A Resposta Inicial da Federal Reserve e da Secretaria do Tesouro
A Federal Reserve – que a partir de 2006 passou a ser dirigida por Ben Bernanke, ex- professor de Princeton – diante da escassez do crédito começou a baixar a taxa de juros no outono de 2007. A nova orientação foi tomada apesar de ampla oposição ao corte dos juros, motivada por temor de ressurgência da inflação.
Um dos problemas enfrentados pela Federal Reserve é que o banco central americano não dispunha de informações adequadas sobre esses mercados, eis que os derivativos não eram negociados abertamente e os últimos CDOs, incluindo as obrigações com o respaldo de hipotecas só constavam dos livros do sistema bancário informal (shadow). Tinha sido um sério lapso de juízo, para não dizer irresponsabilidade, de parte da Federal Reserve sob Greenspan e da Comissão de Obrigações e Câmbio (SEC), sob Christopher Cox ao abster-se desde bastante tempo de buscar informações mais abrangentes sobre o crescimento (surge) dos empréstimos.
Depois que a Federal Reserve interveio para evitar a bancarrota do Bear Stearns na primavera de 2008, o Secretário do Tesouro Henry Paulson continuou a tranquilizar o público asseverando que a crise das hipotecas estava contida. Somente depois de permitirem a falência do Lehman Brothers em meados de setembro, seguido pelo colapso da AIG e de outras instituiões financeiras, que, afinal, ele se dispôs a solicitar um auxílio (bailout) de setecentos bilhões de dolares do Congresso, e posteriormente fornecer capital suplementar aos bancos.
Mesmo com os novos recursos, os bancos não aumentaram o crédito de forma apreciável. De resto, sem estipulações específicas que garantissem estes empréstimos, não seria de esperar que o fizessem. Até os valores das obrigações hipotecárias mais sólidas, fundadas em hipotecas prime, estavam caindo e consumindo parte do capital recebido do bailout.
Bernanke cortou de novo a taxa de crédito (de mais de 5% em meados de 2007 para um por cento). Contudo, com a queda dos preços das moradias, a indisponibilidade geral do crédito, e a queda na confiança dos consumidores, uma séria recessão não poderia ser evitada. No entender de Madrick, a Federal Reserve tem tomado ações ousadas para adquirir ou garantir fundos (assets) mantidos por instituições. No entanto, a curva de inadimplências nas hipotecas continua alta, e toda espécie de empréstimos para consumo e negócios continua sujeita ao mesmo perigo.
No fim de 2007, a Administração Bush e o Congresso formularam um primeiro plano de estimulo composto de dispêndios governamentais e de créditos fiscais (tax breaks) para o comércio. Não foi bastante. Os cheques de abatimento de despesas dados para a maioria dos americanos foram engolidos pelo aumento dos preços da gasolina na primavera e verão de 2008. O Congresso discutiu a possibilidade de um segundo plano de estímulo, mas acabou por nada fazer, em parte porque a Administração Bush não deu apoio. Em 2008 o desemprego atingiu 2.6 milhões, e em dezembro o Presidente-eleito Obama estava discutindo um pacote de recuperação econômica, bastante superior a um trilhão de dólares, coisa impensável três meses antes.
A re-regulamentação e os princípios da liberdade de mercado.
A equipe de Obama ainda não disse o que pensa acerca da re-regulamentação da comunidade financeira, uma vez que a economia volte a ser posta nos eixos. A equipe de economistas chefiada por Lawrence Summers, ex-Secretário do Tesouro (1999-2001) é formada de antigos partidários da desregulamentação financeira dos noventa, quando a maioria deles integrava a Administração Clinton. Como assinala a série do New York Times, Rubin, que antecedeu Summers como Secretário do Tesouro (1995-1999), Summers, então seu vice, e Greenspan se opuseram à regulamentação dos derivativos. Em 1999, Rubin e Summers apoiaram a revogação do Glass-Seagall Act, a legislação do New Deal que separava os bancos de investimento e os comerciais.
