De conformidade com suas repetidas declarações contra o ‘denuncismo’ e de apoio ao amigo José Sarney, Lula determinou à bancada do PT maior empenho na defesa do Presidente do Senado. O Ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, disse a respeito que “o apoio do governo ao Presidente Sarney é absoluto”.
A representação do PT no Senado tem doze senadores. Haverá um óbvio desconforto diante dessa diretiva presidencial. Segundo noticiado, seriam contrários a tal posição Tião Viana (AC), Eduardo Suplicy (SP), Marina Silva (AC), Paulo Paim (RS) e Flávio Arns (PR).
Já o líder Aloizio Mercadante (SP), deixa em aberto a questão. Especula-se, no entanto, que favoreceria posição comum da bancada, o que pressupõe um viés pró Sarney.
Existem diversos fatores imediatos e mediatos que explicam o afã presidencial em respaldar na sua curul o combalido José Sarney. Dentre as condicionantes mais próximas, está o interesse de Lula de atender aos apelos de Sarney, o qual, segundo a própria versão, estaria submetido a essa artilharia pela sua posição favorável ao Presidente da República. Assim, se visto sob tal ângulo, tratar-se-ía de uma simples e humana contrapartida.
Se aprofundarmos um tanto a análise, a Lula não interessa um Sarney fragilizado, com a sua posição na presidência prejudicada e, por conseguinte, forçado a crescentes delegações de poder. Releva a esse propósito assinalar que, em função da série de escândalos, este processo já se iniciou, com a cessão ao Primeiro Secretário Heráclito Fortes (DEM-PI) de competência na área administrativa.
A sustentação política do Presidente do Senado, dada pelo PMDB e pelo DEM, com o avanço da crise se afigura mais precária, diante das crescentes pressões sobre a bancada do DEM de retirar-se de barco que ameaça soçobrar. Por causa da defecção de senadores no partido, o líder Agripino Maia poderá dissociar o DEM de um apoio cujo custo político ascende a cada dia.
Para agravar a posição do presidente da Casa, será hoje protocolada por José Nery (PA), único senador do PSOL, representação contra Sarney por quebra de decoro. Por outro lado, o líder do PSDB, embaraçado por revelações de que solicitara em 2005 empréstimo a Agaciel Maia, em discurso pediu ao Conselho de Ética que investigue dezenove denúncias contra o Senador do Amapá. No entender de Arthur Virgílio, Sarney perdeu as condições de presidir a Casa. Nesse contexto, Virgilio insinuou que Sarney e seus aliados Renan Calheiros e Gim Argello (PTB-DF) teriam estimulado Agaciel a divulgar denúncias contra ele.
Não param aí as motivações do Presidente Lula em conservar, contra vento e maré, a José Sarney na presidência do Senado. O seu substituto natural, o tucano Marconi Perillo (GO) seria anátema para esse ano e meio que resta de mandato para o atual Presidente.
Lula não esqueceu o comportamento de Marconi no episódio do mensalão. O então governador de Goiás revelou haver reportado ao Presidente, em maio de 2004, a existência de um esquema de mesada a parlamentares. Esse informe vinha contradizer a postura presidencial de alegada ignorância no que concerne à prática do mensalão. Por outro lado, a presença de Marconi Perillo na presidência do Senado não só dificultaria a desenvoltura de Lula no que tange às viagens para o exterior, como seria mais um empecilho para o fortalecimento da candidatura de Dilma Rousseff.
Dessarte, por muitas razões, mas decerto e sobretudo para evitar que o amigo Sarney seja substituído pelo tucano Marconi Perillo, Lula está disposto a jogar às urtigas, o que restava de um PT principista e ético.
Sem recorrer diretamente, por conhecimento próprio, ao conhecido princípio de F. Meinecke da Staatsraison (Razão de Estado) seria o que, por instinto, estaria tentando aplicar.
Como se verifica, a ânsia de Lula em preservar a Sarney não é movida por considerações pessoais. Se terá êxito e se redundar na restante nivelação por baixo do PT no que concerne ao egrégio exemplo do PMDB, já é outra estória.
terça-feira, 30 de junho de 2009
segunda-feira, 29 de junho de 2009
Golpe Militar em Honduras
A gravidade do golpe militar em Tegucigalpa de muito transcende as quizílias internas de Honduras. O país mais pobre da América Central e por muito com presença estadunidense bastante marcada, passou a ter, nos anos oitenta, a exemplo do restante da América Latina, sucessão de governos formalmente democráticos.
Como em outros Estados, o exército aí conservou marcante influência, constituindo, também no figurino de outras nações latino-americanas, um estamento à parte. O poder castrense, respeitado pelos políticos civis, obedecia às próprias regras. Subordinado apenas formalmente às autoridades paisanas, representava microcosmo autônomo, gerido corporativamente. Tal paradigma não se circunscreve, decerto, à pequena Honduras, sendo triste sárcina de muitos países de nossa América Latina. No Brasil, malgrado a superposição das autoridades constitucionais trazida pelo Ministério da Defesa, o poder civil se ressente de uma autêntica implantação, que os militares têm sabido até o presente evitar, conservada a desmedida importância dos respectivos comandantes, que ainda são chamados com excessiva frequência a assessorar diretamente o Presidente da República.
A implícita ameaça do pronunciamiento em Honduras para a democracia latino-americana não pode ser menosprezada. Se salta aos olhos que não tem o imediatismo de um rastilho de pólvora, tampouco ela deve ser ignorada, como se fora um perigo a que estariam imunes as demais culturas políticas nacionais.
A prevalência da democracia na América Latina é fenômeno demasiado recente para que o consideremos de sólida implantação.
Para melhor entendê-lo, detenhemo-nos, a princípio, nas causas próximas da mudança de governo em Honduras. O Presidente Manuel Zelaya, influenciado talvez por seus companheiros da Alba de Hugo Chávez, não se comportou com isenção constitucional, quando procurou implementar um referendo para forçar reforma da Carta Magna. Além de tentar envolver o Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, General Romeo Vásquez, Zelaya peitou a Corte Suprema, ao seguir adiante com o projeto do referendo ilegal.
Dessarte, pautado ou não pela cartilha do caudilho Chávez, o Presidente Zelaya no afã de inserir o instituto da reeleição na Constituição agiu claramente à margem da lei.
No entanto, o modus faciendi de sua destituição, mediante golpe militar que o transportou para a Costa Rica, a posteriori avalizado pelo Congresso, é um cenário demasiado conhecido em nossas paragens, e que nenhum excesso presidencial poderia justificar.
Sob a chancela da Corte Suprema, o Congresso elegeu como Primeiro Mandatário interino, a Roberto Micheletti, o presidente da Assembléia hondurenha.
O golpe de estado foi condenado, por unanimidade, pela Organização dos Estados Americanos (OEA), o que também foi feito separadamente pelas chancelarias de Brasil, Estados Unidos e Venezuela.
Contudo, a reação interamericana não carece de deter-se nessas enérgicas condenações. Ela precisa revestir-se de traços bastante mais concretos. De início, o não-reconhecimento do governo oriundo do golpe militar, como o próprio Presidente deposto, esquecendo o recente anti-americanismo, solicitou de Washington. Em seguida, a criação de condições para que o presidente legal seja reinstituído no poder, desde que se comprometa a respeitar a Constituição. De toda maneira, os acontecimentos de Tegucigalpa não podem constituir precedente de que o afastamento manu militari dos presidentes haja voltado a tornar-se um dos instrumentos válidos de política interna.
Os militares, onde estejam, carecem de verificar que os golpes de força continuam a ser inadmissíveis, não só na retórica da OEA, mas também na prática das relações internacionais, inviabilizados por falta de qualquer sustentação política e econômica.
Como em outros Estados, o exército aí conservou marcante influência, constituindo, também no figurino de outras nações latino-americanas, um estamento à parte. O poder castrense, respeitado pelos políticos civis, obedecia às próprias regras. Subordinado apenas formalmente às autoridades paisanas, representava microcosmo autônomo, gerido corporativamente. Tal paradigma não se circunscreve, decerto, à pequena Honduras, sendo triste sárcina de muitos países de nossa América Latina. No Brasil, malgrado a superposição das autoridades constitucionais trazida pelo Ministério da Defesa, o poder civil se ressente de uma autêntica implantação, que os militares têm sabido até o presente evitar, conservada a desmedida importância dos respectivos comandantes, que ainda são chamados com excessiva frequência a assessorar diretamente o Presidente da República.
A implícita ameaça do pronunciamiento em Honduras para a democracia latino-americana não pode ser menosprezada. Se salta aos olhos que não tem o imediatismo de um rastilho de pólvora, tampouco ela deve ser ignorada, como se fora um perigo a que estariam imunes as demais culturas políticas nacionais.
A prevalência da democracia na América Latina é fenômeno demasiado recente para que o consideremos de sólida implantação.
Para melhor entendê-lo, detenhemo-nos, a princípio, nas causas próximas da mudança de governo em Honduras. O Presidente Manuel Zelaya, influenciado talvez por seus companheiros da Alba de Hugo Chávez, não se comportou com isenção constitucional, quando procurou implementar um referendo para forçar reforma da Carta Magna. Além de tentar envolver o Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, General Romeo Vásquez, Zelaya peitou a Corte Suprema, ao seguir adiante com o projeto do referendo ilegal.
Dessarte, pautado ou não pela cartilha do caudilho Chávez, o Presidente Zelaya no afã de inserir o instituto da reeleição na Constituição agiu claramente à margem da lei.
No entanto, o modus faciendi de sua destituição, mediante golpe militar que o transportou para a Costa Rica, a posteriori avalizado pelo Congresso, é um cenário demasiado conhecido em nossas paragens, e que nenhum excesso presidencial poderia justificar.
Sob a chancela da Corte Suprema, o Congresso elegeu como Primeiro Mandatário interino, a Roberto Micheletti, o presidente da Assembléia hondurenha.
O golpe de estado foi condenado, por unanimidade, pela Organização dos Estados Americanos (OEA), o que também foi feito separadamente pelas chancelarias de Brasil, Estados Unidos e Venezuela.
Contudo, a reação interamericana não carece de deter-se nessas enérgicas condenações. Ela precisa revestir-se de traços bastante mais concretos. De início, o não-reconhecimento do governo oriundo do golpe militar, como o próprio Presidente deposto, esquecendo o recente anti-americanismo, solicitou de Washington. Em seguida, a criação de condições para que o presidente legal seja reinstituído no poder, desde que se comprometa a respeitar a Constituição. De toda maneira, os acontecimentos de Tegucigalpa não podem constituir precedente de que o afastamento manu militari dos presidentes haja voltado a tornar-se um dos instrumentos válidos de política interna.
Os militares, onde estejam, carecem de verificar que os golpes de força continuam a ser inadmissíveis, não só na retórica da OEA, mas também na prática das relações internacionais, inviabilizados por falta de qualquer sustentação política e econômica.
domingo, 28 de junho de 2009
Colcha de Retalhos XII
Eleições legislativas na Argentina
Ao contrário do que as pesquisas de opinião – que em terras portenhas não são muito confiáveis – haviam indicado durante a campanha, a oposição agora parece não mais ter a folgada vantagem antes exibida contra o peronismo kirchnerista.
Segundo se especula, os ataques governistas contra os líderes do peronismo dissidente Macri e Narváez teriam surtido algum efeito, em especial no que concerne ao suposto neoliberalismo da oposição e seu antigo envolvimento com Carlos Menem.
Conforme as pesquisas, existiria empate técnico entre as chapas de Kirchner e de Narváez, com a vantagem respectiva variando de acordo com a pesquisa. A diferença, no entanto, é pequena, o que não prenuncia vitórias esmagadoras de parte de ambos os campos.
O casal Kirchner já antecipara a dificuldade da presente eleição parcial legislativa, e foi por esta razão que Nestor Kirchner se dispusera a ser cabeça de chapa do peronismo oficialista na grande Buenos Aires.
Se os percentuais de voto de situação e oposição não se afastarem demasiado das projeções dos institutos de pesquisa, há a previsão tentativa de que o governo de Cristina Kirchner deverá perder o controle de Senado e Câmara de Deputados, onde atualmente tem frágeis maiorias.
Essas eleições intermediárias constituem indicador bastante importante para o próximo pleito presidencial. Eventual tropeço em tais comícios constituirá péssimo sinal para as pretensões de Nestor Kirchner reassumir formalmente a presidência argentina.
Dentre eventuais antagonistas de Kirchner no pleito presidencial de 2011, estão o Vice-Presidente Julio Cobos, que se afastou do campo kirchnerista com o seu voto de Minerva no Senado, por ocasião do conflito ruralista, e o prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri. Dessarte, a vitória dos partidários de Cobos na província de Mendoza lhe abrirá boas perspectivas para a candidatura presidencial. O mesmo se pode afirmar, no que concerne à Macri, quanto a um bom desempenho de sua chapa, de centro-direita, em Buenos Aires.
A Honduras de Zelaya se afasta do figurino habitual
As benesses do petróleo subsidiado, cortesia de Hugo Chávez a países simpatizantes, atraíra a surpreendente adesão do antes conservador Presidente de Honduras, Manuel Zelaya, à Alba, organização alternativa, patrocinada pelo caudilho venezuelano.
Antes de aderir à Alba de Chávez, Honduras se assinalava por duas características basilares: disputava com a Nicarágua o dúbio galardão de ser o país mais pobre da América Central, e era um dos paises onde a presença de Washington se achava mais solidamente implantada. Historicamente, Honduras funcionara como cabeça de ponte para intervenções americanas em outros países centro-americanos, como foi o caso da expedição de Castillo Armas, patrocinada em 1954 pela CIA de Allen Dulles contra o regime de Jacobo Árbenz na Guatemala; e através do apoio prestado aos chamados ‘contras’ , na tentativa de derrubada nos anos oitenta pela América de Reagan do regime sandinista na Nicarágua.
Manuel Zelaya, afastando-se do partido Liberal (de tendência conservadora), pelo qual se elegera, se propõe realizar neste domingo consulta popular sobre a possibilidade de mudar a Constituição. O intento de Zelaya tem precipuamente o intento de introduzir a reeleição no texto constitucional. Consoante a tradição da democracia centro-americana, a reeleição é defesa, chegando mesmo a não haver possibilidade de que alguém se recandidate à presidência, ainda que depois de transcorrido intervalo entre a primeira e a eventual segunda eleição.
Inspirado decerto no exemplo de seu modelo, o democrata Hugo Chávez, Zelaya deseja reescrever a sua Lei magna, de modo a ensejar-lhe a permanência no poder. No entanto, ele vem encontrando muita resistência, seja no Congresso, onde perdeu a maioria, e deve ser submetido a processo de ‘ impeachment’, seja da própria Justiça, que considerou ilegal o projetado referendo.
Outro complicador para Zelaya – e quiçá mais grave para o atual Primeiro Mandatário, se tivermos presentes os antecedentes políticos hondurenhos – é o seu conflito com o Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, Romeo Vásquez. Zelaya o demitira nesta quarta-feira, porque ele se recusara a apoiar-lhe a iniciativa. Não de todo discrepante do usual figurino centro-americano, a Corte Suprema decretou como nula a decisão presidencial, abrindo, em consequência, grave conflito de poderes no país. Posteriormente Zelaya recuou, revertendo na decisão de exonerar o general Vásquez.
A situação em Honduras representa desafio para a democracia nesse país, e o mais grave é que a ameaça não se restringe a um dos protagonistas. A adoção por Tegucigalpa do modelo referendário chavista já constitui um desafio. Outro é a reinserção do condestável no jogo político hondurenho. Sem falar no desafio que representaria para o Presidente Obama, em um país sempre reputado como de seguro alinhamento no que respeita à política de Washington.
Ao contrário do que as pesquisas de opinião – que em terras portenhas não são muito confiáveis – haviam indicado durante a campanha, a oposição agora parece não mais ter a folgada vantagem antes exibida contra o peronismo kirchnerista.
Segundo se especula, os ataques governistas contra os líderes do peronismo dissidente Macri e Narváez teriam surtido algum efeito, em especial no que concerne ao suposto neoliberalismo da oposição e seu antigo envolvimento com Carlos Menem.
Conforme as pesquisas, existiria empate técnico entre as chapas de Kirchner e de Narváez, com a vantagem respectiva variando de acordo com a pesquisa. A diferença, no entanto, é pequena, o que não prenuncia vitórias esmagadoras de parte de ambos os campos.
O casal Kirchner já antecipara a dificuldade da presente eleição parcial legislativa, e foi por esta razão que Nestor Kirchner se dispusera a ser cabeça de chapa do peronismo oficialista na grande Buenos Aires.
Se os percentuais de voto de situação e oposição não se afastarem demasiado das projeções dos institutos de pesquisa, há a previsão tentativa de que o governo de Cristina Kirchner deverá perder o controle de Senado e Câmara de Deputados, onde atualmente tem frágeis maiorias.
Essas eleições intermediárias constituem indicador bastante importante para o próximo pleito presidencial. Eventual tropeço em tais comícios constituirá péssimo sinal para as pretensões de Nestor Kirchner reassumir formalmente a presidência argentina.
Dentre eventuais antagonistas de Kirchner no pleito presidencial de 2011, estão o Vice-Presidente Julio Cobos, que se afastou do campo kirchnerista com o seu voto de Minerva no Senado, por ocasião do conflito ruralista, e o prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri. Dessarte, a vitória dos partidários de Cobos na província de Mendoza lhe abrirá boas perspectivas para a candidatura presidencial. O mesmo se pode afirmar, no que concerne à Macri, quanto a um bom desempenho de sua chapa, de centro-direita, em Buenos Aires.
A Honduras de Zelaya se afasta do figurino habitual
As benesses do petróleo subsidiado, cortesia de Hugo Chávez a países simpatizantes, atraíra a surpreendente adesão do antes conservador Presidente de Honduras, Manuel Zelaya, à Alba, organização alternativa, patrocinada pelo caudilho venezuelano.
Antes de aderir à Alba de Chávez, Honduras se assinalava por duas características basilares: disputava com a Nicarágua o dúbio galardão de ser o país mais pobre da América Central, e era um dos paises onde a presença de Washington se achava mais solidamente implantada. Historicamente, Honduras funcionara como cabeça de ponte para intervenções americanas em outros países centro-americanos, como foi o caso da expedição de Castillo Armas, patrocinada em 1954 pela CIA de Allen Dulles contra o regime de Jacobo Árbenz na Guatemala; e através do apoio prestado aos chamados ‘contras’ , na tentativa de derrubada nos anos oitenta pela América de Reagan do regime sandinista na Nicarágua.
Manuel Zelaya, afastando-se do partido Liberal (de tendência conservadora), pelo qual se elegera, se propõe realizar neste domingo consulta popular sobre a possibilidade de mudar a Constituição. O intento de Zelaya tem precipuamente o intento de introduzir a reeleição no texto constitucional. Consoante a tradição da democracia centro-americana, a reeleição é defesa, chegando mesmo a não haver possibilidade de que alguém se recandidate à presidência, ainda que depois de transcorrido intervalo entre a primeira e a eventual segunda eleição.
Inspirado decerto no exemplo de seu modelo, o democrata Hugo Chávez, Zelaya deseja reescrever a sua Lei magna, de modo a ensejar-lhe a permanência no poder. No entanto, ele vem encontrando muita resistência, seja no Congresso, onde perdeu a maioria, e deve ser submetido a processo de ‘ impeachment’, seja da própria Justiça, que considerou ilegal o projetado referendo.
Outro complicador para Zelaya – e quiçá mais grave para o atual Primeiro Mandatário, se tivermos presentes os antecedentes políticos hondurenhos – é o seu conflito com o Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, Romeo Vásquez. Zelaya o demitira nesta quarta-feira, porque ele se recusara a apoiar-lhe a iniciativa. Não de todo discrepante do usual figurino centro-americano, a Corte Suprema decretou como nula a decisão presidencial, abrindo, em consequência, grave conflito de poderes no país. Posteriormente Zelaya recuou, revertendo na decisão de exonerar o general Vásquez.
A situação em Honduras representa desafio para a democracia nesse país, e o mais grave é que a ameaça não se restringe a um dos protagonistas. A adoção por Tegucigalpa do modelo referendário chavista já constitui um desafio. Outro é a reinserção do condestável no jogo político hondurenho. Sem falar no desafio que representaria para o Presidente Obama, em um país sempre reputado como de seguro alinhamento no que respeita à política de Washington.
sábado, 27 de junho de 2009
O Senado Federal e a Impunidade
Os acontecimentos no Senado, a série de escândalos publicados pela imprensa, a suposta ênfase dos meios de comunicação em notícias ditas negativas, tudo isso representaria visão distorcida da realidade e prejudicaria a luta contra os efeitos da crise financeira internacional ?
Dando sequência às suas declarações na contramão da opinião pública, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em entrevista ao grupo RBS, afirmou: “não critico a imprensa por conta do Senado. É pelo ‘denuncismo desvairado’ que às vezes não tem retorno. Há uma prevalência de desgraça sobre as coisas boas. A nação precisa de boas notícias, de autoestima para poder vencer esse embate com a crise internacional”.
O Presidente Lula parece não ter pejo de valer-se dessa mesma imprensa cujo papel ele censura, para repetir tais inanidades, tais bisonhas deformações da realidade. Ao ler a sua intervenção acima – que não difere na essência da apressada fala no Cazaquistão e de outras anteriores – semelha que se nos depara, por obra de algum pesquisador, uma daquelas frases de nossos generais-presidentes, em que se responsabilizava o mensageiro de alegadas notícias ruins, como se apontar para fatos concretos se confundisse com cumplicidade na sua existência.
É deplorável que o Primeiro Magistrado da Nação se preste a tal papel de coro, buscando acudir ao atual amigo Sarney, no quadro da grande aliança com o PMDB de Renan Calheiros, enquanto desfaz dos esforços da sociedade em prol da recuperação do Senado.
Assim como a fábula de Esopo nos ensina que o abuso das falsas declarações é receita de desastre futuro, porque quando chegar a hora da onça beber água, os apelos do arauto cairão sobre ouvidos endurecidos por demasiadas imposturas anteriores, seria aconselhável que o Presidente Lula respeitasse o povo brasileiro, que não é bobo nem tolo.
Desmoralizado, Sarney tenta apegar-se ao cargo, como se a sua permanência vindicasse a própria tática da negação, e lhe possibilitasse afrontar a tormenta, que ao fim e ao cabo acabaria por amainar. Se ele já ouviu o ritual pedido de demissão, a exemplo de crises pregressas, feito pelo Senador Pedro Simon, cabe a pergunta do que mais ainda acredita padecer, para que afinal se conscientize da necessária formalidade, eis que a sua presidência se acha politica e irremediavelmente condenada?
