Sem dúvida, a história pode ser um parque de horrores, em que a apregoada falta de sentido, chega a ficar em segundo plano, diante de crimes que a diplomacia multinacional vem nos anos mais próximos batalhando para coibir e mesmo punir. O livro de David Scheffer – All the Missing Souls [1]– é, em certo sentido, uma apreciação do caminho percorrido no esforço supranacional da formação de tribunais internacionais para os crimes de guerra.
Se o Tribunal Penal Internacional (TPI) aí está, mais do que a sua existência jurídica, ainda pende de necessária reformulação a condicionalidade de sua intervenção, hoje submetida ao Diktat dos membros permanentes do Conselho de Segurança.
Aqui não aprofundarei esse domínio de caça que foi adrede inserido nas prerrogativas do órgão diretor da Nações Unidas, para agilizar o acesso da então União Soviética, com Jozef Stalin à frente, na novel Organização, que vinha suceder a desmoralizada Liga das Nações. Os cinco membros permanentes (Estados Unidos, URSS, China, Reino Unido e França) têm a unilateral faculdade de anular qualquer resolução do Conselho de Segurança. Sem o placet de tais membros (de que são sucessores a Federação Russa e a República Popular da China), de nada valerá o texto de disposição apoiado pela maioria de seus membros.
O atual veto – de que tanto se valem os membros permanentes – ontologicamente tem a mesma carga deletéria, anômica e antidemocrática que o antigo direito de que singularmente se arrogava qualquer membro da Dieta Polonesa. Nada melhor para inviabilizar o Reino da Polônia e tornar-lhe inelutável a desaparição por sucessivas partilhas, ex vi das grandes potências limítrofes da época, do que esse anacrônico recurso. Tanto quanto o lamentável e anterior exemplo, está fadado o atual veto de que se valem os presentes membros permanentes a ser consumido pela sua própria iniquidade.
Se surpreende decerto a sua longa sobrevida, não resta dúvida que os vícios redibitórios da citada norma a condenam para a lata de lixo da História. Sem embargo, a luta pela liberdade e a igualdade não é empresa fácil, como os seculares anais aí estão para demonstrar. Se resta a certeza do desfecho, a batalha ainda está envolta nas nuvens. Não importa, porque o cinzel da progressão da paz e da justiça costuma intervir sob o compasso não só da persistência e do denodo, mas também dos caprichos da deusa Fortuna, com a súbita irrupção do imprevisto, de que é rica a crônica da Humanidade.
De forma indubitável, o procedimento da Federação Russa e de seu acólito chinês, a par de tornar desigual a empresa do povo sírio contra o déspota Bashar, também cria condições pelo seu desrespeito ao princípio paritário na guerra civil a progressivamente debilitar-lhe esse aporte a-ético.
A desenvoltura do regime alauíta de al-Assad semelha ignorar o seu inexorável enquadramento no direito penal internacional. O direito de asilo – essa instituição latino-americana, cujas origens remontam ao refúgio nos templos dos deuses da antiga Hellás - é uma vestimenta a ser envergada pela vítima de perseguições, e não por algozes, como o general Bashir, do Sudão, e pelo presente ditador sírio.
Outros acontecimentos interessantes – no seu sentido chinês – assombraram o mundo, como uma nova onda de protestos islâmicos motivada por choques culturais que refletem posturas antagônicas, no que tange ao embate entre o próprio credo e a liberdade de expressão. Infelizmente, nessas contendas há muitas vítimas inocentes, enquanto perduram pesadas dúvidas sobre v.g. a motivação e os reais propósitos de um vídeo que parece levar a extremos o voltairiano direito de manifestação.
Ainda no campo dos anacronismos, a crise sino-japonesa, com violentas manifestações da população chinesa – sob as aparentes benignas vistas de Beijing – contra velhos diferendos do imperialismo japonês das primeiras décadas do século vinte, levantam mais indagações do que respostas acerca do objetivo das depredações de empresas nipônicas no Império do Meio, a par de um inquietante brandir de braços navais da movimentação reivindicatória. Os vizinhos da China vem sentindo posturas reminiscentes das canhoneiras das grandes potências de outrora para que não se descortinem no episódio preocupações, a par de oportuna recomendação de moderação (restraint) de parte do visitante Secretário de Defesa dos EUA, Leon Panetta.
E o que dizer da campanha presidencial americana ? Mais um video veio fisgar o candidato republicano Mitt Romney. A gaffe é colossal, além da evidenciada insensibilidade e, por que não dizer, limitação mental do ex-governador de Massachusetts. Esse tipo de indiscrição involuntária (V. dicionário Houaiss) é uma penosa característica dos Romney. Seu pai, George W. Romney, um homem íntegro, teve de renunciar à própria pré-candidatura a presidente, quando nos anos sessenta, foi pilhado na admissão pouco lisonjeira de que tinha sofrido virtual lavagem cerebral (brainwashed) pelos generais norte-americanos no Vietnam. O tropeço do pai – como um sério pretendente à presidência estadunidense pode confessar-se enganado pelos militares ? – ora é de certa forma repetido pelo filho, que trata com menosprezo 47% da população dos EUA – que votariam sempre com o presidente. A linguagem do candidato do GOP – assim como as suas esdrúxulas posturas sobre o povo palestino, tiveram um efeito ironicamente bipartidista, eis que as palavras de censura foram compartilhadas por colunistas conservadores e liberais.
Pela própria fragilidade intelectual, Romney tem agido como um eficaz agente da candidatura democrata de Barack Obama. Posto que a eleição ainda se prefigura como apertada, os efeitos das declarações de Mitt Romney lançam sentimento de desânimo nas hostes republicanas, assim como tornam ainda mais precárias as chances nos embates em estados havidos como chave pela sua imprevisibilidade para o cômputo final dos votos indiretos.
Se os partidários de Romney insistem sobre a importância da economia para a determinação do vencedor (na sua esperança de que o americano comum culpe Obama por gestão pouco eficiente da grande recessão), o candidado do GOP, com as suas gafes e impropriedades, lança, entre outras dúvidas, no eleitor a insegurança de como alguém tão pouco preparado para a diplomacia e de reiterado menosprezo para cerca de metade da população pode aspirar a ser um presidente para todos os americanos ?
De resto, não foi à toa que o presidente Obama, quase en passant, assinalou que é e continuará a ser um presidente para todos os americanos.
( Fontes: Le Monde, International Herald Tribune, CNN
)
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