Segundo noticia a Revista Veja desta semana, o Presidente Lula teria decidido retirar de seu Assessor para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, a competência sobre negociações políticas e comerciais sul-americanas, restituindo-a ao Itamaraty. Se confirmada a manutenção dessa diretiva, a devemos saudar como desenvolvimento que atende aos interesses perenes do Estado brasileiro. Na verdade, resulta difícil entender, à luz da razão e da história, que um Presidente da República haja optado, em momento anterior, retirar tal competência da Pasta das Relações Exteriores, entregando-a a pessoa de sua confiança, porém sem experiência diplomática.
O que terá motivado o Presidente Lula da Silva a retirar o trato das questões sul-americanas do Itamaraty, entregando-o a um assessor direto seu, não familiarizado com a prática diplomática ? O que sequer o regime militar havia ousado, mantendo, mesmo nos anos de chumbo, a direção do Itamaraty e das questões externas, sob a responsabilidade de diplomatas de carreira ou de políticos de grande prestígio, sem qualquer intervenção castrense,- o que não se pode afirmar dos outros ministérios -, Lula ousou fazê-lo, ao arrepio de longa tradição, tanto do Império quanto da República. Na verdade, bastaria conhecimento elementar de história, para que se tivesse presente que o renome do Ministério dos Negócios Estrangeiros durante o Império, e do que passou a ser chamado de Itamaraty nos primeiros anos da República, junto aos demais governos sul-americanos não era criação fantasiosa, mas sim o reflexo de tradição de seriedade, competência e, last but not least, coerência na defesa da paz, das boas relações com nossos vizinhos, e dos interesses da Nação brasileira.
O Barão do Rio Branco, patrono de nossa diplomacia, não foi uma avis rara, que terá surgido do nada. Silva Paranhos foi o continuador de longa tradição, que começa com Alexandre de Gusmão, secretário de D. João V, e verdadeiro negociador do Tratado de Madrid, que desenhou o formato aproximado de nossas fronteiras. Esta tradição lhe foi repassada por seu pai, o Visconde do Rio Branco, político de nomeada no Segundo Reinado, que ocupou o Ministério dos Negócios Estrangeiros, a par de ser Presidente do Conselho de Sua Majestade o Imperador.
Tal decisão do Presidente Lula, que não está decerto dentre aquelas de que desejará recordar-se no futuro, se deverá, outrossim, a diversos outros fatores, de índole pessoal e conjuntural. Limitar-me-ei aqui à experiência pregressa de Luiz Inácio Lula da Silva, que o terá também induzido, ignorando o tácito conselho de seus maiores, a proceder à radical mudança de metodologia no trato das questões sul-americanas.
Essa desenvoltura diplomática decorre de certa maneira de uma ambigüidade na visão política do Presidente, que tende a projetar a sua experiência como dirigente sindical para as questões políticas gerais. Se não cabe neste contexto considerar a política interna, parece-me oportuno assinalar algumas diferenças epistêmicas entre sindicalismo e diplomacia. As relações entre os Estados se baseiam no respeito mútuo, sendo desenvolvidas no caso por países soberanos com larga prática de inter-relação. O agente sindical busca o melhor para a sua categoria, dentro do quadro do Estado em que está inserido, e a cujas normas se acha subordinado. Em relações internacionais resulta complicado – para usar um termo atual – e perigoso desconhecer os interesses maiores do Estado, com vistas a privilegiar considerações ideológicas, que se sobreporiam às próprias conveniências do Estado.
Já ensina a sabedoria popular que não é bom misturar critérios, nem alterar orientações cuja eficácia a experiência pregressa tenha comprovado. Nos últimos tempos a diplomacia de cariz sindical vinha apresentando folha corrida com episódios como a ocupação, sob ordens do Presidente Evo Morales, pelo exército boliviano, de refinarias da Petrobrás, concretas ameaças de expropriação de produtores brasileiros de soja (os ditos brasiguaios) pelo novel governo paraguaio do ex-bispo Fernando Lugo, e a investida do presidente Rafael Correa, do Equador, contra a Odebrecht, e o seu propósito de não honrar dívida de US$ 250 milhões. Tudo isso sem falar das maquinações do ‘muy amigo’ caudilho venezuelano Hugo Chávez, a última das quais resolução do bloco ‘Alba’ (Alternativa Bolivariana para as Américas), que respaldou o pretenso direito equatoriano de questionar a legalidade de sua dívida externa, contraída em função de empréstimo do BNDES.
Ainda que tardia, saudemos, portanto, a restituição da competência na negociação política de um velho e comprovado instrumento do Estado brasileiro.
terça-feira, 2 de dezembro de 2008
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Um comentário:
É difícil acreditar que se chegou a onde estamos por obra de uma só pessoa. Os pecados de comissão foram graves, mas largamente (e facilmente) antecipados dadas as figuras envolvidas. Assim, certamente os pecados mais graves foram os de omissão, e estes têm nome e sobrenome na Casa. Sobre as inclinações do Presidente: as teria perdido subitamente? Ou apenas nunca tenha dado importância tanto à Casa quanto às relações no continente (fora a sua diplomacia pessoal)?
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