O Tribunal Penal Internacional (TPI) acaba de expedir o seu primeiro mandado internacional de prisão contra Chefe de Estado em exercício, no caso o Ditador do Sudão, general Omar Hassan al-Bashir. Criado em 2002, o TPI (ou ICC, na sigla inglesa) se vem notabilizando por processos como os contra Slobodan Milosevic (Presidente da Sérvia e Iugoslávia, faleceu em 2006); Charles Taylor, presidente da Libéria (1997-2003), ora sub judice; e Radovan Karadzic (presidente da República Sérvia na Bósnia, preso em 2008, está sendo processado por genocídio).
Expedindo o mandado internacional de prisão contra o chefe de estado do Sudão, general al-Bashir, o ICC dá sequência a processo, iniciado com a investigação aberta em 2005, a pedido do Conselho de Segurança. A causa do mandado do ICC é a situação no território de Darfur, com duzentos a quatrocentos mil mortos, e dois milhões de deslocados. A acusação formal contra o presidente sudanês relaciona responsabilidade em sete crimes de guerra e contra a Humanidade: assassínio, extermínio, tortura, estupro, deslocamento forçado, pilhagem e ataques contra civis não-insurgentes.
O painel de três juízes do ICC que conheceu da representação do procurador Luis Moreno Ocampo, de forma surpreendente não acolheu, porém, a incriminação da prática de genocídio por al-Bashir. Por dois votos a um, o painel entendeu não haver indícios suficientes da intenção de extermínio de parte ou de toda uma população especifica.
Antecedentes. A justiça penal internacional tem como precedente a iniciativa do juiz espanhol Baltasar Garzón pelo seu mandado de prisão expedido a 17 de outubro de 1998, aos cuidados da justiça britânica, contra o general Augusto Pinochet, que se achava então no Reino Unido, em visita a Margaret Thatcher. A relevância desta medida reside não só em haver determinado a detenção domiciliar do ex-ditador chileno, senão por seu conhecimento pela alta corte da Câmara dos Lordes. Liberado ao cabo de 503 dias de detenção, por decisão política do governo de Sua Majestade, se reencetaria no regresso ao Chile o julgamento pela justiça chilena do ex-chefe de Estado. Através do juiz Garzón se criaram as condições de introduzir no ordenamento jurídico internacional a capacidade de julgar e punir crimes de primeiros mandatários (e também de outras autoridades) que até então gozavam de virtual impunidade perante o direito internacional.
O Escândalo de Darfur. Desde fevereiro de 2003, rebeldes se levantaram nesse vasto território do oeste do Sudão, acusando Cartum de discriminar a população local em favor das tribos árabes. Com o apoio do governo central, milícias árabes atacam sistematicamente as aldeias dessa região, aterrorizando e expulsando seus moradores.
A despeito da posição dos Estados Unidos vocalmente condenatória das perseguições contra a população de Darfur, do apoio do Ocidente e de outros países, existem várias razões que explicam a inocuidade até o presente de medidas das Nações Unidas contra o governo militar sudanês encabeçado pelo general al-Bashir, e o que é talvez mais grave, o malogro de estabelecer efetiva proteção das populações atingidas pela campanha genocida.
Causas do Agravamento da Crise Humanitária. (a) Ineficácia das Forças das Nações Unidas. A União Africana participa das forças das Nações Unidas de manutenção da paz em Darfur. No entanto,esse contingente, que soma nove mil homens, deveria ser, segundo a Resolução de 31 mil soldados. Dada a absoluta falta de condições materiais e pessoais para assegurar a cobertura de um território tão vasto, intui-se a deplorável ineficácia do contingente de capacetes azuis para manter a paz e sobretudo proteger a população ameaçada. Este fracasso reflete igualmente a posição oficialista da Organização da Unidade Africana, que tende a favorecer os governos estabelecidos ;
(b)Apoio da China e da Rússia. O governo de al-Bashir pode prosseguir com o que muitos definem como o genocídio de Darfur graças à ação da República Popular da China no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Com efeito, conta Cartum com a aliança chinesa, que inviabiliza através do veto qualquer resolução do Conselho de Segurança que intente criar condições para reverter a situação, estabelecendo sanções e outras punições contra o regime militar sudanês. As razões da China não são ideológicas, embora ambos os governos sejam de estampo autoritário e repressivo. O apoio chinês se explica porque Beijing compra dois terços das exportações de petróleo sudanês. Também a Rússia de Putin e Medvedev pode associar-se aos vetos de Pequim. Nesse caso, a motivação não é econômica, mas sim política. Com o seu viés autoritário, acrescido da propensão a dissociar-se de causas ligadas aos Estados Unidos e ao Ocidente, Moscou reforça por vezes esta aliança;
(c)A falta de maior empenho dos Estados Unidos. Em termos de comprometimento, a posição dos Estados Unidos se ressente de inquietudes características do governo Bush. A Resolução 1593 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que encaminhou as violações de Darfur para o Tribunal Penal Internacional, se viu fragilizada na sua redação pelo temor estadunidense de processos contra seus soldados. Esta preocupação da Administração de Bush júnior contra o Tribunal Penal Internacional – assinale-se que tanto como o Sudão (cujo governo acredita ter boas razões de não reconhecê-lo), quanto a China e a Rússia não são membros do TPI . Diante de sua postura contra o direito internacional, os juristas de Bush não poderiam reconhecer um Tribunal Penal Internacional. Nos tempos de Guantánamo e de Abu Ghraib, e da prática generalizada da tortura, é decerto previsível tal posição dos consultores de Bush, Cheney e Rumsfeld.
Com a mudança e os ventos novos, no entanto, que traz a Administração Obama, com o repúdio da tortura e de todos os procedimentos correlatos, é de augurar-se que o governo democrático estadunidense se dissocie da companhia de China, Rússia e Sudão, passando a integrar o grupo de 108 países (Brasil), que são membros do TPI. Por ora, o texto da Resolução sequer permite o desrespeito à imunidade do governante no exterior, determinando apenas a cooperação do Sudão, e ressalva que Estados não-signatários do Estatuto de Roma não tem obrigação sob o Estatuto.
Perspectivas. Não obstante a fanfarronice das declarações do objeto do mandado, as diatribes contra o suposto imperialismo, as represálias contra as organizações humanitárias desarmadas, o apoio na prática da Liga Árabe, e o envio pela União Africana de delegação ao Conselho de Segurança para obter improvável suspensão por um ano do procedimento do TPI, não se pode ter dúvida que uma página foi virada na comprida luta em prol dos direitos humanos e no combate ao genocídio. Será como foragido que o general Omar al-Bashir irá à cúpula da Liga Árabe, a realizar-se em fins de março no Catar (que também tem motivos para não aderir ao TPI). Como outras personagens responsáveis – e não são poucas aquelas forçadas a absterem-se do circuito de capitais ocidentais – os eventuais deslocamentos futuros do ditador sudanês hão de ser acompanhados não apenas pelas sombras das vítimas de Darfur, senão pela temerosa insegurança dos criminosos de estado, que a tocha de Baltasar Garzón ateou no final do século XX, e que ora avança em mãos do Tribunal da Haia.
sexta-feira, 6 de março de 2009
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