O GLOBO 28 e 29.XII.2008
Bolsa no Brasil perde US$ 835 bilhões em 2008.
Com o agravamento da turbulência financeira, o valor das ações das empresas negociadas na Bovespa despencou de US$ 1,399 trilhão, em 2007, para US$ 563,696 bilhões. O recuo chega a 59,70%, o segundo pior entre as nove principais bolsas do mundo. No topo deste ranking ao revés está a Rússia, com perda de 73%. Segundo economistas, o mercado acionário no Brasil foi afetado pela acentuada alta do dólar em relação ao real (33%). Pesou ainda a queda dos preços das matérias-primas, que atingiu a Petrobrás e Vale. A previsão para 2009 é que a Bovespa vai continuar instável, devido à incerteza sobre a duração da recessão nos EUA, Europa e Japão.
Comentário. A recente crise mundial – que supostamente não afetaria ao Brasil, nas previsões temerárias do Presidente Lula - veio em primeiro lugar mostrar a fragilidade do real em relação ao dólar estadunidense. Por um longo período, as autoridades financeiras brasileiras se congratularam com a suposta solidez do real. Com efeito, durante largo período o real não só se apreciou em relação ao dólar, mas foi a segunda moeda nesta apreciação (inferior apenas ao euro). Assinale-se que o câmbio passou de R$ 1,777, em fins de 2007, para R$ 2,370 na sexta-feira, 26 de dezembro de 2008 (alta de 33,37%). As reservas em divisas, se foram suficientes para livrar a economia brasileira de recorrer in extremis ao FMI e congêneres – como acontecera em crises mundiais anteriores - , não foram bastantes para manter o equilíbrio na relação de troca com o dólar.
Em segundo lugar, o fato de a Bolsa brasileira ter o segundo pior desempenho não é só um reflexo da gravidade da crise mundial (a princípio tolamente denegada, em termos de Brasil). É relevante sublinhar nesse contexto que US$30,271 trilhões ‘desapareceriam’ dos mercados de ação no correr do ano, o que representou um encolhimento de 50% do valor do mercado (de US$ 60,851 trilhões em 2007. Entretanto, é importante ter presente igualmente as debilidades da economia e da legislação brasileiras. Não foi por acaso que a Bovespa só foi superada em performance negativa pela bolsa russa, de um país com um PNB menor do que o nosso.
Dentre as fraquezas da bolsa e, por conseguinte, da economia brasileira, estão o percentual de sua desnacionalização (todas as montadoras de veículos auto-motores são estrangeiras, existem grandes bancos estrangeiros, etc.). Há por um lado grandes facilidades para a entrada e a saída de capitais estrangeiros, que não têm limitações de prazo (como em outros países), e que tampouco pagam impostos. Sendo um país emergente, e dos mais líquidos (com ações mais fáceis de comprar e de vender), em momentos de nervosismo dos inversores, tenderá a sofrer mais, penalizado pelas próprias facilidades concedidas ao mercado. Acresce a isto, por outro lado, a pressão sazonal de montadoras, bancos, etc. em sua transferência de divisas para as matrizes (em especial, se tais matrizes – como as montadoras americanas - estiverem em crise) o que acentua a tendência deficitária do nosso balanço de transações correntes.
Outra debilidade é que existe na Bovespa uma presença muito forte de commodities (matérias-primas como petróleo, minério de ferro, etc.). Além da bolha do valor de mercado do barril de petróleo (que inchou a importância relativa, v.g., do caudilho Hugo Chávez), existia acentuada valorização nas cotações de várias outras commodities. Ao sobrevir a crise, os produtos primários (com menos mão de obra agregada) são também os primeiros a sofrerem as conseqüências. Essa fragilidade tende a atingir menos os produtos com maior input tecnológico e de mão de obra.
