políticos da Tchetchênia.
O atual presidente da República Tchetchena, Ramzan A. Kadyrov, antigo rebelde transmutado em pró-consul de Moscou, é chefe de governo que administrou centros de tortura. Segundo os testemunhos colhidos por Estemirova,em tais centros os detentos são submetidos a sevícias, choques elétricos, falsas execuções, violências sexuais, queimaduras por tochas de gás acetileno. Para os menos afortunados, o homicídio será o fecho dos próprios sofrimentos.
Estemirova continuou com as suas investigações, não obstante ser confrontada com a saída forçada de seus auxiliares ou mesmo com o seu desaparecimento. Compareceu muitas vezes perante as autoridades tchetchenas para ouvir reclamações raivosas acerca do trabalho desenvolvido. O próprio Kadyrov a convocou para o seu gabinete e a mensagem transmitida não diferiu das anteriores: páre.
Tanto Anna Politkovskaya quanto Natasha Estemirova foram abatidas por capangas. Contudo, a macabra semelhança aí se detém. A Politkovskaya foi morta à tardinha, em Moscou, no hall de entrada do edifício de apartamentos onde residia. Trazia sacola com algumas compras do supermercado. O assassino, um matador profissional, a fulminou com dois tiros de pistola, e, sem ser visto, retirou-se.
Por sua vez, Estemirova foi sequestrada, de seu alojamento em Grozny. Pôde apenas gritar que estava sendo raptada, enquanto a metiam dentro de um carro Lada. Não mais seria vista em vida, como muitas das vítimas cujo desaparecimento ela investigara.
Há uma outra diferença a observar, e se refere à reação do Presidente da Federação Russa. Na ocasião do assassinato de Politkovskaya, o então Presidente – hoje Primeiro Ministro – Vladimir Putin não se manifestou por três dias e quando o fez, julgou oportuno desfazer do mérito do trabalho da falecida. A execução de Estemirova colheu o atual Presidente Dmitri Medvedev em visita à Chanceler Angela Merkel, na Alemanha. Ao invés de seu predecessor, elogiou em declaração pública o trabalho da jornalista: “Estemirova se ocupava de tarefa muito útil. Estava dizendo a verdade, com juízos quiçá às vezes ásperos, a respeito dos processos que se acham em andamento no país.”
( fonte: International Herald Tribune)
segunda-feira, 20 de julho de 2009
Uma Entrevista para não Esquecer
Merece atenção é dizer pouco da entrevista concedida a O Globo pelo historiador Marco Antonio Villa, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos. Não são muitos os testemunhos que podem contribuir para um determinado processo histórico. Posto que tais efeitos só tendem a ser discerníveis depois de indispensável transcurso de tempo, não se me afigura lícito desconhecer no dia de hoje a relevância do testemunho prestado pelo professor Villa.
Nessa entrevista, trata-se da crise do Senado, do papel de José Sarney e de o que pode significar este episódio na história da República.
Crise do Senado.
A crise não é só do Senado. É também do Sarney. É certamente a maior crise da história do Senado. Desde 1890, quando foi criado o Senado republicano, não há registro de outra crise tão grave e longa como esta que estamos vivendo. Gravíssimo ter uma Casa onde a direção política era dada por um funcionário, o diretor-geral (Agaciel Maia). É o único Senado do mundo ocidental em que a direção política é dada por um funcionário. É mesmo uma casa de horrores (definição dada pela revista The Economist) ! A nomeação de Paulo Duque (PMDB-RJ) para presidir o Conselho de Ética é um escândalo. Imagine, um suplente ! O conserto pode ser dado pelo eleitor daqui a um ano, quando forem renovados dois terços do Senado.
Só o eleitor pode mudar o Senado ? Se não acreditarmos nisso, não há saída. A única saída é que o eleitor tenha consciência. E o eleitor de todos os estados. Imputa-se ao eleitor dos estados mais atrasados eleger qualquer senador. Mas São Paulo, por exemplo, tem um senador que está fazendo papel pífio nesta situação, que é o Aloizio Mercadante. O outro, Romeu Tuma, é omisso. E veja o caso de Minas Gerais, que tem um suplente, o Wellington Salgado, exercendo a senatoria há quatro anos...
As denúncias no Senado são gravíssimas. A cada dia tem uma, duas, três... Aí é o papel da Justiça. Mas a grande questão é a Justiça que é omissa. Foram crimes gravíssimos cometidos no Senado, e com a absoluta omissão da Justiça.
O papel de José Sarney.
A crise é do Senado e também do Sarney. Afinal, ele já tinha sido duas vezes presidente do Senado. As denúncias contra ele já são conhecidas no Maranhão há muito tempo. O que está sendo denunciado agora, em esfera nacional, a oposição fala no Maranhão há quatro décadas. No Maranhão, todo mundo sabe! Agora, a nação está conhecendo quem é o senador José Sarney. Isso é bom, muito produtivo.
Produtivo ? Sarney, o cacique que está há mais tempo na política brasileira, é extremamente nocivo. Toda essa crise que ele está vivendo me parece a uma espécie de dobre de finados. A partir dali, acho que é a morte política de Sarney. Evidentemente, ele ainda tem um poderzinho, mas já não tem o mesmo poder que tinha.
É Sarney o grande coronel do Brasil ? Sarney é o símbolo maior desse poder dos coronéis. Por isso a crise é extremamente saudável. Estamos caminhando para virar a página, para o fim desse poder antidemocrático representado pelas oligarquias. É o maior deles é Sarney.
Significado da Morte Política de Sarney.
No Maranhão, Sarney deu um golpe de Estado com o auxílio do Tribunal Superior Eleitoral (sua filha Roseana assumiu o governo). É algo absurdo! Nunca vi isso. A derrubada de Jackson Lago é algo gravíssimo para a democracia brasileira. E houve um silêncio nacional. É bom lembrar que a presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão (Nelma Sarney) é cunhada dele. E ele já tinha dado um golpe de Estado gravíssimo no Amapá. Teve a eleição de João Capiberibe (PSB-AP) e por compra de dois votos a R$24 cada um,( Capiberibe foi cassado). Um escândalo[1]. Isso mostra que Sarney tem muita força política no centro do poder.
Com a crise de agora, porém, essa força diminuíu sensivelmente. É muito positivo porque um dos obstáculos para a plena consolidação da democracia brasileira é o poder coronelístico. E o símbolo maior desse poder é o Sarney.
Por isso, essa crise é extremamente saudável. Estamos caminhando para virar a página, para o fim desse poder antidemocrático, representado pelos oligarcas. E o maior dele é o Sarney.
Esvaziamento do Poder político do Congresso.
A saída é o eleitor renovar seus representantes, tanto no Senado, quanto na Câmara. De outro, no caso de crimes, a ação da Justiça. E o terceiro caminho, que também é muito difícil que ocorra, é o Executivo ter uma nova relação com o Legislativo. Esse também é um problema grave. O Executivo compra maiorias no Legislativo. Nas esferas das prefeituras, dos estados e, no caso do governo federal, isso é explícito. E essa compra de maioria acaba fortalecendo, no caso do Senado, especificamente, os senadores que “são menos identificados com os valores republicanos”( para empregar expressào mais educada).
Que senadores são comprados ? São senadores com pouquíssima participação nos grandes debates nacionais. E são comprados. Essa maioria comprada tende também a ter um momento de mudança. Se o eleitor pode mudar isso no ano que vem, na eleição, a Justiça pode mudar agindo, o Executivo pode mudar também. Mas como ele pode mudar essa relação perversa com o Executivo, independentemente de que presidente seja eleito em 2010? Que o candidato busque uma aliança programática, estabelecendo pontos programáticos, e explicite isso à população na campanha e, especialmente, antes de tomar posse.
As alianças programáticas podem se contrapor à compra da maioria. Aliança na base “é dando que se recebe” é crise inevitável. Se olharmos o Congresso nos últimos 15 anos, é difícil encontrar um ano que não tenha problema ou gravíssima crise. Essas compras da maioria (pelo Executivo) decorrem dessa relação perversa do Legislativo com o Executivo.
[1] O único voto de dissenso no TSE foi, para sua honra, de Sepúlveda Pertence (nota do blog).
Nessa entrevista, trata-se da crise do Senado, do papel de José Sarney e de o que pode significar este episódio na história da República.
Crise do Senado.
A crise não é só do Senado. É também do Sarney. É certamente a maior crise da história do Senado. Desde 1890, quando foi criado o Senado republicano, não há registro de outra crise tão grave e longa como esta que estamos vivendo. Gravíssimo ter uma Casa onde a direção política era dada por um funcionário, o diretor-geral (Agaciel Maia). É o único Senado do mundo ocidental em que a direção política é dada por um funcionário. É mesmo uma casa de horrores (definição dada pela revista The Economist) ! A nomeação de Paulo Duque (PMDB-RJ) para presidir o Conselho de Ética é um escândalo. Imagine, um suplente ! O conserto pode ser dado pelo eleitor daqui a um ano, quando forem renovados dois terços do Senado.
Só o eleitor pode mudar o Senado ? Se não acreditarmos nisso, não há saída. A única saída é que o eleitor tenha consciência. E o eleitor de todos os estados. Imputa-se ao eleitor dos estados mais atrasados eleger qualquer senador. Mas São Paulo, por exemplo, tem um senador que está fazendo papel pífio nesta situação, que é o Aloizio Mercadante. O outro, Romeu Tuma, é omisso. E veja o caso de Minas Gerais, que tem um suplente, o Wellington Salgado, exercendo a senatoria há quatro anos...
As denúncias no Senado são gravíssimas. A cada dia tem uma, duas, três... Aí é o papel da Justiça. Mas a grande questão é a Justiça que é omissa. Foram crimes gravíssimos cometidos no Senado, e com a absoluta omissão da Justiça.
O papel de José Sarney.
A crise é do Senado e também do Sarney. Afinal, ele já tinha sido duas vezes presidente do Senado. As denúncias contra ele já são conhecidas no Maranhão há muito tempo. O que está sendo denunciado agora, em esfera nacional, a oposição fala no Maranhão há quatro décadas. No Maranhão, todo mundo sabe! Agora, a nação está conhecendo quem é o senador José Sarney. Isso é bom, muito produtivo.
Produtivo ? Sarney, o cacique que está há mais tempo na política brasileira, é extremamente nocivo. Toda essa crise que ele está vivendo me parece a uma espécie de dobre de finados. A partir dali, acho que é a morte política de Sarney. Evidentemente, ele ainda tem um poderzinho, mas já não tem o mesmo poder que tinha.
É Sarney o grande coronel do Brasil ? Sarney é o símbolo maior desse poder dos coronéis. Por isso a crise é extremamente saudável. Estamos caminhando para virar a página, para o fim desse poder antidemocrático representado pelas oligarquias. É o maior deles é Sarney.
Significado da Morte Política de Sarney.
