Existe no povo americano uma surda raiva contra os diretores-executivos que se locupletam, com a cumplicidade dos presidentes das empresas, dos bônus contratuais que percebem ao cabo de sua atividade. Os desproporcionais ganhos dos executivos, que já despertavam a irritação do público em tempos normais, como serão vistos agora, em meio à grave crise e à séria recessão, causadas em não pequena medida por sua irresponsável desenvoltura e ganância, descritas nos três artigos dedicados à Crise Financeira ?
É dificil entender a mente de diretores que se julgam com direito a receber polpudas gratificações (os chamados bônus), ao sairem da empresa. Que suposta paga é esta por operações que provocaram à instituição pesados prejuízos, a ponto de colocá-la sob o risco concreto da falência ?
Uma instituição praticamente falida não terá obviamente recursos para pagar os bônus aos seus executivos. No entanto, no caso da A.I.G., a mega-seguradora – que recebeu cento e setenta bilhões de dólares de dinheiro do contribuinte – não hesitou em remunerar a incompetência ruinosa de tais diretores com os famigerados bônus, assim como despender boa parte do auxílio estatal no pagamento de “parceiros de jogo e ganância”, a Goldman Sachs e o Citigroup, a par de empresas estrangeiras como a Société Générale e o Deutsche Bank.
Não falemos, porém, de transparência nessas operações. Além dos favorecidos, o diretor-presidente da AIG daria conhecimento da concessão dos bônus a uns poucos, entre os quais Timothy Geithner, o novel Secretário do Tesouro. Este, que é egresso do mundo financeiro, não se opôs de início ao pagamento.
Entrementes, os detalhes da questão eram descobertos pela imprensa e surgiam as primeiras reações no Congresso. O Presidente da AIG ainda tentou salvar os anéis de seus diretores, na árdua caminhada de alguém que havia autorizado o pagamento subvencionado pelo dinheiro público, e que aos poucos vai acordando para o mundo lá fora em que os tortuosos direitos dos executivos não são vistos com bons olhos.
O colunista do New York Times, Frank Rich, escreve agora artigo intitulado “O escândalo dos bônus da AIG: o Katrina de Obama ?”
Epa, epa, epa ! dizia aquele personagem da novela Portelinha, diante de qualquer coisa nova que o surpreendesse ou não lhe agradasse. Algo está errado aqui, eis que no escândalo dos bônus, aparece o presidente Barack Obama como um dos envolvidos, a ponto de compará-lo com o fracasso de Bush junior em outro escândalo, o do furacão Katrina.
Frank Rich pertence àquela grei de articulistas do Times que são supostamente favoráveis aos democratas, mas que dispensam a seus líderes aquele tough love (amor de malandro, em tradução livre), como o experimentou o próprio Bill Clinton, durante a sua presidência.
Rich poderá acaso estar carregando nas tintas, mas, parafraseando Aporelli, há algo mais no ar além dos aviões de carreira.
No campo das finanças – que ganharia com a crise extrema relevância para o cidadão comum – o Presidente Obama se cercou de colaboradores que se sentem talvez demasiado à vontade em microcosmo sobre o qual recai a desconfiança da opinião pública. Na evolução da crise, se soube depois que Timothy Geithner – cuja confirmação pelo Senado foi árdua, por irregularidades fiscais – fora informado pelo Presidente da AIG e não objetara à concessão dos bônus.
Sabedor da escorregadela de Geithner, Obama, por julgá-lo indispensável, o manteve no cargo, determinando que o Secretário do Tesouro tudo fizesse para inviabilizar o pagamento dos bônus. Mais tarde se saberia que os ditos executivos já haviam recebido os bônus. Muito provavelmente, isso não seria segredo para Geithner, informado tempestivamente pelo presidente da AIG. Diante disso, por que não informara o Presidente ? Ou teria informado ?
É necessário concordar com Frank Rich que faltou sensibilidade política a Obama ao empregar Lawrence Summers, o seu principal assessor econômico, como porta-voz quando o episódio dos bônus da AIG estava chegando ao seu ápice. Assim, ele apesar de evasivo, não logrou esconder que o governo não sabia o que os bancos tinham feito com o dinheiro que lhes fora entregue. Ficou claro, de resto, o desperdício da AIG nos pagamentos retirados dos 170 bilhões. Por outro lado, embora referindo a sensação de ‘ultraje’sofrido, Summers enveredou por um sermão acerca da “tradição de cumprir a lei”, o que tornava impossível cancelar os acordos de bônus. A intervenção foi tão desastrosa em que em menos de 24 horas Summers foi desautorizado por Obama, que prometeu “percorrer todos os caminhos legais” para bloquear os bônus.
Em uma crise como a presente, é perigoso que se difunda a impressão de que o Presidente aje a reboque dos acontecimentos, forçado pela reação da opinião pública. Como se ele não soubesse que rota deva seguir. A questão, segundo Rich, não é apenas indagar por que a Casa Branca foi a última a saber sobre os bônus, mas por que foi tão lenta para perceber que a raiva pública não poderia ser contida com os legalismos de Summers, nem com o mantra da palavra “ultrajante”.
Com o agravamento da crise, o Presidente tem de se conscientizar que precisa tomar medidas drásticas. Dessarte, não vai acalmar o clamor a tributo de noventa por cento estabelecida sobre os bônus dos banqueiros. Tampouco bastaria a exoneração de Timothy Geithner. Para superar a raiva, no entendimento de Rich, Obama precisa fazer o que tem reiteradamente prometido: fazer que todas as suas políticas econômicas sejam transparentes e tornar cada um responsável por seus atos.
Seu governo precisa começar a responder perguntas a que Summers e Geithner se têm esquivado. Os americanos têm o direito de saber por que levou seis meses para descobrir-se o que a AIG fez com seu dinheiro, por que parte deste dinheiro foi dado a bancos estrangeiros, e por que é tão frouxo o controle do Estado sobre estas instituições financeiras, a despeito de que a sua maior parte ora pertença ao contribuinte.
Sem respostas amplas e inequívocas não haverá clima político para justificar um segundo resgate bancário com mais bilhões de dólares. E se a credibilidade do Presidente Obama for atingida, os supostos vencedores dessa luta serão os partidários do “quanto pior, melhor”. Tudo o que aproveitaria a Rush Limbaugh et caterva não está no interesse dos Estados Unidos da America e de seus contribuintes.
É o momento de Barack Obama demonstrar a sua têmpera, o compromisso com a transparência, a compreensão enfim da gravidade da crise e o que está efetivamente em jogo. A Administração Obama pode estar no começo, mas a crise tem a sua própria lógica. No fim de contas, não é do presente que se trata, eis que, em verdade, a refrega é sobre o futuro da Administração.
segunda-feira, 23 de março de 2009
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