O GLOBO - 7/09/2008, pág. 15
O pai, João Alexandre Rodrigues, e a madrasta, Elaine Aparecida Rodrigues, foram presos em flagrante sob acusação de matar, queimar e esquartejar as crianças João Vitor dos Santos Rodrigues (13 anos) e Igor Giovani Santos Rodrigues (12 anos). O pai, depois de asfixiar os meninos com sacolas de supermercado, levou, com a madrasta, os corpos de seus filhos para o quintal, onde ateou fogo com querosene. Como os cadáveres não desapareceram, foram esquartejados com uma foice. Os restos mortais foram colocados em cinco sacos pretos e ao anoitecer deixados na frente da casa para ser levados pelo lixeiro.
Assinale-se que nessa quarta-feira, os dois meninos foram encontrados por guardas, vagando pela cidade (Ribeirão Pires, na grande São Paulo) tarde da noite. Apesar de terem explicado que haviam sido expulsos de casa pelo pai e a madrasta, na delegacia a conselheira tutelar Edna Aparecida Ribeiro Amante decidiu levá-los para casa. Deve-se frisar que agiu contra a vontade expressa dos meninos, que pediram para serem levados para um abrigo, pois tinham medo de voltar para casa.
Comentário de um cidadão. Diante de mais um crime de tal espécie, a primeira pergunta é se ainda cabe a revolta. Apesar da carga simbólica de sua função, a conselheira tutelar Ribeiro Amante não deu o devido peso à súplica das crianças, que sabiam o que lhes esperava em casa. Falhou assim no objetivo precípuo de sua missão, por não assegurar a tutela do Estado a menores que se sentiam em perigo.
Dadas as características da legislação, o brasileiro convive cada vez mais com a desagradável sensação de que a prevalente impunidade não é virtual ou ocasional, mas legal, como se verificou, v.g., no processo contra o assassino confesso Pimenta Bueno, que podendo dispor de bons advogados continua livre e a batalhar procedimentalmente nas altas cortes com o escopo de (a) permanecer em liberdade e (b) ir podando a extensão da pena ao arrepio da sociedade civil. A faculdade de recorrer a infindas apelações, com o óbvio propósito não de assegurar a justiça, mas de inviabilizar que ela seja feita, explica porque só no Brasil um facínora pode sair da cadeia pela porta da frente, uma mandante de assassinato com motivo torpe seja colocada em liberdade, e que réus, contumazes ou não, possam candidatar-se livremente, graças a sentença da Suprema Corte que impediu deneguem os T.R.Es. a candidatura mesmo de réus condenados em primeira instância. Como a condenação definitiva pode ser uma ficção jurídica se o acusado dispuser de um causídico, compreende-se a reação de desalento do povo.
Boas leis não inviabilizam os crimes hediondos, com o infligido aos dois meninos, e como aquele de que foi vítima João Hélio. Entretanto, a sua aplicação pontual tenderá a torná-los menos freqüentes, se a probabilidade da condenação tornar-se aparente para os criminosos potenciais.
Por vezes, lendo os comentários do Senhor Presidente da República se tem a impressão de que ele se julga um espectador privilegiado dos acontecimentos nacionais. Senhor Presidente, o senhor é muito mais do que isto. O senhor é a principal autoridade da República, e uma de suas missões é zelar para que haja condições de aplicação adequada e apropriada da Justiça. O que se presencia nos dias que correm, é que muita vez os advogados utilizam as faculdades da lei para inviabilizar os seus objetivos, e não para que se faça justiça.
Fala-se muito em reformas, senhor Presidente. Uma das mais urgentes é aquela de reforma da legislação penal e processual. Determine, senhor Presidente, e com a necessária presteza ao senhor Ministro da Justiça, que prepare, com urgência, os projetos competentes, para que essa anomia virtual na sociedade deixe de existir. Senhor Presidente, a sociedade quer justiça sem adjetivos. Não está interessada em cortes discricionárias, e muito menos no desvirtuamento sistemático de o que se apregoa deva ser a Justiça (com inicial maiúscula). Se o Senhor levar a cabo essa reforma, este poderá até ser o legado mais importante de seu governo.
domingo, 7 de setembro de 2008
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