Todos nós temos presente – ou deveríamos tê-lo – a fatalidade que vitimou Jean Charles de Menezes na estação Stockwell, nas profundezas do Metrô de Londres. Um pelotão policial, aguilhoado por uma situação de alegada ameaça pública (tentativas de bombas no metrô haviam sido descobertas na véspera) lançara-se em cega e insana perseguição contra um suposto homem-bomba, perseguição esta que configura a mais irrespondível acusação contra a força policial londrina. Na verdade, como que endemoniados por histérico temor xenófobo, não foi dada qualquer possibilidade de fazer valer os seus direitos ao estrangeiro designado como culpado. Na terra da Magna Carta, Jean Charles de Menezes não pôde apelar para a sua presunção de inocência. A desembestada caça chegaria à triste conclusão no ignóbil fuzilamento do pobre Jean Charles de Menezes, morto e mais do que morto pelo inacreditável número de oito disparos.
Logo depois daquela manhã de 22 de julho de 2005, a flagrante injustiça cometida contra o brasileiro Jean Charles, abatido sem piedade pelo crime de não parecer um natural da Inglaterra, foi objeto de comoção no Brasil, a ponto de motivar a viagem do Ministro das Relações Exteriores a Londres. A par das conversações reservadas, lá também se realizou conferência de imprensa, com a presença do então Primeiro Ministro Tony Blair e do carrancudo Celso Amorim.
Desde esta execução sumária, a família de Jean Charles, apoiada por associações de direitos humanos, se empenha na necessária missão de provar judicialmente o execrável erro policial que estupidamente cortou a existência trabalhosa e sofrida de Jean Charles, que não se transladara para Londres por motivos turísticos, mas sim para ganhar honestamente a vida.
Não se pode afirmar que o processo inglês haja primado pela rapidez. Se bem que no Brasil as peculiaridades processuais muita vez trabalham em prol dos assassinos – e no capítulo, as citações seriam até constrangedoras – tampouco se pode asseverar que às margens do histórico Tâmisa a preocupação da justiça haja sido excessiva.
Nenhum dos responsáveis – seja operacionais, seja a nível de direção ou falta dela – sofreu qualquer penalização por motivo da “lamentável ocorrência”.
Na semana passada, o coroner (no caso, intraduzível funcionário do sistema inglês, que faz as vezes de juiz no exame judicial das causas de uma morte que se supõe não tenha ocorrido por causas naturais) presidiu os trabalhos de inquérito (inquest), que objetivava examinar as circunstâncias da morte de Jean Charles. Iniciado a 22 de setembro último, ao cabo de ouvir as partes, o júri, após deliberar por uma semana, chegou às seguintes conclusões: a polícia não deu qualquer aviso antes de atirar contra o ‘suspeito’. Tampouco a vítima, Jean Charles, avançou contra os seus perseguidores (o que daria aos policiais motivo para atirarem).
Entretanto, esse inquest inglês já começou capenga. Em 2007, procedimento anterior se propunha estabelecer se a polícia desrespeitara as leis sanitárias e de segurança. Então, a conclusão dos jurados declarou a polícia culpada de infringir a lei.
E por que se deve considerar capenga esse último inquérito, que complementa o anterior ? Pela simples razão – e este fato explica muitas coisas dessa busca de justiça – que o coroner notificou os jurados que eles não estavam autorizados a emitir veredito de “morte ilegalmente provocada” (unlawful killing). De tal maneira, os jurados se viram manietados, eis que na prática poderiam fazer considerações acerca do comportamento dos serviços de polícia, mas não podiam tirar de tais fatos – obtidos pela outiva de testemunhas, diga-se de passagem – a capacidade legal de emitir um juizo vinculante. Em outras palavras, reuniu-se um júri, que não era suposto cumprir com as suas funções plenas.
Ao fim do inquest, o Comissário-Chefe, em funções, da Polícia Metropolitana, Paul Stephenson declarou que “a morte de Jean Charles de Menezes foi uma tragédia. Ele era um inocente e aceitamos responsabilidade plena por sua morte. Alguém perder a vida em tais circunstâncias é algo que deploramos profundamente”.
Essas palavras do Comissário-Chefe são palavras que os familiares da vítima e nós brasileiros custamos bastante a ouvir.
A respeito da situação atual, os familiares do assassinado deram declaração em que certa generosidade se alia à resignação : “A decisão não nos trará de volta Jean Charles. Contudo, ela vai um pouco na direção do reconhecimento das falhas que causaram a sua morte.”
Essa luta comprida, face às intricâncias e delongas brandidas pelo corporativismo, terá que limitar-se às declarações, sonoras porém incompletas, sem nunca atingir a eventual responsabilização daqueles que, direta ou indiretamente, mataram na manhã de 22 de julho de 2005 o pobre Jean Charles, culpado de tentar tomar o metrô para apresentar-se no seu trabalho ?
segunda-feira, 15 de dezembro de 2008
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