Pelas suas ligações não só com Agaciel Maia, senão com todas as irregularidades que, penosamente, assistimos jogadas à sua porta – inda que, em muitos casos, delas não seja diretamente responsável -, cresce seja no Senado, seja no mundo real a convicção de que o Presidente Sarney não tem condições pessoais e políticas para enfrentar a crise da única forma que se afigura possivel neste momento. Já passou a hora das declarações bombásticas – esta crise não é minha ! -, das procrastinações, das sovadas promessas do ‘doa a quem doer’.
Aqui não se trata de tapar sol com peneira. Que credibilidade o senhor e o seu grupo possuem se prometerem lutar contra a impunidade ?
O Senado Federal é hoje a imagem do desgoverno, da falta de respeito com a cidadania que o elegeu. A instituição está obviamente comprometida e não será a gente do PMDB, com o seu líder, Renan Calheiros, e o atual Presidente, José Sarney, que hão de passar para o Povo brasileiro a impressão de que realmente estão animados do propósito de pôr um fim à impunidade.
Há de chegar o tempo da refundação do Senado.
Dando sequência às suas declarações na contramão da opinião pública, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em entrevista ao grupo RBS, afirmou: “não critico a imprensa por conta do Senado. É pelo ‘denuncismo desvairado’ que às vezes não tem retorno. Há uma prevalência de desgraça sobre as coisas boas. A nação precisa de boas notícias, de autoestima para poder vencer esse embate com a crise internacional”.
O Presidente Lula parece não ter pejo de valer-se dessa mesma imprensa cujo papel ele censura, para repetir tais inanidades, tais bisonhas deformações da realidade. Ao ler a sua intervenção acima – que não difere na essência da apressada fala no Cazaquistão e de outras anteriores – semelha que se nos depara, por obra de algum pesquisador, uma daquelas frases de nossos generais-presidentes, em que se responsabilizava o mensageiro de alegadas notícias ruins, como se apontar para fatos concretos se confundisse com cumplicidade na sua existência.
É deplorável que o Primeiro Magistrado da Nação se preste a tal papel de coro, buscando acudir ao atual amigo Sarney, no quadro da grande aliança com o PMDB de Renan Calheiros, enquanto desfaz dos esforços da sociedade em prol da recuperação do Senado.
Assim como a fábula de Esopo nos ensina que o abuso das falsas declarações é receita de desastre futuro, porque quando chegar a hora da onça beber água, os apelos do arauto cairão sobre ouvidos endurecidos por demasiadas imposturas anteriores, seria aconselhável que o Presidente Lula respeitasse o povo brasileiro, que não é bobo nem tolo.
Desmoralizado, Sarney tenta apegar-se ao cargo, como se a sua permanência vindicasse a própria tática da negação, e lhe possibilitasse afrontar a tormenta, que ao fim e ao cabo acabaria por amainar. Se ele já ouviu o ritual pedido de demissão, a exemplo de crises pregressas, feito pelo Senador Pedro Simon, cabe a pergunta do que mais ainda acredita padecer, para que afinal se conscientize da necessária formalidade, eis que a sua presidência se acha politica e irremediavelmente condenada?
Pelas suas ligações não só com Agaciel Maia, senão com todas as irregularidades que, penosamente, assistimos jogadas à sua porta – inda que, em muitos casos, delas não seja diretamente responsável -, cresce seja no Senado, seja no mundo real a convicção de que o Presidente Sarney não tem condições pessoais e políticas para enfrentar a crise da única forma que se afigura possivel neste momento. Já passou a hora das declarações bombásticas – esta crise não é minha ! -, das procrastinações, das sovadas promessas do ‘doa a quem doer’.
Aqui não se trata de tapar sol com peneira. Que credibilidade o senhor e o seu grupo possuem se prometerem lutar contra a impunidade ?
O Senado Federal é hoje a imagem do desgoverno, da falta de respeito com a cidadania que o elegeu. A instituição está obviamente comprometida e não será a gente do PMDB, com o seu líder, Renan Calheiros, e o atual Presidente, José Sarney, que hão de passar para o Povo brasileiro a impressão de que realmente estão animados do propósito de pôr um fim à impunidade.
Há de chegar o tempo da refundação do Senado.
sexta-feira, 26 de junho de 2009
Processo Inexorável ?
No dia dezesseis de junho José Sarney encenara o seu discurso, em que declarou, perante calada e respeitosa assistência, que a crise não era dele mas do Senado. Nenhum Senador se atreveu a contrariá-lo.
Os seus partidários, reunidos sob a égide de Renan Calheiros, ora olhavam com prazer a obra realizada, de que a alocução do Presidente do Senado fora o fecho. Parecia haver funcionado a tática do líder, na qual a intimidação, insinuada ou explícita, estivera sempre presente.
Congregados em torno do velho oligarca, julgavam que o contra-ataque não só tivera êxito, senão recuperara para o respectivo campo a iniciativa na refrega. Ainda no final do dia colheriam mais um apoio, vindo este das lonjuras do Cazaquistão, na palavra solícita do Presidente Lula.
No entanto, o processo semelha ter dinâmica peculiar, não necessáriamente controlável, como o próprio Renan já experimentara, na sua queda das alturas da Presidência. Como relembra a colunista Eliane Cantanhede, Sarney não está sozinho no padecer desse lento desmoronar de posições antes havidas por inatingíveis.
Precederam-no nessa provação, além de Renan, Antonio Carlos Magalhães e Jáder Barbalho. Todos culparam o mensageiro por seus males. As acusações vazias, a campanha da imprensa, supostamente a serviço de inconfessáveis propósitos, acabariam, decerto, por esmorecer.
Sem embargo, costuma existir algo de solerte e incompreensível no processo. Pois as acusações, ao invés de se dissiparem, ganham forças novas, multiplicando-se. E a maldita imprensa prossegue no seu trabalho, surda aos reclamos e impropérios.
Debalde, o presidente José Sarney clama que a crise não é sua. Com o transcorrer dos dias, a sua antecâmara, ao invés do deferente público habitual, vai sendo tomada por estranhas e desgrenhadas criaturas, que dali no seu afã de invadir-lhe o gabinete não arredam pé.
Das mesuras se passa para as demandas, que a cada sessão se tornam mais afrontosas e constrangedoras. Não terá sido sem razão que o velho oligarca, sob o látego de mais um escândalo – este envolvendo outro de seus netos, com intermediação de negócios de crédito consignado no Senado – haja preferido ficar em casa, de onde divulgou nota em que se diz alvo de “campanha midiática” por apoiar o governo Lula.
É mais uma salva desesperada, de quem acuado renova o sólito apelo pela ajuda do atual aliado.
Se é provável que Sua Excelência volte a repetir os ditos em seu favor e contra o denuncismo, também o é que não surtam qualquer efeito.
Eis que os tempos são outros. Inexorável, o processo não dá indícios da ansiada reviravolta.
Os seus partidários, reunidos sob a égide de Renan Calheiros, ora olhavam com prazer a obra realizada, de que a alocução do Presidente do Senado fora o fecho. Parecia haver funcionado a tática do líder, na qual a intimidação, insinuada ou explícita, estivera sempre presente.
Congregados em torno do velho oligarca, julgavam que o contra-ataque não só tivera êxito, senão recuperara para o respectivo campo a iniciativa na refrega. Ainda no final do dia colheriam mais um apoio, vindo este das lonjuras do Cazaquistão, na palavra solícita do Presidente Lula.
No entanto, o processo semelha ter dinâmica peculiar, não necessáriamente controlável, como o próprio Renan já experimentara, na sua queda das alturas da Presidência. Como relembra a colunista Eliane Cantanhede, Sarney não está sozinho no padecer desse lento desmoronar de posições antes havidas por inatingíveis.
Precederam-no nessa provação, além de Renan, Antonio Carlos Magalhães e Jáder Barbalho. Todos culparam o mensageiro por seus males. As acusações vazias, a campanha da imprensa, supostamente a serviço de inconfessáveis propósitos, acabariam, decerto, por esmorecer.
Sem embargo, costuma existir algo de solerte e incompreensível no processo. Pois as acusações, ao invés de se dissiparem, ganham forças novas, multiplicando-se. E a maldita imprensa prossegue no seu trabalho, surda aos reclamos e impropérios.
Debalde, o presidente José Sarney clama que a crise não é sua. Com o transcorrer dos dias, a sua antecâmara, ao invés do deferente público habitual, vai sendo tomada por estranhas e desgrenhadas criaturas, que dali no seu afã de invadir-lhe o gabinete não arredam pé.
Das mesuras se passa para as demandas, que a cada sessão se tornam mais afrontosas e constrangedoras. Não terá sido sem razão que o velho oligarca, sob o látego de mais um escândalo – este envolvendo outro de seus netos, com intermediação de negócios de crédito consignado no Senado – haja preferido ficar em casa, de onde divulgou nota em que se diz alvo de “campanha midiática” por apoiar o governo Lula.
É mais uma salva desesperada, de quem acuado renova o sólito apelo pela ajuda do atual aliado.
Se é provável que Sua Excelência volte a repetir os ditos em seu favor e contra o denuncismo, também o é que não surtam qualquer efeito.
Eis que os tempos são outros. Inexorável, o processo não dá indícios da ansiada reviravolta.
quinta-feira, 25 de junho de 2009
Lula vai sancionar a MP da Grilagem
Recordam-se da MP 458, chamada pelos ambientalistas e também pelo líder do PT no Senado, Aloizio Mercadante, de MP da Grilagem ? Pois após três semanas de matreira procrastinação, e depois de deixar ‘vazar’ para a imprensa de que estava considerando vetar pelo menos três artigos dessa MP, o Senhor Luiz Ignacio Lula da Silva enfim se digna comunicar que a sancionará com um único veto, i.e., o inciso 2º do artigo 7º da MP, que permite a transferência de terras da União para pessoas jurídicas.
As demais reivindicações do PT (Senadores Mercadante e Marina Silva), do desgastado Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, e dos ambientalistas não foram atendidas. Os trechos da famigerada MP que o Presidente da República reputou inegocíaveis são parte do referido artigo 2º , que permite a regularização de terras ocupadas por prepostos, assim como o artigo 13º, que dispensa vistoria prévia para regularização.
Se as negaças iniciais do Senhor Lula se referiam a esses três artigos, salta aos olhos que a MP 458 é um monstrengo jurídico, e que já o fato de tê-la avalizado em sua versão primitiva se afigura bastante sintomático da debilidade política do Ministro Minc e o seu excessivo apego ao cargo.
Antes de ocuparmo-nos de outras jóias relativas à tramitação e aprovação da MP, semelha relevante indicar os traços marcantes da MP da Grilagem, que a aliança do Governo e dos ruralistas chamam pomposamente de ‘regularização fundiária da Amazônia’: A MP 458 pretende regularizar 67,4 milhões de hectares – área equivalente às da Alemanha e da Itália juntas. A legislação a ser sancionada prevê a doação das terras às pessoas físicas que possuam até cem hectares. Haverá cobrança ‘simbólica’ para propriedades de até quatrocentos hectares. Entre quatrocentos e mil e quinhentos hectares a venda será feita pelo valor venal da terra.
Já foi assinalado que esta Medida Provisória, conduzida pela Senadora Kátia Abreu (DEM – Tocantins) à aprovação, é esperta inclusive na escolha das medidas (hectares ao invés de metros quadrados). Adotando este falso redutor – o hectare corresponde a dez mil metros quadrados – fica menos dolorosa a transação para a opinião pública.
Quanto às demais ‘jóias’ deste triunfo da frente ruralista – que é uma derrota escandalosa para o Brasil – parece-me oportuno ressaltar as seguintes:
(1) nesta coalizão de muitos anônimos que é o Ministério Lula, , o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, articulou na Câmara o acordo que produziu o estatuto da MP da Grilagem. Como Mangabeira Unger já fora chamado no passado a coordenar assuntos da Amazônia, semelha evidente que este governo não confia no Ministério do Meio Ambiente para esta tarefa, que a outrem semelharia a escolha natural;
(2) não obstante a pressão dos ambientalistas e da ex-Ministra Marina Silva, para que Lula vetasse outras passagens da MP 458, consta que o Presidente esteve inclinado a sancionar na íntegra o texto da legislação consoante aprovado pelo Congresso ;
(3) o Presidente Lula só não seguiu a sua inclinação, porque, do ponto de vista político, uma sanção integral traria desgaste para a imagem do governo no exterior.
Todo o processo relativo à MP 458, não deixa dúvidas quanto à real posição política do Presidente Luiz Ignacio Lula da Silva. É necessário que os ambientalistas se atenham a realidades. Ao contrário das posições históricas do PT – do mártir Chico Mendes, de Marina Silva, etc. - e não obstante a cortina de fumaça que o fez assinar o manifesto de Christiane Torloni e Victor Fasano, o senhor Lula não adotará medidas pelo valor intrinseco do meio ambiente. No embate entre ambientalistas, de um lado, e ruralistas e desmatadores de outro, a visão imediatista do Presidente o fará sempre pender para a triste aliança dos corifeus do atraso e da devastação.
Lula só não se dispõe a entregar tudo a Blairo Maggi, Kátia Abreu, Ronaldo Caiado et caterva porque se assim fizesse, a sua imagem sofreria desgaste no exterior. Aprova a MP da grilagem na sua quase integralidade, mas como deseja continuar a ser “o cara” acha importante enfeitar a sua ‘regularização fundiária’ com o modesto tapume de vilazinha Potiomkin da modificação de parte do artigo 7º .
Por fim, tenha-se presente que Sua Excelência vai sancionar a MP 458, sem embargo de ferir em nove pontos a Constituição Federal. Tal conclusão consta da nota técnica encaminhada ao Presidente por representação de Procuradores do Ministério Público Federal. Essa advertência, se ignorada por Lula, pode e deve conduzir à contestação junto ao Supremo Tribunal Federal das ilegalidades e inconstitucionalidades da Medida Provisória.
Se este caminho for seguido, de alguma coisa terá servido todo esse teatro relacionado com a MP 458. Se tal espúria legislação for afinal derrubada, ela o será por motivos nacionais. O Brasil, é bom que se lembre, sendo um país soberano, age conforme os seus interesses. E nesses interesses está a abrogação da Medida Provisória manifestamente inconstitucional.
( da Folha de São de Paulo, 25.VI.2009)
As demais reivindicações do PT (Senadores Mercadante e Marina Silva), do desgastado Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, e dos ambientalistas não foram atendidas. Os trechos da famigerada MP que o Presidente da República reputou inegocíaveis são parte do referido artigo 2º , que permite a regularização de terras ocupadas por prepostos, assim como o artigo 13º, que dispensa vistoria prévia para regularização.
Se as negaças iniciais do Senhor Lula se referiam a esses três artigos, salta aos olhos que a MP 458 é um monstrengo jurídico, e que já o fato de tê-la avalizado em sua versão primitiva se afigura bastante sintomático da debilidade política do Ministro Minc e o seu excessivo apego ao cargo.
Antes de ocuparmo-nos de outras jóias relativas à tramitação e aprovação da MP, semelha relevante indicar os traços marcantes da MP da Grilagem, que a aliança do Governo e dos ruralistas chamam pomposamente de ‘regularização fundiária da Amazônia’: A MP 458 pretende regularizar 67,4 milhões de hectares – área equivalente às da Alemanha e da Itália juntas. A legislação a ser sancionada prevê a doação das terras às pessoas físicas que possuam até cem hectares. Haverá cobrança ‘simbólica’ para propriedades de até quatrocentos hectares. Entre quatrocentos e mil e quinhentos hectares a venda será feita pelo valor venal da terra.
Já foi assinalado que esta Medida Provisória, conduzida pela Senadora Kátia Abreu (DEM – Tocantins) à aprovação, é esperta inclusive na escolha das medidas (hectares ao invés de metros quadrados). Adotando este falso redutor – o hectare corresponde a dez mil metros quadrados – fica menos dolorosa a transação para a opinião pública.
Quanto às demais ‘jóias’ deste triunfo da frente ruralista – que é uma derrota escandalosa para o Brasil – parece-me oportuno ressaltar as seguintes:
(1) nesta coalizão de muitos anônimos que é o Ministério Lula, , o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, articulou na Câmara o acordo que produziu o estatuto da MP da Grilagem. Como Mangabeira Unger já fora chamado no passado a coordenar assuntos da Amazônia, semelha evidente que este governo não confia no Ministério do Meio Ambiente para esta tarefa, que a outrem semelharia a escolha natural;
(2) não obstante a pressão dos ambientalistas e da ex-Ministra Marina Silva, para que Lula vetasse outras passagens da MP 458, consta que o Presidente esteve inclinado a sancionar na íntegra o texto da legislação consoante aprovado pelo Congresso ;
(3) o Presidente Lula só não seguiu a sua inclinação, porque, do ponto de vista político, uma sanção integral traria desgaste para a imagem do governo no exterior.
Todo o processo relativo à MP 458, não deixa dúvidas quanto à real posição política do Presidente Luiz Ignacio Lula da Silva. É necessário que os ambientalistas se atenham a realidades. Ao contrário das posições históricas do PT – do mártir Chico Mendes, de Marina Silva, etc. - e não obstante a cortina de fumaça que o fez assinar o manifesto de Christiane Torloni e Victor Fasano, o senhor Lula não adotará medidas pelo valor intrinseco do meio ambiente. No embate entre ambientalistas, de um lado, e ruralistas e desmatadores de outro, a visão imediatista do Presidente o fará sempre pender para a triste aliança dos corifeus do atraso e da devastação.
Lula só não se dispõe a entregar tudo a Blairo Maggi, Kátia Abreu, Ronaldo Caiado et caterva porque se assim fizesse, a sua imagem sofreria desgaste no exterior. Aprova a MP da grilagem na sua quase integralidade, mas como deseja continuar a ser “o cara” acha importante enfeitar a sua ‘regularização fundiária’ com o modesto tapume de vilazinha Potiomkin da modificação de parte do artigo 7º .
Por fim, tenha-se presente que Sua Excelência vai sancionar a MP 458, sem embargo de ferir em nove pontos a Constituição Federal. Tal conclusão consta da nota técnica encaminhada ao Presidente por representação de Procuradores do Ministério Público Federal. Essa advertência, se ignorada por Lula, pode e deve conduzir à contestação junto ao Supremo Tribunal Federal das ilegalidades e inconstitucionalidades da Medida Provisória.
Se este caminho for seguido, de alguma coisa terá servido todo esse teatro relacionado com a MP 458. Se tal espúria legislação for afinal derrubada, ela o será por motivos nacionais. O Brasil, é bom que se lembre, sendo um país soberano, age conforme os seus interesses. E nesses interesses está a abrogação da Medida Provisória manifestamente inconstitucional.
( da Folha de São de Paulo, 25.VI.2009)
quarta-feira, 24 de junho de 2009
Atos Secretos ? Nem Tanto
Segundo a sua mais recente contagem, haveria 663 atos secretos no Senado Federal, mas obviamente ninguém pode garantir que se trate de cômputo exato. Se há tentativa de ‘explicar’ o recurso aos atos secretos como decorrência da desorganização do Senado, tal interpretação não faz sentido.
Em atmosfera corrupta, em que o sigilo é um dos instrumentos indispensáveis do negócio, não se pode taxar de consequência incidental de generalizada bagunça administrativa, o que, em verdade, constitui característica inerente e indissociável da tática delituosa.
Na mente de Agaciel Maia, criatura, é bom que se relembre, de José Sarney, a intenção será a de fazer tudo o que aproveita à choldra que se apossou do Senado, sem que para tanto careça de preocupar-se com requisitos constitucionais, legais, regulamentares ou simplesmente éticos.
O ato secreto é a mágica ferramenta, o sonho dourado do corrupto, seja ele ativo ou passivo, eis que chega a dispensar inclusive a sovada argumentação de que os fins justificam os meios.
No ato secreto temos a simbiose ideal em que tanto o meio – a medida sigilosa – quanto o fim não são admissíveis ou legais, se a pessoa favorecida tiver um mínimo de consciência crítica.
Por outro lado, como o uso do cachimbo faz a boca torta, Agaciel Maia – e os seus mentores, vale dizer, representantes eleitos ou biônicos (suplentes) – passaram a empregá-los com aquela crescente desenvoltura que sói contagiar eventuais praticantes de ilicitudes impunes.
E, impregnados do mesmo espírito, não trepidavam em conformar a moldes de sigilo atos administrativos perfeitamente legais. Dentro da ótica peculiar desse submundo, o escopo se afigura quase cristalino: o de criar confusão, misturando alhos com bugalhos, e a par disso, comprometendo de alguma forma personalidades senatoriais mais arredias.
Como esses atos espúrios não têm numeração, não é fácil apontar o documento primevo que mostrou o caminho para cumplicidade que, em aspecto colateral não-desdenhável, mais serviria aos supostos auxiliares inferiores do que a seus principais beneficiários. A própria ilegalidade do ato e de suas consequências representaria precioso instrumento de nivelação por baixo e de potencial utilização, de parte dos antes obsequiosos subordinados, a fins de intimidação e chantagem.
Ora, se o ponto de origem desta prática criminosa é suscetível de discussão, a própria duração da convivência dos senhores senadores com tal elefante da ilicitude torna risível qualquer tentativa de proclamar a própria ignorância diante de uma prática generalizada.
O que antes se suspeitava, a sucessão de revelações no escândalo serial do Senado se tem encarregado de desvendar personalidades acima de qualquer suspeita, com a sem-cerimônia de uma verdade ainda que tardia, como no célebre lema da Inconfidência Mineira.
Defronte do melancólico cortejo daqueles que se acreditava não-contaminados, a impostura do chamado ato secreto exibe aspecto que pode ser importuno e desmistificador para alguns, mas que rasga com força a piedosa lenda da secretividade de tais atos.
Alegados mistérios que persistem por tantos anos em comunidades corporativistas tendem a transformar-se em comprometedores, mas na essência meros segredos de Polichinelo.
Em atmosfera corrupta, em que o sigilo é um dos instrumentos indispensáveis do negócio, não se pode taxar de consequência incidental de generalizada bagunça administrativa, o que, em verdade, constitui característica inerente e indissociável da tática delituosa.
Na mente de Agaciel Maia, criatura, é bom que se relembre, de José Sarney, a intenção será a de fazer tudo o que aproveita à choldra que se apossou do Senado, sem que para tanto careça de preocupar-se com requisitos constitucionais, legais, regulamentares ou simplesmente éticos.
O ato secreto é a mágica ferramenta, o sonho dourado do corrupto, seja ele ativo ou passivo, eis que chega a dispensar inclusive a sovada argumentação de que os fins justificam os meios.
