O Suplemento Mais! da Folha de São Paulo deste domingo, 22 de junho, dedica a sua matéria de capa a uma ‘enquête’ feita pelo jornal “com 30 dos principais críticos e escritores brasileiros” no ano do centenário da morte de Machado de Assis e do centenário do nascimento de Guimarães Rosa. Segundo a dita pesquisa, Machado teria derrotado a Guimarães Rosa por um placar de onze votos a dois.
Se se pode compreender, ao ensejo da coincidência de datas, o interesse jornalístico em promover essa suposta eleição do maior escritor brasileiro, caberia perguntar se (I) este gênero de procedimento pode pretender alguma credibilidade e (II) como corolário do anterior, se tal espécie de juízo pode ter alguma validade objetiva.
(I) Tanto Machado de Assis quanto Guimarães Rosa integraram a Academia Brasileira de Letras, o primeiro como proponente de sua criação, a partir do modelo francês, e o segundo, cerca de seis décadas depois, por ambição de lograr o galardão de participar do colegiado. O fato de terem sido membros da Academia – Guimarães Rosa postergou por um ano a sua posse, fundamentadamente temeroso do efeito sobre o seu coração – acrescenta por acaso um iota ao respectivo conceito como escritores ? É forçoso responder pela negativa, e por uma série de razões que semelha penoso explicitar.
Se pertencer a um colégio de ditos ‘imortais’ não semelha apropriado ou pertinente para reforçar uma eventual candidatura , o que dizer de um grupo de notáveis escolhidos subjetivamente pela editoria da Folha? Convém frisar que não se contesta este ou aquele nome, mas sim o critério de selecionar por inevitável arbítrio um número determinado e constituí-lo como responsável pela escolha. Esse processo não difere de outros, ritualmente empregados pela mídia, e a seleção dos eventuais premiados estará sempre sujeita a restrições, seja pelo número de eleitores, seja pelo universo da escolha.
( II) Se a literatura não é a competição que parece para alguns, será conseqüência inelutável não atribuir validade objetiva a tais classificações ad hoc. Não se discute a respeito do valor de Machado de Assis e Guimarães Rosa, entre muitos outros. Na própria ironia, eles sorririam dessa tentativa de estabelecer quem é o primeiro e quem é o segundo. Pois além de atentarem para os caprichos da musa, eles não ignoram que se acham sob a jurisdição do deus Cronos. Se há limites na determinação da qualidade literária respectiva, não os haverá na paixão e nas preferências dos anos, das estações e dos séculos. Tudo o mais será nonada.
domingo, 22 de junho de 2008
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Um comentário:
Se Machado e Rosa se achavam sob o deus Chronos, a Folha e seus leitores estão sob a libertária tirania do titã Cronos e precisam a cada dia castrar suas referências culturais e intelectuais. Que melhor forma de fazê-lo do que tornar sua qualidade mensurável e comparável, como se fosse expressão de uma estética absoluta. Há que se encher um jornal por dia, e não faltam pessoas para ler.
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