quinta-feira, 26 de março de 2009

Colcha de Retalhos (II)

Choque de Ordem na Rocinha

Depois de batalha judiciária, com duas liminares sucessivas embargando a demolição, a 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça derrubou a sentença de efeito suspensivo do desembargador Sérgio Jerônimo. Desta feita, a Prefeitura do Rio não deixou para o dia seguinte. Às dezesseis horas, passadas menos de três horas da autorização judicial, sessenta policiais do 23º BPM (Leblon) entraram na favela e pôde ser em seguida iniciada a demolição, com golpes de marreta nas paredes de tijolo.
Não houve resistência popular, a despeito de a demolição haver sido acompanhada por grande número de pessoas. A suposta proprietária, Maria Clara dos Santos, a MC Boquinha, a princípio não queria sair do imóvel, no qual se achava com os cinco filhos. Acabou desistindo, embora haja prometido que reconstruirá a casa.
O Prefeito Eduardo Paes, da cidade americana de Denver, onde se encontrava para divulgar a candidatura do Rio à Olimpíada, disse que a demolição do prédio é uma sinalização da prefeitura de que não mais será permitida a proliferação de construções irregulares no Rio de Janeiro.
Depois de tantos anos de abulia da gestão Cesar Maia, em que o poder municipal permitiu o crescimento desordenado de construções abusivas, o que foi epitomizado pela expressão “Ilegal, e daí ?”, a determinação do novo Prefeito e do Secretário da Ordem Pública, Rodrigo Bethlem, merece ser assinalada. A observação da lei e a derrubada das construções sem licença tenderá a dissuadir no futuro, se implementada pela prefeitura sem tergiversações, que continue a perdurar a cultura do ilegal e daí. As transgressões da lei e o desrespeito aos embargos do órgão municipal de parte dos especuladores imobiliários, diante da virtual certeza da não-realização de seus escopos ilegais, perderão a razão de ser. Ninguém gosta de jogar dinheiro fora à toa.

As cavernas e um estranho decreto presidencial


Provoca espécie notícia publicada em página interior de O Globo, de 25 de março corrente. A despeito de suas profissões de fé de partidário do meio ambiente, tal alegado propósito do Presidente Lula, se elogiável como discurso, infelizmente não vem sendo corroborado na práxis.
Depois da exoneração, a pedido, da Ministra Marina Silva – cansada com a falta de apoio presidencial à preservação da floresta amazônica, entre outras metas da defesa ambiental -, e a sua sucessão por Carlos Minc que, a despeito do empenho e a experiência na matéria, não tem o peso político da Senadora pelo Acre, a situação nesse campo não tem decerto melhorado. Ao invés de diminuir, aumenta a lista de desmatadores na Amazônia, como se verifica pela leitura dos jornais.
As surpresas no meio ambiente não se limitam, porém, àquelas ameaças bem conhecidas da opinião pública. O decreto 6.640, assinado pelo Presidente a sete de novembro p.p., incrivelmente permite destruir cavernas e grutas espalhadas pelo país. Após proceder a classificação das cavernas em quatro categorias por grau de relevância (máximo, alto, médio e baixo), estipula que apenas as cavidades consideradas de máxima relevância serão poupadas de destruição. As demais serão destruídas.
Segundo cálculos de espeleólogos, existem no Brasil 4.672 cavernas. Minas Gerais é a recordista em cavernas, com 1656, seguida por Goiás (665), Bahia (540) e São Paulo (520). Semelha provável que o governo haja cedido – e modificado a legislação anterior, sob número 99.556, de 1990, sob pressão de setores econômicos, notadamente o de mineração e o elétrico.
Em resposta à singular iniciativa no campo ambiental do Governo federal, a Sociedade Brasileira de Espeleologia recorreu à Procuradoria Geral da República, pedindo ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal contra o Decreto. Nesse sentido, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu, a 24 do corrente, ofício do Ministro Eros Grau, do STF, pedindo explicações sobre a medida. Serão igualmente ouvidos pelo STF a Advocacia Geral da União e o Procurador-Geral da República, Antonio Fernando de Souza.
Segundo afirma o Procurador-Geral, este Decreto subverte o modelo constitucional e altera o regime jurídico de preservação de espaços territoriais especialmente protegidos. Solicita, por conseguinte, a suspensão da validade do decreto, “em vista da possibilidade de que empreendimentos econômicos sejam de pronto instalados, em detrimento do patrimônio espeleológico brasileiro.”
Quanto ao mérito desta infeliz canetada já se afigura predestinada, se prevalecer o bom senso, ao amplo depósito das iniciativas malogradas e consignadas ao esquecimento. Seria, no entanto, de alguma oportunidade que, no capítulo, se observasse um conselho de Mao Zedong. Consoante sua recomendação, antes de examinar a qualidade de um projeto qualquer, importava determinar a sua origem, isto é, quem o propusera. Nesse particular seria interessante saber quem referendou o estranho decreto.

Um comentário:

lila disse...

Quanto ao caso da Rocinha tenho muitas dúvidas que se combater o ilegal é mandar demolir uma casa irregular na favela. E aí me pergunto sobre as inúmeras construções da alta renda situadas em áreas de preservação permanente - áreas de morros, de rios, lagos, matas - construídas à revelia da legislação vigente que não demolidas nem embargadas. Porque será que o exemplo da punição deve começar com o mais fraco?