No ato secreto temos a simbiose ideal em que tanto o meio – a medida sigilosa – quanto o fim não são admissíveis ou legais, se a pessoa favorecida tiver um mínimo de consciência crítica.
Por outro lado, como o uso do cachimbo faz a boca torta, Agaciel Maia – e os seus mentores, vale dizer, representantes eleitos ou biônicos (suplentes) – passaram a empregá-los com aquela crescente desenvoltura que sói contagiar eventuais praticantes de ilicitudes impunes.
E, impregnados do mesmo espírito, não trepidavam em conformar a moldes de sigilo atos administrativos perfeitamente legais. Dentro da ótica peculiar desse submundo, o escopo se afigura quase cristalino: o de criar confusão, misturando alhos com bugalhos, e a par disso, comprometendo de alguma forma personalidades senatoriais mais arredias.
Como esses atos espúrios não têm numeração, não é fácil apontar o documento primevo que mostrou o caminho para cumplicidade que, em aspecto colateral não-desdenhável, mais serviria aos supostos auxiliares inferiores do que a seus principais beneficiários. A própria ilegalidade do ato e de suas consequências representaria precioso instrumento de nivelação por baixo e de potencial utilização, de parte dos antes obsequiosos subordinados, a fins de intimidação e chantagem.
Ora, se o ponto de origem desta prática criminosa é suscetível de discussão, a própria duração da convivência dos senhores senadores com tal elefante da ilicitude torna risível qualquer tentativa de proclamar a própria ignorância diante de uma prática generalizada.
O que antes se suspeitava, a sucessão de revelações no escândalo serial do Senado se tem encarregado de desvendar personalidades acima de qualquer suspeita, com a sem-cerimônia de uma verdade ainda que tardia, como no célebre lema da Inconfidência Mineira.
Defronte do melancólico cortejo daqueles que se acreditava não-contaminados, a impostura do chamado ato secreto exibe aspecto que pode ser importuno e desmistificador para alguns, mas que rasga com força a piedosa lenda da secretividade de tais atos.
Alegados mistérios que persistem por tantos anos em comunidades corporativistas tendem a transformar-se em comprometedores, mas na essência meros segredos de Polichinelo.
terça-feira, 23 de junho de 2009
O que fazer do Senado ?
Talvez o Sr. José Sarney tenha razão em fim de contas. Se a crise não é dele, é do Senado, será com o Senado que o Povo brasileiro deve lidar.
Depois do chocho discurso em que procurou livrar-se de qualquer responsabilidade – e pelo qual recebeu apoio de valor similar do Presidente Lula -, a situação de Sarney, e da instituição que preside, continuou a deteriorar-se, em patética série de revelações, envolvendo não só o Senador pelo Amapá, como sponte sua, do próprio líder da oposição, Arthur Virgílio.
Em seguida, o Senador Cristovam Buarque sugeriu, da tribuna, que o presidente José Sarney se licencie do cargo por sessenta dias.
Em resposta às pressões que se avolumam, José Sarney acreditou oportuno responder que não foi eleito “para limpar as lixeiras da cozinha do Senado”.
Filho dileto do patrimonialismo, José Sarney não pode compreender o movimento pela redenção do Senado. O homem letrado, que se acredita escritor consagrado, cuja palavra é lei em dois Estados da União, parece nada saber do pequeno mundo à sua volta.
Apesar de haver nomeado Agaciel Maia grão-diretor do Senado, diz ignorar a existência de atos secretos, como também as nomeações de seus protegidos e parentes para a administração do Senado. Tampouco, segundo assevera, estava a par do auxílio-moradia que indevidamente percebia, assim como não tinha ideia de que lá existissem 180 diretores.
Na verdade, o indicado por Renan Calheiros para a presidência do Senado, que perante todas as denúncias promete averiguar e tomar as providências cabíveis, desta figura que é a reificação de tudo o que aí hoje vem a lume, não é lícito antever nada que possa sanear o chavascal da instituição a que, não sendo homem comum preside. Pois há limites até para a ingenuidade e desse lídimo espécimen do coronelato nordestino só se pode esperar o apego à prática do deixa estar para ver como é que fica.
Mas, pensando bem, afigura-se forçoso admitir que José Sarney, de alguma forma, representa o que hoje é o Senado Federal.
Que outra instituição mais se assemelha a uma Casa da Mãe Joana ? Além dos mais de seiscentos atos secretos, o que dizer da choldra de dez mil funcionários ? E o que falar das verbas abundantes, transformadas em cabides de empregos ilícitos ? Sem mencionar os suplentes, instalados em cadeiras que não são suas, por todo o restante de um mandato que pertence ao Povo ?
O Senado Federal foi transformado em um pântano em que todas as legitimidades desaparecem. Na áulica atmosfera de Brasília, sob a magnífica arquitetura de Oscar Niemeyer, proliferou uma estranha cultura, misto de alienação cívica e de absurdo corporativismo, que afinal produziu a seleta sociedade que ora se nos depara.
Que costumes são esses em que um ex-diretor administrativo se julga em condições de chantagear o líder da oposição e de intimidar outros ? E o atroador silêncio de tantos insignes senadores ? Por que não se organizam, não se constituem em comissões ad hoc, não fazem ouvir da tribuna a sua concertada reação ? Ou será que há razões a explicarem este silêncio, esta inação, que é objeto de estranhável assombro em políticos tarimbados ?
A Nação brasileira, formada por este Povo em nome do qual todas as leis e todas as sentenças são emitidas, carece de encontrar maneira para enfrentar a crise do Senado. Será crível arrostá-la e solucioná-la com a gente que lá se encontra ?
Depois do chocho discurso em que procurou livrar-se de qualquer responsabilidade – e pelo qual recebeu apoio de valor similar do Presidente Lula -, a situação de Sarney, e da instituição que preside, continuou a deteriorar-se, em patética série de revelações, envolvendo não só o Senador pelo Amapá, como sponte sua, do próprio líder da oposição, Arthur Virgílio.
Em seguida, o Senador Cristovam Buarque sugeriu, da tribuna, que o presidente José Sarney se licencie do cargo por sessenta dias.
Em resposta às pressões que se avolumam, José Sarney acreditou oportuno responder que não foi eleito “para limpar as lixeiras da cozinha do Senado”.
Filho dileto do patrimonialismo, José Sarney não pode compreender o movimento pela redenção do Senado. O homem letrado, que se acredita escritor consagrado, cuja palavra é lei em dois Estados da União, parece nada saber do pequeno mundo à sua volta.
Apesar de haver nomeado Agaciel Maia grão-diretor do Senado, diz ignorar a existência de atos secretos, como também as nomeações de seus protegidos e parentes para a administração do Senado. Tampouco, segundo assevera, estava a par do auxílio-moradia que indevidamente percebia, assim como não tinha ideia de que lá existissem 180 diretores.
Na verdade, o indicado por Renan Calheiros para a presidência do Senado, que perante todas as denúncias promete averiguar e tomar as providências cabíveis, desta figura que é a reificação de tudo o que aí hoje vem a lume, não é lícito antever nada que possa sanear o chavascal da instituição a que, não sendo homem comum preside. Pois há limites até para a ingenuidade e desse lídimo espécimen do coronelato nordestino só se pode esperar o apego à prática do deixa estar para ver como é que fica.
Mas, pensando bem, afigura-se forçoso admitir que José Sarney, de alguma forma, representa o que hoje é o Senado Federal.
Que outra instituição mais se assemelha a uma Casa da Mãe Joana ? Além dos mais de seiscentos atos secretos, o que dizer da choldra de dez mil funcionários ? E o que falar das verbas abundantes, transformadas em cabides de empregos ilícitos ? Sem mencionar os suplentes, instalados em cadeiras que não são suas, por todo o restante de um mandato que pertence ao Povo ?
O Senado Federal foi transformado em um pântano em que todas as legitimidades desaparecem. Na áulica atmosfera de Brasília, sob a magnífica arquitetura de Oscar Niemeyer, proliferou uma estranha cultura, misto de alienação cívica e de absurdo corporativismo, que afinal produziu a seleta sociedade que ora se nos depara.
Que costumes são esses em que um ex-diretor administrativo se julga em condições de chantagear o líder da oposição e de intimidar outros ? E o atroador silêncio de tantos insignes senadores ? Por que não se organizam, não se constituem em comissões ad hoc, não fazem ouvir da tribuna a sua concertada reação ? Ou será que há razões a explicarem este silêncio, esta inação, que é objeto de estranhável assombro em políticos tarimbados ?
A Nação brasileira, formada por este Povo em nome do qual todas as leis e todas as sentenças são emitidas, carece de encontrar maneira para enfrentar a crise do Senado. Será crível arrostá-la e solucioná-la com a gente que lá se encontra ?
segunda-feira, 22 de junho de 2009
Aposentar o Juiz Baltazar Garzón ?
O leitor deste blog se recordará do Juiz Baltazar Garzón, magistrado espanhol, a quem dediquei o blog de 30 de março de 2009. Na época, tratava da denúncia por ele tramitada contra o sexteto sinistro integrado por Alberto González, John Yoo, Douglas Feith, David Addington, William Haynes II, e Jay S. Bybee, indiciados por formularem a tentativa de sustentação jurídica da aplicação da tortura nos interrogatórios dos suspeitos de terrorismo.
A chamada jurisdição universal se tinha assinalado na ação movida contra o ex-ditador Augusto Pinochet, pilhado em Londres quando em visita à sua amiga Margaret Thatcher. Responsável pelo ajuizamento da denúncia, Baltazar Garzón forçaria prisão domiciliar de 503 dias de Pinochet e, indiretamente, provocaria providências mais enérgicas da justiça chilena, até então omissa.
Além da ação penal acima referida, correm na Audiência Nacional de Espanha processos contra militares israelenses, pela morte de catorze civis (sete crianças) e ferimentos em 150 pessoas, por uma bomba lançada por avião militar israelense para assassinar o dirigente do Hamas, Salah Shehadeh; ação contra autoridades chinesas, por “ataque sistemático contra a população civil tibetana” desde o dia dez de março de 2008, provocando 203 mortes e ferimentos de mais de mil pessoas; e o segundo processo, por genocídio, tortura e crise de lesa-humanidade, tem como réu o ex-presidente Jiang Zemin e outros seis funcionários chineses, acusados de serem os autores de repressão no Tibete.
Há outros países, ajuizados na Audiência Nacional, a par de Chile, Estados Unidos, China e Israel: Ruanda, Guatemala e El Salvador. Diante dos entraves colocados à ação do Tribunal Penal Internacional, sediado na Haia - como ressalta no caso do genocídio de Darfur e da dificuldade das autoridades internacionais julgarem criminalmente o ditador do Sudão, general Omar Hassan al-Bashir – a desenvoltura da justiça espanhola, singularizando tantos responsáveis por desmandos contra os direitos humanos, representa um galardão senão para o ajuizamento dos transgressores, pelo menos como virtual indiciamento, com consequências nos eventuais deslocamentos dessas pessoas, dada a relativização de sua impunidade (os cuidados que o notório Dr. Henry Kissinger deve observar nas suas viagens internacionais constitui, a respeito, indicação importante).
Se se confirmar a intenção do governo socialista de Zapatero, em conluio com o partido Popular, de encerrar este capítulo da justiça espanhola, através de leizinha a ser passada pelo Parlamento espanhol, ver-me-ei forçado a concordar, embora a contragosto, com uma opinião do Primeiro Ministro Silvio Berlusconi, da Itália. Com efeito, o Presidente do Governo espanhol, José Luis Rodriguez Zapatero, mostrará, prestando-se a tão melancólica iniciativa, a inegável falta de inteligência que lhe fora increpada pelo indiscreto político italiano.
Para evitar incômodos diplomáticos, Zapatero se prestaria a uma ação deplorável, como se desejasse confinar a sua Espanha à mediocridade peninsular, aposentando na prática juízes como Baltazar Garzón, com tantos e notáveis serviços para a causa da justiça universal.
Para aqueles que convivem com a impunidade dos poderosos – como a vergonha do mega-escândalo no Senado Federal tem demonstrado pelo comportamento de seus responsáveis, com o presidente e homem comum José Sarney à frente – a atuação da Audiência Nacional de Espanha representa mais do que uma esperança para que a arrogância dos ditadores e asseclas encontre algum dia a sua nêmesis.
Será que realmente José Luis Zapatero se disporá a assinar esse atestado de pequenez e de falta de visão, ao fechar página de tal relevo para a justiça espanhola e mundial ?
(fonte informativa: O Globo, de 21.06.2009)
A chamada jurisdição universal se tinha assinalado na ação movida contra o ex-ditador Augusto Pinochet, pilhado em Londres quando em visita à sua amiga Margaret Thatcher. Responsável pelo ajuizamento da denúncia, Baltazar Garzón forçaria prisão domiciliar de 503 dias de Pinochet e, indiretamente, provocaria providências mais enérgicas da justiça chilena, até então omissa.
Além da ação penal acima referida, correm na Audiência Nacional de Espanha processos contra militares israelenses, pela morte de catorze civis (sete crianças) e ferimentos em 150 pessoas, por uma bomba lançada por avião militar israelense para assassinar o dirigente do Hamas, Salah Shehadeh; ação contra autoridades chinesas, por “ataque sistemático contra a população civil tibetana” desde o dia dez de março de 2008, provocando 203 mortes e ferimentos de mais de mil pessoas; e o segundo processo, por genocídio, tortura e crise de lesa-humanidade, tem como réu o ex-presidente Jiang Zemin e outros seis funcionários chineses, acusados de serem os autores de repressão no Tibete.
Há outros países, ajuizados na Audiência Nacional, a par de Chile, Estados Unidos, China e Israel: Ruanda, Guatemala e El Salvador. Diante dos entraves colocados à ação do Tribunal Penal Internacional, sediado na Haia - como ressalta no caso do genocídio de Darfur e da dificuldade das autoridades internacionais julgarem criminalmente o ditador do Sudão, general Omar Hassan al-Bashir – a desenvoltura da justiça espanhola, singularizando tantos responsáveis por desmandos contra os direitos humanos, representa um galardão senão para o ajuizamento dos transgressores, pelo menos como virtual indiciamento, com consequências nos eventuais deslocamentos dessas pessoas, dada a relativização de sua impunidade (os cuidados que o notório Dr. Henry Kissinger deve observar nas suas viagens internacionais constitui, a respeito, indicação importante).
Se se confirmar a intenção do governo socialista de Zapatero, em conluio com o partido Popular, de encerrar este capítulo da justiça espanhola, através de leizinha a ser passada pelo Parlamento espanhol, ver-me-ei forçado a concordar, embora a contragosto, com uma opinião do Primeiro Ministro Silvio Berlusconi, da Itália. Com efeito, o Presidente do Governo espanhol, José Luis Rodriguez Zapatero, mostrará, prestando-se a tão melancólica iniciativa, a inegável falta de inteligência que lhe fora increpada pelo indiscreto político italiano.
Para evitar incômodos diplomáticos, Zapatero se prestaria a uma ação deplorável, como se desejasse confinar a sua Espanha à mediocridade peninsular, aposentando na prática juízes como Baltazar Garzón, com tantos e notáveis serviços para a causa da justiça universal.
Para aqueles que convivem com a impunidade dos poderosos – como a vergonha do mega-escândalo no Senado Federal tem demonstrado pelo comportamento de seus responsáveis, com o presidente e homem comum José Sarney à frente – a atuação da Audiência Nacional de Espanha representa mais do que uma esperança para que a arrogância dos ditadores e asseclas encontre algum dia a sua nêmesis.
Será que realmente José Luis Zapatero se disporá a assinar esse atestado de pequenez e de falta de visão, ao fechar página de tal relevo para a justiça espanhola e mundial ?
(fonte informativa: O Globo, de 21.06.2009)
domingo, 21 de junho de 2009
As Manifestações de Protesto no Irã
Como toda a situação do gênero, não é decerto possível prever como evoluirão os acontecimentos no Irã. Conforme noticiado, na sexta-feira à noite, o Líder Supremo Ali Khamenei, perante auditório repleto de zelosos partidários, inclusive Mahmoud Ahmadinejad, lançara um ultimatum às forças democráticas, encabeçadas por Mir Hussein Moussavi.
Deviam cessar as manifestações de protesto. Aqueles que desrespeitassem a ordem, seriam responsáveis pelo derramamento de sangue. Nesse tipo de regime, sabemos que as vítimas são em geral consideradas responsáveis, mas talvez nenhum mandatário tenha sido tão constrangedoramente explícito quanto o foi Khamenei.
Se as concentrações pacíficas de milhões de iranianos evoluirão para um movimento revolucionário, somente os próximos dias poderão responder.
Na fluidez particular deste momento histórico, existem no entanto alguns sinais significativos. Assim, o líder supremo não hesitou em mostrar a irrelevância da única concessão feita à oposição. Ao declarar como definitivo o triunfo de Ahmadinejad – “O Estado Islâmico não iria trapacear nem trairia o voto do povo. O mecanismo legal para eleições não permite qualquer fraude.” - , Khamenei despojou de qualquer sentido a recontagem parcial ora realizada pelo Conselho dos Guardiães.
Se a dita recontagem é apenas um gesto vazio – eis que limitada a percentual baixo dos sufrágios, mesmo que conduzida lisamente não poderia mudar o resultado -, o líder supremo decidiu achincalhá-la ainda mais.
Por outro lado, Moussavi vem demonstrando porque a sua liderança cresceu tanto nos últimos dias. A despeito das ameaças, o candidato esbulhado não recuou. Conclamou os partidários a prosseguirem na sua caminhada, a par de faze-los saber que se algo lhe ocorrer, que seja declarada uma greve geral em todo o país.
Existe, contudo, outro aspecto que talvez sobreleve aos demais. No passado, em todos os protestos sob o regime islâmico no Irã, nunca uma determinação do Líder Supremo fora desrespeitada.
Dessa feita, apesar do ultimatum do ayatollah, de suas ameaças e de haver apostrofado a desobediência como contrária ao Islam, o movimento contestador não desapareceu das ruas. Se o número de manifestantes no dia imediato à alocução de Khamenei foi de alguns milhares, ao invés das centenas de milhares nas manifestações anteriores, a violência da polícia e sobretudo dos basiji não deixava dúvidas quanto aos temores dos atuais detentores do poder, e da sua ânsia de esmagar a contestação, uma vez liberados de quaisquer peias na sua truculência pelo próprio Líder Supremo.
Se o movimento democrático já registrara mártires, como aqueles que motivaram a grande marcha, feita a pedido de Moussavi, de manifestantes vestidos de negro, em expressão do luto pelo sacrifício de companheiros, o total de mortes entre aqueles que ousaram desobedecer a diretiva de Khamenei é, no presente, de dezenove pessoas, consoante a contagem oficial dos órgãos de segurança.
Dadas as dificuldades encontradas pelos jornalistas europeus em cobrir a situação no Irã, devido não só à consueta repressão às atividades dos meios de comunicação, mas também às acusações rituais dirigidas contra potências estrangeiras (Estados Unidos, Grã-Bretanha, Israel). Nada disso é incomum em regimes autoritários, dada a necessidade que têm, em função de sua inerente fraqueza, de culpabilizar o Outro, e de assim tentar desvirtuar as verdadeiras motivações dos movimentos de contestação democrática.
Se se afigura prematura qualquer antecipação do rumo que tomarão os acontecimentos, já se pode asseverar que, por primeira vez, determinação do Supremo Lider foi ignorada por aglomerações significativas de manifestantes, não obstante os riscos que sabiam estar correndo.
O futuro dirá se a bestialidade das milícias islâmicas (basiji) e das forças policiais ao abater, sem outro motivo que a nua crueldade, jovens como a moça Neda e se encarregará de agir como sinistro contingente auxiliar da revolução democrática, a exemplo do ocorrido há trinta atrás, quando da brutal repressão intentada pelas hostes do Xá Reza Pahlevi.
Deviam cessar as manifestações de protesto. Aqueles que desrespeitassem a ordem, seriam responsáveis pelo derramamento de sangue. Nesse tipo de regime, sabemos que as vítimas são em geral consideradas responsáveis, mas talvez nenhum mandatário tenha sido tão constrangedoramente explícito quanto o foi Khamenei.
Se as concentrações pacíficas de milhões de iranianos evoluirão para um movimento revolucionário, somente os próximos dias poderão responder.
Na fluidez particular deste momento histórico, existem no entanto alguns sinais significativos. Assim, o líder supremo não hesitou em mostrar a irrelevância da única concessão feita à oposição. Ao declarar como definitivo o triunfo de Ahmadinejad – “O Estado Islâmico não iria trapacear nem trairia o voto do povo. O mecanismo legal para eleições não permite qualquer fraude.” - , Khamenei despojou de qualquer sentido a recontagem parcial ora realizada pelo Conselho dos Guardiães.
Se a dita recontagem é apenas um gesto vazio – eis que limitada a percentual baixo dos sufrágios, mesmo que conduzida lisamente não poderia mudar o resultado -, o líder supremo decidiu achincalhá-la ainda mais.
Por outro lado, Moussavi vem demonstrando porque a sua liderança cresceu tanto nos últimos dias. A despeito das ameaças, o candidato esbulhado não recuou. Conclamou os partidários a prosseguirem na sua caminhada, a par de faze-los saber que se algo lhe ocorrer, que seja declarada uma greve geral em todo o país.
Existe, contudo, outro aspecto que talvez sobreleve aos demais. No passado, em todos os protestos sob o regime islâmico no Irã, nunca uma determinação do Líder Supremo fora desrespeitada.
Dessa feita, apesar do ultimatum do ayatollah, de suas ameaças e de haver apostrofado a desobediência como contrária ao Islam, o movimento contestador não desapareceu das ruas. Se o número de manifestantes no dia imediato à alocução de Khamenei foi de alguns milhares, ao invés das centenas de milhares nas manifestações anteriores, a violência da polícia e sobretudo dos basiji não deixava dúvidas quanto aos temores dos atuais detentores do poder, e da sua ânsia de esmagar a contestação, uma vez liberados de quaisquer peias na sua truculência pelo próprio Líder Supremo.
Se o movimento democrático já registrara mártires, como aqueles que motivaram a grande marcha, feita a pedido de Moussavi, de manifestantes vestidos de negro, em expressão do luto pelo sacrifício de companheiros, o total de mortes entre aqueles que ousaram desobedecer a diretiva de Khamenei é, no presente, de dezenove pessoas, consoante a contagem oficial dos órgãos de segurança.
