A concessão pelo Ministro da Justiça, Tarso Genro, do status de refugiado político ao italiano Cesare Battisti vem provocando forte reação do governo italiano e de movimentos políticos de tendência direitista. Após declarações do Primeiro Ministro, Silvio Berlusconi, e dos Ministros da Defesa, Ignazio La Russa e das Negócios Estrangeiros, Franco Frattini, em que se censurava a decisão do Ministro Tarso Genro, o próprio Presidente da República, o ex-comunista Giorgio Napoletano, enviou carta ao Presidente Luiz Inacio Lula da Silva. Napoletano encarecia a Lula que derrogasse a medida de seu ministro, e que concedesse a extradição.
A esse propósito, releva assinalar que o Presidente italiano – um cargo essencialmente protocolar naquele país – na correspondência se reporta ao seu stupore diante da medida. Isto foi traduzido pela imprensa brasileira como “surpresa”, o que é substituir um termo forte – equivalente ao estupor do vernáculo – por um vocábulo mais débil. Em outras palavras, se colocava na missiva de Napoletano, em português, a expressão diplomática que ele deveria ter usado. Mas a pouca atenção do Presidente italiano à prática diplomática não se limitou à linguagem, eis que tampouco teve a cortesia de que o Presidente Lula tomasse conhecimento do teor da carta quando a recebesse. Ao contrário, apressou-se em mandar divulgá-la pelas agências de notícia.
No Brasil, a par do apoio prestado pelo Presidente Lula à determinação de seu Ministro da Justiça – que contrariou, em nível político, pareceres técnicos da Procuradoria Geral da República e do CONARE, ambos favoráveis à extradição - transpirou para a imprensa despacho do atual Presidente do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Gilmar Mendes, para o Procurador-Geral da República. Nesse procedimento, que deve preceder ao conhecimento da matéria pelo plenário do Supremo, Gilmar Mendes se reportou à providência adotada pelo Ministro Genro como um ato isolado.
Se cabe aguardar que o Supremo venha a ocupar-se da questão, semelha existirem duas possíveis respostas de nossa mais alta Corte. Ou decide não mais conhecer da matéria, pelo fato de não haver sido aprovada a extradição, ou pende para examinar o mérito do assunto. De qualquer forma, mesmo neste último caso, pela legislação a última palavra cabe ao Presidente da República.
A despeito, portanto, das atitudes teatrais, tão ao gosto peninsular, dos Ministros italianos – o Ministro da Defesa ora reclama a convocação ‘para consultas’ do Embaixador da Itália no Brasil –, toda essa bulha motivada por um obscuro revolucionário de um ainda mais obscuro movimento extra-parlamentar “Proletários Armados pelo Comunismo” (PAC), condenado à prisão perpétua por um julgamento in absentia deverá findar com a confirmação do status de refugiado de Cesare Battisti.
Enquanto se aguarda que o Brasil retome a sua tradição de concessão de asilo a perseguidos políticos – interrompida na expedição para Cuba dos dois boxeadores que pleiteavam o asilo territorial – pergunto-me apenas por que tais protestos oficiais e manifestações perante missões diplomáticas não ocorreram quando Cesare Battisti residia na França, sob a presidência de François Mitterrand. O defunto Presidente tinha a idiossincrasia de não autorizar a extradição de perseguidos políticos. Sucedido por Jacques Chirac, a atitude do governo francês mudou, e Battisti teve de fugir para o Brasil. Se a política explica a diferença na atitude francesa, o que fica difícil de entender é a aparente plácida aceitação da vontade de Mitterrand pelos políticos italianos. O que mudou agora ?
sexta-feira, 23 de janeiro de 2009
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2 comentários:
Nada mudou, ou pelo menos não deveria ter mudado. Infelizmente o Brasil reafirmou sua tradição de arrancos triunfais de cachorro atropelado, e ao invés de aplicar a lei do país de forma serena e soberana, escolheu dar uma lição à Itália com um mal disfarçado troco pelo caso Cacciola, em uma decisão personalista delirante (em todos os sentidos). Conseguimos o pior dos resultados - uma posição insustentável legalmente e politicamente, o risco do presidente ser desmoralizado internacionalmente pelo Supremo, e a confirmação do estereótipo de que o Brasil é o lugar onde toda sorte de facínora encontra refúgio.
Discordo. Não creio que tenha existido intencão de 'dar o troco' pelo caso Cacciola, a fortiori pela simples razão de que a extradição negada pela Itália, foi posteriormente concedida por Mônaco. Tampouco concordo em que a decisão tenha sido 'personalista'. O Ministro Tarso Genro estudou o 'dossier' e chegou a decisão política na concessão do refúgio, decisão de resto apoiada pelo Presidente Lula. Se existem políticos que têm adotado atitudes inconvenientes, são os italianos, com posturas melodramáticas, bem ao gosto peninsular. Por outro lado, não me parece oportuno antecipar decisões do Supremo na matéria. Cabe, de resto, assinalar que pela legislação, cabe ao Presidente Lula a última palavra neste assunto.
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