Volta da censura ? Sim, caro leitor, pode acontecer um retorno da censura que a grande maioria dos brasileiros pensou houvesse sido abolida pela Constituição de 5 de outubro de 1988, a Constituição cidadã do saudoso Dr. Ulysses Guimarães.
Recordam-se da euforia daqueles tempos ? O Ministro da Justiça, Fernando Lyra, declarava então: Censura, nunca mais ! E este era o sentimento da Nação.
Censura e ditadura não são apenas uma rima fácil. Os regimes ditos fortes – como a República Popular da China, por exemplo – se fundamentam no medo. É uma relação de causa e efeito que se estabelece entre o regime autoritário e o seu Povo. O ditador e os seus prepostos navegam em um mar de temores. Desejam intimidar os seus súditos – não há cidadãos em ditaduras e democracias adjetivadas – em primeiro lugar porque esses homens fortes na verdade são presa do medo.
E por quê ? Eles temem o povo, seja na pena e na voz isolada e corajosa, seja nos aglutinadores de opinião, seja todo e qualquer movimento que ouse dizer a verdade, pela simples razão que, como os tiranos da Antiga Grécia, eles se fundamentam na Força e não tem legitimidade.
Daí, o medo da palavra e dos homens livres.
Não é de hoje que a censura ensaia o seu retorno ao nosso convívio. A censura, negação que é do conhecimento, é uma excrescência do autoritarismo e como tal deve ser tratada e enfrentada.
Não são apenas os inimigos confessos da liberdade e da democracia que estão entre seus sequazes. Também as personalidades ditas autoritárias, na definição de T.W. Adorno, embora possam dizer até o contrário, na verdade se dispõem a criarem condições para a sua virtual reimplantação.
Intuo a eventual perplexidade do leitor. No fim de contas, a Constituição não extinguiu a censura ?
O inciso IX do artigo 5º estabelece: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
E o parágrafo 2º do artigo 220 determina: “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.”
Durante muito tempo, a despeito da ausência de qualquer legislação regulamentando tais princípios basilares da Lei Magna, o sentir da Nação era que a vontade do Constituinte de 1988 se manifestara neste campo de forma tão inequívoca, que qualquer outra lei complementar não se fazia necessária.
Infelizmente, a hidra do autoritarismo não enjeita a paciência, nem os longos descaminhos, desde que, com a falsa moderação de um suposto gradualismo, vá amealhando, se possível no silêncio, alguns logros para o seu inconfessável objetivo.
A censura entre nós longe está de não dispor de partidários.
Não obstante o mandamento constitucional, será em magistrados da Justiça de primeira instância que este movimento pró-censura se vem articulando. Nesse contexto, surge a decisão do Juiz Benedito Helder Afonso Ibiapina, da 16ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza de proibir, através de liminar, o jornal “O Povo”de divulgar reportagem sobre o processo que corre na Justiça Federal a respeito do jogo do bicho no Ceará.
A Associação Nacional de Jornais (ANJ) divulgou nota condenando a decisão do juiz Ibiapina. Terá escapado à Sua Senhoria o simbolismo desta determinação, proibindo que O Povo noticie inclusive a sentença do juiz da 11ª Vara Federal que tornou indisponíveis os bens pessoais de João Carlos Mendonça, denunciado pelo Ministério Público Federal em ação penal derivada da Operação Arca de Noé, realizada pela Polícia Federal em 2008.
Não há dúvida, como de resto assevera a ANJ, que a proibição do juíz Helder Ibiapina é censura prévia à imprensa, “que viola frontalmente o espírito e a letra da liberdade de expressão assegurada pela Constituição Federal.”
A nota é assinada por Júlio César Mesquita, vice-presidente da ANJ e responsável pelo Comitê de Liberdade de Expressão dessa entidade. No passado, um outro Júlio Mesquita já demonstrara, e em tempos mais difíceis, o apreço que tinha pela liberdade de expressão e, para sua glória, a promoção da livre discussão no domínio das idéias, consoante os princípios de Voltaire.
Não creio, porém, que seja o caso de ficar na manifestação de desejos pela revogação de uma liminar arbitrária e inconstitucional. Já assistimos a diversos exemplos de questionáveis intervenções de juízes de primeira instância, e algumas delas lograram os seus escopos de censura. Igualmente, presenciamos o intento de vedar a publicação de livros, cousa que nem a ditadura militar alcançara.
Passou o tempo de dormir sobre os louros de velhas declarações. A Constituição precisa ser respeitada e a abolição da censura é regra fundamental em um país democrático.
Carecemos de fechar as gretas pelas quais se insinuam os fautores da censura. Nos Estados Unidos, a Segunda Emenda Constitucional assegura e explicita a liberdade de expressão. Penso que é mais do que tempo de barrar o caminho àqueles que desvirtuam o legado de Ulysses Guimarães, Mário Covas e tantos outros.
Muita vez as declarações, por fundamentadas que sejam, não bastam. É tempo de criar para a defesa deste sagrado princípio um instrumental mais incisivo e eficaz. Antes que seja tarde.
domingo, 22 de março de 2009
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