No Maranhão, Sarney deu um golpe de Estado com o auxílio do Tribunal Superior Eleitoral (sua filha Roseana assumiu o governo). É algo absurdo! Nunca vi isso. A derrubada de Jackson Lago é algo gravíssimo para a democracia brasileira. E houve um silêncio nacional. É bom lembrar que a presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão (Nelma Sarney) é cunhada dele. E ele já tinha dado um golpe de Estado gravíssimo no Amapá. Teve a eleição de João Capiberibe (PSB-AP) e por compra de dois votos a R$24 cada um,( Capiberibe foi cassado). Um escândalo[1]. Isso mostra que Sarney tem muita força política no centro do poder.
Com a crise de agora, porém, essa força diminuíu sensivelmente. É muito positivo porque um dos obstáculos para a plena consolidação da democracia brasileira é o poder coronelístico. E o símbolo maior desse poder é o Sarney.
Por isso, essa crise é extremamente saudável. Estamos caminhando para virar a página, para o fim desse poder antidemocrático, representado pelos oligarcas. E o maior dele é o Sarney.
Esvaziamento do Poder político do Congresso.
A saída é o eleitor renovar seus representantes, tanto no Senado, quanto na Câmara. De outro, no caso de crimes, a ação da Justiça. E o terceiro caminho, que também é muito difícil que ocorra, é o Executivo ter uma nova relação com o Legislativo. Esse também é um problema grave. O Executivo compra maiorias no Legislativo. Nas esferas das prefeituras, dos estados e, no caso do governo federal, isso é explícito. E essa compra de maioria acaba fortalecendo, no caso do Senado, especificamente, os senadores que “são menos identificados com os valores republicanos”( para empregar expressào mais educada).
Que senadores são comprados ? São senadores com pouquíssima participação nos grandes debates nacionais. E são comprados. Essa maioria comprada tende também a ter um momento de mudança. Se o eleitor pode mudar isso no ano que vem, na eleição, a Justiça pode mudar agindo, o Executivo pode mudar também. Mas como ele pode mudar essa relação perversa com o Executivo, independentemente de que presidente seja eleito em 2010? Que o candidato busque uma aliança programática, estabelecendo pontos programáticos, e explicite isso à população na campanha e, especialmente, antes de tomar posse.
As alianças programáticas podem se contrapor à compra da maioria. Aliança na base “é dando que se recebe” é crise inevitável. Se olharmos o Congresso nos últimos 15 anos, é difícil encontrar um ano que não tenha problema ou gravíssima crise. Essas compras da maioria (pelo Executivo) decorrem dessa relação perversa do Legislativo com o Executivo.
[1] O único voto de dissenso no TSE foi, para sua honra, de Sepúlveda Pertence (nota do blog).
domingo, 19 de julho de 2009
Obama e a Guerra do Afeganistão
É conhecida a fama e as insídias do Afeganistão para os invasores estrangeiros. No século XIX a Grã-Bretanha, então no ápice de seu poderio, pagou alto preço por adentrar aquelas terras montanhosas. Nos anos oitenta do século passado, coube à União Soviética amargar ali seu próprio Vietnam. Para a retirada das tropas soviéticas (maio de 1988 – fevereiro de l989), foi determinante a guerrilha de que participaram as principais etnias afegãs. Tal derrota política – infligida pela resistência, com a ajuda da CIA e de contingentes islâmicos árabes – representou um dos derradeiros golpes para o desfazimento da URSS, em dezembro de 1991.
Pouco depois do onze de setembro de 2001, os Estados Unidos declararia guerra ao regime talibã do Mulá Omar, que então dominava a maior parte do Afeganistão. Dias antes do ataque contra as torres gêmeas do World Trade Center, o carismático líder da Aliança do Norte, o general Ahmed Shah Massud, foi assassinado por dois membros da al-Qaida de Osama ben Laden. Pretextando uma entrevista com Massud, os dois homens-bomba lograram afastar o único oponente restante dos talibãs, o hábil general Massud. Obviamente coordenado com o iminente ataque guerrilheiro à metrópole americana, Omar e ben Laden conseguiram deixar acéfala a Aliança do Norte, então o seu principal inimigo em terra afegã.
Esta primeira guerra de Bush, que foi declarada exitosa, realizou-se de acordo com a estratégia do então Secretário da Defesa, Donald Rumsfeld. Para poupar os próprios efetivos, o conflito foi precedido de maciços bombardeios, e depois número limitado de contingentes logrou dominar os principais centros dos talibãs. Na parte final da conflagração, sempre consoante a peculiar teoria bélica de Rumsfeld, o império decidiu terceirizar a mor parte das operações restantes, inclusive o cerco ao refúgio de Osama ben Laden, nas montanhas de Tora Bora. Sub suspeita de suborno, os senhores da guerra a quem fora cometida a prisão de Osama, deixaram escapar a valiosa presa, que terá fugido por Jalalabad, cidade afegã, próxima da famosa passagem Khyber, com acesso à fronteira norte do Paquistão.
Na época, os talibãs pareciam derrotados, com o respectivo chefe, Mulá Omar em fuga. Depois de gestões inconclusivas junto ao rei Zahir Shah, deposto em 1973, o mando seria confiado a Hamid Karzai, político moderado e monarquista, que preside o Afeganistão desde dezembro de 2004.
Declarada guerra ao Iraque de Saddam Hussein, em março de 2003, o que se afigurava breve campanha militar à trinca Bush-Cheney-Rumsfeld, se transformou no atoleiro conhecido. Em virtude do engajamento iraquiano, o Afeganistão ficou em segundo plano, e o talibã pôde recuperar-se.
A administração Barack Obama já iniciou o que acredita seja retirada bem-sucedida do Iraque, consoante de resto compromisso assumido pelo presidente em sua campanha eleitoral.
Obama, no entanto, decidiu aumentar os contingentes americanos no Afeganistão, assim como substituir o seu comandante, que passou a ser o General Stanley A. McChrystal. Em suas primeiras declarações à imprensa, disse que as tropas estadunidenses tinham encontrado menos resistência do que esperavam na sua operação contra os refúgios talibãs no sul do país, mas, por sua vez, as forças britânicas ao norte da mesma província estavam enfrentando um inimigo muito mais aguerrido.
Na província sulista de Helmand, há quatro mil fuzileiros navais e 650 soldados afegãos, que se defrontam apenas com resistência esporádica. Os insurgentes respondem com ataques em pequena escala e utilizam explosivos improvisados, os famigerados i.e.d.s, que tantas mortes ocasionam no cenário iraquiano.
O general McChrystal prevê mais baixas quando os efetivos americanos chegarem ao topo planejado, que é de 68 mil homens. A meta das operações em Helmand – que é a principal base dos talibãs – seria extirpar também a resistência ao sul do vale do rio Helmand e vencida tal fase, manter o terreno ganho até que as autoridades civis afegãs possam assumir. De acordo com os planos do comandante americano, o exército afegão deverá ser aumentado a 134 mil homens.
Além das dificuldades encontradas pelas tropas britânicas no norte – cujo efetivo atualmente equivale ao do contingente estadunidense - , os insurgentes da etnia Pashtun, nas cercanias de Kunduz, também em área setentrional, criam problemas para as patrulhas alemãs, e igualmente na província Farah, região ocidental, que está a cargo do contingente italiano.
Consoante informe de fonte militar não identificada, também Kandahar – que é a segunda cidade do país – se acharia sob assédio (‘under stress’) dos revoltosos talibãs.
Já a situação do exército britânico vem provocando acirrados debates no Parlamento entre o Primeiro Ministro Gordon Brown e o líder da oposição, o conservador David Cameron. Com 9.100 homens aí engajados, as baixas no conflito montam a 184, superior em cinco à totalidade das baixas sofridas no Iraque (notadamente em Basra). A irritação popular no Reino Unido cresce ao ser desvelado que os soldados ingleses se ressentem de equipamento. Para mais de nove mil homens, a força britânica só dispõe de trinta helicópteros.
Cameron em recente debate acusou Brown de ser o principal responsável pela escassez de helicópteros, eis que, em 2004, como chanceler do Erário (ministro da fazenda), Brown determinara um corte de US$ 2.3 bilhões em aquisições de helicópteros. Segundo Cameron, a falta desse equipamento tem obrigado às forças inglesas a utilizar veículos blindados ou deslocamentos por terra, quando a maior disponibilidade de helicópteros lhe reduziria a exposição à forma mais mortífera de ataque talibã, i.e., os explosivos ao longo das estradas.
Talvez o Presidente Obama tenha considerado politicamente arriscado favorecer a retirada das tropas americanas também do Afeganistão.A história tanto recente, quanto longínqua, nos recorda que esse país montanhoso, pelo qual desde Alexandre muitos conquistadores passaram sem deixar marcas permanentes, significa decerto um grande desafio.
O governo do moderado Hamid Karzai não tem implantação forte nas províncias, tendo ele privilegiado acordos com os chefes tribais respectivos. A corrupção é um fenônemo ubíquo, os efetivos do exército nem sempre são confiáveis, muita vez devido à pouca motivação e baixa remuneração. A exemplo de outros países que foram palco da presença militar americana, o pouco satisfatório desempenho do presidente Karzai já provocou especulações sobre a sua eventual substituição. O que trabalha pela sua permanência, nas condições presentes, seria a incógnita colocada pela sucessão, e a aparente falta de melhores candidatos para um lugar tão pouco invejável.
Como se vê, o canto das sereias neoconservadoras ( Dick Cheney, Paul Wolfowitz, Don Rumsfeld), com a sua patranha de levar a democracia ao mundo islâmico, induziu Bush júnior a lançar-se na aventura da guerra do Iraque, fundada em inteligências forjadas e falsas expectativas. A sua maldição pode estender-se além do término formal de suas funções executivas, levando-se em conta que em certo tipo de empresa, o início pode ser previsível, mas a sua conclusão, seja satisfatória, seja sofrível ou apenas aceitável semelha muito mais difícil de visualizar.
( fonte: International Herald Tribune)
Pouco depois do onze de setembro de 2001, os Estados Unidos declararia guerra ao regime talibã do Mulá Omar, que então dominava a maior parte do Afeganistão. Dias antes do ataque contra as torres gêmeas do World Trade Center, o carismático líder da Aliança do Norte, o general Ahmed Shah Massud, foi assassinado por dois membros da al-Qaida de Osama ben Laden. Pretextando uma entrevista com Massud, os dois homens-bomba lograram afastar o único oponente restante dos talibãs, o hábil general Massud. Obviamente coordenado com o iminente ataque guerrilheiro à metrópole americana, Omar e ben Laden conseguiram deixar acéfala a Aliança do Norte, então o seu principal inimigo em terra afegã.
