Robert Mugabe, líder da luta pela independência contra Ian Smith, na antiga Rodésia, encontra-se há 28 anos no poder. Infelizmente, Mugabe, com o correr dos anos, se transformou em verdadeira caricatura trágica de tantos outros líderes africanos. Os defeitos de Mugabe – corrupção, demagogia, autoritarismo - são partilhados por muitos deles, mas o presidente do Zimbábue, pelos próprias excessos e incompetência, tende a tornar desconfortável a posição de muitos chefes de estado africanos.
Com efeito, talvez por temor de abertura de precedente, a maioria da Organização de Unidade Africana tende a cerrar fileiras em apoio a Mugabe, que é verdadeiro pária internacional, contestado pela União Européia e os Estados Unidos. Assim, a presença de Mugabe na II Conferência de Cúpula União Européia – Africa, em Lisboa (dezembro de 2007) foi garantida através de uma dispensa especial (existe proibição de que Mugabe viaje para a Europa). Obviamente, a ‘vitória’ africana assegurando a presença de Mugabe na reunião de líderes europeus não teve qualquer resultado prático, a par de desviar as atenções para as questões importantes a serem aí discutidas e possibilitar ao velho ditador uma viagem a Lisboa.
É difícil determinar qual critério será julgado suficiente para que afinal a OUA colabore para criar condições para o afastamento do octogenário Mugabe. Nesse sentido, não há decerto escassez de motivos.
Com efeito, Mugabe, após um período governamental de relativa calma, resolveu tomar um caminho oposto àquele seguido por Nelson Mandela na África do Sul. Após 1998, Mugabe iniciou, sob o pretexto de reforma agrária, a desapropriação de terras de propriedade de nacionais do Zimbábue de origem européia. Dentro de atmosfera de confrontação e intimidação, rompeu-se a paz social existente. Para aquelas propriedades de brancos não incluídas na chamada reforma agrária, a administração de Mugabe incentivou igualmente a invasão, pelos ditos ‘veteranos’ da guerra civil, das fazendas ou sítios. Muita vez, o escopo era o saqueio de tais propriedades, acompanhado de sua depredação. Para aqueles que resistiam, ao invés de fugir, a morte passou a ser a alternativa. Diante do clima de terror instaurado, compreende-se o abandono massivo das propriedades agrícolas, e a sua entrega aos ‘veteranos’ da guerra civil, na verdade designação genérica para cobrir os partidários do governo. O resultado prático dessa política demagógica e racista foi a quebra na produção agrícola, eis que os novos possuidores não dispunham de mínimo conhecimento da técnicas agrícolas. A abrupta e generalizada queda na produção da agricultura foi a inevitável conseqüência da ‘política’ de Robert Mugabe.
Surgiu então a inflação que o desgoverno de Mugabe, fundado na corrupção e no favorecimento de camaradas e sequazes, teria forçosamente de acentuar e de agravar. Atualmente o Zimbábue enfrenta a hiper-inflação, alcançando as inacreditáveis alturas de 231 milhões por cento ao ano. Estando a inflação totalmente fora de controle, não se pode imaginar qualquer atividade econômica que não seja a predatória, como o grassar do mercado negro. As conseqüências sociais, como a pauperização crescente, a débacle dos serviços do Estado (excluídas as atividades policiescas, baseadas na concussão, entre outros delitos do código penal) favorecem a degradação da higiene e de condições sanitárias minimamente aceitáveis, como a atual epidemia de cólera o demonstra de forma irretorquível. A desagregação da administração no Zimbábue é vista nos 12.500 casos declarados a partir de agosto, e nas 560 mortes causadas por essa enfermidade, que se propaga na imundície, e pela falta de atenção médica.
Já em novembro, o regime de Mugabe impedira o ingresso no país do ex-presidente Jimmy Carter e do ex-Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan. Considerou intervenção inadmissível na soberania do Zimbábue a visita que se propunha avaliar as críticas condições humanitárias aí existentes.
Antes de examinar os intentos realizados até agora de criar saída política para o impasse simbolizado pelo regime corrupto e incompetente de Mugabe, cabe uma vista sumária do processo político recente.