Dadas as dificuldades encontradas pelos jornalistas europeus em cobrir a situação no Irã, devido não só à consueta repressão às atividades dos meios de comunicação, mas também às acusações rituais dirigidas contra potências estrangeiras (Estados Unidos, Grã-Bretanha, Israel). Nada disso é incomum em regimes autoritários, dada a necessidade que têm, em função de sua inerente fraqueza, de culpabilizar o Outro, e de assim tentar desvirtuar as verdadeiras motivações dos movimentos de contestação democrática.
Se se afigura prematura qualquer antecipação do rumo que tomarão os acontecimentos, já se pode asseverar que, por primeira vez, determinação do Supremo Lider foi ignorada por aglomerações significativas de manifestantes, não obstante os riscos que sabiam estar correndo.
O futuro dirá se a bestialidade das milícias islâmicas (basiji) e das forças policiais ao abater, sem outro motivo que a nua crueldade, jovens como a moça Neda e se encarregará de agir como sinistro contingente auxiliar da revolução democrática, a exemplo do ocorrido há trinta atrás, quando da brutal repressão intentada pelas hostes do Xá Reza Pahlevi.
sábado, 20 de junho de 2009
O Museu da Acrópole e os Mármores de Lord Elgin
Neste fim de semana, será inaugurado o novo Museu da Acrópole. Construído ao pé da mais célebre das colinas, o museu é prédio ultramoderno, que atende aos mais avançados requisitos da museologia.
Recordo-me com grande prazer que nas últimas atividades da despedida de minhas honrosas funções anteriores, me foi dada a oportunidade de visitar o prédio desse museu, em que se reuniam o talento e a dedicação do arquiteto suiço Bernard Schumi e do diretor grego Pandermalis. Naquela época, a cerca de ano e meio, a conformação arquitetônica do museu já estava concluída, posto que ainda estivesse em curso o cuidadoso processo de transferência das peças artísticas do antigo museu, que se acha diante do frontão menos conhecido do Parthenon.
Assombraram-me os cuidados que se dispensavam para tornar realidade um velho sonho dos filelenos. O museu pela sua situação ideal reflete com ática discrição em suas vidraças adrede dispostas a imagem da mais célebre colunata da Antiguidade.
Os gregos, que haviam preservado ao longo de peripécias e vicissitudes de mais de dois mil e quinhentos anos a jóia de Iktinos e de Phídias, encomendada por Péricles, nos áureos tempos da democracia ateniense, não se apressavam decerto em levar a cabo esta obra complementar do conjunto dos tesouros da Acrópole.
Registro a inauguração com o orgulho de quem fruíu da oportunidade de convívio não tão breve quanto o que habitualmente é concedido à multidão de seus admiradores. E por isso não será por acaso que o nobre frontão noroeste do Parthenon, com as suas oito colunas dóricas, é a foto por mim escolhida para encimar meu modesto blog.
Durante a visita ao futuro museu da Acrópole, me foram mostrados pelo responsável os locais destinados a acolher, em data que auguramos não longínqua, os tristemente famosos mármores de Lord Elgin.
Este senhor, nos albores do século dezenove, a poucos anos da sofrida independência da Grécia do domínio turco, era o embaixador de Sua Majestade Britânica perante a Sublime Porta. Acorreu-lhe, nas vésperas do regresso, pilhar as esculturas do friso, do pedimento e das métopes, esculpidas e moldadas para formar um todo nas obras artísticas em homenagem à cultuada deusa Pallas Athena.
Nos tempos do imperialismo, as belezas esculturais de épocas passadas, na antiga Grécia e no Oriente, eram consideradas res nullius, e no entender de ingleses e franceses podiam ser arrancadas e transportadas para os respectivos reinos. A bancarrota de Lord Elgin permitiu que a Coroa britânica se apossasse de tais peças, que hoje permanecem no British Museum.
Quando Ministra da Cultura, a atriz Melina Mercouri iniciou memorável campanha pela restituição desses tesouros da Antiguidade, subtraídos no passado pelas potências imperialistas. Não há de espantar que a ênfase de tal esforço se centrasse nos ditos Mármores de Lord Elgin.
Lutando contra secular preconceito, arraigado e arrogante, Melina Mercouri formalmente não logrou êxito. Como toda precursora, se lhe depararam inamovíveis posturas de altiva rejeição. Fora dado, porém, o primeiro passo na longa caminhada.
A propósito da presente inauguração do novel Museu da Acrópole, o escritor Christopher Hitchens nos fala da pendente e inexorável devolução dessa obra prima, saqueada com paralelepipédica sutileza por Lord Elgin e seus feitores. Por certo, que não há datas marcadas. No entanto, só os tolos duvidarão de que mais cedo do que tarde o governo de Sua Majestade reconhecerá que os tempos são outros, e que todos os argumentos esgrimidos contra a realização deste ato de elementar justiça caíram melancolicamente por terra.
E Hitchens, se preciso fosse, mostra o exemplo que devem seguir tais detentores de velhos porém imprescritíveis saqueios de obras primas. Dessarte, recentemente o Presidente italiano, Giorgio Napolitano, visitou o Museu para devolver-lhe fragmento do friso – o pé da deusa Artemis – que se achava no Museu Salinas de Palermo. Por outro lado, o Museu do Vaticano restituiu a cabeça de um jovem, da métope quinta do friso norte, e o Museu de Heidelberg retornou o fragmento do pé de jovem tocador da lira, na métope oitava.
Já estigmatizados pelo arbítrio, seria do interesse de Humanitas, por quem zela a deusa Pallas Athena, que os provectos curadores de antigos roubos se rendam à evidência e se apressem em devolver à famosa colina o que não lhes pertence. Para vergonha da Justiça e em afronta a patrimônio de Civilização a que tanto devemos, essas peças já os enfeitaram por tempo demasiado.
Recordo-me com grande prazer que nas últimas atividades da despedida de minhas honrosas funções anteriores, me foi dada a oportunidade de visitar o prédio desse museu, em que se reuniam o talento e a dedicação do arquiteto suiço Bernard Schumi e do diretor grego Pandermalis. Naquela época, a cerca de ano e meio, a conformação arquitetônica do museu já estava concluída, posto que ainda estivesse em curso o cuidadoso processo de transferência das peças artísticas do antigo museu, que se acha diante do frontão menos conhecido do Parthenon.
Assombraram-me os cuidados que se dispensavam para tornar realidade um velho sonho dos filelenos. O museu pela sua situação ideal reflete com ática discrição em suas vidraças adrede dispostas a imagem da mais célebre colunata da Antiguidade.
Os gregos, que haviam preservado ao longo de peripécias e vicissitudes de mais de dois mil e quinhentos anos a jóia de Iktinos e de Phídias, encomendada por Péricles, nos áureos tempos da democracia ateniense, não se apressavam decerto em levar a cabo esta obra complementar do conjunto dos tesouros da Acrópole.
Registro a inauguração com o orgulho de quem fruíu da oportunidade de convívio não tão breve quanto o que habitualmente é concedido à multidão de seus admiradores. E por isso não será por acaso que o nobre frontão noroeste do Parthenon, com as suas oito colunas dóricas, é a foto por mim escolhida para encimar meu modesto blog.
Durante a visita ao futuro museu da Acrópole, me foram mostrados pelo responsável os locais destinados a acolher, em data que auguramos não longínqua, os tristemente famosos mármores de Lord Elgin.
Este senhor, nos albores do século dezenove, a poucos anos da sofrida independência da Grécia do domínio turco, era o embaixador de Sua Majestade Britânica perante a Sublime Porta. Acorreu-lhe, nas vésperas do regresso, pilhar as esculturas do friso, do pedimento e das métopes, esculpidas e moldadas para formar um todo nas obras artísticas em homenagem à cultuada deusa Pallas Athena.
Nos tempos do imperialismo, as belezas esculturais de épocas passadas, na antiga Grécia e no Oriente, eram consideradas res nullius, e no entender de ingleses e franceses podiam ser arrancadas e transportadas para os respectivos reinos. A bancarrota de Lord Elgin permitiu que a Coroa britânica se apossasse de tais peças, que hoje permanecem no British Museum.
Quando Ministra da Cultura, a atriz Melina Mercouri iniciou memorável campanha pela restituição desses tesouros da Antiguidade, subtraídos no passado pelas potências imperialistas. Não há de espantar que a ênfase de tal esforço se centrasse nos ditos Mármores de Lord Elgin.
Lutando contra secular preconceito, arraigado e arrogante, Melina Mercouri formalmente não logrou êxito. Como toda precursora, se lhe depararam inamovíveis posturas de altiva rejeição. Fora dado, porém, o primeiro passo na longa caminhada.
A propósito da presente inauguração do novel Museu da Acrópole, o escritor Christopher Hitchens nos fala da pendente e inexorável devolução dessa obra prima, saqueada com paralelepipédica sutileza por Lord Elgin e seus feitores. Por certo, que não há datas marcadas. No entanto, só os tolos duvidarão de que mais cedo do que tarde o governo de Sua Majestade reconhecerá que os tempos são outros, e que todos os argumentos esgrimidos contra a realização deste ato de elementar justiça caíram melancolicamente por terra.
E Hitchens, se preciso fosse, mostra o exemplo que devem seguir tais detentores de velhos porém imprescritíveis saqueios de obras primas. Dessarte, recentemente o Presidente italiano, Giorgio Napolitano, visitou o Museu para devolver-lhe fragmento do friso – o pé da deusa Artemis – que se achava no Museu Salinas de Palermo. Por outro lado, o Museu do Vaticano restituiu a cabeça de um jovem, da métope quinta do friso norte, e o Museu de Heidelberg retornou o fragmento do pé de jovem tocador da lira, na métope oitava.
Já estigmatizados pelo arbítrio, seria do interesse de Humanitas, por quem zela a deusa Pallas Athena, que os provectos curadores de antigos roubos se rendam à evidência e se apressem em devolver à famosa colina o que não lhes pertence. Para vergonha da Justiça e em afronta a patrimônio de Civilização a que tanto devemos, essas peças já os enfeitaram por tempo demasiado.
sexta-feira, 19 de junho de 2009
Khamenei, Moussavi e a Crise Iraniana
O Supremo líder da Teocracia do Irã pode estar há vinte anos no poder, mas o seu comportamento durante esta eleição presidencial não parece indicar que ele se tenha familiarizado com o pleno domínio dos instrumentos do mando.
Já dentro das normas do regime iraniano, a sucessão de Ali Khamenei ao ayatollah Khomeni não satisfizera o estamento dos mullahs, eis que a sua anterior ascensão a ayatollah correspondera mais às ligações políticas de Khamenei do que a seu conhecimento religioso. Este vício de origem não ensejaria que ele pudesse aspirar à ascendência usufruída pelo fundador do regime. Falto da desejada legitimidade islâmica, ele se veria constrangido a jogos de poder junto a diversas facções, para manter-se no ápice da hierarquia.
A despeito de rumores iniciais de que Mahmoud Ahmadinejad não mais gozava do apoio do líder supremo, por causa de sua gestão desastrosa em termos de finanças públicas, da carestia, e de posturas agressivas e radicais – como a absurda negação do Holocausto – o crescimento da candidatura de Mir Hussein Moussavi terá assustado a Khamenei. Sua surpreendente penetração junto ao eleitorado foi identificada pelos círculos mais próximos do chefe teocrático como a ressurgência da contestação ao regime, por mais que Moussavi haja sido um eficiente primeiro ministro ao tempo do ayatollah Khomeini e que, outrossim, seja um homem do regime, sempre havendo acatado a supremacia política do líder religioso.
Dessarte, seja diretamente pelo próprio Khamenei, seja persuadido pelas forças que o apóiam (exército e órgãos de segurança, notadamente), foi decidida uma intervenção no Ministério do Interior ( encarregado da organização das consultas eleitorais) para que fosse evitado o segundo turno, proclamando-se de plano Ahmadinejad como o vencedor do pleito, com grande diferença percentual sobre Moussavi.
Se a manipulação foi canhestra – a ponto de conceder a vitória a Ahmadinejad até no distrito de origem de Moussavi – a fraude se tornou ainda mais grosseira com a apuração reduzida a apenas um dia, quando a prática consueta é de três dias. Sublinhou, outrossim, o nervosismo do líder supremo a difusão pela televisão estatal de comunicado que entronizava a Mahmoud Ahmadinejad como o presidente-eleito.
A interferência na vontade popular – que beneficiava por segunda vez a Ahmadinejad, eis que também tivera ‘ajuda especial’ no segundo turno de 2005 – chocou os eleitores de Moussavi, sobretudo pela brutal diferença entre este, com 34,0% dos votos, e o candidato oficial, brindado com inflados 62,2%. Esse resultado contrariava não só as pesquisas, que atribuíam certa vantagem ao candidato da oposição, mas sobremodo ao sentir da maior parte do povo. A ‘apropriação indébita’ dos sufrágios ganhou logo expressão em cartazes levados por populares com a frase “quero o meu voto de volta”.
Em consequência, formou-se espontaneamente o movimento popular de protesto contra o esbulho na eleição presidencial. Diante da torpe arrogância do líder supremo, que se acreditara em condições de impor ao eleitorado iraniano uma ‘solução’ de estampo similar àquelas prevalentes em outros países islâmicos e nos antigos regimes comunistas, a reação, popular e pacífica, cresceu e se consolidou em manifestações multitudinárias.
Moussavi, considerado por alguns analistas um líder acidental, por sua oratória técnica e não-empolgante é reputado como desprovido de carisma. Junto com a reivindicação pela democracia a sua liderança se tem marcado e fortalecido. Respondendo à sua firmeza em não ceder às fortes pressões com que o Estado de Khamenei buscou tornar acéfalo o movimento social, seus partidários começaram a chamá-lo “o Gandhi do Irã”.
A sua trajetória anterior o fazia um ‘insider’ da elite dominante, sendo muito próximo do ayatollah Ruhollah Khomeini. Nessa condição, Moussavi foi primeiro ministro, enquanto Khamenei era o presidente, ambos sob a égide de Khomeini. Administrador competente, entrou ele várias vezes em choque contra Khamenei.
Será uma das ironias da história que personagem tão entrosado com o regime dos ayatollahs venha a evoluir para o papel que ora está exercendo. Abraçado por larga faixa societal, a sua imagem é alçada nas vastas demonstrações da oposição que têm atravessado as principais cidades do país, entoando seu nome em versos rimados que invocam os maiores mártires do Islam. E sua liderança tem sido não só respeitada, mas obedecida, como na organização dos cortejos com trajes e velas negras, em sinal de luto pelos diversos manifestantes assassinados pelos truculentos baseji (milícia islâmica).
Todas essas grandes concentrações populares, que, sem embargo do ceticismo de muitos, parecem renovar-se continuamente, alcançando números impressionantes – como as três milhões de pessoas de segunda-feira, na estimativa do prefeito de Teerã – semelham até o presente aumentar a cada dia, a ponto de que a aglomeração desta quinta-feira ter sido ainda maior do que a do início da semana.
Se com o passar dos dias parece inevitável não comparar esse grande movimento popular com as manifestações que antecederam a queda do regime do Xá Reza Pahlevi, restam muitas interrogações sobre como evoluirá a atual silenciosa, porém consistente contestação ao regime iraniano vigente.
No entanto, seria prematuro especular sobre a eventual queda do líder Khamenei. Não deve ser excluída
uma reação violenta do regime ameaçado, embora o resultante banho de sangue seria decerto um desastre, e talvez mais para o governo dos mullahs do que para as perspectivas a medio prazo de uma revolução democrática.
Traindo inegável descontrole, que volta a evidenciar o nervosismo que presidira à abrupta tentativa da solução pela fraude, o líder supremo baixou um ‘ultimatum religioso’ para que os protestadores terminem com a série de manifestações públicas. No seu entendimento, se as lideranças políticas persistirem na sua orientação de protesto, e se as manifestações prosseguirem, não se responsabiliza pelo que venha a ocorrer. Por outro lado, as eventuais mortes seriam imputáveis a esses líderes e aos próprios participantes das concentrações. A não-obediência os transformaria em inimigos do Islam, culpados de provocar a raiva e a dissenção na sociedade iraniana.
Fez em sermão televisado apaixonada apreciação da trajetória de Mahmoud Ahmadinejad, cuja eleição considerou definitiva. Em seu pronunciamento, o líder supremo reafirmou que a maioria da população iraniana tem fé nos atuais dirigentes da República islâmica.
Contudo, a situação apresenta uma grande fluidez que evoca tempos revolucionários. Sem embargo das peremptórias assertivas de Khamenei sobre o caráter definitivo da eleição de Ahmadinejad, não foi revogada a prévia promessa de que o Conselho dos Guardiães verifique a lisura do escrutínio do primeiro turno, assim como o convite aos três candidatos perdedores para que exponham as suas queixas ao Conselho.
A crise, como sobejamente o demonstra o próprio comportamento do ayatollah Ali Khamenei, representa séria contestação ao atual regime. Dependendo da atitude de Mir Hussein Moussavi e de seus seguidores, o futuro político do Irã está em aberto.
Já dentro das normas do regime iraniano, a sucessão de Ali Khamenei ao ayatollah Khomeni não satisfizera o estamento dos mullahs, eis que a sua anterior ascensão a ayatollah correspondera mais às ligações políticas de Khamenei do que a seu conhecimento religioso. Este vício de origem não ensejaria que ele pudesse aspirar à ascendência usufruída pelo fundador do regime. Falto da desejada legitimidade islâmica, ele se veria constrangido a jogos de poder junto a diversas facções, para manter-se no ápice da hierarquia.
A despeito de rumores iniciais de que Mahmoud Ahmadinejad não mais gozava do apoio do líder supremo, por causa de sua gestão desastrosa em termos de finanças públicas, da carestia, e de posturas agressivas e radicais – como a absurda negação do Holocausto – o crescimento da candidatura de Mir Hussein Moussavi terá assustado a Khamenei. Sua surpreendente penetração junto ao eleitorado foi identificada pelos círculos mais próximos do chefe teocrático como a ressurgência da contestação ao regime, por mais que Moussavi haja sido um eficiente primeiro ministro ao tempo do ayatollah Khomeini e que, outrossim, seja um homem do regime, sempre havendo acatado a supremacia política do líder religioso.
Dessarte, seja diretamente pelo próprio Khamenei, seja persuadido pelas forças que o apóiam (exército e órgãos de segurança, notadamente), foi decidida uma intervenção no Ministério do Interior ( encarregado da organização das consultas eleitorais) para que fosse evitado o segundo turno, proclamando-se de plano Ahmadinejad como o vencedor do pleito, com grande diferença percentual sobre Moussavi.
Se a manipulação foi canhestra – a ponto de conceder a vitória a Ahmadinejad até no distrito de origem de Moussavi – a fraude se tornou ainda mais grosseira com a apuração reduzida a apenas um dia, quando a prática consueta é de três dias. Sublinhou, outrossim, o nervosismo do líder supremo a difusão pela televisão estatal de comunicado que entronizava a Mahmoud Ahmadinejad como o presidente-eleito.
A interferência na vontade popular – que beneficiava por segunda vez a Ahmadinejad, eis que também tivera ‘ajuda especial’ no segundo turno de 2005 – chocou os eleitores de Moussavi, sobretudo pela brutal diferença entre este, com 34,0% dos votos, e o candidato oficial, brindado com inflados 62,2%. Esse resultado contrariava não só as pesquisas, que atribuíam certa vantagem ao candidato da oposição, mas sobremodo ao sentir da maior parte do povo. A ‘apropriação indébita’ dos sufrágios ganhou logo expressão em cartazes levados por populares com a frase “quero o meu voto de volta”.
Em consequência, formou-se espontaneamente o movimento popular de protesto contra o esbulho na eleição presidencial. Diante da torpe arrogância do líder supremo, que se acreditara em condições de impor ao eleitorado iraniano uma ‘solução’ de estampo similar àquelas prevalentes em outros países islâmicos e nos antigos regimes comunistas, a reação, popular e pacífica, cresceu e se consolidou em manifestações multitudinárias.
Moussavi, considerado por alguns analistas um líder acidental, por sua oratória técnica e não-empolgante é reputado como desprovido de carisma. Junto com a reivindicação pela democracia a sua liderança se tem marcado e fortalecido. Respondendo à sua firmeza em não ceder às fortes pressões com que o Estado de Khamenei buscou tornar acéfalo o movimento social, seus partidários começaram a chamá-lo “o Gandhi do Irã”.
A sua trajetória anterior o fazia um ‘insider’ da elite dominante, sendo muito próximo do ayatollah Ruhollah Khomeini. Nessa condição, Moussavi foi primeiro ministro, enquanto Khamenei era o presidente, ambos sob a égide de Khomeini. Administrador competente, entrou ele várias vezes em choque contra Khamenei.
Será uma das ironias da história que personagem tão entrosado com o regime dos ayatollahs venha a evoluir para o papel que ora está exercendo. Abraçado por larga faixa societal, a sua imagem é alçada nas vastas demonstrações da oposição que têm atravessado as principais cidades do país, entoando seu nome em versos rimados que invocam os maiores mártires do Islam. E sua liderança tem sido não só respeitada, mas obedecida, como na organização dos cortejos com trajes e velas negras, em sinal de luto pelos diversos manifestantes assassinados pelos truculentos baseji (milícia islâmica).
Todas essas grandes concentrações populares, que, sem embargo do ceticismo de muitos, parecem renovar-se continuamente, alcançando números impressionantes – como as três milhões de pessoas de segunda-feira, na estimativa do prefeito de Teerã – semelham até o presente aumentar a cada dia, a ponto de que a aglomeração desta quinta-feira ter sido ainda maior do que a do início da semana.
Se com o passar dos dias parece inevitável não comparar esse grande movimento popular com as manifestações que antecederam a queda do regime do Xá Reza Pahlevi, restam muitas interrogações sobre como evoluirá a atual silenciosa, porém consistente contestação ao regime iraniano vigente.
No entanto, seria prematuro especular sobre a eventual queda do líder Khamenei. Não deve ser excluída
uma reação violenta do regime ameaçado, embora o resultante banho de sangue seria decerto um desastre, e talvez mais para o governo dos mullahs do que para as perspectivas a medio prazo de uma revolução democrática.
Traindo inegável descontrole, que volta a evidenciar o nervosismo que presidira à abrupta tentativa da solução pela fraude, o líder supremo baixou um ‘ultimatum religioso’ para que os protestadores terminem com a série de manifestações públicas. No seu entendimento, se as lideranças políticas persistirem na sua orientação de protesto, e se as manifestações prosseguirem, não se responsabiliza pelo que venha a ocorrer. Por outro lado, as eventuais mortes seriam imputáveis a esses líderes e aos próprios participantes das concentrações. A não-obediência os transformaria em inimigos do Islam, culpados de provocar a raiva e a dissenção na sociedade iraniana.