Esta primeira guerra de Bush, que foi declarada exitosa, realizou-se de acordo com a estratégia do então Secretário da Defesa, Donald Rumsfeld. Para poupar os próprios efetivos, o conflito foi precedido de maciços bombardeios, e depois número limitado de contingentes logrou dominar os principais centros dos talibãs. Na parte final da conflagração, sempre consoante a peculiar teoria bélica de Rumsfeld, o império decidiu terceirizar a mor parte das operações restantes, inclusive o cerco ao refúgio de Osama ben Laden, nas montanhas de Tora Bora. Sub suspeita de suborno, os senhores da guerra a quem fora cometida a prisão de Osama, deixaram escapar a valiosa presa, que terá fugido por Jalalabad, cidade afegã, próxima da famosa passagem Khyber, com acesso à fronteira norte do Paquistão.
Na época, os talibãs pareciam derrotados, com o respectivo chefe, Mulá Omar em fuga. Depois de gestões inconclusivas junto ao rei Zahir Shah, deposto em 1973, o mando seria confiado a Hamid Karzai, político moderado e monarquista, que preside o Afeganistão desde dezembro de 2004.
Declarada guerra ao Iraque de Saddam Hussein, em março de 2003, o que se afigurava breve campanha militar à trinca Bush-Cheney-Rumsfeld, se transformou no atoleiro conhecido. Em virtude do engajamento iraquiano, o Afeganistão ficou em segundo plano, e o talibã pôde recuperar-se.
A administração Barack Obama já iniciou o que acredita seja retirada bem-sucedida do Iraque, consoante de resto compromisso assumido pelo presidente em sua campanha eleitoral.
Obama, no entanto, decidiu aumentar os contingentes americanos no Afeganistão, assim como substituir o seu comandante, que passou a ser o General Stanley A. McChrystal. Em suas primeiras declarações à imprensa, disse que as tropas estadunidenses tinham encontrado menos resistência do que esperavam na sua operação contra os refúgios talibãs no sul do país, mas, por sua vez, as forças britânicas ao norte da mesma província estavam enfrentando um inimigo muito mais aguerrido.
Na província sulista de Helmand, há quatro mil fuzileiros navais e 650 soldados afegãos, que se defrontam apenas com resistência esporádica. Os insurgentes respondem com ataques em pequena escala e utilizam explosivos improvisados, os famigerados i.e.d.s, que tantas mortes ocasionam no cenário iraquiano.
O general McChrystal prevê mais baixas quando os efetivos americanos chegarem ao topo planejado, que é de 68 mil homens. A meta das operações em Helmand – que é a principal base dos talibãs – seria extirpar também a resistência ao sul do vale do rio Helmand e vencida tal fase, manter o terreno ganho até que as autoridades civis afegãs possam assumir. De acordo com os planos do comandante americano, o exército afegão deverá ser aumentado a 134 mil homens.
Além das dificuldades encontradas pelas tropas britânicas no norte – cujo efetivo atualmente equivale ao do contingente estadunidense - , os insurgentes da etnia Pashtun, nas cercanias de Kunduz, também em área setentrional, criam problemas para as patrulhas alemãs, e igualmente na província Farah, região ocidental, que está a cargo do contingente italiano.
Consoante informe de fonte militar não identificada, também Kandahar – que é a segunda cidade do país – se acharia sob assédio (‘under stress’) dos revoltosos talibãs.
Já a situação do exército britânico vem provocando acirrados debates no Parlamento entre o Primeiro Ministro Gordon Brown e o líder da oposição, o conservador David Cameron. Com 9.100 homens aí engajados, as baixas no conflito montam a 184, superior em cinco à totalidade das baixas sofridas no Iraque (notadamente em Basra). A irritação popular no Reino Unido cresce ao ser desvelado que os soldados ingleses se ressentem de equipamento. Para mais de nove mil homens, a força britânica só dispõe de trinta helicópteros.
Cameron em recente debate acusou Brown de ser o principal responsável pela escassez de helicópteros, eis que, em 2004, como chanceler do Erário (ministro da fazenda), Brown determinara um corte de US$ 2.3 bilhões em aquisições de helicópteros. Segundo Cameron, a falta desse equipamento tem obrigado às forças inglesas a utilizar veículos blindados ou deslocamentos por terra, quando a maior disponibilidade de helicópteros lhe reduziria a exposição à forma mais mortífera de ataque talibã, i.e., os explosivos ao longo das estradas.
Talvez o Presidente Obama tenha considerado politicamente arriscado favorecer a retirada das tropas americanas também do Afeganistão.A história tanto recente, quanto longínqua, nos recorda que esse país montanhoso, pelo qual desde Alexandre muitos conquistadores passaram sem deixar marcas permanentes, significa decerto um grande desafio.
O governo do moderado Hamid Karzai não tem implantação forte nas províncias, tendo ele privilegiado acordos com os chefes tribais respectivos. A corrupção é um fenônemo ubíquo, os efetivos do exército nem sempre são confiáveis, muita vez devido à pouca motivação e baixa remuneração. A exemplo de outros países que foram palco da presença militar americana, o pouco satisfatório desempenho do presidente Karzai já provocou especulações sobre a sua eventual substituição. O que trabalha pela sua permanência, nas condições presentes, seria a incógnita colocada pela sucessão, e a aparente falta de melhores candidatos para um lugar tão pouco invejável.
Como se vê, o canto das sereias neoconservadoras ( Dick Cheney, Paul Wolfowitz, Don Rumsfeld), com a sua patranha de levar a democracia ao mundo islâmico, induziu Bush júnior a lançar-se na aventura da guerra do Iraque, fundada em inteligências forjadas e falsas expectativas. A sua maldição pode estender-se além do término formal de suas funções executivas, levando-se em conta que em certo tipo de empresa, o início pode ser previsível, mas a sua conclusão, seja satisfatória, seja sofrível ou apenas aceitável semelha muito mais difícil de visualizar.
( fonte: International Herald Tribune)
sábado, 18 de julho de 2009
A Crise de Honduras
A mediação da crise hondurenha, a cargo do ex-Presidente da Costa Rica, Oscar Arias, colocou sobre a mesa a proposta de um governo de transição, presidido por Manoel Zelaya, mas com a presença de ministros ligados a Micheletti, para cumprir o mandato presidencial até janeiro de 2010. O mediador igualmente propôs que Zelaya não mais continue a campanha de convocação de referendo sobre Assembleia Constituinte, a realizar-se juntamente com as eleições gerais de 29 de novembro.
Segundo indicação de fonte próxima a Zelaya, o presidente constitucional aceita a proposta de Arias, desde que os eventuais ministros ligados ao atual governo Micheletti sejam escolhidos por ele. Também não insistiria quanto à consulta sobre a Constituinte, porém não impediria que “o povo” a convocasse.
Entretanto, circulam rumores, provenientes de diversas fontes, que Zelaya se dispõe a retornar ao país. A própria esposa do Presidente deposto disse que “o prazo acaba” a dezoito do corrente. Zelaya, possivelmente instigado por Hugo Chávez, estaria resolvido a entrar em Honduras.
Mais adiante, o irreprimível coronel Chávez afirmou: “Não sei se a esta hora Zelaya já está em território hondurenho. Não sei se Zelaya vai aparecer publicamente em alguma cidade de Honduras numa passeata ou ser ficará clandestino.”
Essa série de declarações conturbam a atmosfera das negociações e se prestam à interpretação de que, se não forem acolhidas as suas condições, Zelaya partiria para a criação de situações de fato, que não excluiriam a violência.
Neste contexto, a Secretária de Estado Hillary Clinton, em viagem a Nova Delhi, apelou a todos os países que “desempenhem um papel positivo” para solucionar a crise, e evitem “ações que possam resultar em violência”. Fonte do Departamento de Estado aduziu a respeito que os Estados Unidos estão preocupados com a volta de Zelaya e que a retórica de Chávez não ajuda.
Também o Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, interveio na movimentação diplomática. Em telefonema para a Secretária de Estado, expressou “preocupação” tanto com a lentidão, quanto com o encaminhamento das negociações para o restabelecimento da normalidade democrática em Honduras.
Nessa comunicação, o Ministro Amorim fez reparos a respeito da mediação “de igual para igual” entre os governos golpista e deposto. A mediação do Prêmio Nobel da Paz, Oscar Arias, patrocinada por Hillary Clinton, não deveria admitir, sempre a critério do chanceler brasileiro, que os golpistas venham a impor condições para a volta e muito menos um governo de coalizão entre os dois grupos.
De acordo com a tese de Amorim, nesses termos estaria caracterizada vitória dos golpistas, o que serviria como estímulo a novos golpes na América Latina. Por fim, foi transmitida à Secretária de Estado o entendimento do Itamaraty de que a mediação de Oscar Arias “tem de se dar no marco das resoluções da OEA”. Em outras palavras, com o retorno incondicional do Presidente hondurenho deposto à presidência.
A nova atitude do chanceler brasileiro semelha indicar que o Brasil se afasta de sua discreta posição mantida até agora, para agregar-se às teses defendidas por Hugo Chávez e os paises da Alba.
Por sua vez, a Administração Obama tem tido posição moderada, sem o protagonismo intervencionista do passado buscando, através da Secretária de Estado Hillary Clinton, trabalhar no quadro da OEA. Foi em sequência às tentativas atabalhoadas do Secretário-Geral da OEA, o chileno José Miguel Insulza, que se confiou a mediação às mãos experimentadas do Presidente Arias. A moderação estadunidense se reflete igualmente em haver procedido a um módico congelamento na ajuda financeira prestada a Honduras, assim como no fato de não ter retirado o próprio Embaixador de Tegucigalpa.
Ao desejar atropelar o processo de mediação, Hugo Chávez e seu discípulo Manuel Zelaya obviamente não contribuem para o êxito das negociações conduzidas por Arias. Resulta, por outro lado, difícil visualizar uma mediação na qual se pretenda intervir, com o escopo de impor condições ao trabalho do mediador.
O êxito dos esforços de Oscar Arias deve constituir a meta dos países membros da OEA. Com efeito, não se pode fazer de conta que no drama hondurenho não existam matizes e senões no comportamento de ambas as partes. O fato de Zelaya ser presidente constitucional não o autoriza a desrespeitar a Constituição, nem a forçar referendos, dentro do figurino chavista. Por outro lado, tampouco a conduta do governo Micheletti está isenta de reparos.
Seguir o caminho do meio induz muita vez a desagradar a gregos e troianos. Mas se se deseja uma solução equânime para a crise, e não eventuais desvirtuamentos, esse é o caminho a ser trilhado.
Segundo indicação de fonte próxima a Zelaya, o presidente constitucional aceita a proposta de Arias, desde que os eventuais ministros ligados ao atual governo Micheletti sejam escolhidos por ele. Também não insistiria quanto à consulta sobre a Constituinte, porém não impediria que “o povo” a convocasse.
