Há muito tempo está em consideração pelo Congresso Nacional o pedido de adesão da Venezuela ao Mercosul, na qualidade de membro permanente. A candidatura venezuelana já foi aprovada por Argentina e Uruguai, e está sendo analisada pelo parlamento do Paraguai.
O Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva se tem empenhado para que o Congresso se manifeste favoravelmente ao ingresso desse novo membro no Mercosul. Em função do esforço situacionista, o decreto legislativo já foi aprovado pela Câmara dos Deputados, tendo sido igualmente sufragado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
Fala-se muito no interesse do Brasil em que a Venezuela se torne integrante do Mercosul, no que seria o primeiro acréscimo real à organização, com a adesão de mais um membro pleno.
Se fosse possível limitar a postulação à entrada da Venezuela no Mercosul como o quinto Estado a integrar, em paridade de direitos e deveres com Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, abstraída a situação política do país, a Venezuela não careceria de qualquer apoio das bancadas oficiais. A sua aprovação seria praticamente automática, diante de o que representaria para o Mercosul tão significativo aporte após tantos anos de limitação às quatro nações fundadoras.
A considerável demora na tramitação do pedido formal do governo de Caracas pelo Congresso brasileiro não constitui atraso inexplicável. Existe uma pedra no caminho de tal pretensão e é importante que nos detenhamos para sopesar com cuidado os motivos dessa tenaz resistência.
Ao avaliar se consulta o interesse nacional a aprovação do decreto legislativo pelos senhores Senadores, o primeiro ponto a ser considerado será o de determinar a que país o Brasil estaria abrindo a cancela. Desde alguns anos se eleva sobre a República Bolivariana da Venezuela a sombra do caudilho Hugo Chávez Frias.
O próprio comportamento pode ser errático, mas o seu escopo não difere do de tantos outros caudilhos, a começar pela triste sucessão de ditadores seus conterrâneos,v.g., os generais Cipriano Castro e Vicente Gómez, e o coronel Pérez Jiménez. Deseja apenas eternizar-se no poder e se o discurso pode mudar, de acordo com a audiência, o projeto de dominação é um só.
Não enganou a García Márquez a longa conversa em viagem aérea com o novel presidente. A despeito dos bons propósitos, o escritor colombiano entreviu a convivência em uma só pessoa do possível salvador de seu país e do ilusionista, um novo déspota entre tantos. Desde 2000, no entanto, e sobretudo depois do golpe de abril de 2002, em que por dois dias foi apeado do poder, a personalidade de Chávez se alterou, com crescente viés autoritário.
Chávez se tornou, com o passar dos anos, a evidência de quanto pode ser enganosa a existência formal dos três poderes estatais, a realização periódica de eleições, e a continuidade de um segmento dos meios de comunicação ainda não absorvido pelo oficialismo. A chamada democracia bolivariana de Chávez – como todas as democracias adjetivadas - pode arremedar a forma, mas nela inexiste o espírito verdadeiramente livre da democracia.
Por seu domínio do judiciário, do ministério público e do legislativo, Chávez pode infernizar a vida de seus opositores. Sob esse aspecto, recorrendo amiúde às acusações de corrupção, conta com os bons ofícios de juízes e promotores para indiciar e tentar prender Rosales, que ousara ser o candidato das oposições na eleição de 2006, quando logrou mais uma reeleição.
Tampouco trepida em deportar à la Chávez diretores da Human Rights’ Watch, que se atreveram a pensar realizar em solo venezuelano o lançamento de avaliação sobre os direitos humanos na Venezuela. Arrebanhados por um bando de esbirros foram levados para o primeiro avião (que se destinava a São Paulo), que tivera a partida adiada por várias horas para que a expulsão pudesse ser imediata.
Reservou igualmente aos oposicionistas que venceram nas últimas eleições municipais o farcesco esvaziamento da competência das respectivas prefeituras. Na democracia chavista, o presidente tudo pode, inclusive desrespeitar a federação, arrogando-se a seu bel prazer atribuições de estados e municípios.
No plano externo, estriba a sua alegada liderança na chamada Alba, que costurou graças ao petróleo subsidiado dos aúreos tempos das cotações de 150 dólares por barril. Se ainda dispõe do apoio obsequioso de chefes de estado que vão de Daniel Ortega a Fernando Lugo, com o petróleo a 46 dólares fica cada vez mais díficil subvencionar a tantas bocas, com a minguante e quase única riqueza do tesouro venezuelano.
Não é fácil determinar a motivação do denodado esforço do Presidente Lula em trazer para o seio do Mercosul o coronel Hugo Chávez. Serão suas melífluas palavras e promessas de amizade eterna, que vemos no entanto em estranha contradição com inúmeros atos em que busca arregimentar contra nós países vizinhos, sem falar das loas a Solano López entoadas na mensagem de cumprimentos ao Presidente eleito Fernando Lugo ?
Mao Ze Dong, o líder da revolução chinesa, ensina que antes de examinar-se a substância de qualquer proposta é mister de início saber quem é o seu autor. Porque uma proposta, por melhor que pareça, não o será, se procedente de alguém que não partilhe os mesmos ideais.
Pelas tábuas atuariais e pelas práticas ora vigentes na Venezuela, semelha provável que se o señor Chávez contar com os votos dos senhores senadores, permanecerá no Mercosul muito além do mandato do Presidente Lula. Ele, com a vida longa dos caudilhos sul-americanos, poderá até regozijar-se. Mas não creio que muitos o acompanhem neste sentimento, ao verificarem o que acontecerá na construção que nos legaram os presidentes Alfonsin e Sarney.
domingo, 26 de abril de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário