No momento em que novos casos de Covid-19 lotam os hospitais (públicos e privados), em nosso país, observa-se mudança no perfil dos pacientes nas UTIs. É um momento em que chegam pessoas mais jovens (entre 30 e 50 anos), e sem embargo mais graves, demandando mais tempo de terapia intensiva.
A médica intensivista Suzana Lobo, presidente da Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira) relata que até bem pouco a relação era de dois pacientes nas enfermarias para um na UTI. "Agora isso está invertendo em muitos locais. Sugere internações mais tardias, com pacientes mais graves. Talvez por confiança nesses ditos tratamentos precoces, que a gente sabe que não funcionam."
No Hospital de Base de São José do Rio Preto (SP), onde Lobo dirige o centro de terapia intensiva, na sexta 26 havia 121 pacientes de Covid na UTI e 88 na enfermaria. Há um mês, no dia 25 de janeiro, eram 113 na enfermaria e 96 na UTI.
Ainda não há dados gerais consolidados que expliquem essa mudança de perfil dos pacientes e da doença. Entre as hipóteses estão maior exposição ao virus dos mais jovens (festas carnavalescas), demora em ir para o hospital, circulação de novas variantes do coronavirus, demora e ir para o hospital e mais uso de recursos terapêuticos de longa duração.
Segundo o intensivista Ederlon Rezende, chefe da \UTI de adultos : "Há uma clara percepção nas últimas semanas de que o perfil mudou. No nosso serviço, os pacientes mais jovens e mais graves têm sido uma constante na UTI". O infectologista David Uip, do Sírio Libanês, declara que na prática clínica o tempo médio de internação dos seus pacientes com Covid-19 na UTI passou de treze para dezessete dias, e a média de idade caíu dez anos.
"Antes víamos muito mais pacientes agudizados de 60 para cima, agora estamos vendo de 50, mas também ainda mais jovens. Eu internei um estudante de medicina de 22 anos. Tivemos duas meninas de 36 anos na UTI. Todos saíram vivos", diz Uip.
A cardiologista e intensivista Ludhmila Hajjar, professora da USP e médica do InCor tem a mesma percepção. "Estou com pacientes jovens, de 30, 30 e poucos anos, internado, intubados. Isso a gente não via antes nesse volume. É paciente de Manaus, de Mato Grosso, de Rondônia, de Brasília, de São Paulo", diz.
Na sua experiência, o tempo de permanência desses pacientes em UTI também mudou. Em 2020, era de até catorze dias, em média, agora está batendo em vinte dias.
O médico intensivista Cristiano Augusto Franke, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre é outro que que observa uma mudança de perfil dos internados na terapia intensiva.
"É claro que ainda temos pessoas mais idosas, mas antes não víamos tantos jovens sem comorbidades chegando muito graves e com um tempo de internação prolongado. Isso tem estrangulado o sistema. Estamos com as UTIs lotadas".
Segundo Suzana Lobo, relatos assim têm chegado de várias partes do país, embora também haja serviços que ainda não registraram mudanças no perfil de pacientes. "Mais jovem e mais graves é uma percepção generalizada, já o período de permanência tem variado. Vamos precisar de mais tempo para ter um dado global", declara Suzana.
De acordo com ela, há muita variabilidade regional e diferentes estruturas de UTIs. Agora, com a circulação das novas variantes, será preciso avaliar se elas além do potencial de maior transmissibilidade, vão influenciar no maior tempo de internação.
Nesse contexto, o intensivista Felipe Bittencourt, do Hospital Guadalupe, de Belém, v.g., diz que ainda não houve mudança no perfil de pacientes atendidos. Os mais jovens abaixo de 60 anos representam hoje 28,3% dos internados na UTI.
"Mas é possível que seja apenas uma questão de tempo e de volume de pacientes. Desde o início da pandemia, estamos trabalhando com uma espécie de "delay" epidemiológico, em que a realidade dos serviços e centros de maior volume torna-se a nossa realidade em questão de duas a três semanas", declara.
Para Uip, essa mudança no tempo de permanência na UTI pode ser reflexo de um maior aprendizado, que envolve mais possibilidades de recursos terapêuticos e, portanto uma alta mais tardia.
( Fonte: Folha de S. Paulo )
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