Entretanto, circulam rumores, provenientes de diversas fontes, que Zelaya se dispõe a retornar ao país. A própria esposa do Presidente deposto disse que “o prazo acaba” a dezoito do corrente. Zelaya, possivelmente instigado por Hugo Chávez, estaria resolvido a entrar em Honduras.
Mais adiante, o irreprimível coronel Chávez afirmou: “Não sei se a esta hora Zelaya já está em território hondurenho. Não sei se Zelaya vai aparecer publicamente em alguma cidade de Honduras numa passeata ou ser ficará clandestino.”
Essa série de declarações conturbam a atmosfera das negociações e se prestam à interpretação de que, se não forem acolhidas as suas condições, Zelaya partiria para a criação de situações de fato, que não excluiriam a violência.
Neste contexto, a Secretária de Estado Hillary Clinton, em viagem a Nova Delhi, apelou a todos os países que “desempenhem um papel positivo” para solucionar a crise, e evitem “ações que possam resultar em violência”. Fonte do Departamento de Estado aduziu a respeito que os Estados Unidos estão preocupados com a volta de Zelaya e que a retórica de Chávez não ajuda.
Também o Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, interveio na movimentação diplomática. Em telefonema para a Secretária de Estado, expressou “preocupação” tanto com a lentidão, quanto com o encaminhamento das negociações para o restabelecimento da normalidade democrática em Honduras.
Nessa comunicação, o Ministro Amorim fez reparos a respeito da mediação “de igual para igual” entre os governos golpista e deposto. A mediação do Prêmio Nobel da Paz, Oscar Arias, patrocinada por Hillary Clinton, não deveria admitir, sempre a critério do chanceler brasileiro, que os golpistas venham a impor condições para a volta e muito menos um governo de coalizão entre os dois grupos.
De acordo com a tese de Amorim, nesses termos estaria caracterizada vitória dos golpistas, o que serviria como estímulo a novos golpes na América Latina. Por fim, foi transmitida à Secretária de Estado o entendimento do Itamaraty de que a mediação de Oscar Arias “tem de se dar no marco das resoluções da OEA”. Em outras palavras, com o retorno incondicional do Presidente hondurenho deposto à presidência.
A nova atitude do chanceler brasileiro semelha indicar que o Brasil se afasta de sua discreta posição mantida até agora, para agregar-se às teses defendidas por Hugo Chávez e os paises da Alba.
Por sua vez, a Administração Obama tem tido posição moderada, sem o protagonismo intervencionista do passado buscando, através da Secretária de Estado Hillary Clinton, trabalhar no quadro da OEA. Foi em sequência às tentativas atabalhoadas do Secretário-Geral da OEA, o chileno José Miguel Insulza, que se confiou a mediação às mãos experimentadas do Presidente Arias. A moderação estadunidense se reflete igualmente em haver procedido a um módico congelamento na ajuda financeira prestada a Honduras, assim como no fato de não ter retirado o próprio Embaixador de Tegucigalpa.
Ao desejar atropelar o processo de mediação, Hugo Chávez e seu discípulo Manuel Zelaya obviamente não contribuem para o êxito das negociações conduzidas por Arias. Resulta, por outro lado, difícil visualizar uma mediação na qual se pretenda intervir, com o escopo de impor condições ao trabalho do mediador.
O êxito dos esforços de Oscar Arias deve constituir a meta dos países membros da OEA. Com efeito, não se pode fazer de conta que no drama hondurenho não existam matizes e senões no comportamento de ambas as partes. O fato de Zelaya ser presidente constitucional não o autoriza a desrespeitar a Constituição, nem a forçar referendos, dentro do figurino chavista. Por outro lado, tampouco a conduta do governo Micheletti está isenta de reparos.
Seguir o caminho do meio induz muita vez a desagradar a gregos e troianos. Mas se se deseja uma solução equânime para a crise, e não eventuais desvirtuamentos, esse é o caminho a ser trilhado.
sexta-feira, 17 de julho de 2009
Considerações acerca da Suplência no Senado
Dentre os desajustes e as deficiências da chamada Constituição Cidadã, os Constituintes permitiram a permanência no Senado Federal de instituto de ranço patrimonialista, verdadeira excrescência jurídica, que é aquele de Suplente de Senador. Com efeito, o artigo 46, parágrafo 3º , dispõe que “cada Senador será eleito com dois suplentes.”
Os eleitores não são informados desses dois nomes que o candidato traz consigo. Se porventura eleito o ‘seu’ Senador, cabe a esses senhores aguardar, na própria obscuridade, a eventual ocasião que lhes podem reservar, sejam as Parcas, seja o voo do respectivo Pai da Pátria para mais altas destinações.
Dado o caráter patrimonialista do instituto que o macula, a indicação para a suplência será decidida pelo arbítrio do candidato. Como um pequeno régulo, ele determina que fulano e beltrano são seus suplentes. O Povo não tem qualquer poder ad referendum para confirmar o substituto daquele que escolhera em eleição majoritária para mandato de oito anos.
Para todos os fins, o Senador é senhor desta sua especial listinha. Que aponte os suplentes por compadrio, por nepotismo, por contubérnio político ou até por especial distinção, é coisa que guarda na sua algibeira e a mais ninguém concerne.
A história do Senado da República tem exemplos abundantes de suplentes que herdaram por dádiva celeste a sinecura senatorial, alguns impondo a sua vacuidade política ao próprio estado por longos períodos que emulam os sete bíblicos anos.
Que os constituíntes do Dr. Ulysses Guimarães, que tantas disposições generosas e democráticas trouxeram para a Carta Magna de 5 de outubro de 1988, tenham consentido na sobrevivência de tal privilégio, que recende ao autoritarismo dos biônicos, não lhes foi acoimado na época, quiçá sob a efusão libertária da abolição da censura, do habeas data, e de inúmeros outros progressos, arrancados ao cabo da longa noite da ditadura militar.
Diante da crise do Senado Federal, que alguns acreditam terminal, e que levou inclusive um Senador a sugerir, por plebiscito, a dissolução, há fenômenos maiores e menores. Só escapa àqueles que não querem ver que o mofino instituto da suplência é apenas mazela do órgão político, em meio à profusão de escândalos ora levantados pelos ditos atos secretos e demais ilegalidades.
Este artigo não se propõe pormenorizar o que subjaz à falta de qualquer senso de decoro e decência que infesta ambientes que contrastam na sua linearidade com os contortos membros que ex officio os frequentam.
Hoje me ocupo de algo mofino, mas de consequências não de todo sem importância. A direção do Senado, ora para sua infelicidade, entregue a José Sarney e a Renan Calheiros, julgou aceitável e condizente com os parâmetros da instituição nomear para a presidência do Conselho de Ética o suplente Paulo Duque (PMDB-RJ), que até este dia tinha como principal distinção ser o mais velho da Casa.
Não creio necessário delongar-me em o que significa para o Senado tal nomeação. Há certos tópicos cujas características são desdouro para quem deles demasiado se aproxima.
Releva apenas transcrever o que disse o citado representante a propósito da opinião pública: “Não estou preocupado com isso. A opinião pública é muito volúvel. Ela flutua. E quem tem muita influência sobre ela são vocês, jornalistas.” E, em seguida, aditou: “Não temo ser cobrado por nada. Quem faz a opinião pública são os jornais, tanto eles estão acabando.”
À vista de tais declarações, é de presumir que o Sr. Paulo Duque se irmana à grei do deputado Sérgio Moraes (PTB-RS). Ele também se lixa para a opinião pública.
Esta posição, de cunho fascistóide, tem sido abraçada por alguns outros, no afã de desonerar um Presidente que da opinião pública se tem dissociado em declarações e gestos públicos.
São moscas. Incomodam, mas passarão.
E o Sr. Paulo Duque ? Será decerto um escárnio para a Ética, que em um Conselho tomado pela tropa de choque seja pespegado como presidente.
Não obstante, o Sr. Paulo Duque fala corretamente, ao desprezar a opinião pública. Para ele, a voz das ruas não tem relevância. Porque nenhum voto do Povo o colocou no Senado. Traz para a curul em que ora se assenta tão somente o peso da respectiva pessoa.
Não percamos tempo com tais personagens. Eles passarão, talvez mais rápido do que pensam, assim como o instituto da suplência que enxovalha o que ainda enxovalhar possa a imagem do Senado Federal.
Os eleitores não são informados desses dois nomes que o candidato traz consigo. Se porventura eleito o ‘seu’ Senador, cabe a esses senhores aguardar, na própria obscuridade, a eventual ocasião que lhes podem reservar, sejam as Parcas, seja o voo do respectivo Pai da Pátria para mais altas destinações.
Dado o caráter patrimonialista do instituto que o macula, a indicação para a suplência será decidida pelo arbítrio do candidato. Como um pequeno régulo, ele determina que fulano e beltrano são seus suplentes. O Povo não tem qualquer poder ad referendum para confirmar o substituto daquele que escolhera em eleição majoritária para mandato de oito anos.
Para todos os fins, o Senador é senhor desta sua especial listinha. Que aponte os suplentes por compadrio, por nepotismo, por contubérnio político ou até por especial distinção, é coisa que guarda na sua algibeira e a mais ninguém concerne.
A história do Senado da República tem exemplos abundantes de suplentes que herdaram por dádiva celeste a sinecura senatorial, alguns impondo a sua vacuidade política ao próprio estado por longos períodos que emulam os sete bíblicos anos.
Que os constituíntes do Dr. Ulysses Guimarães, que tantas disposições generosas e democráticas trouxeram para a Carta Magna de 5 de outubro de 1988, tenham consentido na sobrevivência de tal privilégio, que recende ao autoritarismo dos biônicos, não lhes foi acoimado na época, quiçá sob a efusão libertária da abolição da censura, do habeas data, e de inúmeros outros progressos, arrancados ao cabo da longa noite da ditadura militar.
Diante da crise do Senado Federal, que alguns acreditam terminal, e que levou inclusive um Senador a sugerir, por plebiscito, a dissolução, há fenômenos maiores e menores. Só escapa àqueles que não querem ver que o mofino instituto da suplência é apenas mazela do órgão político, em meio à profusão de escândalos ora levantados pelos ditos atos secretos e demais ilegalidades.
Este artigo não se propõe pormenorizar o que subjaz à falta de qualquer senso de decoro e decência que infesta ambientes que contrastam na sua linearidade com os contortos membros que ex officio os frequentam.
Hoje me ocupo de algo mofino, mas de consequências não de todo sem importância. A direção do Senado, ora para sua infelicidade, entregue a José Sarney e a Renan Calheiros, julgou aceitável e condizente com os parâmetros da instituição nomear para a presidência do Conselho de Ética o suplente Paulo Duque (PMDB-RJ), que até este dia tinha como principal distinção ser o mais velho da Casa.
Não creio necessário delongar-me em o que significa para o Senado tal nomeação. Há certos tópicos cujas características são desdouro para quem deles demasiado se aproxima.
