FOLHA DE S. PAULO - 13/09/2008
Eleições Americanas. Embora seja ainda cedo para prognosticar o resultado da eleição de terça-feira, quatro de novembro, parece já oportuno que se procure esboçar um quadro geral dos diversos fatores que determinarão a vitória de John McCain/Sarah Palin ou de Barack Obama/Joe Biden.
Mudança (change). Como não se desconhece, o principal propulsor da campanha de Obama na fase das primárias foi a identificação do Senador por Illinois com o tema da mudança. Nesse sentido, Obama ganhou a batalha na mídia e obteve o apoio dos eleitores mais jovens. Hillary – que até o caucus de Iowa era considerada a grande favorita – passou a ser havida como representante da velha Washington. A despeito de ter o apoio de largas faixas do eleitorado e de atingir seus partidários pelas suas propostas específicas, a par do conhecimento técnico dos temas mais importantes para muitos segmentos do Partido Democrata, Hillary Clinton sofreu uma cobertura negativa da mídia. Malgrado o caráter genérico das mudanças propostas por Obama, e a sua pequena vantagem em termos de sufrágios recebidos, Hillary foi sistematicamente carimbada pela mídia representante de sistema dito ultrapassado e, o que é pior, como perdedora. Se os fatos não corroboravam tal tese, a postura da mídia – notadamente as redes de tevê e os grandes jornais – poderia ser resumida em um sumário “às favas com os fatos”.
Entrando na Convenção de Denver antecipadamente vitorioso – por obra e graça dos chamados super-delegados (que não são determinados pelos resultados das primárias) – Obama terá aparentemente esquecido na sua hubris pela histórica designação que a fórmula que lhe assegurara a indicação como candidato democrata tinha sido ad hoc, isto é, servira e muito bem, para que vencesse dentro do partido. Em outras palavras, ele carecia ou de adaptar a fórmula para o embate decisivo com McCain, ou, melhor ainda, elaborar outra fórmula que, sem contradizer a primeira, se voltasse especificamente para o pleito de novembro. Como se verá adiante, Obama não achou conveniente introduzir nenhum aperfeiçoamento substancial na dita fórmula.
Talvez o seu maior erro político foi o de privilegiar pequenos ressentimentos ao invés de mostrar um juízo superior, através da formação de uma grande aliança intrapartidária, isto é, evidenciando a necessária grandeza de lançar o dream ticket, vale dizer a chapa Obama – Hillary, que somaria as principais correntes do partido. Optou por trazer um político veterano, conhecedor de relações internacionais, porém pobre em votos.
Ao contrário dos democratas, que parecem especializados em perder eleições consideradas imperdíveis, os republicanos podem ser acoimados de muitos defeitos, mas não o de falta de habilidade político-eleitoral. Nesse sentido, a história recente é uma testemunha que cala as pretensões de sapiência dos democratas. Mas não cansemos o leitor. Basta reevocar a situação presente: pode-se imaginar situação mais propícia para um candidato democrata, com um presidente cuja impopularidade atinge recordes históricos, ao cabo de uma série de crises de desastres, que tornam Bush junior um sério pretendente ao posto de pior presidente da história americana ? A despeito de que a resposta será negativa - ao confirmar a situação favorável para os democratas – se fará imprescindível acrescentar que não obstante tudo isso, o candidato democrata iniciou a reta final para novembro inferiorizado nas pesquisas eleitorais.
A que se deve esta reviravolta ? Depois de campanha pouco brilhante na fase pré-convenção de Saint Paul, John McCain tomou duas decisões que contribuíram para desestabilizar a posição de suposto favorito de Obama.
Demonstrou inventiva e coragem na sua escolha da companheira de chapa. Parafraseando Voltaire, posso dizer que talvez não concorde com uma só palavra das declarações da governadora do Alaska, mas tal não me impedirá de discernir que McCain soube indicar alguém que somasse à sua campanha pela Casa Branca. Poderemos dizer o mesmo de Joe Biden que teve, inclusive, a nobreza de reconhecer que Hillary seria uma melhor candidata à Vice do que ele ?
A sua segunda iniciativa desvela a desenvoltura dos consultores republicanos. McCain apropriou-se do slogan da mudança (change) ! Com isso, ele tende a mostrar que a proposta de change, por ser vaga e indeterminada, admite que um partido conservador como o republicano possa igualmente sentir-se em condições de vestir esses paramentos.
Entretanto, se os democratas pensam que os problemas de Obama se cingem aos enunciados acima, será forçoso contraditá-los. Dentre esses, existem dois que têm inegável peso: a falta de experiência administrativa do candidato (Obama nunca exerceu função política executiva de importância) e o preconceito racial. Quanto ao primeiro fato, não há que discuti-lo. É um dado a ser computado.
Quanto ao segundo, a sua importância não pode ser minimizada. A esse respeito, a Folha publicou artigo de Andrew Hacker, do conceituado journal The New York Review of Books. A sua análise, que nada tem de polêmica, expõe os principais obstáculos a serem contornados pelo candidato democrata nesse campo específico. De forma resumida, transcrevo alguns aspectos mais relevantes: (a) “Barack Obama só poderá se tornar presidente caso inspire um comparecimento de eleitores às urnas em número superior ao dos votos que ele não obterá”. Fala-se muito no fluxo maciço de votos de afro-americanos. Existem inúmeros entraves contra a concretização desse propósito pela comunidade negra. Ainda que essas dificuldades sejam genéricas, na verdade elas incidem mais em segmentos demográficos de mais baixa renda, onde muitos afro-americanos se encontram (entre tais entraves, a exigência de apresentação de documento de identidade – em um país onde não há carteira de identidade como no Brasil, por exemplo); (b) as consultas sobre ação afirmativa (a ação afirmativa nos Estados Unidos corresponde à política de quotas raciais, no Brasil) que foram introduzidas em alguns estados, em óbvia manobra de inserção da questão racial na cédula eleitoral. Ao proporem a proibição de programas de ação afirmativa, o objetivo é claro: encorajar as maiorias brancas a se identificarem em termos raciais (através da votação para restaurar os próprios direitos); (c) o chamado “efeito Bradley” continua presente.O prefeito negro de Los Angeles foi candidato ao governo do estado da Califórnia em 1982. Apesar de todas as pesquisas indicarem a sua liderança sobre o opositor, a apuraçãao indicou que muitos eleitores não revelaram a sua real tendência. O preconceito racial constitui, nas pesquisas, um fator oculto, que leva uma parte do eleitorado (atualmente estima-se este fator em 7% ) a mentir sobre o seu voto. O eleitor se sente desconfortável em revelar a sua oposição a um candidato negro. Assim, ou dá uma diversa explicação para o seu voto contrário, ou prefere declarar o voto favorável que o segredo da urna não confirmará.
Em meados de setembro, muita coisa poderá ainda ocorrer que venha a modificar o preocupante quadro que ora se apresenta para a candidatura Obama. O político mineiro José de Magalhães Pinto dizia que a política se assemelha às nuvens. A cada olhar, o panorama pode ser diferente. No entanto, mesmo no caso dessa símile, convém acrescentar que existem limitações. Assim, um eventual espaço para o otimismo se veria radicalmente restrito se o observador tiver ao seu redor um céu carregado de nuvens cinza-escuro, daquelas que prenunciam tempestades...
domingo, 14 de setembro de 2008
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