Fez em sermão televisado apaixonada apreciação da trajetória de Mahmoud Ahmadinejad, cuja eleição considerou definitiva. Em seu pronunciamento, o líder supremo reafirmou que a maioria da população iraniana tem fé nos atuais dirigentes da República islâmica.
Contudo, a situação apresenta uma grande fluidez que evoca tempos revolucionários. Sem embargo das peremptórias assertivas de Khamenei sobre o caráter definitivo da eleição de Ahmadinejad, não foi revogada a prévia promessa de que o Conselho dos Guardiães verifique a lisura do escrutínio do primeiro turno, assim como o convite aos três candidatos perdedores para que exponham as suas queixas ao Conselho.
A crise, como sobejamente o demonstra o próprio comportamento do ayatollah Ali Khamenei, representa séria contestação ao atual regime. Dependendo da atitude de Mir Hussein Moussavi e de seus seguidores, o futuro político do Irã está em aberto.
quinta-feira, 18 de junho de 2009
Lula: mais uma Declaração na Contramão
Os departamentos de pesquisa dos jornais oferecem ricos mananciais aos que buscam assertivas contraditórias de nosso loquaz Presidente da República. Podem-se atribuir muitas causas à serie recente das declarações presidenciais e, decerto, tais comentários têm conotação própria e circunstancial.
No entanto, engana-se quem deseja restringir ao deslumbramento com o alto cargo a incontinência verbal de Luiz Inácio Lula da Silva. Na oposição, assombra a sua liberdade nos comentários, como a referência ao então Presidente Sarney em 1987: “Adhemar de Barros e Maluf poderiam ser ladrões, mas eles são trombadinhas perto do grande ladrão que é o governante da Nova República”.
Tais afirmações, todavia, poderiam ser pesadas e desrespeitosas – como a dos trezentos picaretas na Câmara (1993) – mas tinham a característica de expressar juízos de largos segmentos da opinião pública.
De uns tempos para cá, porém, se a desenvoltura nas observações permanece, a sua direção e conteúdo indicam mudanças que não encontraremos nos passados registros do líder sindical e oposicionista.
Lula ganhou com o exercício prolongado do mando crescente confiança quanto à sua capacidade de comunicação. Em função dessa íntima segurança, tem preferido em geral o chamado improviso, enjeitando os textos escritos por seus assessores. Dada a usual relevância que se atribui às palavras dos primeiros-mandatários, tal opção envolve óbvios riscos. Nesse sentido, o comportamento dos seus homólogos deveria acender na mente de nosso guia uma luzinha vermelha de advertência.
Estranhamente, para alguém que ama o improviso, o presidente Lula não tem particular apreço pelas entrevistas coletivas. Na verdade, a explicação seria a de manter um certo controle em seu diálogo com os jornalistas. Talvez inseguro quanto às suas possibilidades de lidar com temas abertos, não terá o mesmo sentimento se falar sobre questões por ele determinadas.
Nesse contexto, muitas de suas manifestações – como o incensamento do próprio papel na história, e a peculiar visão negativa de seus antecessores (vide, na visita à Turquia, a constrangedora observação acerca de D.Pedro II) – semelham apontar para a ausência de qualquer assessoria digna desse nome para embasar os comentários presidenciais.
Por conseguinte, a nova linha de pensamento do Presidente Lula se apresenta sobretudo a partir de sua esdrúxula declaração na entrevista conjunta com Gordow Brown, em fins de março último: a crise financeira imputável a comportamentos irracionais de gente branca e de olhos azuis.
Desde então, se reconhecemos a consueta intemperância verbal, ela, contudo, não mais vocaliza impressões comungadas pela maioria. Com efeito, os comentários presidenciais – e nesse ponto não diferem muito do descuidismo do coronel Hugo Chávez – revestem uma turbadora tendência contra a corrente. E, apressemo-nos em qualificar, este suposto novo estilo nada tem de vanguardista ou corajoso.
Assim, em princípios de maio, Lula não se constrange em defender o desmoralizado Congresso Nacional de José Sarney e Michel Temer, taxando de hipocrisia os protestos quanto aos salários na Câmara. Ainda na contramão da opinião pública, ele agora acredita oportuno gravar declaração de apoio ao presidente José Sarney, e de ataque ao ‘denuncismo’.
Repisando a sua vinda a público para defender o Congresso – na época, em intervenção alegadamente forçada pelos dois líderes do PMDB – Lula respalda o presidente do senado, alinhando diversos argumentos de questionável validade e lógica: “Sarney tem história suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum (sic)”. “Sempre fico preocupado quando começa no Brasil um processo de denúncias, porque são acusações sem fim... e depois nada acontece”.
“Se tiver alguma coisa errada, que se apure de maneira correta. O que não se pode é todo dia você arrumar uma vírgula a mais, (porque) você vai desmoralizando todo mundo. Inclusive a imprensa corre risco. A imprensa tem que ter a certeza de que não pode ser desacreditada (...)”
Será tarefa inútil procurar dar sentido à arenga acima. Não terão sido muito diferentes os telefonemas feitos pelo grupo de apoio a José Sarney, sob a sábia orientação do respectivo chefe de fila, o redivivo Renan Calheiros.
No entanto, engana-se quem deseja restringir ao deslumbramento com o alto cargo a incontinência verbal de Luiz Inácio Lula da Silva. Na oposição, assombra a sua liberdade nos comentários, como a referência ao então Presidente Sarney em 1987: “Adhemar de Barros e Maluf poderiam ser ladrões, mas eles são trombadinhas perto do grande ladrão que é o governante da Nova República”.
Tais afirmações, todavia, poderiam ser pesadas e desrespeitosas – como a dos trezentos picaretas na Câmara (1993) – mas tinham a característica de expressar juízos de largos segmentos da opinião pública.
De uns tempos para cá, porém, se a desenvoltura nas observações permanece, a sua direção e conteúdo indicam mudanças que não encontraremos nos passados registros do líder sindical e oposicionista.
Lula ganhou com o exercício prolongado do mando crescente confiança quanto à sua capacidade de comunicação. Em função dessa íntima segurança, tem preferido em geral o chamado improviso, enjeitando os textos escritos por seus assessores. Dada a usual relevância que se atribui às palavras dos primeiros-mandatários, tal opção envolve óbvios riscos. Nesse sentido, o comportamento dos seus homólogos deveria acender na mente de nosso guia uma luzinha vermelha de advertência.
Estranhamente, para alguém que ama o improviso, o presidente Lula não tem particular apreço pelas entrevistas coletivas. Na verdade, a explicação seria a de manter um certo controle em seu diálogo com os jornalistas. Talvez inseguro quanto às suas possibilidades de lidar com temas abertos, não terá o mesmo sentimento se falar sobre questões por ele determinadas.
Nesse contexto, muitas de suas manifestações – como o incensamento do próprio papel na história, e a peculiar visão negativa de seus antecessores (vide, na visita à Turquia, a constrangedora observação acerca de D.Pedro II) – semelham apontar para a ausência de qualquer assessoria digna desse nome para embasar os comentários presidenciais.
Por conseguinte, a nova linha de pensamento do Presidente Lula se apresenta sobretudo a partir de sua esdrúxula declaração na entrevista conjunta com Gordow Brown, em fins de março último: a crise financeira imputável a comportamentos irracionais de gente branca e de olhos azuis.
Desde então, se reconhecemos a consueta intemperância verbal, ela, contudo, não mais vocaliza impressões comungadas pela maioria. Com efeito, os comentários presidenciais – e nesse ponto não diferem muito do descuidismo do coronel Hugo Chávez – revestem uma turbadora tendência contra a corrente. E, apressemo-nos em qualificar, este suposto novo estilo nada tem de vanguardista ou corajoso.
Assim, em princípios de maio, Lula não se constrange em defender o desmoralizado Congresso Nacional de José Sarney e Michel Temer, taxando de hipocrisia os protestos quanto aos salários na Câmara. Ainda na contramão da opinião pública, ele agora acredita oportuno gravar declaração de apoio ao presidente José Sarney, e de ataque ao ‘denuncismo’.
Repisando a sua vinda a público para defender o Congresso – na época, em intervenção alegadamente forçada pelos dois líderes do PMDB – Lula respalda o presidente do senado, alinhando diversos argumentos de questionável validade e lógica: “Sarney tem história suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum (sic)”. “Sempre fico preocupado quando começa no Brasil um processo de denúncias, porque são acusações sem fim... e depois nada acontece”.
“Se tiver alguma coisa errada, que se apure de maneira correta. O que não se pode é todo dia você arrumar uma vírgula a mais, (porque) você vai desmoralizando todo mundo. Inclusive a imprensa corre risco. A imprensa tem que ter a certeza de que não pode ser desacreditada (...)”
Será tarefa inútil procurar dar sentido à arenga acima. Não terão sido muito diferentes os telefonemas feitos pelo grupo de apoio a José Sarney, sob a sábia orientação do respectivo chefe de fila, o redivivo Renan Calheiros.
quarta-feira, 17 de junho de 2009
Análise de um Discurso
Os anúncios do discurso na imprensa da véspera, já traziam indicações supostamente de cocheira, antecipando-lhe o desígnio de retomar a iniciativa, e de colocar em dificuldade os adversários, de dentro e de fora da Casa.
O discursante tem um grupo, que não é dos menores. Reunidos em conciliábulo, pela manhã, na residência do Chefe, as decisões acordadas não tardaram em produzir efeitos. Ameaças em veste de singelos recados foram transmitidas a todos os partidos. Ficassem sabendo que o Chefe não é o único responsável pelas decisões da Casa. Por serem colegiadas, ele não aceitaria ser responsabilizado sozinho.
Da alocução a ser pronunciada, uma frase foi pré-divulgada: “a crise não é minha, é do Senado”. Outras ‘advertências’ seriam proferidas, confeitadas segundo o interlocutor. As cominações poderiam ser explícitas, como a de que a revelação dos atos secretos comprometeria mais da metade dos senadores. Ou então, envoltas com vozes macias, como nos telefonemas do escudeiro Renan Calheiros a Jarbas Vasconcelos e Pedro Simon.
Dessarte preparada, a personagem poderia descer da própria curul e dirigir-se à tribuna. Devidamente arregimentado, se o plenário não estava lotado – afinal, era uma terça-feira – a assistência permaneceu silenciosa durante os trinta e três minutos da fala. De resto, a autoridade fizera saber que não permitiria apartes.
Talvez tudo estivesse ali, as discretas escaramuças, a dosada e prévia artilharia, o público imediato, cujo papel era adrede deixado em suspenso, e por fim a encenação do evento, não transcurada por solícitos auxiliares.
Entretanto, não é a tribuna que faz o orador. Nesses últimos tempos, ela não tem sido visitada por parlamentares que arrebatem a atenção dos circunstantes. Sua Excelência, cuja biografia política é longa e de muitos conhecida, afirmou-se no Maranhão ao desbancar o velho cacique Vitorino Freire. Seria licito esperar que, com a sua longa vivência parlamentar e executiva, corresponderia à expectativa de alguns, pronunciando peça que resgatasse antigas imagens da instituição.
Se a oratória hodierna não mais pretende carregar os ouvintes em arroubos condoreiros, sua eloquência estará mais na concisão e na pujança dos argumentos. Ao subir à tribuna, nas ocasiões maiores, o orador tem precípuo compromisso. Ele deve dizer ao que veio, a saber, qual é a sua proposta para a questão que está na ordem do dia. Nas grandes mensagens, nos deparamos em realidade com mensagem singela na essência que descreva a situação e exponha proposta de solução.
É forçoso reconhecer que não foi o que ontem se presenciou no plenário do Senado Federal.
José Sarney não tomou nem propôs a tomada de medidas concretas, voltadas contra os atos secretos que originaram a crise.
A despeito de estar na sua terceira presidência do Senado, não admitiu qualquer responsabilidade quanto aos atos secretos. “Não sei o que é ato secreto. Mas tudo isso é relativo ao passado. Não tenho nada a ver com isso.”
Tampouco aceita qualquer envolvimento com a crise da instituição. “A crise do Senado não é minha. A crise é do Senado, e é esta instituição que nós devemos preservar. Todos somos responsáveis. Nós aprovamos aqui os atos da Mesa. (...) Temos que corrigir o que está errado. E estarei pronto para cumprir tudo o que o Senado decidir. Vou levar em frente, doa a quem doer.”
Por fim, avocou a própria biografia para se defender das acusações de que teria sido um dos beneficiados pelos mais de quinhentos atos administrativos secretos adotados pela Casa. Dentro dessa peculiar linha de pensamento, asseverou: “ É injustiça do país me julgar”.
O discurso do Presidente do Senado não inclui nenhuma medida concreta para debelar a crise. Sequer anuncia a demissão do diretor-geral, Alexandre Gazineo. E, não obstante dizer-se favorável à averiguação das irregularidades, Sarney se opõe à entrada da Polícia Federal e do Ministério Público nas investigações. Ora, tal oposição equivale a condenar as apurações intramuros ao mesmo resultado das anteriores, isto é, nada.
Sem embargo da vacuidade substantiva do discurso, Sarney receberia os cumprimentos de praticamente todos os presentes. A notar que o primeiro a fazê-lo seria o antigo desafeto e sucessor imediato, Fernando Collor.
Depois, vários senadores apresentaram da tribuna sugestões diversas. A notar igualmente que nenhum deles se atreveu a criticar o Presidente José Sarney.
O único que discrepou – embora longe da tribuna, em entrevista – foi Jarbas Vasconcelos: “Era preferível que Sarney não tivesse nem falado. E logo ele que foi presidente da Casa por três vezes e quem nomeou Agaciel Maia.”
Sem dúvida, o respeitoso silêncio que aureolou o discurso de Sarney se deverá a muitas causas. Entre outras, os trabalhos preparatórios do grupo, as articulações de Renan Calheiros, e a singular e atualíssima carência de valores exponenciais.
O discursante tem um grupo, que não é dos menores. Reunidos em conciliábulo, pela manhã, na residência do Chefe, as decisões acordadas não tardaram em produzir efeitos. Ameaças em veste de singelos recados foram transmitidas a todos os partidos. Ficassem sabendo que o Chefe não é o único responsável pelas decisões da Casa. Por serem colegiadas, ele não aceitaria ser responsabilizado sozinho.
Da alocução a ser pronunciada, uma frase foi pré-divulgada: “a crise não é minha, é do Senado”. Outras ‘advertências’ seriam proferidas, confeitadas segundo o interlocutor. As cominações poderiam ser explícitas, como a de que a revelação dos atos secretos comprometeria mais da metade dos senadores. Ou então, envoltas com vozes macias, como nos telefonemas do escudeiro Renan Calheiros a Jarbas Vasconcelos e Pedro Simon.
Dessarte preparada, a personagem poderia descer da própria curul e dirigir-se à tribuna. Devidamente arregimentado, se o plenário não estava lotado – afinal, era uma terça-feira – a assistência permaneceu silenciosa durante os trinta e três minutos da fala. De resto, a autoridade fizera saber que não permitiria apartes.
Talvez tudo estivesse ali, as discretas escaramuças, a dosada e prévia artilharia, o público imediato, cujo papel era adrede deixado em suspenso, e por fim a encenação do evento, não transcurada por solícitos auxiliares.
Entretanto, não é a tribuna que faz o orador. Nesses últimos tempos, ela não tem sido visitada por parlamentares que arrebatem a atenção dos circunstantes. Sua Excelência, cuja biografia política é longa e de muitos conhecida, afirmou-se no Maranhão ao desbancar o velho cacique Vitorino Freire. Seria licito esperar que, com a sua longa vivência parlamentar e executiva, corresponderia à expectativa de alguns, pronunciando peça que resgatasse antigas imagens da instituição.
Se a oratória hodierna não mais pretende carregar os ouvintes em arroubos condoreiros, sua eloquência estará mais na concisão e na pujança dos argumentos. Ao subir à tribuna, nas ocasiões maiores, o orador tem precípuo compromisso. Ele deve dizer ao que veio, a saber, qual é a sua proposta para a questão que está na ordem do dia. Nas grandes mensagens, nos deparamos em realidade com mensagem singela na essência que descreva a situação e exponha proposta de solução.
É forçoso reconhecer que não foi o que ontem se presenciou no plenário do Senado Federal.
José Sarney não tomou nem propôs a tomada de medidas concretas, voltadas contra os atos secretos que originaram a crise.
A despeito de estar na sua terceira presidência do Senado, não admitiu qualquer responsabilidade quanto aos atos secretos. “Não sei o que é ato secreto. Mas tudo isso é relativo ao passado. Não tenho nada a ver com isso.”
Tampouco aceita qualquer envolvimento com a crise da instituição. “A crise do Senado não é minha. A crise é do Senado, e é esta instituição que nós devemos preservar. Todos somos responsáveis. Nós aprovamos aqui os atos da Mesa. (...) Temos que corrigir o que está errado. E estarei pronto para cumprir tudo o que o Senado decidir. Vou levar em frente, doa a quem doer.”
Por fim, avocou a própria biografia para se defender das acusações de que teria sido um dos beneficiados pelos mais de quinhentos atos administrativos secretos adotados pela Casa. Dentro dessa peculiar linha de pensamento, asseverou: “ É injustiça do país me julgar”.
O discurso do Presidente do Senado não inclui nenhuma medida concreta para debelar a crise. Sequer anuncia a demissão do diretor-geral, Alexandre Gazineo. E, não obstante dizer-se favorável à averiguação das irregularidades, Sarney se opõe à entrada da Polícia Federal e do Ministério Público nas investigações. Ora, tal oposição equivale a condenar as apurações intramuros ao mesmo resultado das anteriores, isto é, nada.
Sem embargo da vacuidade substantiva do discurso, Sarney receberia os cumprimentos de praticamente todos os presentes. A notar que o primeiro a fazê-lo seria o antigo desafeto e sucessor imediato, Fernando Collor.
Depois, vários senadores apresentaram da tribuna sugestões diversas. A notar igualmente que nenhum deles se atreveu a criticar o Presidente José Sarney.
O único que discrepou – embora longe da tribuna, em entrevista – foi Jarbas Vasconcelos: “Era preferível que Sarney não tivesse nem falado. E logo ele que foi presidente da Casa por três vezes e quem nomeou Agaciel Maia.”
Sem dúvida, o respeitoso silêncio que aureolou o discurso de Sarney se deverá a muitas causas. Entre outras, os trabalhos preparatórios do grupo, as articulações de Renan Calheiros, e a singular e atualíssima carência de valores exponenciais.
terça-feira, 16 de junho de 2009
O Desfazimento do Senado Federal
A crise do Senado Federal já se estende há bastante tempo. É um processo que continua. Já não desperta mais qualquer estranheza que se recomende a sua supressão. À sucessão de escândalos – passagens aéreas, multiplicação de diretorias, e agora os atos secretos – essa casa outrora respeitada não articula resposta crível e merecedora de respeito.
Infelizmente, por mais que se intente buscar salvadora centelha de eficácia no punhado dos que se acreditam justos dentre a caterva dos oitenta e um, tal se afigura mais do que tarefa ingrata. Pois é a inércia a tática do Senado. Em outras palavras, será a velha política joanina da contemporização e do marasmo, na esperança matreira de que as borrascas passam, e os réprobos de hoje serão os poderosos de amanhã.
Nesse contexto de solerte apatia, é mais do que pertinente a pergunta do jornalista Janio de Freitas hoje na Folha: “não há ninguém no Senado capaz da iniciativa de propor, digamos, uma corrente, uma frente de resistência à manobra, que progride depressa, que transforma todos os abusos, as improbidades, o peculato em meros deslizes administrativos ?”
No blog de sabado, treze de junho, me reportei a um grupo suprapartidário, que se reuniria em comissão e cobraria da Mesa Diretora punições aos envolvidos na questão dos atos secretos. Referi-me, então a Pedro Simon e a Jarbas Vasconcelos, que Janio de Freitas igualmente menciona, a par de Aloizio Mercadante. A esses se poderia agregar Christovam Buarque e Eduardo Matarazzo Suplicy.
A timidez não cabe em tais comissões, em que se ingressa menos por posições eventuais do que por estatura moral e retidão parlamentar. Não é questão de número, eis que não se trata de massa de manobra, mas sim de conduzir, pela autoridade ética, o plenário de inconspícuos e de anônimos.
Se a hora é de ação, o atroador silêncio desses poucos há de consternar e revoltar. Porque do outro lado, existem indicações de que examinam, com a seriedade de que são capazes, a possibilidade de ações que dêem a impressão de energia e objetividade.
Com efeito, o Presidente do Senado, José Sarney, e o líder do PMDB, Renan Calheiros, vendo-se ameaçados, terão decidido, segundo a imprensa, que precisam reagir com presteza.
E com quais fogos de artifício o antes amnésico Senador Sarney tenciona virar o jogo, e lançar a balbúrdia nas hostes adversárias ?
Sua Excelência usaria a tribuna para anunciar medidas de impacto que podem incluir o afastamento de Alexandre Gazineo da Diretoria-Geral do Senado !
E quem é Alexandre Gazineo ? É funcionário administrativo, que sucedeu a Agaciel Maia, e que, como diretor-adjunto, assinou a maior parte dos atos secretos que deixaram de ser publicados.
Custa a crer que Sarney e Renan, parlamentares tarimbados, julguem politicamente recomendável essa bisonha manobra.
Os ditos atos secretos, que ninguém se iluda. O sigilo, se funcionou, terá sido extra muros. Praticados dentro da casa, nenhum senador deles pode invocar desconhecimento. Se estivesse entre os poucos que de tais atos não se locupletou, terá sido de qualquer forma inteirado da existência de tal ilegalidade.
Infelizmente, por mais que se intente buscar salvadora centelha de eficácia no punhado dos que se acreditam justos dentre a caterva dos oitenta e um, tal se afigura mais do que tarefa ingrata. Pois é a inércia a tática do Senado. Em outras palavras, será a velha política joanina da contemporização e do marasmo, na esperança matreira de que as borrascas passam, e os réprobos de hoje serão os poderosos de amanhã.
Nesse contexto de solerte apatia, é mais do que pertinente a pergunta do jornalista Janio de Freitas hoje na Folha: “não há ninguém no Senado capaz da iniciativa de propor, digamos, uma corrente, uma frente de resistência à manobra, que progride depressa, que transforma todos os abusos, as improbidades, o peculato em meros deslizes administrativos ?”
No blog de sabado, treze de junho, me reportei a um grupo suprapartidário, que se reuniria em comissão e cobraria da Mesa Diretora punições aos envolvidos na questão dos atos secretos. Referi-me, então a Pedro Simon e a Jarbas Vasconcelos, que Janio de Freitas igualmente menciona, a par de Aloizio Mercadante. A esses se poderia agregar Christovam Buarque e Eduardo Matarazzo Suplicy.