Releva apenas transcrever o que disse o citado representante a propósito da opinião pública: “Não estou preocupado com isso. A opinião pública é muito volúvel. Ela flutua. E quem tem muita influência sobre ela são vocês, jornalistas.” E, em seguida, aditou: “Não temo ser cobrado por nada. Quem faz a opinião pública são os jornais, tanto eles estão acabando.”
À vista de tais declarações, é de presumir que o Sr. Paulo Duque se irmana à grei do deputado Sérgio Moraes (PTB-RS). Ele também se lixa para a opinião pública.
Esta posição, de cunho fascistóide, tem sido abraçada por alguns outros, no afã de desonerar um Presidente que da opinião pública se tem dissociado em declarações e gestos públicos.
São moscas. Incomodam, mas passarão.
E o Sr. Paulo Duque ? Será decerto um escárnio para a Ética, que em um Conselho tomado pela tropa de choque seja pespegado como presidente.
Não obstante, o Sr. Paulo Duque fala corretamente, ao desprezar a opinião pública. Para ele, a voz das ruas não tem relevância. Porque nenhum voto do Povo o colocou no Senado. Traz para a curul em que ora se assenta tão somente o peso da respectiva pessoa.
Não percamos tempo com tais personagens. Eles passarão, talvez mais rápido do que pensam, assim como o instituto da suplência que enxovalha o que ainda enxovalhar possa a imagem do Senado Federal.
quinta-feira, 16 de julho de 2009
Novidades no Front do Plano Geral de Saúde Americano
A catorze de maio, no blog “Em surdina se prepara a batalha pelo Plano Geral de Saúde”, me reportei a discreta cerimônia realizada no jardim da Casa Branca. Divulgava-se, então, reunião do Presidente Barack Obama com a Speaker Nancy Pelosi, o Vice-Presidente Joe Biden, e outros dirigentes da Câmara de Representantes, acerca da tramitação de anteprojetos relativos ao Plano Geral de Saúde.
Passados cerca de dois meses, tanto o Senado, quanto a Câmara vem-se ocupando da questão com prioridade, atendido o compromisso de campanha assumido pelo candidato Obama.
O encaminhamento da relevante matéria tem sido feito no Congresso estadunidense sob enfoque a um tempo prudente e objetivo. A estratégia da Administração Obama mostra haver apreendido a lição amarga ministrada pelos opositores do Plano de Saúde, consoante proposto pela primeira Administração Bill Clinton, e de que a responsabilidade maior recaíra sobre a Primeira Dama, Hillary Clinton.
Agora também ajudam as folgadas maiorias no Senado – com sessenta senadores contra quarenta, teoricamente à prova de filibuster[i] – e na Câmara de Representantes - 257 democratas e 178 republicanos.
Senado. O Comitê de Saúde aprovou nesta quarta-feira um projeto de lei para reestruturar o sistema de saúde americano. Apesar das tentativas em favor de um approach bipartidário, os republicanos prosseguiram irredutíveis na sua linha de oposição extremada. Nesse sentido, não resultam de qualquer consenso entre situação e oposição as alterações previstas na política de assistência social. E, no entanto, o texto aprovado introduzirá nesta política do Estado americano as maiores mudanças desses últimos setenta anos.
Segundo se espera, o projeto de lei acolhido pelo Comitê de Saúde não será votado pelo Plenário na sua redação atual. Deverá, na verdade, ser junto a outra legislação em preparo, a cargo do Comitê de Finanças do Senado. Cabe a este Comitê a responsabilidade precípua de estabelecer os meios para o custeio da implantação do sistema, estimada acima de dez trilhões de dólares. No entendimento dos democratas, este custo será coberto pelas economias resultantes no atual programa Medicare e de outros programas sanitários, e pelas mudanças na legislação tributária federal.
O projeto do Comitê do Senado estabelece regras rígidas para o seguro de saúde, o que, por ora, é regulado separadamente pelos Estados. Os asseguradores não mais poderão negar cobertura a pacientes por causa de sua história clínica ou por seu presente estado de saúde, critérios estes de aplicação corrente na atualidade.
Os pacientes poderiam comparar apólices de seguro e negociar cobertura através de novas câmaras de saúde em cada estado. O governo federal ofereceria assistência financeira, em bases graduais, a pessoas de menor renda.
Por enquanto, se ouvem vozes no Partido Democrata que insistem na alternativa de Plano Geral de Saúde que seja fruto de um acordo com os Republicanos. Dentre estes, o Senador Max Baucus, presidente do Comitê de Finanças, e os demais democratas do Comitê, assinalaram que prosseguirão no esforço de um acerto bipartidário, não obstante as pressões da Casa Branca. O próprio Senador senior, por New York, Charles E. Schumer, que é o terceiro na hierarquia democrática no Senado, declarou que as tentativas de coser um acordo com os republicanos continuam de pé. A esse propósito, sublinhou que os democratas não têm intenção de aprovar sozinhos a legislação de assistência sanitária.
Câmara de Representantes. O projeto de lei que tramita no Senado e os anteprojetos de três Comitês da Câmara buscam estender o seguro de saúde para todos os americanos, reduzir o custo da assistência médica e melhorar os resultados nos pacientes, com um tratamento mais eficaz. Em ambos os casos, os cidadãos americanos devem requerer a assistência. Aos pobres, seriam concedidos subsídios para ajudá-los a obtê-la. Todos os empregadores, excetuadas as micro-empresas, serão multados se não fornecerem cobertura a seus empregados.
Os três Comitês da Câmara – Educação e Trabalho, Energia e Comércio, Meios tributários (Ways and Means) – devem passar agora à fase de audiências públicas e de votação. Consoante o plano dos democratas da Câmara de Representantes, os empregadores que não fornecem seguro de saúde teriam que contribuir com quantia equivalente a oito por cento dos salários (no caso de empregadores com folha de pagamentos anuais superior a US$ 400 mil ).
Os democratas da Câmara saudaram com grande satisfação o texto da projetada legislação, alcançando escopo perseguido em vão por presidentes há seis décadas. A speaker Nancy Pelosi considerou o aludido projeto “histórico e transformativo”. Segundo estimativa preliminar do Escritório do Congresso para o Orçamento, o projeto da Câmara terá o preço de um trilhão de dólares. Em 2019 a nova lei poderia reduzir o número de pessoas sem seguro de saúde em 37 milhões. Consoante esses cálculos, ainda ficariam sem seguro 17 milhões, dos quais cerca da metade seriam imigrantes ilegais.
Perspectivas. Não obstante o otimismo dos democratas na Câmara, e o avanço dos projetos em Senado e Câmara, não se poderia, por ora, afirmar que o Plano Geral de Saúde será aprovado. A atitude da Administração e das lideranças democráticas têm evidenciado o quanto existe de progresso efetivo em termos de profissionalismo no que concerne a criar as condições para a implementação da reforma.
As vozes porventura dissonantes no partido majoritário advogam a solução pelo bipartidarismo. A meu ver, contudo, essa leitura das declarações de alguns senadores democratas deveria ser mais política do que condicional e exclusiva. Se o partido republicano se encastelar em postura negativista, que inviabilize qualquer acordo bipartidário (que não desvirtue a reforma), se criará situação política em que o partido democrata não poderá evitar a recorrer à própria força numérica, para implantar medida há tanto perseguida pelas correntes progressistas estadunidenses.
A esse respeito, semelha oportuno transcrever o que recentemente declarou o Presidente Barack Obama: “Não se enganem. O status quo da assistência sanitária não é uma opção para os Estados Unidos da América. Ele está ameaçando a estabilidade financeira de nossas famílias, de nossos negócios, e do próprio Governo. Isto é insustentável.”
[i] recurso legislativo, em que um ou mais parlamentares mantêm a tribuna por tempo indefinido para inviabilizar a votação de projeto a que se opõem. Pelo regimento do Senado americano sessenta senadores têm a faculdade de fechar a ordem do dia, o que impossibilita a continuação do filibuster.
Passados cerca de dois meses, tanto o Senado, quanto a Câmara vem-se ocupando da questão com prioridade, atendido o compromisso de campanha assumido pelo candidato Obama.
O encaminhamento da relevante matéria tem sido feito no Congresso estadunidense sob enfoque a um tempo prudente e objetivo. A estratégia da Administração Obama mostra haver apreendido a lição amarga ministrada pelos opositores do Plano de Saúde, consoante proposto pela primeira Administração Bill Clinton, e de que a responsabilidade maior recaíra sobre a Primeira Dama, Hillary Clinton.
Agora também ajudam as folgadas maiorias no Senado – com sessenta senadores contra quarenta, teoricamente à prova de filibuster[i] – e na Câmara de Representantes - 257 democratas e 178 republicanos.
Senado. O Comitê de Saúde aprovou nesta quarta-feira um projeto de lei para reestruturar o sistema de saúde americano. Apesar das tentativas em favor de um approach bipartidário, os republicanos prosseguiram irredutíveis na sua linha de oposição extremada. Nesse sentido, não resultam de qualquer consenso entre situação e oposição as alterações previstas na política de assistência social. E, no entanto, o texto aprovado introduzirá nesta política do Estado americano as maiores mudanças desses últimos setenta anos.
Segundo se espera, o projeto de lei acolhido pelo Comitê de Saúde não será votado pelo Plenário na sua redação atual. Deverá, na verdade, ser junto a outra legislação em preparo, a cargo do Comitê de Finanças do Senado. Cabe a este Comitê a responsabilidade precípua de estabelecer os meios para o custeio da implantação do sistema, estimada acima de dez trilhões de dólares. No entendimento dos democratas, este custo será coberto pelas economias resultantes no atual programa Medicare e de outros programas sanitários, e pelas mudanças na legislação tributária federal.
O projeto do Comitê do Senado estabelece regras rígidas para o seguro de saúde, o que, por ora, é regulado separadamente pelos Estados. Os asseguradores não mais poderão negar cobertura a pacientes por causa de sua história clínica ou por seu presente estado de saúde, critérios estes de aplicação corrente na atualidade.
Os pacientes poderiam comparar apólices de seguro e negociar cobertura através de novas câmaras de saúde em cada estado. O governo federal ofereceria assistência financeira, em bases graduais, a pessoas de menor renda.
Por enquanto, se ouvem vozes no Partido Democrata que insistem na alternativa de Plano Geral de Saúde que seja fruto de um acordo com os Republicanos. Dentre estes, o Senador Max Baucus, presidente do Comitê de Finanças, e os demais democratas do Comitê, assinalaram que prosseguirão no esforço de um acerto bipartidário, não obstante as pressões da Casa Branca. O próprio Senador senior, por New York, Charles E. Schumer, que é o terceiro na hierarquia democrática no Senado, declarou que as tentativas de coser um acordo com os republicanos continuam de pé. A esse propósito, sublinhou que os democratas não têm intenção de aprovar sozinhos a legislação de assistência sanitária.