No primeiro turno da eleição presidencial, a 29 de março de 2008, o candidato do MDC (oposição), Morgan Tsvangirai, obteve 47,9% dos sufrágios, e o presidente Mugabe (ZANU-PF) colheu 43,2%. A maioria relativa obtida por Tsvangirai semelha ainda mais respeitável, atendido o fato de que a apuração foi realizada por órgão controlado pelo regime, com suspeita de recurso à fraude. Consoante a oposição, Tsvangirai teria obtido 50,4%, havendo sido ‘ajustados’ os seus totais para 47,9% de forma a impedir que alcançando a maioria absoluta vencesse o pleito presidencial.
Já no segundo turno, após campanha generalizada de intimidação – que abrangeu não só os eleitores e seus familiares, havidos como simpatizantes do MDC, senão dos próprios dirigentes do MDC, com detenções abusivas e um acosso desmedido. A situação se deteriorou a tal ponto que Morgan Tsvangirai preferiu retirar o seu nome da cédula. Diante dos processos a que recorreu o regime de Mugabe, e o despudorado desrespeito a garantias e condições mínimas de uma eleição legítima (e não pleitos nos modelos do Uzbequistão e da Bielo-Rússia, por exemplo), agravou-se a geral desmoralização do regime de Mugabe. Para a comunidade internacional, faleciam as eventuais características democráticas no Zimbábue, com a patente ilegitimidade do segundo turno.
Por que se permitiu que a situação no Zimbábue apodrecesse a tal ponto ? A busca de responsáveis não se afigura longa, nem díficil. O sucessor de Nelson Mandela na presidência da Africa do Sul, Thabo Mbeki (afastado a 24 de setembro de 2008) mostrou-se estranhamente complacente com os reiterados abusos de Mugabe e de seus comparsas. Não obstante, a corrente migratória de naturais de Zimbábue que se transferiu para a África do Sul, tangida pela deterioração econômica naquele país, Mbeki sempre se absteve de tomar medidas mais enérgicas que constrangessem Mugabe a mudanças na sua política e nos seus métodos.
Fora do poder, Mbeki aceitou mediar a situação no Zimbábue. No entanto, a suposta partilha do poder, assinada por Mugabe e Tsvangirai a quinze de setembro último, cometeu o erro de privilegiar as aparências de poder e não os seus aspectos essenciais. O fato de o lider da oposição ter sido guindado ao cargo de Primeiro Ministro pouco ou nada significa se os mecanismos do poder permanecem sob o controle de Mugabe e de seus partidários. Foi o que efetivamente ocorreu, eis que o velho presidente não se dispõs a colocar na quota do MDC nenhum ministério que assegurasse real participação no governo do país ao movimento de Tsvangirai.
A falha de Thabo Mbeki resta ainda mais marcada se a compararmos com a atuação do ex-Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, como mediador da crise no Quênia. Diante da fraude manifesta na eleição presidencial, Annan orientou o seu trabalho no sentido de obter a governabilidade no Quênia, forçando o acordo entre o Presidente Mwai Kibaki e o líder da oposição Raila Odinga. Os ministérios foram partilhados não de forma numérica, mas de maneira a assegurar um equilíbrio de poder entre Kibaki e Odinga, superando, dessarte, a confrontação entre os dois partidos, que tinha causado mais de quinhentos mortos. Pela competência de Kofi Annan se alcançou em Nairobi, o que não foi obtido em Harare.
Atualmente, se sucedem os pedidos de afastamento de Mugabe, da Secretária-de-Estado Condoleeza Rice, do Primeiro Ministro Gordon Brown, do Arcebispo, prêmio Nobel da Paz, Desmond Tutu, e do Primeiro Ministro do Quênia, Odinga (que deseja afastar um mal com outro mal – o golpe militar).
Por uma ironia africana, enquanto representou um perigo apenas para o seu sofrido povo, Mugabe tem logrado manter-se no poder, seja através de uma falsa solidariedade, seja pela negligência e incompetência de líderes que poderiam abreviar esse penoso fim. Agora, em que a patética incapacidade de Mugabe pode representar uma ameaça para os países vizinhos e talvez mais além, o que não tinha prioridade passa a ter. Esperemos que à nação do Zimbábue estejam reservados melhores dias.
domingo, 7 de dezembro de 2008
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