quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

O Discurso de Obama no Capitólio

Dos JORNAIS XXVIII

O GLOBO 21.I.2009
FOLHA DE S.PAULO


Em um dia frio (-3º) em Washington, acorreu à posse de Barack H. Obama, o 44º Presidente dos Estados Unidos, grande multidão, orçada entre 1,800 e 2 milhões de pessoas. Todo o enorme espaço (2,5 km) entre o Obelisco de Washington e o Capitólio estava repleto de um público entusiasta e festivo, que comparecia para manifestar o seu apoio para o primeiro presidente negro dos Estados Unidos. Depois de prestar o juramento constitucional, com a mão apoiada em bíblia que pertencera ao Presidente Abraham Lincoln, Obama pronunciou discurso de cerca 20 minutos, definido como realista porém esperançoso.
A alocução de Obama não teve a retórica altissonante da campanha, nem o mantra “Sim, nós podemos”, e tampouco profusas citações de Abraham Lincoln e Martin Luther King. Assinale-se, no entanto, que o cotejo simbólico com o 16º Presidente esteve sempre presente para Obama : ao declarar-se candidato há dois anos atrás, no mesmo lugar em Illinois em que Lincoln lançara a sua primeira campanha; mais tarde, na viagem de trem de Filadelfia para Washington, refazendo o percurso de Lincoln,como presidente-eleito; e, por fim, ao jurar sobre a bíblia utilizada pelo ilustre predecessor, ao tomar posse em 1861.
A este propósito, a pesquisa realizada por analistas da CNN me parece interessante, ao identificar as principais fontes das citações e da linguagem empregadas no discurso de posse. De forma algo surpreendente, o espírito do revolucionário Thomas Paine, o grande panfletista do século XVIII, está bastante presente nas suas palavras, e em especial na citação de sua obra que George Washington mandou fosse lida para as tropas americanas: “Seja dito para o mundo futuro que nas profundezas do inverno, quando nada poderá sobreviver senão a esperança e a virtude, que a cidade e a nação, alarmados diante do perigo comum, avançaram para enfrentá-lo.”
Obama, se reconhece a realidade da crise, não deixa dúvidas sobre o êxito da resposta:
“os desafios que enfrentamos são reais. Mas saibam disso, Estados Unidos da América, eles serão vencidos.”
De acordo com a postura já conhecida de Obama, ao invés de condenar o passado, o discurso olha confiante para o futuro. Essa atitude generosa já se podia intuir desde o início da mensagem, nas medidas palavras, em que agradece ao antecessor pelo serviço à nação, assim como “pela generosidade e cooperação” demonstradas durante a transição de governo.
Se não elude a responsabilidade geral pela crise econômica, faz um apelo para que todos participem ao lado do governo na luta indispensável para a sua superação. Barack Obama, por conseguinte, rejeita o dito de Ronald Reagan em 1981, de que o governo represente o problema e não a solução.
Outra passagem lapidar do discurso mostra claramente o que pensa da política de Bush e de Cheney, na sua reação aos atentados de onze de setembro de 2001: “para a nossa defesa comum, nós rejeitamos a falsa escolha entre nossa segurança e os nossos ideais.”
A alocução igualmente reafirma a própria disposição de retirar-se do Iraque e de chegar à paz no Afeganistão. Dada a complexidade das guerras herdadas de Bush júnior, não se poderia esperar que fosse mais explícito em suas palavras.
Importante igualmente é a referência ao mundo muçulmano em que a nova Administração busca “um novo caminho à frente, baseado em respeito e interesse mútuos.” Releva notar que a possibilidade de que esta frase venha a refletir um compromisso real da parte dos Estados Unidos vai depender estreitamente de um maior equilíbrio no tratamento a ser dispensado à crise entre Israel e o povo palestino.

O futuro dirá se o novel Presidente saberá valer-se do crédito de confiança que é comumente concedido pela opinião pública durante o início de novo mandato. Ninguém poderá, se honesto e são de mente, duvidar da amplitude do desafio que deve arrostar. O desgoverno de Bush, a gravidade da crise, a urgência nas medidas para enfrentá-la e superá-la, a necessidade de novas e inequívocas respostas nos campos das relações internacionais, do respeito aos direitos humanos e ao direito internacional, da energia e do meio-ambiente, entre outros, dão uma idéia do que terá pela frente ao sentar-se no gabinete oval da Casa Branca..
Muito do eventual sucesso de sua presidência dependerá da maneira com que há de comportar-se nesses primeiros cem dias. Fazemos votos para que, na medida do possível, possa comparar-se ao exemplo dado em 1933 por seu grande predecessor Franklin Delano Roosevelt.

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