Câmara de Representantes. O projeto de lei que tramita no Senado e os anteprojetos de três Comitês da Câmara buscam estender o seguro de saúde para todos os americanos, reduzir o custo da assistência médica e melhorar os resultados nos pacientes, com um tratamento mais eficaz. Em ambos os casos, os cidadãos americanos devem requerer a assistência. Aos pobres, seriam concedidos subsídios para ajudá-los a obtê-la. Todos os empregadores, excetuadas as micro-empresas, serão multados se não fornecerem cobertura a seus empregados.
Os três Comitês da Câmara – Educação e Trabalho, Energia e Comércio, Meios tributários (Ways and Means) – devem passar agora à fase de audiências públicas e de votação. Consoante o plano dos democratas da Câmara de Representantes, os empregadores que não fornecem seguro de saúde teriam que contribuir com quantia equivalente a oito por cento dos salários (no caso de empregadores com folha de pagamentos anuais superior a US$ 400 mil ).
Os democratas da Câmara saudaram com grande satisfação o texto da projetada legislação, alcançando escopo perseguido em vão por presidentes há seis décadas. A speaker Nancy Pelosi considerou o aludido projeto “histórico e transformativo”. Segundo estimativa preliminar do Escritório do Congresso para o Orçamento, o projeto da Câmara terá o preço de um trilhão de dólares. Em 2019 a nova lei poderia reduzir o número de pessoas sem seguro de saúde em 37 milhões. Consoante esses cálculos, ainda ficariam sem seguro 17 milhões, dos quais cerca da metade seriam imigrantes ilegais.
Perspectivas. Não obstante o otimismo dos democratas na Câmara, e o avanço dos projetos em Senado e Câmara, não se poderia, por ora, afirmar que o Plano Geral de Saúde será aprovado. A atitude da Administração e das lideranças democráticas têm evidenciado o quanto existe de progresso efetivo em termos de profissionalismo no que concerne a criar as condições para a implementação da reforma.
As vozes porventura dissonantes no partido majoritário advogam a solução pelo bipartidarismo. A meu ver, contudo, essa leitura das declarações de alguns senadores democratas deveria ser mais política do que condicional e exclusiva. Se o partido republicano se encastelar em postura negativista, que inviabilize qualquer acordo bipartidário (que não desvirtue a reforma), se criará situação política em que o partido democrata não poderá evitar a recorrer à própria força numérica, para implantar medida há tanto perseguida pelas correntes progressistas estadunidenses.
A esse respeito, semelha oportuno transcrever o que recentemente declarou o Presidente Barack Obama: “Não se enganem. O status quo da assistência sanitária não é uma opção para os Estados Unidos da América. Ele está ameaçando a estabilidade financeira de nossas famílias, de nossos negócios, e do próprio Governo. Isto é insustentável.”
[i] recurso legislativo, em que um ou mais parlamentares mantêm a tribuna por tempo indefinido para inviabilizar a votação de projeto a que se opõem. Pelo regimento do Senado americano sessenta senadores têm a faculdade de fechar a ordem do dia, o que impossibilita a continuação do filibuster.
quarta-feira, 15 de julho de 2009
Lula e a recaída populista
O bom comportamento do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em matéria financeira costumava ser enaltecido como a grande contribuição dada pela administração na manutenção de política responsável na gestão das contas públicas. Nesse sentido, mais ainda que o Ministro Antonio Palocci na Fazenda, a designação de Henrique Meirelles para o Banco Central representou o respeito pela ortodoxia financeira e a garantia de confiabilidade no que concerne ao fortalecimento do real, em combate sustentado a tendências inflacionárias e a constituição de reservas bastantes que liberassem o Brasil da fragilidade evidenciada em crises financeiras internacionais anteriores.
Se muitos desses pressupostos continuam de pé – as reservas em divisas, a contenção da inflação, a relativa estabilidade do real - , infelizmente de uns tempos para cá a principal autoridade do governo não vem mais passando a seus subordinados e ao povo brasileiro imagem de firmeza e de conformidade com regras básicas da gestão ecomômico-financeira.
A esse propósito, já se assinala no blog “Os impostos e as contas de Lula”, de 9 de julho corrente, que “o governo Lula tem inchado as dotações de custeio, com aumento desmesurado do empreguismo oficial. (...) Está compensando os aumentos dos gastos correntes e a queda da arrecadação com a redução progressiva do superavit primário, o que elevará a dívida/PIB. Isto é um caminho suicida.”
Se ainda no citado blog me disponho a estender o crédito de confiança, na expectativa de que o presidente não se deixe envolver pelas tentações populistas de origem eleitoreira, e que para tanto seja instrumental a influência de Antonio Palocci, não é minha intenção aferrar-me a suposições que Sua Excelência cuida de tornar cada vez mais distantes da realidade.
Com efeito, o bem-comportado Lula em matéria econômico-financeira ora semelha ser apenas um avatar de conduta que está em pleno processo de regressão a um approach descaradamente populista, que já foi apanágio de Nosso Guia, nos anos oitenta e noventa. Assim como nas relações interpessoais – o caloroso abraço em Fernando Collor, num palanque das Alagoas, é a proeza do dia - , tampouco na administração das contas públicas a coerência decerto constitui, em termos de linha de ação, um norte a se ter presente.
Contra o parecer do Ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, e a oposição do restante da equipe econômica, o presidente Lula confirmou que negocia, com centrais sindicais e líderes políticos, um aumento real, superior à inflação, para cerca de oito milhões de aposentados e pensionistas do INSS que têm benefícios acima do salário mínimo. Este aumento real seria pago em 2010, ano eleitoral.
Não há palavras demasiado fortes para qualificar tal procedimento, que é quase autista na sua desconsideração das consequências óbvias e desastrosas que terá para as contas da previdência. Só agravará a sobrecarga para o tesouro nacional, com esse incremento irresponsável do déficit da previdência.
Além de demagógico, este aumento real, superior à inflação, terá efeito inflacionário que a médio prazo causará incremento na carestia. Em outras palavras, a dádiva eleitoreira, dita superior à inflação, há de contribuir, pelo agravamento do déficit, para a diminuição do poder aquisitivo do real. É um presente de grego, fruto da união espúria de populismo e eleitoralismo.
Relatório da OCDE sobre o Brasil.
Segundo nos informa a coluna de Miriam Leitão, o mexicano Angel Gurría, Secretário-Geral da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) esteve no Brasil para divulgar o Relatório sobre o Brasil. A análise da organização é positiva no que respeita à superação por nosso país da crise financeira mundial, e de forma bem superior àquela de outras economias. Tal se deve às reformas e mudanças feitas ao longo dos últimos anos. Estando em condições de emprestar fundos ao FMI, o Brasil goza de uma situação bastante mais sólida. Por outro lado, a existência de um largo mercado interno constitui, a fortiori, elemento bastante favorável, que tende a reduzir os efeitos decorrentes da recessão internacional.
Consoante a OCDE problema importante – e de efeito mais permanente – para o Brasil é a ineficiência do gasto público. A educação – a despeito dos gastos públicos comparáveis a de outros países, com resultados melhores neste setor – continua com desempenhos sofríveis de nossos estudantes. Outro dado preocupante é o aumento dos gastos correntes.
Tal análise apenas confirma a tônica empreguista do governo Lula, com a inchação das despesas de custeio. Embora não tratado pelo Relatório da OCDE, nesse contexto, é oportuno notar que, malgrado a carga tributária que pesa sobre o brasileiro, o emprego dos fundos públicos não contribui para o crescimento da economia. Basta assinalar que programas assistencialistas, como o Bolsa Família – que de resto não tem incentivos para que os beneficiários ingressem de forma produtiva na economia – consomem mais recursos do Tesouro do que o próprio programa estatal para investimentos.
Por fim,a recomendação da OCDE de priorizar a reforma tributária não merecerá a atenção do governo, que, aliás, não vem demonstrando nenhum pendor para proceder a reformas havidas como urgentes, a exemplo da política, judiciária, tributária e fiscal.
Se muitos desses pressupostos continuam de pé – as reservas em divisas, a contenção da inflação, a relativa estabilidade do real - , infelizmente de uns tempos para cá a principal autoridade do governo não vem mais passando a seus subordinados e ao povo brasileiro imagem de firmeza e de conformidade com regras básicas da gestão ecomômico-financeira.
A esse propósito, já se assinala no blog “Os impostos e as contas de Lula”, de 9 de julho corrente, que “o governo Lula tem inchado as dotações de custeio, com aumento desmesurado do empreguismo oficial. (...) Está compensando os aumentos dos gastos correntes e a queda da arrecadação com a redução progressiva do superavit primário, o que elevará a dívida/PIB. Isto é um caminho suicida.”
Se ainda no citado blog me disponho a estender o crédito de confiança, na expectativa de que o presidente não se deixe envolver pelas tentações populistas de origem eleitoreira, e que para tanto seja instrumental a influência de Antonio Palocci, não é minha intenção aferrar-me a suposições que Sua Excelência cuida de tornar cada vez mais distantes da realidade.
Com efeito, o bem-comportado Lula em matéria econômico-financeira ora semelha ser apenas um avatar de conduta que está em pleno processo de regressão a um approach descaradamente populista, que já foi apanágio de Nosso Guia, nos anos oitenta e noventa. Assim como nas relações interpessoais – o caloroso abraço em Fernando Collor, num palanque das Alagoas, é a proeza do dia - , tampouco na administração das contas públicas a coerência decerto constitui, em termos de linha de ação, um norte a se ter presente.
Contra o parecer do Ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, e a oposição do restante da equipe econômica, o presidente Lula confirmou que negocia, com centrais sindicais e líderes políticos, um aumento real, superior à inflação, para cerca de oito milhões de aposentados e pensionistas do INSS que têm benefícios acima do salário mínimo. Este aumento real seria pago em 2010, ano eleitoral.
Não há palavras demasiado fortes para qualificar tal procedimento, que é quase autista na sua desconsideração das consequências óbvias e desastrosas que terá para as contas da previdência. Só agravará a sobrecarga para o tesouro nacional, com esse incremento irresponsável do déficit da previdência.
Além de demagógico, este aumento real, superior à inflação, terá efeito inflacionário que a médio prazo causará incremento na carestia. Em outras palavras, a dádiva eleitoreira, dita superior à inflação, há de contribuir, pelo agravamento do déficit, para a diminuição do poder aquisitivo do real. É um presente de grego, fruto da união espúria de populismo e eleitoralismo.
Relatório da OCDE sobre o Brasil.
Segundo nos informa a coluna de Miriam Leitão, o mexicano Angel Gurría, Secretário-Geral da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) esteve no Brasil para divulgar o Relatório sobre o Brasil. A análise da organização é positiva no que respeita à superação por nosso país da crise financeira mundial, e de forma bem superior àquela de outras economias. Tal se deve às reformas e mudanças feitas ao longo dos últimos anos. Estando em condições de emprestar fundos ao FMI, o Brasil goza de uma situação bastante mais sólida. Por outro lado, a existência de um largo mercado interno constitui, a fortiori, elemento bastante favorável, que tende a reduzir os efeitos decorrentes da recessão internacional.
