Mark Danner volta à tortura como denunciada por Relatório do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, em aditamento a seu artigo em The NewYork Review, de nove de abril p.p. Exposta a tortura conforme prática de interrogatório utilizada pela Administração Bush com relação a detentos da chamada guerra contra o terror, trata-se agora de analisar este instrumento, rejeitado pelo Presidente Obama, em suas eventuais implicações com o futuro, de acordo com o discurso do ex-vice-Presidente Dick Cheney.
Ao contrário de seu chefe, o Presidente George Bush, que nega a prática da tortura por sua Administração – ‘nós não torturamos’- e se refere apenas a ‘procedimentos alternativos de interrogatório’, o vice-Presidente Cheney, embora não o declare explicitamente, não tem pelos na língua a chegar aos limites de virtual admissão das práticas “duras, mesquinhas, sujas, desagradáveis” indispensáveis “para preservar a segurança nacional”.
Conquanto Cheney esteja entre os homens públicos americanos mais impopulares, paradoxalmente a sua habilidade e impiedosa postura como político o catapultou à posição de anti-Obama.
Conforme seu modo de ver, que tem repetido como se fora um mantra, a tortura – ou ‘interrogatórios duros, ásperos, incrementados’ – está no âmago das terríveis políticas de segurança nacional. Ao preconizar que ‘se faça tudo o que for necessário para proteger o povo americano’, Cheney procura tornar evidente que a Administração Obama, ao abolir tais procedimentos, colocará o país de novo em risco.
A tecla do medo, que o ex-vice-Presidente emprega sem rebuços, mexe com determinado público, que atenta menos para a repulsiva prática em si mesma, do que para os seus supostos resultados: “quando temos gente que está mais preocupada a propósito de ler os direitos (menção à celebre decisão Miranda da Corte Suprema, que obriga o policial a ler para o detido os seus direitos) para um terrorista da Al Qaeda, do que em proteger os Estados Unidos de pessoas que estão totalmente engajadas em tudo fazer para matar americanos, então eu fico inquieto... Eles são gente má. E nós não vamos vencer essa luta oferecendo a outra face.”
Perguntado pelo reporter John King, da CNN, se “ao tomar esses passos... o Presidente dos Estados Unidos tornara os americanos menos seguros”, Dick Cheney acolheu a deixa enfaticamente: “Sem dúvida. Penso que esses programas foram absolutamente essenciais para o sucesso que obtivemos ao coletar as informações (intelligence) que nos permitiram derrotar todas as tentativas posteriores para lançar ataques contra os Estados Unidos depois do onze de setembro. Eu a considero como uma grande e bem-sucedida história.”
Pouco dias depois, o Presidente Obama respondeu : “Discordo fundamentalmente de Dick Cheney. Acredito que o Vice-Presidente Cheney tem estado à frente de um movimento com a ideia de que, de alguma forma, não podemos reconciliar os nossos valores básicos, nossa Constituição, nossa crença que nós não torturamos, com os nossos interesses de segurança nacional... Esta atitude, esta filosofia tem causado um incrível dano para a nossa imagem e posição no mundo.”
Duas posições antagônicas aqui se defrontam. Se sob os aspectos ético e legal não subsistem dúvidas quanto àquela que é a postura correta – e que, de resto, prevalece na tradição jurídica e política estadunidense -, no entanto, conforme assinala Mark Danner em seu artigo “O Relatório da Cruz Vermelha sobre a Tortura: o que significa”, o que se acha em jogo na campanha de Cheney é a feição política da questão.
A oportuna mudança de rumo introduzida pela Administração Obama tenderá a colher a aprovação da maioria. A dificuldade surgiria se ocorresse novo ataque terrorista, com vítimas americanas, ataque este que seria imputado à responsabilidade da nova Administração, e suas políticas democráticas e legalistas.
Toda a argumentação de Dick Cheney se baseia na alegada capacidade dos ‘métodos alternativos de interrogatório’ de inviabilizar novos ataques contra os Estados Unidos. O Vice-Presidente não tem dúvidas sobre o êxito de tais métodos. Perguntado, no entanto, acerca de casos concretos, ele lamenta não poder dar exemplos, por serem as informações concernentes de caráter confidencial ou secreto...
Ao dizer que “os fatos não corroboram a posição de Cheney”, Obama se está referindo ao prejuízo político causado pela tortura e às dificuldades por ela provocadas nos processos judiciários dos prisioneiros. Segundo Danner, o presidente não se estaria referindo àqueles fatos mencionados pela Administração anterior, a saber, que a tortura haja prevenido ataques e, dessa forma, protegido o país e salvado vidas.
Para desmontar a tática de Cheney, que instrumentaliza o segredo para alicerçar a sua defesa da tortura – e, para tanto, se vale do medo como o advogado da tortura - seria necessário expor o seu eventual blefe de que os ‘métodos alternativos’ velaram pela segurança estadunidense.
Existem indícios de que toda esta construção feita pelo ex-vice-Presidente seria somente uma coleção de mitos, viabilizada pela audácia do proponente e a presente indisponibilidade do material informativo pertinente. A esse propósito, Mark Danner cita Lawrence Wilkerson, chefe de gabinete do Secretário de Estado Colin Powell:
“Nunca chegou ao meu conhecimento de forma convincente (...) que qualquer informação significativa tenha sido obtida de detidos em Guantánamo - um punhado de inequívocos chefes e seus companheiros, não mais de uma ou duas dúzias dos prisioneiros. Mesmo suas supostas contribuições de informações concretas e operacionais são intensamente questionadas pelas respectivas comunidades, tais como inteligência e repressão (law enforcement).”
A despeito dos desmentidos acerca da eficiência das práticas incrementadas, o próprio Wilkerson reconhece que a “retórica estridente” de Dick Cheney persiste, continuando a ser um fato político no debate sobre segurança nacional.
Como fazer para que o debate deixe de ser sobre levianas afirmações a respeito de informações (intelligence) “ainda classificadas” e, portanto, inacessíveis ao público ? A única solução estaria em constituir “comissão bipartidária da verdade”, em que seus membros estariam autorizados a vistoriar todos os documentos pertinentes, classificados ou não. No entender de Mark Danner, seria “a única maneira de confrontar o poder político da questão, e evitar a reaparição da própria prática (da tortura), é examinar detidamente as autênticas ‘provas empíricas dos últimos cinco anos, anos difíceis’, e expor, de forma clara e credível,o que esta história realmente representa.”
terça-feira, 26 de maio de 2009
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