A timidez não cabe em tais comissões, em que se ingressa menos por posições eventuais do que por estatura moral e retidão parlamentar. Não é questão de número, eis que não se trata de massa de manobra, mas sim de conduzir, pela autoridade ética, o plenário de inconspícuos e de anônimos.
Se a hora é de ação, o atroador silêncio desses poucos há de consternar e revoltar. Porque do outro lado, existem indicações de que examinam, com a seriedade de que são capazes, a possibilidade de ações que dêem a impressão de energia e objetividade.
Com efeito, o Presidente do Senado, José Sarney, e o líder do PMDB, Renan Calheiros, vendo-se ameaçados, terão decidido, segundo a imprensa, que precisam reagir com presteza.
E com quais fogos de artifício o antes amnésico Senador Sarney tenciona virar o jogo, e lançar a balbúrdia nas hostes adversárias ?
Sua Excelência usaria a tribuna para anunciar medidas de impacto que podem incluir o afastamento de Alexandre Gazineo da Diretoria-Geral do Senado !
E quem é Alexandre Gazineo ? É funcionário administrativo, que sucedeu a Agaciel Maia, e que, como diretor-adjunto, assinou a maior parte dos atos secretos que deixaram de ser publicados.
Custa a crer que Sarney e Renan, parlamentares tarimbados, julguem politicamente recomendável essa bisonha manobra.
Os ditos atos secretos, que ninguém se iluda. O sigilo, se funcionou, terá sido extra muros. Praticados dentro da casa, nenhum senador deles pode invocar desconhecimento. Se estivesse entre os poucos que de tais atos não se locupletou, terá sido de qualquer forma inteirado da existência de tal ilegalidade.
segunda-feira, 15 de junho de 2009
A Fraude Eleitoral no Irã
Era opinião corrente que o Irã dos ayatollahs constituísse exceção no mundo islâmico. Em muitos países árabes, as eleições são uma farsa, montada sobretudo para consumo ocidental, que, na mor parte das vezes, se presta ao jogo, fingindo acreditar na lisura dos procedimentos. A coisa aí chega a tal ponto que uma televisão francesa logrou filmar ao vivo a fraude em seção eleitoral de país magrebino.
Quanto ao Irã, sublinhava-se o caráter democrático da votação para presidente.
De acordo com essa versão, a intervalos de quatro anos a sociedade iraniana livremente escolhia o seu primeiro mandatário.
O alegado ‘triunfo’ eleitoral de Mahmoud Ahmadinejad, com 62,2% dos votos contra 34,0% concedidos ao candidato das oposições, Mir Hossein Moussavi, veio abalar essa difundida lenda.
Antes de tratar da situação no Irã, semelha oportuno assinalar os tópicos a seguir.
O suposto ‘presidente’ iraniano, como se sabe, não é o principal mandatário. Com efeito, o supremo líder do Irã, que preside o Conselho dos Guardiães, é o Ayatollah Ali Khamenei. Não foi o povo quem ali o colocou, mas sim o dito Conselho, que tampouco tem chancela popular.
Configurando um regime teocrático, Ali Khamenei, como o Ayatollah Khomeini no passado, está acima dos representantes eleitos.Aliás, tanto para a presidência, quanto para o parlamento, só podem concorrer aqueles que obtiverem o ‘nihil obstat’ do estamento dominante, que está representado pela vanguarda
dos mullahs.
Para que se tenha ideia da severidade do crivo dos ayatollahs, dos setecentos nomes que desejaram pleitear a presidência, somente quatro foram julgados aptos consoante os peculiares critérios imperantes.
Dessarte, falar de democracia no Irã não corresponde exatamente a uma descrição fiel do cenário político naquele país.
Conquanto houvesse dúvidas quanto à primeira eleição de Ahmadinejad para a presidência, as características deste primeiro turno inviabilizam qualquer comparação com o pleito anterior. Sondagens haviam mostrado que o candidato das oposições, Moussavi, tinha grandes possibilidades de vencer.
Assim, tanto o desequilíbrio no cômputo dos votos, com uma desproporcional vantagem para o candidato dos ayatollahs, quanto a própria inusitada rapidez do escrutínio, face ao afluxo maciço dos eleitores, não poderia deixar de levantar suspeitas e mesmo certezas quanto à grosseira manipulação do resultado.
Testemunho da raiva popular, diante do afrontoso desrespeito à sua vontade, tem sido os três dias de protestos de boa parte da população citadina, o que motivou violenta reação tanto da polícia de choque, quanto das milícias, a par de draconianas medidas de censura à imprensa e aos meios de comunicação.
O Supremo líder Ali Khamenei não tardou em intervir. Ao contrário do que esperava o candidato Moussavi, em declaração difundida pela tevê estatal na noite de sábado treze, Khamenei terá fechado a porta para eventuais contestações, ao congratular Ahmadinejad pela vitória, e ao encarecer os demais candidatos a reconhecerem a derrota.
Não obstante o apoio do estamento à sua criatura, Mahmoud Ahmadinejad, os protestos continuam, e grandes concentrações se verificam, malgrado as intervenções e as bastonadas da polícia motorizada e dos milicianos. Não é sem razão que as ditaduras têm velho e arraigado temor do povo e sobretudo da massa, pela sua inopinada obstinação em não curvar-se às determinações dos poderosos de turno.
Nesta data, e é certamente significativo que tal haja ocorrido, o líder das oposições, Mir Hossein Moussavi, compareceu a uma concentração de seus votantes, e tornou a reiterar o caráter fraudulento do escrutínio que favorecera o atual presidente.
Apesar de haver rumores acerca de detenções indiscriminadas – a princípio correra o boato da prisão de Moussavi - existem dois aspectos que merecem atenção. De início, a circunstância de Moussavi não só continuar livre, mas poder expressar a sua posição, que é comum a de seus partidários.
Por outro lado, o que corrobora indiretamente a extensão da contestação, o Conselho dos Guardiães veio a público para informar que procederá a um exame nos totais coligidos pela Comissão de Apuração, com vistas a verificar da existência de irregularidades na apuração dos votos. O exame em apreço atende a requerimento de Moussavi, e o resultado será conhecido em prazo de dez dias. Sem a ocorrência de desenvolvimentos imprevisíveis, não semelha provável que o Conselho de Guardiães invalide a eleição e determine nova consulta popular.
Quanto ao Irã, sublinhava-se o caráter democrático da votação para presidente.
De acordo com essa versão, a intervalos de quatro anos a sociedade iraniana livremente escolhia o seu primeiro mandatário.
O alegado ‘triunfo’ eleitoral de Mahmoud Ahmadinejad, com 62,2% dos votos contra 34,0% concedidos ao candidato das oposições, Mir Hossein Moussavi, veio abalar essa difundida lenda.
Antes de tratar da situação no Irã, semelha oportuno assinalar os tópicos a seguir.
O suposto ‘presidente’ iraniano, como se sabe, não é o principal mandatário. Com efeito, o supremo líder do Irã, que preside o Conselho dos Guardiães, é o Ayatollah Ali Khamenei. Não foi o povo quem ali o colocou, mas sim o dito Conselho, que tampouco tem chancela popular.
Configurando um regime teocrático, Ali Khamenei, como o Ayatollah Khomeini no passado, está acima dos representantes eleitos.Aliás, tanto para a presidência, quanto para o parlamento, só podem concorrer aqueles que obtiverem o ‘nihil obstat’ do estamento dominante, que está representado pela vanguarda
dos mullahs.
Para que se tenha ideia da severidade do crivo dos ayatollahs, dos setecentos nomes que desejaram pleitear a presidência, somente quatro foram julgados aptos consoante os peculiares critérios imperantes.
Dessarte, falar de democracia no Irã não corresponde exatamente a uma descrição fiel do cenário político naquele país.
Conquanto houvesse dúvidas quanto à primeira eleição de Ahmadinejad para a presidência, as características deste primeiro turno inviabilizam qualquer comparação com o pleito anterior. Sondagens haviam mostrado que o candidato das oposições, Moussavi, tinha grandes possibilidades de vencer.
Assim, tanto o desequilíbrio no cômputo dos votos, com uma desproporcional vantagem para o candidato dos ayatollahs, quanto a própria inusitada rapidez do escrutínio, face ao afluxo maciço dos eleitores, não poderia deixar de levantar suspeitas e mesmo certezas quanto à grosseira manipulação do resultado.
Testemunho da raiva popular, diante do afrontoso desrespeito à sua vontade, tem sido os três dias de protestos de boa parte da população citadina, o que motivou violenta reação tanto da polícia de choque, quanto das milícias, a par de draconianas medidas de censura à imprensa e aos meios de comunicação.
O Supremo líder Ali Khamenei não tardou em intervir. Ao contrário do que esperava o candidato Moussavi, em declaração difundida pela tevê estatal na noite de sábado treze, Khamenei terá fechado a porta para eventuais contestações, ao congratular Ahmadinejad pela vitória, e ao encarecer os demais candidatos a reconhecerem a derrota.
Não obstante o apoio do estamento à sua criatura, Mahmoud Ahmadinejad, os protestos continuam, e grandes concentrações se verificam, malgrado as intervenções e as bastonadas da polícia motorizada e dos milicianos. Não é sem razão que as ditaduras têm velho e arraigado temor do povo e sobretudo da massa, pela sua inopinada obstinação em não curvar-se às determinações dos poderosos de turno.
Nesta data, e é certamente significativo que tal haja ocorrido, o líder das oposições, Mir Hossein Moussavi, compareceu a uma concentração de seus votantes, e tornou a reiterar o caráter fraudulento do escrutínio que favorecera o atual presidente.
Apesar de haver rumores acerca de detenções indiscriminadas – a princípio correra o boato da prisão de Moussavi - existem dois aspectos que merecem atenção. De início, a circunstância de Moussavi não só continuar livre, mas poder expressar a sua posição, que é comum a de seus partidários.
Por outro lado, o que corrobora indiretamente a extensão da contestação, o Conselho dos Guardiães veio a público para informar que procederá a um exame nos totais coligidos pela Comissão de Apuração, com vistas a verificar da existência de irregularidades na apuração dos votos. O exame em apreço atende a requerimento de Moussavi, e o resultado será conhecido em prazo de dez dias. Sem a ocorrência de desenvolvimentos imprevisíveis, não semelha provável que o Conselho de Guardiães invalide a eleição e determine nova consulta popular.
domingo, 14 de junho de 2009
A Hidra da Censura
A 22 de março último, o meu blog teve por título “A Volta da Censura”. Desde muito observo os diversos intentos de reimplantar a censura, ao arrepio da disposição constitucional do inciso IX do art. 5º :
“ – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;”
Naquela oportunidade, chamara a atenção para o veio judiciário, pelo qual alguns juízes procuram reexumar a censura, através de disposições ad hoc em suas prolatadas sentenças.
Passada a euforia que cercara a supressão da censura, de que são paradigmáticas as declarações do então Ministro da Justiça, Fernando Lyra, a hidra do obscurantismo ensaia o próprio retorno. Para tanto, se vale do transcurso de décadas, da pertinaz ignorância das vítimas, e de uma subjacente timorata mentalidade diante de manifestações da autoridade.
Uma coisa é o respeito à autoridade legal. Outra coisa, e bem diversa, é o cego e incoerente temor diante de eventuais expressões de prepotência, fundadas não no direito, mas na longa tradição da vis intimidatória do poder estatal.
Nesta semana, li na Folha, com estranhável espanto, a seguinte matéria: “Ministério proíbe ‘Senhora’ antes das 20hs”.
Atônito se me deparam as seguintes linhas, que transcrevo:
“O Ministério da Justiça deu ontem cinco dias úteis para a Globo deixar de exibir
‘Senhora do Destino’na sessão ‘Vale a Pena Ver de Novo’ (14h35). A Globo vai
recorrer da decisão.
“Em ato publicado no ‘Diário Oficial da União’, o diretor do departamento de
classificação indicativa do ministério, Daví Pires, cassou a classificação dada pela
própria Globo à novela de Aguinaldo Silva, de imprópria para menores de 10 anos.”
A Rede Globo teve uma longa convivência com a censura e, a despeito de seu relacionamento digamos especial com o regime militar, não haverá decerto lamentado o passamento dos censores, com o seu imprevisível discricionarismo. É de estarrecer, portanto, o seu servilismo, diante deste avatar da censura que se denomina “Departamento de Classificação Indicativa” do Ministério da Justiça.
Qual a autoridade constitucional desse departamento, que se arroga o direito de cassar classificações etárias estabelecidas pela emissora, e que dá cinco dias úteis para a Globo deixar de exibir os episódios da novela ‘Senhora do Destino’.
Na minha página de 22 de março, dizia : “não é de hoje que a censura ensaia o seu retorno ao nosso convívio. A censura, negação que é do conhecimento, é uma excrescência do autoritarismo e como tal deve ser tratada e enfrentada.”
A linguagem da classificação etária deve ser indicativa e não cominatória. Com a solércia dos burocratas, assistimos a uma transformação em que opinião passa a ser imposição. Pouco falta para que em breve, por cortesia do Senhor Tarso Genro, todos os programas televisivos (e por que não também cinematográficos) sejam precedidos daquela folha burocrática, que por tantos anos antes de 1988, anunciara ao público que ele podia ver aquele programa (ou filme), por força da autorização competente!
É de estarrecer que a Rede Globo se submeta a tais imposições administrativas, a ponto de enquadrar-se, segundo antecipa a notícia, em um modelo burocrático de recursos a autoridades do Ministério, não excluindo mesmo “apelar ao ministro da Justiça, Tarso Genro”.
Embora delas não tenha participado, não semelha lícito acreditar que a Globo se tenha esquecido das lutas que culminaram com a aprovação pelos constituintes do citado inciso IX do artigo 5º , assim como do artigo 220, e seus parágrafos 1º e 2º.
Será o temor inato à autoridade, mesmo no caso em que o Executivo, por motivos que talvez decorram de afirmações veleitárias, não trepide em montar instrumentos que calquem velhos disfarces e arremedos da censura, e que como tal devam ser expostos e neutralizados ?
Não terá acaso passado pelas mentes do departamento jurídico da Rede Globo que a questão é de mandado de segurança constitucional ? Não caberia talvez ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) ?
Essa questão – tratada nas páginas internas de caderno dedicado a espetáculos –
é demasiado importante para ser entregue a rábulas ou despachantes administrativos.
Na verdade, ela tem menos a ver com a Senhora do Destino, do que com o destino a ser dado a mais uma tentativa de ressurreição da censura, e esta já ajaezada com os penduricalhos administrativos das cominações, dos prazos e dos simulacros de rituais.
Não se dizia antigamente que o preço da liberdade é a eterna vigilância ? Pois então, também será mais do que tempo de reafirmar-se a morte dessa filha dileta do autoritarismo, que é a censura.
“ – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;”
Naquela oportunidade, chamara a atenção para o veio judiciário, pelo qual alguns juízes procuram reexumar a censura, através de disposições ad hoc em suas prolatadas sentenças.
Passada a euforia que cercara a supressão da censura, de que são paradigmáticas as declarações do então Ministro da Justiça, Fernando Lyra, a hidra do obscurantismo ensaia o próprio retorno. Para tanto, se vale do transcurso de décadas, da pertinaz ignorância das vítimas, e de uma subjacente timorata mentalidade diante de manifestações da autoridade.
Uma coisa é o respeito à autoridade legal. Outra coisa, e bem diversa, é o cego e incoerente temor diante de eventuais expressões de prepotência, fundadas não no direito, mas na longa tradição da vis intimidatória do poder estatal.
Nesta semana, li na Folha, com estranhável espanto, a seguinte matéria: “Ministério proíbe ‘Senhora’ antes das 20hs”.
Atônito se me deparam as seguintes linhas, que transcrevo:
“O Ministério da Justiça deu ontem cinco dias úteis para a Globo deixar de exibir
‘Senhora do Destino’na sessão ‘Vale a Pena Ver de Novo’ (14h35). A Globo vai
recorrer da decisão.
“Em ato publicado no ‘Diário Oficial da União’, o diretor do departamento de
classificação indicativa do ministério, Daví Pires, cassou a classificação dada pela
própria Globo à novela de Aguinaldo Silva, de imprópria para menores de 10 anos.”
A Rede Globo teve uma longa convivência com a censura e, a despeito de seu relacionamento digamos especial com o regime militar, não haverá decerto lamentado o passamento dos censores, com o seu imprevisível discricionarismo. É de estarrecer, portanto, o seu servilismo, diante deste avatar da censura que se denomina “Departamento de Classificação Indicativa” do Ministério da Justiça.
Qual a autoridade constitucional desse departamento, que se arroga o direito de cassar classificações etárias estabelecidas pela emissora, e que dá cinco dias úteis para a Globo deixar de exibir os episódios da novela ‘Senhora do Destino’.
Na minha página de 22 de março, dizia : “não é de hoje que a censura ensaia o seu retorno ao nosso convívio. A censura, negação que é do conhecimento, é uma excrescência do autoritarismo e como tal deve ser tratada e enfrentada.”
A linguagem da classificação etária deve ser indicativa e não cominatória. Com a solércia dos burocratas, assistimos a uma transformação em que opinião passa a ser imposição. Pouco falta para que em breve, por cortesia do Senhor Tarso Genro, todos os programas televisivos (e por que não também cinematográficos) sejam precedidos daquela folha burocrática, que por tantos anos antes de 1988, anunciara ao público que ele podia ver aquele programa (ou filme), por força da autorização competente!
É de estarrecer que a Rede Globo se submeta a tais imposições administrativas, a ponto de enquadrar-se, segundo antecipa a notícia, em um modelo burocrático de recursos a autoridades do Ministério, não excluindo mesmo “apelar ao ministro da Justiça, Tarso Genro”.
Embora delas não tenha participado, não semelha lícito acreditar que a Globo se tenha esquecido das lutas que culminaram com a aprovação pelos constituintes do citado inciso IX do artigo 5º , assim como do artigo 220, e seus parágrafos 1º e 2º.
Será o temor inato à autoridade, mesmo no caso em que o Executivo, por motivos que talvez decorram de afirmações veleitárias, não trepide em montar instrumentos que calquem velhos disfarces e arremedos da censura, e que como tal devam ser expostos e neutralizados ?
Não terá acaso passado pelas mentes do departamento jurídico da Rede Globo que a questão é de mandado de segurança constitucional ? Não caberia talvez ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) ?
Essa questão – tratada nas páginas internas de caderno dedicado a espetáculos –
é demasiado importante para ser entregue a rábulas ou despachantes administrativos.
Na verdade, ela tem menos a ver com a Senhora do Destino, do que com o destino a ser dado a mais uma tentativa de ressurreição da censura, e esta já ajaezada com os penduricalhos administrativos das cominações, dos prazos e dos simulacros de rituais.
Não se dizia antigamente que o preço da liberdade é a eterna vigilância ? Pois então, também será mais do que tempo de reafirmar-se a morte dessa filha dileta do autoritarismo, que é a censura.
sábado, 13 de junho de 2009
O Escândalo dos Atos Secretos no Senado
Mais um escândalo no Senado vem a público. São cerca de quinhentos atos secretos utilizados para nomear protegidos, pagar horas extra e aumentar salários.
Pode-se dizer acaso que surpreenda mais esta revelação ?
Não, não há mais lugar para espanto ou surpresa. O Senado recorre a práticas da ditadura militar. Fecha-se o círculo de sua completa alienação do povo. Segredo para encobrir atos inconfessáveis, feitos em nome de privilégios espúrios.
E na casa dos pais da pátria, agora quase todos se nivelam. Em dois de junho, segundo informa a Folha, a direção do Senado convocara reunião para que os senadores inquirissem dois ex-diretores da Casa, Agaciel Maia e João Carlos Zoghbi. Com alguma relutância, o presidente do Senado, José Sarney aquiesceu ao pedido do líder do PSDB, Arthur Virgílio. Coube a Marconi Perilo (PSDB-GO) conduzir a tomada de depoimentos. Estranhamente, dos 81 senadores, apenas quatro se interessaram pela arguição – Marconi, Virgilio, Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Tião Viana (PT-AC).
Por que Agaciel Maia é um personagem temido ? Heráclito Fortes, primeiro Secretário da Mesa, explica: “Ninguém fica tanto tempo num cargo como esse se não virar um Papai Noel.”
Reagindo à tentativa de ser transformado em bode expiatório, Agaciel lembra que foram os próprios senadores que preencheram os postos criados sem registro oficial durante dez anos. E acrescenta: “O fato é que as decisões foram referendadas por um colegiado; não fui eu quem assinou nenhuma delas; não fui eu quem as publicou, e eu sou responsável ? Não vou aceitar.”
Da cumplicidade, decorre a intimidação. E o mar de lama, de terrível memória, reaparece, agora no Senado Federal.
É melancólica a comparação com outro escândalo, o do Parlamento inglês. Ao contrário da impunidade, que aqui se nos defronta, lá, os que se utilizaram indevidamente das verbas especiais, ou renunciaram, ou não se apresentarão nas próximas eleições.
Lá, não se passa a mão na cabeça dos amnésicos e de outros transgressores, de acordo com o suposto bom-mocismo, que prevalece no mundo patrimonialista.
Aqui, a teimosa esperança se volta para um grupo suprapartidário, que, entre outros, conta Jarbas Vasconcelos e Pedro Simon. Esse grupo analisaria a situação e cobraria providências da Mesa Diretora, inclusive a punição dos responsáveis pelos atos secretos. Dentre os partidos, o PSOL é o único, por ora,a estudar a possibilidade de viabilizar denúncias contra José Sarney e Renan Calheiros, os presidentes do Senado sob os quais as irregularidades teriam sido cometidas.
O ceticismo se afigura inelutável, se nos fiarmos nos precedentes. Pela democracia, no entanto, o cidadão se descobre contrangido a aguardar. A passada memória não o induz ao otimismo. Mas, mesmo assim, ele espera.
Pode-se dizer acaso que surpreenda mais esta revelação ?
Não, não há mais lugar para espanto ou surpresa. O Senado recorre a práticas da ditadura militar. Fecha-se o círculo de sua completa alienação do povo. Segredo para encobrir atos inconfessáveis, feitos em nome de privilégios espúrios.
E na casa dos pais da pátria, agora quase todos se nivelam. Em dois de junho, segundo informa a Folha, a direção do Senado convocara reunião para que os senadores inquirissem dois ex-diretores da Casa, Agaciel Maia e João Carlos Zoghbi. Com alguma relutância, o presidente do Senado, José Sarney aquiesceu ao pedido do líder do PSDB, Arthur Virgílio. Coube a Marconi Perilo (PSDB-GO) conduzir a tomada de depoimentos. Estranhamente, dos 81 senadores, apenas quatro se interessaram pela arguição – Marconi, Virgilio, Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Tião Viana (PT-AC).