Consoante a OCDE problema importante – e de efeito mais permanente – para o Brasil é a ineficiência do gasto público. A educação – a despeito dos gastos públicos comparáveis a de outros países, com resultados melhores neste setor – continua com desempenhos sofríveis de nossos estudantes. Outro dado preocupante é o aumento dos gastos correntes.
Tal análise apenas confirma a tônica empreguista do governo Lula, com a inchação das despesas de custeio. Embora não tratado pelo Relatório da OCDE, nesse contexto, é oportuno notar que, malgrado a carga tributária que pesa sobre o brasileiro, o emprego dos fundos públicos não contribui para o crescimento da economia. Basta assinalar que programas assistencialistas, como o Bolsa Família – que de resto não tem incentivos para que os beneficiários ingressem de forma produtiva na economia – consomem mais recursos do Tesouro do que o próprio programa estatal para investimentos.
Por fim,a recomendação da OCDE de priorizar a reforma tributária não merecerá a atenção do governo, que, aliás, não vem demonstrando nenhum pendor para proceder a reformas havidas como urgentes, a exemplo da política, judiciária, tributária e fiscal.
terça-feira, 14 de julho de 2009
Dos Jornais XXXI
O GLOBO 14.07.2009
INTERNATIONAL HERALD TRIBUNE
Anulação de Atos Secretos
O ato do presidente do Senado, José Sarney, que anula 663 atos secretos, provocou, segundo noticia O Globo, alguma perplexidade. Na véspera da instalação do Conselho de Ética e da CPI da Petrobrás, o anúncio de Sarney de que decretara a anulação dos atos baixados nos últimos catorze anos, em verdade levanta mais questões do que terá resolvido o problema colocado por tais absurdos jurídicos.
Por não serem publicados, tais atos têm vício insanável de forma e são, por conseguinte, nulos de pleno direito. A par disso, muitos deles dispõem sobre benefícios ou providências igualmente ilegais por motivo de substância.
Na confusão criada pela iniciativa de Sarney – confusão esta que para muitos há de parecer proposital -, já se assinala que 86% desses 663 atos tratam de movimentação de pessoal e que nesses casos nada mudará. Consoante o argumento, as pessoas implicadas em tais atos deveriam ser mantidas nos cargos, por terem direitos salariais e trabalhistas adquiridos.
Tal observação, no entanto, semelha apressada, eis que se afigura à primeira vista bastante duvidoso que um ato nulo possa produzir consequências jurídicas válidas.
A respeito do pandemônio no noticiário causado pela corajosa disposição do Presidente Sarney, há duas apreciações que merecem ser ressaltadas.
De um lado o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) disse: “Factoide é uma maneira elegante de dizer o que significa o ato do Presidente Sarney”.
De outro, reunião ministerial presidida por Lula avaliou a crise do Senado como em fase de superação.
Não me parece necessário desses juízos apontar qual espelha a realidade, e qual apresenta o faz-de-conta como se realidade fosse.
Abertura das audiências públicas pelo Senado americano para julgar Sonia Sotomayor, Ministra designada para a Suprema Corte
O Comitê Judiciário do Senado iniciou ontem a apreciação da Juíza Sonia Sotomayor para Ministra da Suprema Corte. O presidente do Comitê, o democrata Patrick J. Leahy (Vermont) encareceu aos senadores que “rejeitem esforços de grupos externos de pressão que buscam criar caricatura” da senhora Sotomayor como uma ativista com escasso respeito por precedentes legais.
A despeito do apelo de Leahy, a primeira sessão mostrou os senadores não só divididos pela linha partidária, mas também já dispostos, no caso dos republicanos, a juízos deveras acerbos. Assim, o Senador Jon Kyl, do Arizona, afirmou que “ela já aceitou que o seu gênero e a herança latina afetarão o resultado dos casos”, e o Senador Jeff Sessions, do Alabama, que é o mais antigo dos republicanos, não hesitou em asseverar “que o nosso sistema legal está em perigosa encruzilhada”. Por isso, insinuou que a Juíza Sotomayor deveria ser desqualificada porque parece representar a negação do conceito do juiz imparcial.
Não obstante a retórica inicial, os prognósticos são pela aprovação sem muitas dificuldades. É evidente que tal previsão é feita no entendimento de que não surgirão revelações tendentes a dramáticas mudanças no cenário da primeira indicação do Presidente Barack Obama para a Suprema Corte.
Por outro lado, não se exclui que alguns republicanos venham a votar favoravelmente, primeiro, porque a sua confirmação não há de alterar o presente – e precário – equilíbrio na Corte Suprema, eis que irá substituir o Juiz-associado David Souter, o qual, embora indicado por Bush senior, costumou votar com a ala liberal; e, segundo, porque em determinados estados o Senador republicano pensará duas vezes em votar contra uma mulher latina que já se distinguiu com excelente fé-de-ofício tanto como juíza em primeira instância, quanto como juíza em corte de apelação.
Tendo em mente a principal alegação dos republicanos contra a sua confirmação – a de ser juíza militante, que privilegia o gênero e a raça nas suas decisões – Sonia Sotomayor fez a seguinte declaração introdutória:
“ No mês passado, muitos senadores me perguntaram acerca de minha filosofia judicial. É simples: fidelidade à lei. A tarefa de um juiz não é de fazer a lei – é a de aplicar a lei. E está claro, acredito, que a minha atuação em duas cortes reflete o meu rigoroso compromisso de interpretar a Constituição segundo os seus termos; interpretar a legislação de acordo com seus termos e o desígnio do Congresso; e acompanhando fielmente os precedentes estabelecidos pela jurisprudência da Suprema Corte e da minha Corte distrital.”
INTERNATIONAL HERALD TRIBUNE
Anulação de Atos Secretos
O ato do presidente do Senado, José Sarney, que anula 663 atos secretos, provocou, segundo noticia O Globo, alguma perplexidade. Na véspera da instalação do Conselho de Ética e da CPI da Petrobrás, o anúncio de Sarney de que decretara a anulação dos atos baixados nos últimos catorze anos, em verdade levanta mais questões do que terá resolvido o problema colocado por tais absurdos jurídicos.
Por não serem publicados, tais atos têm vício insanável de forma e são, por conseguinte, nulos de pleno direito. A par disso, muitos deles dispõem sobre benefícios ou providências igualmente ilegais por motivo de substância.
Na confusão criada pela iniciativa de Sarney – confusão esta que para muitos há de parecer proposital -, já se assinala que 86% desses 663 atos tratam de movimentação de pessoal e que nesses casos nada mudará. Consoante o argumento, as pessoas implicadas em tais atos deveriam ser mantidas nos cargos, por terem direitos salariais e trabalhistas adquiridos.
Tal observação, no entanto, semelha apressada, eis que se afigura à primeira vista bastante duvidoso que um ato nulo possa produzir consequências jurídicas válidas.
A respeito do pandemônio no noticiário causado pela corajosa disposição do Presidente Sarney, há duas apreciações que merecem ser ressaltadas.
De um lado o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) disse: “Factoide é uma maneira elegante de dizer o que significa o ato do Presidente Sarney”.
De outro, reunião ministerial presidida por Lula avaliou a crise do Senado como em fase de superação.
Não me parece necessário desses juízos apontar qual espelha a realidade, e qual apresenta o faz-de-conta como se realidade fosse.
Abertura das audiências públicas pelo Senado americano para julgar Sonia Sotomayor, Ministra designada para a Suprema Corte
O Comitê Judiciário do Senado iniciou ontem a apreciação da Juíza Sonia Sotomayor para Ministra da Suprema Corte. O presidente do Comitê, o democrata Patrick J. Leahy (Vermont) encareceu aos senadores que “rejeitem esforços de grupos externos de pressão que buscam criar caricatura” da senhora Sotomayor como uma ativista com escasso respeito por precedentes legais.
A despeito do apelo de Leahy, a primeira sessão mostrou os senadores não só divididos pela linha partidária, mas também já dispostos, no caso dos republicanos, a juízos deveras acerbos. Assim, o Senador Jon Kyl, do Arizona, afirmou que “ela já aceitou que o seu gênero e a herança latina afetarão o resultado dos casos”, e o Senador Jeff Sessions, do Alabama, que é o mais antigo dos republicanos, não hesitou em asseverar “que o nosso sistema legal está em perigosa encruzilhada”. Por isso, insinuou que a Juíza Sotomayor deveria ser desqualificada porque parece representar a negação do conceito do juiz imparcial.
Não obstante a retórica inicial, os prognósticos são pela aprovação sem muitas dificuldades. É evidente que tal previsão é feita no entendimento de que não surgirão revelações tendentes a dramáticas mudanças no cenário da primeira indicação do Presidente Barack Obama para a Suprema Corte.
Por outro lado, não se exclui que alguns republicanos venham a votar favoravelmente, primeiro, porque a sua confirmação não há de alterar o presente – e precário – equilíbrio na Corte Suprema, eis que irá substituir o Juiz-associado David Souter, o qual, embora indicado por Bush senior, costumou votar com a ala liberal; e, segundo, porque em determinados estados o Senador republicano pensará duas vezes em votar contra uma mulher latina que já se distinguiu com excelente fé-de-ofício tanto como juíza em primeira instância, quanto como juíza em corte de apelação.
Tendo em mente a principal alegação dos republicanos contra a sua confirmação – a de ser juíza militante, que privilegia o gênero e a raça nas suas decisões – Sonia Sotomayor fez a seguinte declaração introdutória:
“ No mês passado, muitos senadores me perguntaram acerca de minha filosofia judicial. É simples: fidelidade à lei. A tarefa de um juiz não é de fazer a lei – é a de aplicar a lei. E está claro, acredito, que a minha atuação em duas cortes reflete o meu rigoroso compromisso de interpretar a Constituição segundo os seus termos; interpretar a legislação de acordo com seus termos e o desígnio do Congresso; e acompanhando fielmente os precedentes estabelecidos pela jurisprudência da Suprema Corte e da minha Corte distrital.”
segunda-feira, 13 de julho de 2009
O Governo brasileiro e o Meio Ambiente
A vertente diplomática do meio ambiente não é uma posição sui-generis que algum país possa determinar a seu talante, sem qualquer conexão com a sua política (ou ausência de) no plano interno.
Em passado recente, no entanto, não foi o que ocorreu, pleiteando (e conseguindo) os seus agentes um tratamento especial em acordos internacionais, como, por exemplo, no Protocolo de Kyoto (1997). Para tanto, foi invocada a condição de país em desenvolvimento, e a sua necessidade de maior flexibilidade nos controles ambientais para que o hiato econômico e tecnológico pudesse ser vencido.