Com efeito, com as bênçãos da Administração Clinton e de Greenspan, os bancos comerciais já estavam se engajando em muitas das mais desenvoltas atividades dos bancos de investimento; e os bancos de investimento, junto com os fundos de hedge, firmas acionárias privadas, e outras instituições já estavam oferecendo empréstimos, antes pertencentes à seara dos bancos comerciais, através de aquisições e pacotes (packaging) de obrigações respaldadas por títulos hipotecários. A Administração Bush levou mais além a desregulamentação, eliminando, v.g., os limites colocados à tomada de empréstimos pelos maiores bancos de investimento.
Um principio deveria dominar a regulamentação futura: o sistema bancário informal deve ser submetido à mesma supervisão reguladora dos bancos comerciais. Em suma, tais firmas devem seguir requisitos mínimos de capital no que tange aos empréstimos que concedem, e as obrigações securitizadas e outros C.D.Os que comprem, de igual modo que os bancos comerciais. Não mais devem ser permitidos os vetores estruturados de investimento que os bancos comerciais empregam para evitar os requisitos de capital e outros. Uma instituição federal, de preferência a Federal Reserve, deve ter a autoridade e a obrigação de examinar os livros dos bancos de investimento, dos fundos de hedge, e outros atores do sistema bancário informal, de forma a determinar a qualidade de seus investimentos e estabelecer os padrões pelos quais se julga adequado o capital. Os derivativos deveriam ser listados em um departamento (exchange), em que informação a seu respeito e seus preços se acham acessíveis aos participantes do mercado e às autoridades federais.
Não bastam, contudo, apenas as regras normativas. Greenspan fora autorizado nos anos noventa pelo Congresso a examinar a qualidade dos empréstimos hipotecários, mas simplesmente delas não se valeu, alegando princípios de liberdade de mercado.
Também a SEC, confiada a Cox, nomeado por Bush, poderia ter examinado os livros dos bancos de investimento, mas igualmente não se importou de fazê-lo. Por isso, o Congresso deve falar mais alto e exercer de forma mais forte a própria autoridade.
Qualquer regulamentação deve também levar em conta os atuais incentivos aos dirigentes, o que os leva a colocar a companhia em risco na busca de proveitos pessoais. A possibilidade de coletar lucros imediatos de empréstimos arriscados infectou a indústria financeira e até a economia em geral, ensejando o ganho de bônus anuais desproporcionalmente altos. Estes incentivos estão entre as principais causas da irresponsabilidade em Wall Street. A melhor maneira de evitar a ocorrência dessa prática é basear os bônus e a compensação dos executivos financeiros na lucratividade a longo prazo das firmas de investimentos para as quais trabalham.
A primeira prioridade, no entanto, é a de consertar a economia. Até o presente, tem havido um sucesso modesto em impedir que as coisas piorem, não obstante toda a atividade da Federal Reserve e do Tesouro. O número de empregos perdidos cresce rapidamente, o consumo e a atividade produtiva estão caindo em níveis récorde, os preços das moradias continuam baixando, e grandes empresas, como Linens ‘n Things tem fechado as suas portas. As dificuldades enfrentadas pelas três grandes montadoras ( a GM, a Ford e a Chrysler) tiveram apenas uma suspensão temporária (reprieve) com o empréstimo recebido do Governo federal. O que faz esta recessão mais precária do que a profunda recessão de l982 é que ulterior queda nas rendas trará outro surto de contração intensa do crédito, com a inadimplência de mais proprietários residenciais, inclusive mutuários prime. Agora, muitas empresas devedoras estão igualmente a um ou dois passos da inadimplência.
Plano de salvamento da Economia.
As linhas básicas de um plano de recuperação deveriam estar claras. Há necessidade de duas colunas de ataque. Primo, o sistema de crédito deve ser descongelado, restabelecido o fluxo do crédito, inclusive hipotecas. Secondo, a demanda de bens e serviços deve ser restaurada para retardar a presente espiral declinante da economia.
Por ora, não está sendo bem conduzida a restauração da sanidade do sistema de crédito, embora algum pequeno progresso haja sido atingido. A Secretaria do Tesouro deu para os bancos, como injeção de capital, cerca de metade dos US$ 700 bilhões do bailout aprovado pelo Congresso. Como já foi referido, os bancos praticamente não utilizaram esses fundos para reanimar o mercado de crédito. Na verdade, foi fortemente criticada a ideia inicial de Paulson de comprar alguns dos ativos (assets) dos bancos que não poderiam ser vendidos ou mesmo avaliados. Com efeito, tal ideia era inábil e dispendiosa, porém se baseava em um princípio sensato. Se os bancos recebem capital, e se este capital cai em um buraco porque os ativos bancários continuam a desvalorizar-se, nada de bom se alcança. O valor dos ativos tem, portanto, que ser estabilizado.
