É sempre difícil propor-se a ajuizar a evolução política. Encareço, portanto, ao leitor deste artigo que tenha presente tal condicionante. Barack Obama venceu a sua grande batalha para alcançar a presidência dos Estados Unidos sob o signo da mudança. Foi com este lema que atraíu o voto dos jovens e de parte substancial da intelectualidade, criando a força inercial para criar um movimento com aura de vitorioso – o que colocou a mídia de seu lado – convencendo a maioria dos superdelegados da inevitabilidade de sua candidatura. Tornou, em conseqüência, a campanha de Hillary Clinton fadada ao malogro, por mais primárias importantes que lograsse empolgar a senadora por New York. Um momento! ouço o seu murmúrio de estranheza. O triunfo de Obama foi contra John McCain, o candidato republicano ! Terá sido mesmo ? Na verdade, revendo a trajetória, verifica-se que o senador por Arizona jamais ameaçou realmente o candidato democrata, não obstante o aporte controverso de Sarah Palin. Se o embate Obama – McCain não foi uma formalidade, nunca terá realmente posto em dúvida a vitória inelutável do senador por Illinois, o que não se pode dizer da contenda das longas primárias (de janeiro a junho !) contra Hillary.
Voltemos, porém, ao presente e ao futuro próximo. Vencedor indiscutível, sob o signo da mudança, com o controle do Senado e da Câmara de Representantes, as veiculadas indicações para o Gabinete e os principais cargos econômicos, Obama tem recebido elogios da direita republicana (Karl Rove, o criador de Bush júnior: formou “time econômico de primeira”; e o Wall Street Journal – “Gates e Jones são sinais bem-vindos de continuidade”). Em contraparte, nota-se certa preocupação entre os democratas com os rumos da vindoura Administração, conquanto a maioria dê ao correligionário o esperado apoio. Na esquerda, contudo, as críticas já repontam, como as de William Greider, da revista “Nation”, ao referir que o suposto virar de página, com um novo começo para os hábitos de Washington, na verdade “seria uma página virada para trás”.
A história ensina que muita vez o candidato progressista prevalece nos comícios com uma plataforma de esquerda, para governar com o centro ou até mesmo a direita. Outra premissa que não deve ser ignorada será que, a despeito das aparências, não é aconselhável desfazer de uma Administração nova, antes que lhe seja dada a oportunidade de mostrar ao que veio.
Qual a razão, no entanto, de tais preocupações ? Elas residem, sobretudo, em determinadas escolhas de Obama – no que me baseio em prognósticos alegadamente bem-informados da imprensa americana. Dentre os nomes apresentados, provocam estranheza o do general reformado Jim Jones, para Conselheiro de Segurança Nacional, e, particularmente, a confirmação do atual Secretário de Defesa, Robert Gates. Para quem construíu a sua proposta política com o discurso contra a guerra no Iraque, será compreensível a perplexidade na acolhida do sucessor de Donald Rumsfeld no Pentágono. É bom recordar que Gates, além de auxiliar direto de Bush júnior, está associado à chamada estratégia do “surge”(recrudescimento) no Iraque, orquestrada pelo general-comandante Petraeus. Cabe a pergunta de que como tal indicação se concilia com o ideário de quem foi eleito com base na oposição à desastrosa guerra de George Bush, e seus mentores neo-conservadores. Por outro lado, o propalado Assessor para a Segurança Nacional, cargo importante não só para a formulação, senão para a implementação da política externa - entre seus antecessores, estão Henry Kissinger (auxiliar de Nixon) e Zbigniew Brzezinski (auxiliar de Carter)-, é amigo de John McCain, de quem se especula Jim Jones seria igualmente o Assessor.
É importante, todavia, que se assinale que tais indicações estariam dentro da suposta “cota republicana”, na futura Administração Obama. Assumindo em um período de guerra – o longínquo precedente histórico estaria na passagem de Lyndon Johnson para Richard Nixon, em plena guerra do Vietnam, em 1968 – e sob a crescente ameaça de agravamento da crise financeira, compreende-se que Obama tenha de costurar apoio bipartidário para superar o vácuo de poder criado por um presidente desmoralizado e nos dias finais do mandato e um novo presidente, com grande respaldo popular, mas sem nenhum poder efetivo até o dia vinte de janeiro de 2009.
Por outro lado, o gabinete de Barack Obama tem outros nomes que, descontadas as rituais e inevitáveis reservas da imprensa, são merecedores de bons prognósticos, como Eric Holder, para Secretário de Justiça, Timothy Geithner, para Secretário do Tesouro, e, last but not least, Hillary Clinton, para Secretária de Estado. Com efeito, Holder, que foi subsecretário de justiça na Administração de Bill Clinton, será o primeiro negro a ocupar a prestigiosa e relevante função de Attorney General (Procurador Geral), e para que se tenha noção da descomunal melhora basta recordar alguns dos notórios ocupantes desse cargo durante a Administração de Bush júnior. Geithner, por sua vez, é o presente Diretor do Federal Reserve de New York, apartidário, e tem bom trânsito junto ao chamado mercado, sendo um dos fautores do plano de resgate financeiro. Por fim, Hillary Clinton, cujo nome dispensa apresentações, trará o apoio de grande parte do partido democrata. Experiente em questões internacionais, é a política mais importante dos correligionários de Bill Clinton, que semelha ser o grande celeiro nas indicações para a Administração Obama.
Ao concluir essas considerações, condicionadas como é óbvio às implacáveis correções da progressão política, tenha-se em mente o desafio enfrentado por Obama. Na realidade, dados os sombrios augúrios da finança internacional, que prevê queda de 3,5% no PIB estadunidense e de um 1,5% para a União Européia e o Japão, não se afigura exagero comparar o momento histórico presente com a situação afrontada por Franklin Delano Roosevelt, sob o dobre do Crash de 1929 e a da conseqüente Depressão – que arrastou junto o governo republicano de Herbert Hoover. Todos nós temos interesse em que Barack Obama - e sua Administração - esteja à altura deste desafio, e que saiba dar, no sentido toynbeeano da expressão, a resposta adequada para gáudio geral.
segunda-feira, 1 de dezembro de 2008
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Um comentário:
Coitado do Obama, nem foi empossado e já é patrulhado pelos que viram em sua vitória a ratificação de teorias muito particulares de poder e de quem está apto a traduzir a vontade popular... “Esse povo ignorante finalmente entendeu como é a verdadeira democracia” devem dizer. Ninguém pode acusar o Obama de não fazer o que disse, até porque disse muito pouco. Essas pessoas perderam um foco aglutinador de seus ódios (McCain/Bush) e ora vêem suas esperanças delirantes murcharem - talvez o Brasil possa ensinar uma lição aos EUA, abrindo as portas do banquete estatal para consolar esse pessoal - a alternativa seria o canibalismo.
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