Por que Agaciel Maia é um personagem temido ? Heráclito Fortes, primeiro Secretário da Mesa, explica: “Ninguém fica tanto tempo num cargo como esse se não virar um Papai Noel.”
Reagindo à tentativa de ser transformado em bode expiatório, Agaciel lembra que foram os próprios senadores que preencheram os postos criados sem registro oficial durante dez anos. E acrescenta: “O fato é que as decisões foram referendadas por um colegiado; não fui eu quem assinou nenhuma delas; não fui eu quem as publicou, e eu sou responsável ? Não vou aceitar.”
Da cumplicidade, decorre a intimidação. E o mar de lama, de terrível memória, reaparece, agora no Senado Federal.
É melancólica a comparação com outro escândalo, o do Parlamento inglês. Ao contrário da impunidade, que aqui se nos defronta, lá, os que se utilizaram indevidamente das verbas especiais, ou renunciaram, ou não se apresentarão nas próximas eleições.
Lá, não se passa a mão na cabeça dos amnésicos e de outros transgressores, de acordo com o suposto bom-mocismo, que prevalece no mundo patrimonialista.
Aqui, a teimosa esperança se volta para um grupo suprapartidário, que, entre outros, conta Jarbas Vasconcelos e Pedro Simon. Esse grupo analisaria a situação e cobraria providências da Mesa Diretora, inclusive a punição dos responsáveis pelos atos secretos. Dentre os partidos, o PSOL é o único, por ora,a estudar a possibilidade de viabilizar denúncias contra José Sarney e Renan Calheiros, os presidentes do Senado sob os quais as irregularidades teriam sido cometidas.
O ceticismo se afigura inelutável, se nos fiarmos nos precedentes. Pela democracia, no entanto, o cidadão se descobre contrangido a aguardar. A passada memória não o induz ao otimismo. Mas, mesmo assim, ele espera.
segunda-feira, 8 de junho de 2009
O Dilema do Meio Ambiente
Diante de malta de desmatadores açulada pelas oportunidades criadas, seja por negligência, seja por conivência governamental, as perspectivas para o meio ambiente não são boas. Ao arrepio dos tempos e da conscientização mundial, a iniciativa não se encontra com os ambientalistas. Ao invés de estarem em retirada, os devastadores e oportunistas se descobrem bafejados pela sorte. Não será do seu feitio deixar passar tal ocasião, que a inépcia e a irresponsabilidade do Governo Lula lhes proporciona.
O quadro atual já se afigura sombrio Se a incrível ‘política’ governamental não modificar-se, a situação se tornará ainda mais grave. Causa espanto e consternação que a MP 458 tenha sido aceita na sua redação inicial pelo Ministro Carlos Minc. Retirado o gênio da garrafa, ele se transmutaria no monstro gestado no Congresso. Como assinalou Janio de Freitas, a “MP transfigurou-se em um sistema de doações e venda a preço apenas simbólico de áreas gigantescas”.
Se não se pode esperar de transgressores do meio ambiente as mesuras do bom comportamento, é de estarrecer que o governo se deixe envolver a tal ponto. Como sublinha Janio de Freitas, “a Amazônia é o ponto fraco do Brasil no trançado das geopolíticas dos países ocidentais, cada vez mais influenciadas pela noção, de sociedades e governos, de que é necessário à humanidade preservar no planeta o que o homem ainda não arruinou.”
Contudo, as coisas não vão ficar por aí, se a triste aliança de ruralistas, desmatadores e oportunistas lograr avançar ainda mais. Quem o denuncia é fonte fidedigna, a Senadora Marina Silva. “ O principal objetivo é aprovar novo Código Ambiental, revogar a lei 6938 – que criou a Política Nacional do Meio Ambiente -, parte de Lei de Crimes Ambientais e da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, entre outros dispositivos legais. Ou seja, trata-se de quebrar a espinha dorsal da proteção ambiental no Brasil. Só não se fala em revogar o capítulo do Meio Ambiente, que está no artigo 225 da Constituição. Ainda.”
E qual é a justificativa da ofensiva, que será literalmente a da terra arrasada ? Não surpreende decerto que não é questão de princípio, mas venal. Segundo o informante da ex-Ministra, “começaram a querer implementar a legislação ambiental. (...) Enquanto ninguém estava cobrando, tudo bem. Com as tentativas de aplicação da lei, ‘ficou impossível’. Daí, a avaliação de que tudo teria que mudar.”
Infelizmente, e em especial neste momento, seria rematado erro subestimar a tal gente. Se a sua causa não é digna, se ela traz devastação e ruína, não lhes menosprezemos a capacidade de levá-la a cabo.
A hora não é das melhores. São sobejamente conhecidas as convicções ambientalistas do Sr. Luiz Inácio Lula da Silva. Tampouco desperta confiança a posição ecológica da sucessora de José Dirceu na gestão dos assuntos correntes. De Carlos Minc, vê-se que tem apego, talvez excessivo, ao cargo. Em ambiente desfavorável, está fragilizado, em parte pelas inconfidências e táticas midiáticas.
Convenhamos, não são forças que nos transmitam segurança para os embates vindouros.
O campo ambientalista, a despeito dos manifestos e das notas partidárias, afigura-se inócuo, desagregado, falto de líderes e de estratégia digna deste nome.
Lula carece de ser confrontado, e não com palavras, mas com outra realidade que, potencialmente, é muito mais forte do que as hostes ruralistas. Lula precisa sentir o que perderá – e não só em prestígio – ao contribuir para a criação de condições objetivas de agressões ao meio ambiente e devastação de nossas florestas.
É tempo de dar nome aos bois. E, por isso, é mais do que tempo de formar uma verdadeira frente, disposta a cobrar pela salvaguarda dos recursos naturais.
O quadro atual já se afigura sombrio Se a incrível ‘política’ governamental não modificar-se, a situação se tornará ainda mais grave. Causa espanto e consternação que a MP 458 tenha sido aceita na sua redação inicial pelo Ministro Carlos Minc. Retirado o gênio da garrafa, ele se transmutaria no monstro gestado no Congresso. Como assinalou Janio de Freitas, a “MP transfigurou-se em um sistema de doações e venda a preço apenas simbólico de áreas gigantescas”.
Se não se pode esperar de transgressores do meio ambiente as mesuras do bom comportamento, é de estarrecer que o governo se deixe envolver a tal ponto. Como sublinha Janio de Freitas, “a Amazônia é o ponto fraco do Brasil no trançado das geopolíticas dos países ocidentais, cada vez mais influenciadas pela noção, de sociedades e governos, de que é necessário à humanidade preservar no planeta o que o homem ainda não arruinou.”
Contudo, as coisas não vão ficar por aí, se a triste aliança de ruralistas, desmatadores e oportunistas lograr avançar ainda mais. Quem o denuncia é fonte fidedigna, a Senadora Marina Silva. “ O principal objetivo é aprovar novo Código Ambiental, revogar a lei 6938 – que criou a Política Nacional do Meio Ambiente -, parte de Lei de Crimes Ambientais e da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, entre outros dispositivos legais. Ou seja, trata-se de quebrar a espinha dorsal da proteção ambiental no Brasil. Só não se fala em revogar o capítulo do Meio Ambiente, que está no artigo 225 da Constituição. Ainda.”
E qual é a justificativa da ofensiva, que será literalmente a da terra arrasada ? Não surpreende decerto que não é questão de princípio, mas venal. Segundo o informante da ex-Ministra, “começaram a querer implementar a legislação ambiental. (...) Enquanto ninguém estava cobrando, tudo bem. Com as tentativas de aplicação da lei, ‘ficou impossível’. Daí, a avaliação de que tudo teria que mudar.”
Infelizmente, e em especial neste momento, seria rematado erro subestimar a tal gente. Se a sua causa não é digna, se ela traz devastação e ruína, não lhes menosprezemos a capacidade de levá-la a cabo.
A hora não é das melhores. São sobejamente conhecidas as convicções ambientalistas do Sr. Luiz Inácio Lula da Silva. Tampouco desperta confiança a posição ecológica da sucessora de José Dirceu na gestão dos assuntos correntes. De Carlos Minc, vê-se que tem apego, talvez excessivo, ao cargo. Em ambiente desfavorável, está fragilizado, em parte pelas inconfidências e táticas midiáticas.
Convenhamos, não são forças que nos transmitam segurança para os embates vindouros.
O campo ambientalista, a despeito dos manifestos e das notas partidárias, afigura-se inócuo, desagregado, falto de líderes e de estratégia digna deste nome.
Lula carece de ser confrontado, e não com palavras, mas com outra realidade que, potencialmente, é muito mais forte do que as hostes ruralistas. Lula precisa sentir o que perderá – e não só em prestígio – ao contribuir para a criação de condições objetivas de agressões ao meio ambiente e devastação de nossas florestas.
É tempo de dar nome aos bois. E, por isso, é mais do que tempo de formar uma verdadeira frente, disposta a cobrar pela salvaguarda dos recursos naturais.
domingo, 7 de junho de 2009
Colcha de Retalhos XII
Goleada sobre a seleção do Uruguai
Assisti ontem a vitória da seleção e, ao final, me perguntava se o time de Dunga jogara tão bem quanto proclamava o locutor oficial da Globo, o inefável Galvão Bueno. Se os elogios do comentarista (e ex-craque Falcão) eram mais cuidadosos e com certas reticências, já o esfuziante Galvão, o amigo de estatísticas baseadas em escore de partidas ainda não concluídas, não regateava encômios.
Ora, a leitura hoje da coluna de Fernando Calazans em O Globo me deu a satisfação de verificar que não estou sozinho em minhas dúvidas.
Não pretendo, decerto, diminuir o feito de nossa equipe, quebrando escrita de 33 anos no estádio Centenário. No passado, a Celeste sempre foi adversária temível para o Brasil, embora a celebrada conquista de 1950 do time liderado por Obdúlio Varela se deva muito mais à atmosfera do ‘já ganhou’ em torno de nossa seleção – que no turno final colecionara goleadas sobre a Suécia (7x1) e a Espanha (6x1) – do que propriamente das qualidades do conjunto uruguaio.
O inesperado tropeço – que emudeceu um Maracanã com mais de duzentas mil pessoas – ensombreceria por décadas o imaginário futebolístico nacional, a despeito da série de vitórias de nossa seleção, como as do tri no México (1970), e a da volta triunfal de Romário em 1994, derrotando no velho Maracanã o Uruguai e assegurando a nossa classificação para a Copa nos Estados Unidos, e a conquista do Tetra. Em boa hora, Parreira reconduzira o baixinho à seleção, bom senso que Zagalo não teria em 1998, com o resultado que bem conhecemos.
Hoje, todavia, a Celeste é uma triste caricatura de glórias pretéritas. Não seria a homenagem à nêmesis de nossa seleção de 1950, Ghiggia, que traria de volta a qualidade dos feitores do Maracanazo. O time uruguaio é muito fraco. Seu goleiro Viera, aos onze minutos, engoliu um verdadeiro frango e igualmente falharia no segundo gol, ao permitir que Juan se antecipasse na cabeçada.
Assim, apesar de dominar em pelo menos dois terços do primeiro tempo, o Uruguai não logrou marcar, o que devemos agradecer a Júlio César. Aí surgia uma das razões de nossa vitória, e.g., o fato de dispormos do melhor goal-keeper do presente.
No segundo tempo, malgrado a ajuda do árbitro Saúl Laverini (Argentina) aos locais, ao ver inexistente falta de Luis Fabiano (de que lhe resultou a expulsão), o Brasil não teve dificuldade de marcar mais dois tentos. Se a nossa seleção não tem meio-campo digno deste nome, a classe dos atacantes foi suficiente para completar a goleada, diante de uma Celeste que literalmente não sabe marcar, seja em goals, seja em um esquema defensivo que não abra tantos espaços.
O pressuroso Galvão Bueno, a quem nos toca continuar a ouvir, já anuncia como quase-certeza a incrível façanha da equipe de Dunga de conseguir dois resultados positivos plenos nesta rodada, com a partida no Recife, contra o Paraguai.
Esperemos que os nossos jogadores não confundam a goleada acidental com uma certeza de excelsa qualidade. Porque ainda se nos depara uma equipe sem meio-campo, com ótimo goleiro, recheada de zagueiros e volantes, e com três atacantes, a mor parte do tempo isolados, dos quais o único capaz de desequilibrar continua a ser Kaká.
Só não entendi porque dependendo de um Robinho que até hoje não disse ao que veio, o preclaro Dunga não convocou Ronaldinho Gaúcho, sob o pretexto de que está barrado no seu time italiano. Será que alguém não lhe transmitiu a caridosa lembrança de que Gilmar, o goleiro da seleção, sempre fora convocado, apesar de ser reserva de Cabeção no Corinthians ?
Post-scriptum vascaíno
Gostaria de ter errado ao censurar o técnico Dorival Júnior ao haver, em má hora, decidido repisar o erro estratégico de Renato Portalupi no Fluminense (que privilegiara a disputa pela Libertadores, escalando reservas para o Brasileirão). Desta feita, Dorival não só assistiu à derrota frente ao fraco Paraná, por 3x1 (quebrando série de três vitórias), mas tampouco logrou conseguir ganhar do Corinthians no Pacaembu.
Sem poder disputar a final da Taça Brasil, voltou assim às partidas da Série B, com a equipe fragilizada por dois insucessos.
Infelizmente, a sua jogada ainda surte efeitos negativos, agora no empate em casa e sem goals contra um São Caetano nas últimas colocações. Vimos em São Januário se repetirem quadros de um passado que a série inicial de vitórias começara a apagar: nervosismo dos jogadores, revolta da torcida, e o retorno da insegurança.
O técnico Dorival deverá ter presente que não dirige um conjunto como o Vasco dos tempos do Expresso da Vitória. Na hodierna mediocridade de jogadores atuantes no Brasil, o time vascaíno tem grandes limitações. Em outras palavras, é santo de barro, que carece de ser tratado com cautela, e não com a afoita e desastrada ambição de Dorival Júnior.
Enfim a vitória de Federer no Roland Garros.
Na tarde de hoje, o suiço Roger Federer alcançou resultado que, para muitos, não estava fadado a conseguir. Por quatro vezes, a sua nêmesis Rafael Nadal lograra barrar-lhe a conquista. Na reabertura do Roland Garros deste ano, muitos poucos se atreveriam a vaticinar que Federer, e não Nadal, seria o vencedor. No céu havia a solitária nuvem de sua vitória, em cancha de argila, contra o espanhol, no Torneio de Madrid. Como nesse terreno, em todo o seu retrospecto, Federer só marcara duas vitórias contra Nadal (computado o torneio de Hamburgo), a derrota do primeiro do mundo poderia semelhar simples acidente de percurso.
Eliminado pelo 23º do mundo, o sueco Robin Soderling, Nadal não estaria na disputa pelo seu quinto troféu consecutivo na quadra de Roland Garros. Na caminhada até a final, Federer enfrentou sobretudo a pressão psicológica de arrebatar afinal uma taça com que completaria os quatro grande slams.
Na partida decisiva contra o desafiante Soderling – que, em chegando à final, mostrou que não foi por acaso que afastara Nadal do torneio parisiense -, Federer recuperou a segurança anterior, vencendo em três sets consecutivos.
Alcançando catorze prêmios de grandes slams, ele se iguala a Pete Sampras. Entra igualmente na seleta companhia daqueles jogadores que arrebataram as taças de Wimbledon, Austrália, Nova York e Roland Garros, v.g., Fred Perry, Don Budge, Rod Laver, Roy Emerson e André Agassi.
Assisti ontem a vitória da seleção e, ao final, me perguntava se o time de Dunga jogara tão bem quanto proclamava o locutor oficial da Globo, o inefável Galvão Bueno. Se os elogios do comentarista (e ex-craque Falcão) eram mais cuidadosos e com certas reticências, já o esfuziante Galvão, o amigo de estatísticas baseadas em escore de partidas ainda não concluídas, não regateava encômios.
Ora, a leitura hoje da coluna de Fernando Calazans em O Globo me deu a satisfação de verificar que não estou sozinho em minhas dúvidas.
Não pretendo, decerto, diminuir o feito de nossa equipe, quebrando escrita de 33 anos no estádio Centenário. No passado, a Celeste sempre foi adversária temível para o Brasil, embora a celebrada conquista de 1950 do time liderado por Obdúlio Varela se deva muito mais à atmosfera do ‘já ganhou’ em torno de nossa seleção – que no turno final colecionara goleadas sobre a Suécia (7x1) e a Espanha (6x1) – do que propriamente das qualidades do conjunto uruguaio.
O inesperado tropeço – que emudeceu um Maracanã com mais de duzentas mil pessoas – ensombreceria por décadas o imaginário futebolístico nacional, a despeito da série de vitórias de nossa seleção, como as do tri no México (1970), e a da volta triunfal de Romário em 1994, derrotando no velho Maracanã o Uruguai e assegurando a nossa classificação para a Copa nos Estados Unidos, e a conquista do Tetra. Em boa hora, Parreira reconduzira o baixinho à seleção, bom senso que Zagalo não teria em 1998, com o resultado que bem conhecemos.
Hoje, todavia, a Celeste é uma triste caricatura de glórias pretéritas. Não seria a homenagem à nêmesis de nossa seleção de 1950, Ghiggia, que traria de volta a qualidade dos feitores do Maracanazo. O time uruguaio é muito fraco. Seu goleiro Viera, aos onze minutos, engoliu um verdadeiro frango e igualmente falharia no segundo gol, ao permitir que Juan se antecipasse na cabeçada.
Assim, apesar de dominar em pelo menos dois terços do primeiro tempo, o Uruguai não logrou marcar, o que devemos agradecer a Júlio César. Aí surgia uma das razões de nossa vitória, e.g., o fato de dispormos do melhor goal-keeper do presente.
No segundo tempo, malgrado a ajuda do árbitro Saúl Laverini (Argentina) aos locais, ao ver inexistente falta de Luis Fabiano (de que lhe resultou a expulsão), o Brasil não teve dificuldade de marcar mais dois tentos. Se a nossa seleção não tem meio-campo digno deste nome, a classe dos atacantes foi suficiente para completar a goleada, diante de uma Celeste que literalmente não sabe marcar, seja em goals, seja em um esquema defensivo que não abra tantos espaços.
O pressuroso Galvão Bueno, a quem nos toca continuar a ouvir, já anuncia como quase-certeza a incrível façanha da equipe de Dunga de conseguir dois resultados positivos plenos nesta rodada, com a partida no Recife, contra o Paraguai.
Esperemos que os nossos jogadores não confundam a goleada acidental com uma certeza de excelsa qualidade. Porque ainda se nos depara uma equipe sem meio-campo, com ótimo goleiro, recheada de zagueiros e volantes, e com três atacantes, a mor parte do tempo isolados, dos quais o único capaz de desequilibrar continua a ser Kaká.
Só não entendi porque dependendo de um Robinho que até hoje não disse ao que veio, o preclaro Dunga não convocou Ronaldinho Gaúcho, sob o pretexto de que está barrado no seu time italiano. Será que alguém não lhe transmitiu a caridosa lembrança de que Gilmar, o goleiro da seleção, sempre fora convocado, apesar de ser reserva de Cabeção no Corinthians ?
Post-scriptum vascaíno
Gostaria de ter errado ao censurar o técnico Dorival Júnior ao haver, em má hora, decidido repisar o erro estratégico de Renato Portalupi no Fluminense (que privilegiara a disputa pela Libertadores, escalando reservas para o Brasileirão). Desta feita, Dorival não só assistiu à derrota frente ao fraco Paraná, por 3x1 (quebrando série de três vitórias), mas tampouco logrou conseguir ganhar do Corinthians no Pacaembu.
Sem poder disputar a final da Taça Brasil, voltou assim às partidas da Série B, com a equipe fragilizada por dois insucessos.
Infelizmente, a sua jogada ainda surte efeitos negativos, agora no empate em casa e sem goals contra um São Caetano nas últimas colocações. Vimos em São Januário se repetirem quadros de um passado que a série inicial de vitórias começara a apagar: nervosismo dos jogadores, revolta da torcida, e o retorno da insegurança.
O técnico Dorival deverá ter presente que não dirige um conjunto como o Vasco dos tempos do Expresso da Vitória. Na hodierna mediocridade de jogadores atuantes no Brasil, o time vascaíno tem grandes limitações. Em outras palavras, é santo de barro, que carece de ser tratado com cautela, e não com a afoita e desastrada ambição de Dorival Júnior.
Enfim a vitória de Federer no Roland Garros.
Na tarde de hoje, o suiço Roger Federer alcançou resultado que, para muitos, não estava fadado a conseguir. Por quatro vezes, a sua nêmesis Rafael Nadal lograra barrar-lhe a conquista. Na reabertura do Roland Garros deste ano, muitos poucos se atreveriam a vaticinar que Federer, e não Nadal, seria o vencedor. No céu havia a solitária nuvem de sua vitória, em cancha de argila, contra o espanhol, no Torneio de Madrid. Como nesse terreno, em todo o seu retrospecto, Federer só marcara duas vitórias contra Nadal (computado o torneio de Hamburgo), a derrota do primeiro do mundo poderia semelhar simples acidente de percurso.
Eliminado pelo 23º do mundo, o sueco Robin Soderling, Nadal não estaria na disputa pelo seu quinto troféu consecutivo na quadra de Roland Garros. Na caminhada até a final, Federer enfrentou sobretudo a pressão psicológica de arrebatar afinal uma taça com que completaria os quatro grande slams.
Na partida decisiva contra o desafiante Soderling – que, em chegando à final, mostrou que não foi por acaso que afastara Nadal do torneio parisiense -, Federer recuperou a segurança anterior, vencendo em três sets consecutivos.
Alcançando catorze prêmios de grandes slams, ele se iguala a Pete Sampras. Entra igualmente na seleta companhia daqueles jogadores que arrebataram as taças de Wimbledon, Austrália, Nova York e Roland Garros, v.g., Fred Perry, Don Budge, Rod Laver, Roy Emerson e André Agassi.
sexta-feira, 5 de junho de 2009
Luto no Dia do Meio Ambiente
Na véspera, muitos sinais contrastantes. A audiência afinal concedida pelo Presidente Lula aos atores Christiane Torloni e Victor Fasano. O Manifesto pela Amazônia, com as suas um milhão e cem mil assinaturas, incluídas as dos ex-Presidentes José Sarney, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Agora o documento – que motivara vigilia na Esplanada - ostenta igualmente a firma do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Aqui decerto cabe a pergunta: o que realmente significa a assinatura presidencial ?