Em função do fenômeno da globalização do capitalismo, a bolsa brasileira depende a fortiori do comportamento das bolsas da superpotência ( Wall Street e Nasdaq) e, secundariamente, das bolsas européias e japonesa. Nesse quadro, os fatores objetivos estão em segundo plano para os subjetivos, em que basta apenas a efetivação da queda nas cotações das bolsas americanas para ocasionar o despencar nos índices da Bovespa (efeito de manada).
Como se verifica acima, depois do Plano Real e da inserção da economia brasileira no mercado mundial sob parâmetros neoliberais, buscou-se – sobretudo no governo de Fernando Henrique Cardoso – criar facilidades para o investimento estrangeiro, facilidades essas que ensejaram a entrada no mercado financeiro de bancos importantes estrangeiros (além do Citibank, desde muito presente, vieram o Santander, o Amro Bank), o total domínio das montadoras de veículos por multinacionais estrangeiras. Se foi contra-arrestada a tentativa de vender a Petrobrás (recordam-se da estranha manobra de mudar-lhe o nome para Petrobrax ?), somente com o Governo Lula foi possível evitar o ulterior enfraquecimento do Estado – em uma linha que seria reminiscente do desastroso menenismo -, sem prejuízo da luta bem-sucedida em favor da estabilização monetária e do reforço da economia nacional.
Como permanecem, no entanto, essas grandes linhas neoliberais em nossa economia, as fraquezas acima citadas, se não forem corrigidas, continuarão a produzir efeitos.
segunda-feira, 29 de dezembro de 2008
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Um comentário:
Fico sempre intrigado com a falta de discussão sobre o que se convencionou chamar de “neoliberalismo”. Em certos círculos (nos quais incluo este blog) seria difícil encontrar alguém que discorde que exista uma liberalidade econômica excessiva no Brasil.
Alguns acreditam que isto é parte de um master plan estrangeiro para desenvolver ou arruinar o país, dependendo do interlocutor. Por desígnio ou omissão, os adeptos do perigo do “neoliberalismo” conseguiram firmá-lo como uma conveniente realidade.
Um mínimo de pesquisa revela outra realidade. No Brasil, a participação do estado na economia, tanto em termos de PIB quanto em sua ingerência e supervisão, apenas cresce. Um gráfico dos gastos do governo em relação ao PIB mostra tendência geral de crescimento desde 1960, com uma forte aceleração após a constituição de 1988 e outro salto fortíssimo nos últimos 3 anos.
Essa tendência de crescimento ou estabilidade da participação do setor público no PIB (embora sem os sobressaltos do Brasil) é compartilhada por grande parte das principais economias do mundo, inclusive a dos EUA e do Reino Unido, tidos como bastiões do liberalismo. O mesmo é verdade na maior parte do mundo. Assim, fica difícil entender a que se referem os usuários do termo “neoliberalismo”.
Em minha opinião há algumas possíveis interpretações: (i) repetem um mantra, indiferentes aos fatos; (ii) tem visão muito própria do que é liberalismo; (iii) acreditam que qualquer grau de liberalidade é pernicioso; (iv) acreditam que distorcer a verdade (ou não se preocupar com ela) é justificável dada a causa maior de um sistema mais “justo”.
Essas visões têm em comum a desconfiança pela inovação e pelo indivíduo e em minha visão trazem o germe do desprezo pela democracia. Basta lembrar que nem todas as economias capitalistas (no real sentido – as sociais democracias nórdicas são capitalistas, como o é a ditadura chinesa) são democracias, mas não há nenhuma democracia (também no real sentido) que não seja capitalista.
Por fim, não custa lembrar que os que criticam o "neoliberalismo" estão reclamando de barriga cheia - jamais o mundo passou por um período de tanta prosperidade e liberdade (não quero dizer que não existam distorções a serem corrigidas, e o estado está ai para isso mesmo como mostram os números acima). São estas mesmas liberdades e prosperidade que possibilitam a crítica e o contraditório. Difícil seria ver este debate ocorrendo sob outros sistemas menos “neoliberais”.
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