Conforme proposto pelo Embaixador Miguel Ozório de Almeida, na Conferência de Estocolmo de 1972, coube à delegação do Brasil a contribuição básica para a formulação do modelo de condições diferenciadas em termos ambientais para os países em desenvolvimento.
Em função do agravamento da situação climática mundial, e da imperiosa necessidade de uma estratégia comum para lidar com as emissões de dióxido de carbono, o paradigma adotado na Conferência do Rio de Janeiro (1992) e ainda em Kyoto, com a isenção de compromissos nesse domínio de parte dos países em desenvolvimento, tornou-se insustentável politicamente.
A lógica do subdesenvolvimento aplicada ao meio ambiente desde os anos setenta do século passado deve ser relativizada. Se dentro de escala de equalização futura algumas diferenciações são ainda cabíveis para determinados países de menor desenvolvimento econômico relativo, é inegável que tal não se aplica aos integrantes dos BRICs, diante da pujança e da magnitude de suas economias.
A ciência tem demonstrado o quanto o clima, e a tendência ascendente da temperatura, dependem das emissões de gases poluentes e do decorrente efeito estufa. Para um país como o Brasil que ocupa o pouco invejável posto de quarto emissor mundial (sobretudo por causa das queimadas na floresta amazônica) não é mais admissível pleitear salvo-condutos em termos de obrigações de controle. Tampouco são aceitáveis pretensões nesse sentido de China e Índia.
Com a nova Administração Barack Obama temos nos Estados Unidos preciosa oportunidade para que naquele país volte a imperar atitude sensata, atualizada e honesta com relação à inadiável necessidade de afrontar o desafio ambiental. A despeito da posição do novo Presidente, existem ainda dificuldades naquele país que não podem ser minimizadas, sobretudo em decorrência da postura retrógrada e negativista de parcela substancial do Congresso estadunidense.
Para enfrentar as realidades climáticas e a consequente imprescindível conscientização de uma mudança na atitude dos respectivos governos, na palavra de especialistas renomados o Brasil dispõe ainda de condições bastante favoráveis.
Com efeito, apesar de anos de abandono ou mesmo de criminosa conivência – não foi o governo anterior que admitiu a entrada na Amazônia das madeireiras que devastaram a Malásia ? – e de outros tantos na vergonhosa classificação nas emissões de dióxido de carbono, o Brasil ainda tem a floresta amazônica. Países como a Índia e a China já não podem dizer o mesmo.
Estranhamente, são estrangeiros como Vinod Thomas que nos lembram o quanto a Amazônia e a sua floresta representam para o Brasil em termos de recursos. O nosso Governo – e não excluo disso o Ministério do Meio Ambiente - tem adotado postura quase burocrática, limitando-se a enfatizar, quando cabível, o relativo êxito na redução do índice de desmatamento. Essa estatística teria o equivalente em uma grande empresa que acreditasse estar fazendo publicidade própria se anunciasse que naquele ano perdera apenas cinco, dez ou quinze por cento do respectivo capital...
A política governamental carece de ser pró-ativa, encarando a floresta como um recurso não a ser desperdiçado, mas preservado. Será através de busca séria de modelos que promovam seja o desenvolvimento sustentável, seja a compatibilização entre floresta e pecuária (a exemplo de outros países). Não é política séria fazer hábeis perguntas sobre a economia verde para altos funcionários internacionais, perguntas essas a que não corresponde nenhum interesse real na resposta.
Gostaria de crer que o cenário acima esboçado seja implementável no Brasil. No que concerne, porém, ao atual governo, a dúvida não é apenas instrumento heurístico, mas deriva de realidade tangente.
Quer sob o aspecto cultural, quer sob o comportamento pregresso, o observador não possui muito em que apoiar-se para uma visão otimista. Apreciaria que a lamentável assinatura da MP 458, aquela da grilagem, não marcasse um marco fatídico na progressão anti-ambientalista do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As preferências do Primeiro Mandatário – mascaradas por declarações vazias de comprometimento ambiental, como a subscrição do manifesto de um milhão e cem mil assinaturas de Christiane Torloni e Victor Fasano – pendem para a grei dos Blairo Maggi, Kátia Abreu, Mangabeira Unger et al., ignorando as teses do PT de Chico Mendes. Essa lição amarga foi aprendida por Marina Silva. O presente Ministro, Carlos Minc, que não tem a estatura de sua antecessora, vem colhendo uma fieira de derrotas no gabinete Lula, como evidenciam o decreto das cavernas, a MP da grilagem, e a redução das contribuição para o Ibama.
Se o Presidente Lula tivesse empenho político na defesa do meio ambiente, o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, ousaria contestar judicialmente a interdição pelo Ibama, aprovada por Minc, da construção de estrada pavimentada em trecho ainda preservado da floresta amazônica ?
O Presidente Lula se engana ao julgar possível ter um discurso ambientalista para estrangeiro ouvir e uma práxis favorável às reivindicações de ruralistas e desmatadores. Se todos estamos no mesmo barco – e por isso o controle das emissões de carbono se deve aplicar sem exceções – tampouco é praticável alguém supor que possa fazer o que quer no seu quintal e professar o ambientalismo em palcos externos.
E é por isso que me resulta sumamente difícil acreditar que Sua Excelência nos vá surpreender com uma política ambiental digna deste nome.
Em passado recente, no entanto, não foi o que ocorreu, pleiteando (e conseguindo) os seus agentes um tratamento especial em acordos internacionais, como, por exemplo, no Protocolo de Kyoto (1997). Para tanto, foi invocada a condição de país em desenvolvimento, e a sua necessidade de maior flexibilidade nos controles ambientais para que o hiato econômico e tecnológico pudesse ser vencido.
Conforme proposto pelo Embaixador Miguel Ozório de Almeida, na Conferência de Estocolmo de 1972, coube à delegação do Brasil a contribuição básica para a formulação do modelo de condições diferenciadas em termos ambientais para os países em desenvolvimento.
Em função do agravamento da situação climática mundial, e da imperiosa necessidade de uma estratégia comum para lidar com as emissões de dióxido de carbono, o paradigma adotado na Conferência do Rio de Janeiro (1992) e ainda em Kyoto, com a isenção de compromissos nesse domínio de parte dos países em desenvolvimento, tornou-se insustentável politicamente.
A lógica do subdesenvolvimento aplicada ao meio ambiente desde os anos setenta do século passado deve ser relativizada. Se dentro de escala de equalização futura algumas diferenciações são ainda cabíveis para determinados países de menor desenvolvimento econômico relativo, é inegável que tal não se aplica aos integrantes dos BRICs, diante da pujança e da magnitude de suas economias.
A ciência tem demonstrado o quanto o clima, e a tendência ascendente da temperatura, dependem das emissões de gases poluentes e do decorrente efeito estufa. Para um país como o Brasil que ocupa o pouco invejável posto de quarto emissor mundial (sobretudo por causa das queimadas na floresta amazônica) não é mais admissível pleitear salvo-condutos em termos de obrigações de controle. Tampouco são aceitáveis pretensões nesse sentido de China e Índia.
Com a nova Administração Barack Obama temos nos Estados Unidos preciosa oportunidade para que naquele país volte a imperar atitude sensata, atualizada e honesta com relação à inadiável necessidade de afrontar o desafio ambiental. A despeito da posição do novo Presidente, existem ainda dificuldades naquele país que não podem ser minimizadas, sobretudo em decorrência da postura retrógrada e negativista de parcela substancial do Congresso estadunidense.
Para enfrentar as realidades climáticas e a consequente imprescindível conscientização de uma mudança na atitude dos respectivos governos, na palavra de especialistas renomados o Brasil dispõe ainda de condições bastante favoráveis.
Com efeito, apesar de anos de abandono ou mesmo de criminosa conivência – não foi o governo anterior que admitiu a entrada na Amazônia das madeireiras que devastaram a Malásia ? – e de outros tantos na vergonhosa classificação nas emissões de dióxido de carbono, o Brasil ainda tem a floresta amazônica. Países como a Índia e a China já não podem dizer o mesmo.
Estranhamente, são estrangeiros como Vinod Thomas que nos lembram o quanto a Amazônia e a sua floresta representam para o Brasil em termos de recursos. O nosso Governo – e não excluo disso o Ministério do Meio Ambiente - tem adotado postura quase burocrática, limitando-se a enfatizar, quando cabível, o relativo êxito na redução do índice de desmatamento. Essa estatística teria o equivalente em uma grande empresa que acreditasse estar fazendo publicidade própria se anunciasse que naquele ano perdera apenas cinco, dez ou quinze por cento do respectivo capital...
A política governamental carece de ser pró-ativa, encarando a floresta como um recurso não a ser desperdiçado, mas preservado. Será através de busca séria de modelos que promovam seja o desenvolvimento sustentável, seja a compatibilização entre floresta e pecuária (a exemplo de outros países). Não é política séria fazer hábeis perguntas sobre a economia verde para altos funcionários internacionais, perguntas essas a que não corresponde nenhum interesse real na resposta.
Gostaria de crer que o cenário acima esboçado seja implementável no Brasil. No que concerne, porém, ao atual governo, a dúvida não é apenas instrumento heurístico, mas deriva de realidade tangente.
Quer sob o aspecto cultural, quer sob o comportamento pregresso, o observador não possui muito em que apoiar-se para uma visão otimista. Apreciaria que a lamentável assinatura da MP 458, aquela da grilagem, não marcasse um marco fatídico na progressão anti-ambientalista do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As preferências do Primeiro Mandatário – mascaradas por declarações vazias de comprometimento ambiental, como a subscrição do manifesto de um milhão e cem mil assinaturas de Christiane Torloni e Victor Fasano – pendem para a grei dos Blairo Maggi, Kátia Abreu, Mangabeira Unger et al., ignorando as teses do PT de Chico Mendes. Essa lição amarga foi aprendida por Marina Silva. O presente Ministro, Carlos Minc, que não tem a estatura de sua antecessora, vem colhendo uma fieira de derrotas no gabinete Lula, como evidenciam o decreto das cavernas, a MP da grilagem, e a redução das contribuição para o Ibama.
Se o Presidente Lula tivesse empenho político na defesa do meio ambiente, o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, ousaria contestar judicialmente a interdição pelo Ibama, aprovada por Minc, da construção de estrada pavimentada em trecho ainda preservado da floresta amazônica ?
O Presidente Lula se engana ao julgar possível ter um discurso ambientalista para estrangeiro ouvir e uma práxis favorável às reivindicações de ruralistas e desmatadores. Se todos estamos no mesmo barco – e por isso o controle das emissões de carbono se deve aplicar sem exceções – tampouco é praticável alguém supor que possa fazer o que quer no seu quintal e professar o ambientalismo em palcos externos.
E é por isso que me resulta sumamente difícil acreditar que Sua Excelência nos vá surpreender com uma política ambiental digna deste nome.
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