Já o manifesto subscrito por 23 entidades ambientais de relevo é um grito de alerta para a atual crise do meio ambiente. No seu entender, o presente intento de ‘desmonte’ da legislação ambiental não permite que se comemore, no Brasil e nesta data, o Dia Mundial do Meio Ambiente. Por isso, o dia cinco de junho é um momento de preocupação e pesar.
Motivos para tanto existem bastantes. E neste blog, como não ignoram os seus leitores, muitos deles tem sido referidos.
A que atribuir essas mudanças na legislação ambiental que se acham na contramão da história e obviamente dos princípios do desenvolvimento sustentável ?
A primeira resposta a encontramos no Manifesto das Organizações Não-governamentais: “a lógica do crescimento econômico a qualquer custo vem solapando o compromisso de construir um modelo de desenvolvimento socialmente justo, ambientalmente adequado e economicamente sustentável.”
A esse respeito, não semelha descabido apontar boa parcela de responsabilidade ao Governo federal. O Presidente Lula, posto que não contrário ao ambientalismo – e como o poderia o fundador do PT, com o histórico do partido na defesa da causa ecológica -, deseja impulsionar o crescimento econômico. Neste afã, e secundado por sua Chefe da Casa Civil, a Ministra Dilma Rousseff, tem tomado muitas decisões açodadas (v.g., a opção ‘chinesa’ das termoelétricas, a não-exigência às montadoras de melhoras nos padrões de consumo de combustível) que revelam a falta de qualquer sintonia com as modernas correntes de pensamento.
As iniciativas do Governo Lula, a partir da mudança do decreto 6514 – que exigia o cumprimento da legislação florestal – são responsáveis não só pelos retrocessos provocados e o enfraquecimento dos controles ambientais, mas também pela sua inequívoca sinalização de ‘novos tempos’ à frente ruralista e aos desmatadores em geral.
O manifesto elenca outras medidas do Governo: a revogação do decreto da década de noventa que protegia as cavernas. De repente, o nosso vasto patrimônio espeleológico se acha à mercê da exploração industrial.
Já neste ano, sequer os ventos pré-eleitoreiros facilitam a explicação da MP 458, com a sua imoral recompensa à grilagem. O quadro de resto se complica se nele inserirmos a aprovação desse mostrengo ambientalóide pelo próprio Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. Como assinala o documento das ONGs, “a título de regularizar as posses de pequenos agricultores ocupantes de terras públicas federais na Amazônia, abriu a possibilidade de se legalizar a situação de uma grande quantidade de grileiros, incentivando o assalto ao patrimônio público, a concentração fundiária e o avanço do desmatamento ilegal.”
Ainda nesta estranha promoção anti-ambientalista se encontra outra MP, a de número 452. O Governo Lula, por seu intermédio, destrói “um dos principais instrumentos da política ambiental brasileira, e feita sob medida para possibilitar abrir a BR-319 no coração da Floresta Amazônica, por motivos políticos-eleitorais.”
Antes de passarmos a ministros do Governo Lula, e a sua atuação no Congresso, não exatamente em consonância com o Ministério do Meio Ambiente, semelha oportuna uma referência ao Ministro Minc.
Sucedendo a Marina Silva, que pedira demissão, por falta de apoio político do Presidente Lula nos seus embates com a Ministra Dilma Rousseff, o Ministro Minc deu à sua gestão na pasta perfil midiático. Trazendo para a imprensa suas queixas contra os colegas ministros, banalizou os problemas ambientalistas, e se colocou no mesmo nível de outros adversários, como a frente ruralista e a Senadora Kátia Abreu, presidente da confederação nacional da agricultura. Por outro lado, deu às desavenças ministeriais conotação quase-escolar, ao levá-las ao conhecimento do Presidente ( e da opinião pública, através da imprensa ), como se a divulgação das supostas ofensas dos colegas tornasse inelutável a intervenção em seu favor como verdadeiro mestre-escola ( e deus ex-machina) do Presidente Lula.
Essa estratégia primária tendeu a fragilizá-lo ainda mais. Ao invés de lograr o apoio ( e as desejadas reprimendas aos coleguinhas ), colheu de Sua Excelência um enquadramento que, se lhe dá certa sobrevida, não deixa de apresentá-lo em estágio de pré-fritura.
De certa forma, ao não mencioná-lo, o manifesto opta por colocar Minc em uma espécie de limbo. Nada terá encontrado que justifique menção à sua baldada luta contra o chamado desmonte. Prefere, no entanto, ocultá-lo sob um manto de silêncio, quiçá movido pelo temor de que eventual substituto seja ainda menos favorável à atribulada causa.
Quanto aos demais ministros – Alfredo Nascimento, dos Transportes; Edison Lobão, de Minas e Energia; Reinhold Stephanes, da Agricultura; e Mangabeira Unger, secretário de Assuntos Estratégicos - são acusados de com suas ‘machadinhas’ destroçar a legislação ambiental. Nesse microcosmo – sob a supervisão informal da Ministra Dilma Rousseff (aliás suspeita de engavetar na Casa Civil propostas de novas unidades de conservação) – nem o próprio Carlos Minc há de crer que aí os ventos lhe sejam favoráveis.
Senado e Câmara, se lá existem próceres que se incluam nas fileiras do ambientalismo, forçoso será reconhecer que, dentro da magra dieta legiferante que ora sublinha a mediocridade de nossos congressistas, mais se tem assinalado por desfigurar e desvirtuar, consoante os preceitos ruralistas, as MPs porventura apresentadas pelo prolífico setor legislador do Executivo.
Em um partido que se diz ambientalista, a Senadora Kátia Abreu (DEM-TO) se movimenta com grande desenvoltura – acaba de ser relatora da famigerada MP 458 e muito contribuíu para a aprovação do inconstitucional Código Ambiental de Santa Catarina.Sobretudo, gostaria de exibir, entre seus troféus, a cabeça de Carlos Minc.
Não obstante tudo o que precede, o Dia do Meio Ambiente também apresenta alguns sinais de reação à ofensiva de ruralistas, desmatadores e simpatizantes.
Conscientes dos prejuízos que trará para a identificação do PT com a causa ambientalista as pelo menos ambíguas posturas de seu Presidente de honra e fundador, o líder do Partido dos Trabalhadores no Senado, Aloizio Mercadante, informou que o partido pedirá a Lula que vete trechos da MP 458, que facilitam ainda mais a legalização de terras ocupadas ilegalmente na Amazônia. Nesse contexto, Mercadante chamou o texto de “MP da grilagem”. Já a Senadora Marina Silva pede ao Presidente que vete pelo menos três artigos da MP. Considera essa Medida Provisória ameaça à preservação da floresta e ao compromisso de conter o desmatamento.
Caso as bancadas do PT venham a atender o apelo de Mercadante – segundo o Senador por São Paulo a bancada no Senado está coesa, e seria de esperar que a da Câmara lhe seguisse o exemplo, conforme as proposições da nota do secretário partidário do meio ambiente (V. meu blog a respeito) – haverá possibilidade de que outros partidos menores (como, v.g., o Verde) possam associar-se a esta reação.
Seria quadro mais agradável de contemplar do que o atual, em que as frentes do atraso comandam a atenção de plenários indiferentes ou desmotivados.
Já o manifesto subscrito por 23 entidades ambientais de relevo é um grito de alerta para a atual crise do meio ambiente. No seu entender, o presente intento de ‘desmonte’ da legislação ambiental não permite que se comemore, no Brasil e nesta data, o Dia Mundial do Meio Ambiente. Por isso, o dia cinco de junho é um momento de preocupação e pesar.
Motivos para tanto existem bastantes. E neste blog, como não ignoram os seus leitores, muitos deles tem sido referidos.
A que atribuir essas mudanças na legislação ambiental que se acham na contramão da história e obviamente dos princípios do desenvolvimento sustentável ?
A primeira resposta a encontramos no Manifesto das Organizações Não-governamentais: “a lógica do crescimento econômico a qualquer custo vem solapando o compromisso de construir um modelo de desenvolvimento socialmente justo, ambientalmente adequado e economicamente sustentável.”
A esse respeito, não semelha descabido apontar boa parcela de responsabilidade ao Governo federal. O Presidente Lula, posto que não contrário ao ambientalismo – e como o poderia o fundador do PT, com o histórico do partido na defesa da causa ecológica -, deseja impulsionar o crescimento econômico. Neste afã, e secundado por sua Chefe da Casa Civil, a Ministra Dilma Rousseff, tem tomado muitas decisões açodadas (v.g., a opção ‘chinesa’ das termoelétricas, a não-exigência às montadoras de melhoras nos padrões de consumo de combustível) que revelam a falta de qualquer sintonia com as modernas correntes de pensamento.
As iniciativas do Governo Lula, a partir da mudança do decreto 6514 – que exigia o cumprimento da legislação florestal – são responsáveis não só pelos retrocessos provocados e o enfraquecimento dos controles ambientais, mas também pela sua inequívoca sinalização de ‘novos tempos’ à frente ruralista e aos desmatadores em geral.
O manifesto elenca outras medidas do Governo: a revogação do decreto da década de noventa que protegia as cavernas. De repente, o nosso vasto patrimônio espeleológico se acha à mercê da exploração industrial.
Já neste ano, sequer os ventos pré-eleitoreiros facilitam a explicação da MP 458, com a sua imoral recompensa à grilagem. O quadro de resto se complica se nele inserirmos a aprovação desse mostrengo ambientalóide pelo próprio Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. Como assinala o documento das ONGs, “a título de regularizar as posses de pequenos agricultores ocupantes de terras públicas federais na Amazônia, abriu a possibilidade de se legalizar a situação de uma grande quantidade de grileiros, incentivando o assalto ao patrimônio público, a concentração fundiária e o avanço do desmatamento ilegal.”
Ainda nesta estranha promoção anti-ambientalista se encontra outra MP, a de número 452. O Governo Lula, por seu intermédio, destrói “um dos principais instrumentos da política ambiental brasileira, e feita sob medida para possibilitar abrir a BR-319 no coração da Floresta Amazônica, por motivos políticos-eleitorais.”
Antes de passarmos a ministros do Governo Lula, e a sua atuação no Congresso, não exatamente em consonância com o Ministério do Meio Ambiente, semelha oportuna uma referência ao Ministro Minc.
Sucedendo a Marina Silva, que pedira demissão, por falta de apoio político do Presidente Lula nos seus embates com a Ministra Dilma Rousseff, o Ministro Minc deu à sua gestão na pasta perfil midiático. Trazendo para a imprensa suas queixas contra os colegas ministros, banalizou os problemas ambientalistas, e se colocou no mesmo nível de outros adversários, como a frente ruralista e a Senadora Kátia Abreu, presidente da confederação nacional da agricultura. Por outro lado, deu às desavenças ministeriais conotação quase-escolar, ao levá-las ao conhecimento do Presidente ( e da opinião pública, através da imprensa ), como se a divulgação das supostas ofensas dos colegas tornasse inelutável a intervenção em seu favor como verdadeiro mestre-escola ( e deus ex-machina) do Presidente Lula.
Essa estratégia primária tendeu a fragilizá-lo ainda mais. Ao invés de lograr o apoio ( e as desejadas reprimendas aos coleguinhas ), colheu de Sua Excelência um enquadramento que, se lhe dá certa sobrevida, não deixa de apresentá-lo em estágio de pré-fritura.
De certa forma, ao não mencioná-lo, o manifesto opta por colocar Minc em uma espécie de limbo. Nada terá encontrado que justifique menção à sua baldada luta contra o chamado desmonte. Prefere, no entanto, ocultá-lo sob um manto de silêncio, quiçá movido pelo temor de que eventual substituto seja ainda menos favorável à atribulada causa.
Quanto aos demais ministros – Alfredo Nascimento, dos Transportes; Edison Lobão, de Minas e Energia; Reinhold Stephanes, da Agricultura; e Mangabeira Unger, secretário de Assuntos Estratégicos - são acusados de com suas ‘machadinhas’ destroçar a legislação ambiental. Nesse microcosmo – sob a supervisão informal da Ministra Dilma Rousseff (aliás suspeita de engavetar na Casa Civil propostas de novas unidades de conservação) – nem o próprio Carlos Minc há de crer que aí os ventos lhe sejam favoráveis.
Senado e Câmara, se lá existem próceres que se incluam nas fileiras do ambientalismo, forçoso será reconhecer que, dentro da magra dieta legiferante que ora sublinha a mediocridade de nossos congressistas, mais se tem assinalado por desfigurar e desvirtuar, consoante os preceitos ruralistas, as MPs porventura apresentadas pelo prolífico setor legislador do Executivo.
Em um partido que se diz ambientalista, a Senadora Kátia Abreu (DEM-TO) se movimenta com grande desenvoltura – acaba de ser relatora da famigerada MP 458 e muito contribuíu para a aprovação do inconstitucional Código Ambiental de Santa Catarina.Sobretudo, gostaria de exibir, entre seus troféus, a cabeça de Carlos Minc.
Não obstante tudo o que precede, o Dia do Meio Ambiente também apresenta alguns sinais de reação à ofensiva de ruralistas, desmatadores e simpatizantes.
Conscientes dos prejuízos que trará para a identificação do PT com a causa ambientalista as pelo menos ambíguas posturas de seu Presidente de honra e fundador, o líder do Partido dos Trabalhadores no Senado, Aloizio Mercadante, informou que o partido pedirá a Lula que vete trechos da MP 458, que facilitam ainda mais a legalização de terras ocupadas ilegalmente na Amazônia. Nesse contexto, Mercadante chamou o texto de “MP da grilagem”. Já a Senadora Marina Silva pede ao Presidente que vete pelo menos três artigos da MP. Considera essa Medida Provisória ameaça à preservação da floresta e ao compromisso de conter o desmatamento.
Caso as bancadas do PT venham a atender o apelo de Mercadante – segundo o Senador por São Paulo a bancada no Senado está coesa, e seria de esperar que a da Câmara lhe seguisse o exemplo, conforme as proposições da nota do secretário partidário do meio ambiente (V. meu blog a respeito) – haverá possibilidade de que outros partidos menores (como, v.g., o Verde) possam associar-se a esta reação.
Seria quadro mais agradável de contemplar do que o atual, em que as frentes do atraso comandam a atenção de plenários indiferentes ou desmotivados.
quinta-feira, 4 de junho de 2009
Não Percamos de Vista o que significa para o Brasil a Defesa do Meio Ambiente
A situação do Ministro Carlos Minc se torna cada vez mais precária. À primeira vista, não poderia ser maior o seu isolamento político. De um lado, o próprio comportamento, ao invés de tecer alianças, tem acirrado oposições e, o que é pior, vem dando motivo a que os verdadeiros ofensores do meio ambiente, se apresentem como ofendidos, e peçam a sua cabeça ao Presidente; e de outro, Luiz Inácio Lula da Silva, que Minc julgara pudesse tomar-lhe a defesa, volta a considerá-lo como o responsável pelas dificuldades.
A par disso, é de assinalar-se a geral debilidade do campo ambientalista. Se à posição do Ministro Minc no Ministério não se dá vida longa, é consternadora a atual fraqueza política dos líderes ambientalistas.
No Senado, a Senadora Marina Silva assiste, impotente, a mais um desastre anunciado, com a aprovação da MP 458, que permite a imoral legalização de terras griladas na Amazônia com até 1500 hectares. A relatora ( presidente da Confederação Nacional da Agricultura) Senadora Kátia Abreu (DEM-Tocantins) canta vitória. Voluntária do Greenpeace invade Congresso, portando a fantasia da Senadora como Miss Desmatamento. Se os seguranças lograram expulsá-la, a imagem será mais difícil de descoser, diante desta estranha ‘regularização fundiária na floresta’ que permite que o governo federal venda as terras, sem licitação, a posseiros e grileiros que as ocupavam até 2004.
Como a Cassandra da mitologia, condenada a prever o futuro, em meio à geral descrença, a Senadora do Acre anunciou o descalabro com muita antecedência. Mas nenhuma aliança foi costurada, nenhuma intervenção de Senadores foi conseguida, para contra-arrestar a aprovação da MP 458 na sua forma emendada, e sumamente prejudicial ao meio ambiente amazônico.
Se as alianças feitas pelo Ministro Minc, com o boné da Contag, são extra-parlamentares, cabe perguntar o que fazem o Partido Verde e os demais líderes ambientalistas, que não reagem, não se manifestam, nem utilizam o espaço livre televisivo para denunciar o ataque não aos seus interesses, mas àqueles do Brasil. Será que cabem só a estrangeiros – e com as limitações inerentes – os questionamentos e as advertências, diante da falta de política coerente e coordenada ?
A inabilidade do Ministro Carlos Minc, que, a despeito da justiça de sua causa, que é a do Brasil, a enfraqueceu com as próprias atitudes e a postura midiática, proporciona aos ruralistas e aos desmatadores a oportunidade de se apresentarem como ofendidos, a ponto de a Senadora Katia Abreu exigir-lhe a cabeça ao Presidente Lula.
Todo este patético isolamento sublinha com traços cruéis a incompetência do campo ambientalista, que assiste impotente à investida de ruralistas, oportunistas e desmatadores contra um meio ambiente órfão de líderes.
Só um tolo verá no Presidente Lula um defensor da causa ambientalista. O compromisso com o desenvolvimento sustentável, que vitimou a Chico Mendes e outros militantes do PT, aparece apenas nas notas de secretário partidário sem qualquer influência no poder. Lula já esqueceu há muito o que significa tal compromisso, e as reivindicações de Blairo Maggi, Kátia Abreu et al. ele as coloca no mesmo nível, se tanto, daquelas de seu Ministro do Meio Ambiente. O Primeiro Mandatário não distingue entre o interesse do Brasil, que é o de administrar o nosso maior recurso, e aquele dos açodados desmatadores e destruidores de nossas riquezas.
Como não lê, não verá os avisos da importância da hora para o Brasil, como nos dizem vozes estrangeiras (V. entrevista de Vinod Thomas), mas não por isso menos
verazes e oportunas.
Se Carlos Minc parece destinado à fritura irremediável, apesar dos esforços de seu protetor, o Governador Sérgio Cabral (PMDB), já se pode adiantar que, com a indiferença do Presidente Lula, é difícil encarar com algum otimismo qualquer designação para a Pasta, por mais hábil e competente que seja o escolhido.
Como assinalou o ex-Ministro Gustavo Krause (1995-1998) a tarefa é de “enorme solidão política”. No entender de Krause, Ministro de FHC, “ é um gestor que trata de interesses que estão por vir. Faz adversários à vista e aliados a prazo.”
E, no entanto, o ministro do meio ambiente deveria ser encarado como um dos mais importantes. Dada a força dos interesses contrastantes, o seu êxito está estreitamente vinculado ao apoio do Presidente da República. Se existente – o que no momento não se configura – tudo o mais se torna acessório.
A par disso, é de assinalar-se a geral debilidade do campo ambientalista. Se à posição do Ministro Minc no Ministério não se dá vida longa, é consternadora a atual fraqueza política dos líderes ambientalistas.
No Senado, a Senadora Marina Silva assiste, impotente, a mais um desastre anunciado, com a aprovação da MP 458, que permite a imoral legalização de terras griladas na Amazônia com até 1500 hectares. A relatora ( presidente da Confederação Nacional da Agricultura) Senadora Kátia Abreu (DEM-Tocantins) canta vitória. Voluntária do Greenpeace invade Congresso, portando a fantasia da Senadora como Miss Desmatamento. Se os seguranças lograram expulsá-la, a imagem será mais difícil de descoser, diante desta estranha ‘regularização fundiária na floresta’ que permite que o governo federal venda as terras, sem licitação, a posseiros e grileiros que as ocupavam até 2004.
Como a Cassandra da mitologia, condenada a prever o futuro, em meio à geral descrença, a Senadora do Acre anunciou o descalabro com muita antecedência. Mas nenhuma aliança foi costurada, nenhuma intervenção de Senadores foi conseguida, para contra-arrestar a aprovação da MP 458 na sua forma emendada, e sumamente prejudicial ao meio ambiente amazônico.
Se as alianças feitas pelo Ministro Minc, com o boné da Contag, são extra-parlamentares, cabe perguntar o que fazem o Partido Verde e os demais líderes ambientalistas, que não reagem, não se manifestam, nem utilizam o espaço livre televisivo para denunciar o ataque não aos seus interesses, mas àqueles do Brasil. Será que cabem só a estrangeiros – e com as limitações inerentes – os questionamentos e as advertências, diante da falta de política coerente e coordenada ?
A inabilidade do Ministro Carlos Minc, que, a despeito da justiça de sua causa, que é a do Brasil, a enfraqueceu com as próprias atitudes e a postura midiática, proporciona aos ruralistas e aos desmatadores a oportunidade de se apresentarem como ofendidos, a ponto de a Senadora Katia Abreu exigir-lhe a cabeça ao Presidente Lula.
Todo este patético isolamento sublinha com traços cruéis a incompetência do campo ambientalista, que assiste impotente à investida de ruralistas, oportunistas e desmatadores contra um meio ambiente órfão de líderes.
Só um tolo verá no Presidente Lula um defensor da causa ambientalista. O compromisso com o desenvolvimento sustentável, que vitimou a Chico Mendes e outros militantes do PT, aparece apenas nas notas de secretário partidário sem qualquer influência no poder. Lula já esqueceu há muito o que significa tal compromisso, e as reivindicações de Blairo Maggi, Kátia Abreu et al. ele as coloca no mesmo nível, se tanto, daquelas de seu Ministro do Meio Ambiente. O Primeiro Mandatário não distingue entre o interesse do Brasil, que é o de administrar o nosso maior recurso, e aquele dos açodados desmatadores e destruidores de nossas riquezas.
Como não lê, não verá os avisos da importância da hora para o Brasil, como nos dizem vozes estrangeiras (V. entrevista de Vinod Thomas), mas não por isso menos
verazes e oportunas.
Se Carlos Minc parece destinado à fritura irremediável, apesar dos esforços de seu protetor, o Governador Sérgio Cabral (PMDB), já se pode adiantar que, com a indiferença do Presidente Lula, é difícil encarar com algum otimismo qualquer designação para a Pasta, por mais hábil e competente que seja o escolhido.
Como assinalou o ex-Ministro Gustavo Krause (1995-1998) a tarefa é de “enorme solidão política”. No entender de Krause, Ministro de FHC, “ é um gestor que trata de interesses que estão por vir. Faz adversários à vista e aliados a prazo.”
E, no entanto, o ministro do meio ambiente deveria ser encarado como um dos mais importantes. Dada a força dos interesses contrastantes, o seu êxito está estreitamente vinculado ao apoio do Presidente da República. Se existente – o que no momento não se configura – tudo o mais se torna acessório.
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