O recente salvamento (bailout) do Citigroup, que garante 90% de uma parcela dos investimentos do banco, mediante o pagamento de contribuição (fee) pelo banco, foi mais prático, conquanto demasiado generoso com o Citibank. Proposta melhor seria a apresentada pelo economista Perry Mehrling, de Barnard College, pela qual o Governo ou asseguraria ou mesmo compraria os melhores ativos dos bancos – que de modo pouco racional perderam valor junto com os chamados fundos tóxicos. A um custo razoável, o Governo poderia então estancar parte do sangramento e o capital poderia ser empregado para conceder novos empréstimos, inclusive subscrição de novas hipotecas, e dessarte diminuir a queda nos preços das moradias.
Contudo, se as inadimplências continuarem a aumentar no corrente ritmo, o valor das obrigações de dívida hipotecária continuará sob constante pressão para baixo, assim como o próprio capital bancário. Pouco foi feito nesse campo pela Secretaria do Tesouro da administração Bush, deixando o encargo para modestas medidas tomadas por Fannie Mae e a instituição federal para o seguro dos depósitos. A par disso, compras de ativos foram feitas pela Federal Reserve.
Não há um jeito barato ou fácil para garantir os maus empréstimos (bad loans), mas devem ser encontradas maneiras de reduzir a taxa de inadimplência. Outro componente indispensável para reanimar o sistema de crédito tem a ver com a não-utilização de regras de contabilidade que na presente emergência só tenderiam a agravar a crise. As autoridades federais deveriam ter a necessária inventiva para ajustar tais disposições, inda que de forma temporária, de maneira a minimizar a crise.
A segunda parte de um plano de salvamento concerne à chamada economia real. Se americanos receosos começarem a entesourar uma parcela de sua renda como aquela do início dos noventa – um nível de poupança de cinco a seis por cento comparado com o quase zero de 2007 – a economia perderia de US$ 750 bilhões a US$ 1 trilhão em poder aquisitivo. As estarrecedoras perdas no mercado de ações e no valor das moradias (housing wealth) – que no ano passado totalizaram mais de US$ 10 trilhões – poderiam levar os consumidores a gastar menos do que o previsto muitas centenas de bilhões de dólares. Esta queda na procura rebaixaria bastante o emprego e os lucros. Além disso, com os fundos federais em nível tão baixo, é agora limitada a capacidade da Federal Reserve de estimular a economia através da redução da taxa de juros. Desse modo, um dispêndio governamental de cerca de US$ 750 bilhões por ano não se afigura um exagero.
Nesse campo, o Presidente-eleito Obama se tem movimentado de forma inteligente, posto que cautelosa, ao projetar um grande pacote de despesas, no montante provável de US$ 800 bilhões no espaço de dois anos. Ele investirá parte do dinheiro em infraestrutura e em energia limpa, com ênfase em medidas para a proteção contra o aquecimento global. Tal investimento de longo prazo criará empregos domésticos e será capaz, se bem dirigido, a estimular maior produtividade. O pacote de Obama também incluirá maiores vantagens para os desempregados, ajuda aos estados, e talvez, para angariar apoio político, cortes substanciais nos impostos. Não obstante, o buraco na economia pode ser maior do que antecipado por Obama, e não se pode descontar um ulterior estímulo dentro de uns seis meses.
Segundo a opinião de muitos economistas, esta é a pior crise econômica desde a grande depressão. Os participantes no mercado financeiro, movidos pela ganância, criaram uma bolha financeira de proporções trágicas. Todavia, a causa mais profunda foi a determinação prevalente entre pessoas com poder econômico e político para minimizar o recurso ao Governo para supervisionar os mercados financeiros e tomar medidas contra os naturais excessos.
Se se está à cata de verdadeiras soluções, a nação exige uma utilização forte e pragmática do governo, livre do jargão de laissez-faire e da indevida influência de interesses abusivos (vested interest) que de forma tão irresponsável controlaram a economia por tanto tempo.
sexta-feira, 13 de março de 2009
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