quarta-feira, 11 de novembro de 2020
Trump pensa o impensável ?
O fato de que Trump e seus aliados republicanos mais próximos se recusem a reconhecer a vitória de Joe Biden e da chapa democrata faz parte de uma contestação do candidato derrotado - que quebra com longa tradição na política estadunidense, e introduz atmosfera de acirramento da disputa política, com as suas potenciais consequências não só nas fileiras partidárias do GOP, mas também contribui - e bastante - para desvirtuar as relações em geral. O espírito do fair play sai obviamente de cena, pelo súbito introduzido constrangimento. O candidato derrotado prolonga de caso pensado o constrangimento - que é imposto aos militantes republicanos - e introduz o negacionismo na postura das estruturas republicanas e - o que não deve ser esquecido - incita na multidão dos respectivos simpatizantes um espírito belicoso, eis que Trump acena a seus seguidores, que não se trata de um simple arrufo, mas de uma reação a uma não precisada - mas concreta - ação de parte democrata que terá recorrido, para dar a vitória a Biden, não através aos recursos políticos normais - i.e., o convencimento dos eleitores, para obter a vantagem numérica por meio de recursos ilícitos (fraude).
Ora, o mundo político americano sabe que tal não corresponde à verdade. Nesse contexto, uma primeira iniciativa de Trump, ainda na Casa Branca, não mereceu a participação das principais redes americanas de televisão - que se recusaram a sancionar através da sua retransmissão as acusações do candidato republicano derrotado. Dado o caráter genérico - sem qualquer fundamento factual - de tais acusações (e respectivas denúncias) a reação das principais Redes - e até mesmo daquela que acolhe habitualmente a direita mais extremada, representou um momento importante dentro do diálogo político. Sequer valeu para o presidente a circunstância de que o ato se realizava no contexto da Casa Branca.
Esse repúdio informal de acusações descabeladas e sem apoio em fundamentos fáticos já representara uma implícita censura dos grandes meios de comunicação a serem induzidos a transmitirem conceitos e observações de que não desconheciam de sua total ausência de comprovações de observadores responsáveis. Essa "denúncia" do atual morador da Casa Branca representara uma censura implícita ao presidente Trump, na medida em que os grandes veículos formadores de opinião pública se recusaram - por falta de um mínimo de acusações de mérito - a permitir que o presidente em fim de mandato se valesse de sua eventual residência na Casa Branca para difundir acusações que são destituídas de qualquer fundamento.
Essa postura de mau perdedor - daquele que sai de cena não se pejando de atribuir a derrota ao emprego de recursos reprováveis - não é felizmente uma característica da política americana. Dentro do reino do possível, o fair play prevalece. A par disso, a increpação de acusações graves sem qualquer fundamento factual constituía desde muito uma característica da política americana, na medida em que esse tipo de recurso era retirado dos discursos dos eventuais perdedores, dento do espírito de comity e de respeito mutuo que deve prevalecer. Evitar lançar acusações sem base, ao cabo de uma campanha eleitoral disputada, na qual os golpes baixos são evitados, dentro do lema do fair play, parece a muitos não só recomendável, mas na verdade mandatório.
O presente comportamento das lideranças republicanas - a partir de seu chefe atual - constitui,por conseguinte, uma triste negação dos princípios do fair play, que condicionam a que se evite qualquer denúncia que não possa ser corroborada por circunstâncias e fatos reais e substanciais. Até a presente campanha, esses ditames em geral têm sido observados pelos dois grandes partidos. O bom perdedor não só recolhe as consequências de uma derrota infligida pelo embate dos argumentos e das propostas respectivas, mas também por uma alegada deficiência na capacidade de agregar apoio no público eleitor.
Não é pequena mudança a negação do fair play, vale dizer a aceitação pela parte perdedora - ainda que de forma implícita - do eventual direito da parte ganhadora de fruir dos benefícios de sua supremacia ocasional, tendo sido capaz de congregar o apoio majoritário dos eleitores. Há um claro limite para o negacionismo sistemático. Dentro da praxis americana, selada por enésimas campanhas, a parte perdedora obedece o fairplay e reconhece a circunstância fática da prevalência de seu adversário, dentro do pressuposto que foi um embate leal, conforme às possibilidades humanas, e que a perte perdedora é suposta por conseguinte - como uma regra de política - acolher o direito da parte adversária de fruir das vantagens que adquiriu enquanto vencedor do bom combate. E tal comportamento foi contrariado frontal e deslealmente pelo chefe político - e candidato à reeleição - Donald Trump. Essa atitude do fair play - que é característica do bom combate e da política americana em geral - traz não só a contribuição para a superveniência de uma atmosfera bem-fazeja e que constroi para o futuro, porque não só não alimenta posturas negativas e falsas, mas também mantém uma atmosfera democrática, sem a poluição de uma competição eventualmente desleal que pode resultar em ressentimentos futuros. O fair play - além de evitar que se abracem falsos pressupostos e acusações infundadas, é por sua vez um construtor de um porvir mais promissor, pois não fomenta rancores nem ódios destituidos de conexão com a realidade política.
É realmente triste que um político com a experiência de Donald Trump tenha vindo a recorrer a uma tática tão negativa e tão afastada da realidade da política estadunidense. É um segredo elementar da Política - sobretudo no que tange aos principais postos, mas não só a estes - que as campanhas políticas - que visam à conquista do poder democrático - devem cingir-se a regras não-escritas, mas não menos verdadeiras, e portanto, com igual força de convencimento - que se baseiam no respeito ao adversário e sobretudo à ética, porque ela é a principal base fundadora da boa política, aquela que se afasta das falsas acusações e da instilação do ódio, qualquer que ele seja.
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