O aparecimento de mais um fenômeno epidêmico, desta feita, a gripe suína no México, me leva a partilhar com o leitor algumas considerações. De uns tempos para cá, a probabilidade da pandemia – uma epidemia mundial, como o foi a gripe espanhola, logo ao fim da primeira grande guerra – tem irrompido com frequência preocupante, repassada pelas agências de comunicações. E o que me parece merecer particular atenção é, paradoxalmente, menos a ameaça do flagelo global, do que os curtos intervalos existentes entre o surgimento de tais temíveis surtos potenciais.
Em 2007 pairou sobre o mundo o perigo da gripe aviária. Originária da China, essa doença das aves, devido à promiscuidade em que vivem naquele país no meio rural os seus criadores com esses animais, teriam sido registrados casos de infecção de humanos por aves enfermas.
Na China – o que, de resto, não a singulariza – há a tendência seja dos cidadãos, seja mesmo das autoridades, de lidar de imediato com fenômenos graves através de uma atitude de negação, vale dizer, com a não-divulgação do fato às autoridades sanitárias internacionais, como seria a sua obrigação. Tal reação primária a um desafio dessa magnitude pode ser atribuída à falta de condições do camponês e à indole secretiva do burocrata. Se se trata de resposta insatisfatória e contraproducente, que é também típica do comportamento infantil, compreende-se o quão nefasta possa ser tal ‘solução’, eis que, a par de não resolver objetivamente o problema, a demora na sua sinalização só tende a agravar-lhe as consequências.
Até o presente, ao contrário das apreensões veiculadas pelos meios de comunicação, a gripe aviária, de que os principais vetores seriam as aves selvagens nas suas migrações sazonais, não assinalou surtos entre humanos, eventualmente contagiados por animais enfermos.
Já a atual gripe suína já apareceu através de um número inquietante de óbitos (mais de cento e cinquenta no México), o que provocou as rápidas e compreensíveis medidas de advertência global da Organização Mundial de Saúde, que ora eleva o grau de alerta para o nível quatro. Nada como epidemia de tal natureza – em que a letalidade surge da falta de defesas do organismo humano contra uma afecção animal – para acentuar, se preciso fosse, a enorme interação dos países, exacerbada pelo tráfego aéreo.
Nesse sentido, apontaria para dois vetores desses temíveis epifenômenos que, se eventualmente conjugados, terão geometricamente acrescida a capacidade de matar.
A par do vírus Ebola – que até o momento felizmente está circunscrito a ambientes silvestres na África – merece relevo especial a circunstância de que tais ameaças de epidemia surgem da Ásia e, em particular, da China. As grandes concentrações demográficas, mesmo em áreas rurais, a promiscuidade entre humanos e animais, e a falta de cuidados com mínimas precauções de higiene implicam em fatores conducentes ao surgimento e à transmissão entre espécies de tais doenças.
Agora se nos defronta o desafio da gripe suína. Surgiu no México e o caráter aberto da sociedade ensejou-lhe a pronta divulgação a nível mundial. Não é escopo deste artigo tratar em detalhe do elenco dos países em que a epidemia já se manifestou (com o limítrofe território dos Estados Unidos à frente), nem da extensão do próprio alcance (que já teria atingido a Nova Zelândia). Julgo importante, a exemplo de o que se verifica na China e noutros países da Ásia, pedir se tenham presentes as condições favoráveis para que tais fenômenos ocorram.
É de suma pertinência o aporte traduzido pela hodierna coluna de Miriam Leitão. O jornalista David Kirby descreve no blog HuffingtonPost as condições de produção da carne suína no México. Ela é produzida em ambientes confinados, em enormes galpões, onde milhares de porcos são criados sem maiores cuidados sanitários. Há muita circulação de trabalhadores e a despeito do confinamento da criação, como os galpões permanecem abertos, aí entram pássaros. Está formado, por conseguinte, o ambiente ideal para a mistura de vírus de gripes humana, aviária e suína. Acresce notar que existe região no sul do México em que a gripe suína é considerada endêmica. Nesses termos, não constitui uma simples hipótese que neste ambiente haja acontecido a mistura dos patogênicos.
Depois da casa arrombada, a colocação da tranca pode parecer providência não só tardia, mas de pouca serventia.
Nem tanto. Tais fatos – como as condições precárias apontadas por Kirby, assim como a presença da gripe suína como uma endemia em determinada região – não é crível que possam ser ignorados por especialistas. As diversas organizações sanitárias – tanto a mundial, quanto a pan-americana – deveriam atentar mais de perto para estas áreas problemáticas, potencialmente geradoras de surtos epidemiológicos.
Igualmente no Brasil, em que nossos criadores de animais, assim como incontáveis agrupamentos de moradias, não se encontram, para usar linguagem que roça o eufemismo, exatamente em condições sanitárias ideais, deveriam merecer maior atenção – e maiores dispêndios em saneamento básico.
O Presidente Lula – que se julga tão próximo dos humildes – deveria mudar as respectivas prioridades e privilegiar o investimento em melhores condições sanitárias, abandonando as práticas clientelísticas da contratação maciça de trezentos mil funcionários para um serviço público que, em quantidade, já dispensa tais acréscimos.
E os países ricos – com os Estados Unidos e a União Européia – careceriam de conceder maior diligência e recursos para os seus vizinhos que, malgrado não gozem da mesma opulência, continuam a ser seus vizinhos. Em outras palavras, a ajuda não seria altruista, mas sim interesseira, e, se possível é, no bom sentido.
terça-feira, 28 de abril de 2009
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