Sarkozy e a demissão do âncora Poivre d’Arvor
A demissão de Patrick Poivre d’Arvor, âncora do principal canal de televisão da França (a TF1) tem uma importância bastante maior de o que teria uma movimentação análoga em outro país. Há 21 anos aparecendo para os franceses no telejornal das 20 horas, Poivre d’Arvor se tornara uma figura emblemática e conhecida do público. O âncora na França tem uma posição mais afirmativa, não sendo, como em muitos outros países, um mero locutor televisivo. Durante a sua permanência na TF1 atravessara oito anos (dos catorze) de Mitterrand, os doze anos de Chirac, e cerca de um ano de Nicolas Sarkozy. Poivre d’Arvor, posto que respeitoso, não tinha postura subserviente diante do pouvoir, expressando mesmo diante dos Presidentes e dos Primeiro-Ministros as opiniões e as dúvidas da grande audiência que representava. Caíu agora, ao que tudo indica, por solicitação expressa de Sarkozy ao dono da TF1, Martin Bouygues. A ingerência do Chefe de Estado na remoção do âncora – algo até hoje inaudito na França – a princípio foi vista com ceticismo pelo próprio PPDA, porque ele não poderia imaginar, segundo teria dito, que o Presidente metesse o seu nariz nesse tipo de coisa. Mutatis mutandis, seria como se um presidente americano solicitasse o afastamento de Walter Cronkite. Como é característica francesa, o affaire não se limita a uma diferença de opiniões. Conforme se veicula, quem assumirá a cadeira de Poivre d’Arvor em setembro (durante os meses do verão boreal na França as férias têm precedência) será a jornalista Laurence Ferrari, que, de acordo com os boatos, já teria se relacionado no passado recente com Nicolas Sarkozy. Tudo isso decerto não há de contribuir para a melhoria das relações da mídia francesa com o atual ocupante do Palácio do Elysée. Ainda a propósito do âncora da TF1, cabe aqui uma nota pessoal. Durante os anos difíceis da minha gestão em Argel, era com prazer que minha esposa e eu acompanhávamos o telejornal das oito, sob a coordenação de Poivre d’Arvor. Profissional discreto, mas não omisso, ele apresentava o noticiário do interesse francês, e não raro entrevistava no curso da transmissão personalidades politicas, do governo e da oposição, incluindo o Primeiro Ministro. Por outro lado, as entrevistas compreendiam igualmente expoentes da cultura e dos negócios, entre outros, ensejando para os telespectadores quadro bastante amplo da sociedade francesa. No onze de setembro de 2001 nos encontrávamos em Paris. Ao ligarmos a televisão do hotel às vinte horas nos coube a surpresa de tomarmos conhecimento do atentado terrorista daquela data, em transmissão sob a direção do sempre objetivo e proficiente Patrick Poivre d’Arvor. Certamente ele fará falta.
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quarta-feira, 18 de junho de 2008
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