É elogiável a iniciativa do jornal O Globo de trazer para a edição dominical a análise de questões em maior profundidade. Na edição de dezessete de maio, foi escolhida matéria, a um tempo oportuna e preocupante. Reporto-me à progressão da dengue em nosso país.
No passado, os dois primeiros embates do governo federal contra o Aedes aegypti foram bem sucedidos. No governo de Getúlio Vargas, no início dos anos quarenta, com participação americana, fora eliminado um foco no Nordeste. Posteriormente, no governo Juscelino Kubitschek, em 1958, o Brasil foi declarado livre da infestação pelo mosquito da dengue.
Mais tarde, o Aedes aegypti retornou. Não se sabe ao certo por onde o mosquito reingressou em nosso território. Não se pode excluir que tenha vindo da Venezuela. Antes de adentrarmos o período coberto pela reportagem de O Globo, que é de 1995 a 2008, acredito caibam algumas considerações preliminares.
Há algum tempo li assertiva de especialista que pronuncia como irrealizável a meta de que no futuro se logre de novo erradicar a dengue do Brasil. Intuo a dificuldade da empresa, dadas a extensão do território, as características de nossas autoridades (federal, estadual e municipal), e as condições sanitárias em que vive boa parte dos brasileiros.
Já houve personalidade estrangeira que mandara retirar do próprio dicionário o vocábulo impossível. Conquanto hesite em seguir-lhe literalmente o exemplo – o infeliz acabou mal seus dias, em esquecida ilhota – confesso o meu ceticismo defronte desse fatalismo supostamente científico. Se não há nada de novo debaixo do sol em termos de costumes, é mister reconhecer que, com o esquisito pássaro dodo à frente, muitas espécies animais e vegetais já desapareceram das vistas do deus Hélio.
Por isso, reluto em acreditar, agora com as benesses da informação e de tecnologias mais avançadas, que não se consiga eliminar uma vez mais este vetor da dengue. Descendentes de portugueses e bandeirantes, que tantas terras desbravaram, poderiamos, não digo imitar a versão hodierna – que é o do desmatamento sem limites – mas dela retirar a obstinada disposição, jogando fora tudo o mais que de estúpido e negativo possui.
Creio que já devo afastar a cortina introdutória para sinalizar ao leitor que não teve acesso às páginas do jornal, os dados sombrios do progresso da doença. O mapa do Brasil em 1995, com as áreas infestadas em vermelho, ainda nos acena com espaços livres da dengue, sobretudo no norte, no sul (e a partir do Paraná, qual um corredor que de longe ladeia a costa). Naquele ano, há 1.753 municípios infestados, e a concentração é maior no centro-oeste, litoral do Ceará e Bahia. Treze anos depois, o mapa do Brasil é o reflexo dos 4.006 municípios infestados. No Sul, Rio Grande do Sul (este infestado no noroeste) e sobretudo Santa Catarina continuam livres do Aedes aegypti. No norte, somente as regiões florestais do Amazonas não registram o avanço do mosquito transmissor.
Tudo o mais é uma grande mancha vermelha. Não terá sido decerto intencional. Toda essa vermelhidão, contudo, me parece espelhar a mixórdia que se oculta por trás das estatísticas do sofrimento de nossa gente.
Esse monturo de lixo reflete não só a falta de políticas sérias, coordenadas nos três níveis da administração. A par da desidia e da incompetência, haverá também a corrupção, essa malfadada e inelutável presença nos diversos planos da burocracia.
Mas há outros tipos de desvio de fundos. A política de privilegiar os compromissos financeiros – à frente, os altos níveis do superavit primário – afeta negativamente os dispêndios com a saúde, a educação, as obras de infra-estrutura sanitária e de transporte.
Com efeito, os mapas tingidos de vermelho são uma espécie de retrato do avesso do Brasil. Da incapacidade dos governos que só pensam em aumentar a carga tributária do contribuinte, mas que não conseguem verter este sacrifício em instrução, segurança, saúde...
O povo brasileiro precisa acordar. Para exigir seus direitos, como, v.g. um combate sustentado contra a dengue e, por que não falar, contra a febre amarela, que ora ronda as cidades. Não é solução rotulá-la de ‘silvestre’ para eludir a sua importância. Não foi com eufemismos que Oswaldo Cruz a erradicou de terras cariocas no começo do século passado.
segunda-feira, 18 de maio de 2009
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