quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Perspectivas das Eleições Americanas

As próximas eleições legislativas nos Estados Unidos, em que se renova a totalidade da Câmara dos Representantes e um terço do Senado, são vistas com preocupação pelo Partido Democrata.
Em função de uma série de fatores, a popularidade do Presidente Barack Obama está em torno de 44% em termos de aprovação. Parece à primeira vista paradoxal que Obama esteja em minoria nas prévias, levando-se em conta as duas grandes reformas que logrou fazer votar pelo Congresso, e que foram por ele sancionadas. Reporto-me à Reforma geral da saúde e a Reforma financeira.
No entanto, a circunstância de que a reforma da saúde repercutirá de forma não imediata para o cidadão estadunidense – V. a propósito os meus dois blogs[1] sobre o seu significado postados recentemente – e a extensão da campanha de desinformação conduzida pela direita americana, a Administração Obama não tem conseguido passar a própria mensagem para o público em geral.
Se tal fato causa espécie – não terá Obama vencido as primárias e as eleições através de habilíssima utilização dos novos meios de comunicação ? -, será forçoso, no entanto, reconhecer que até pouco tempo atrás o Presidente evidenciava um certo inegável distanciamento do homem da rua americano, que se traduzia em impressões pouco favoráveis acerca do primeiro mandatário.
A direita e a extrema-direita americana dispõem de órgãos de comunicação (V. a rede Fox e toda a cadeia sob o controle de Rupert Murdoch) que se dedicam a campanha sistemática de ataques aos democratas e sobretudo a Obama. Quase todas as águas movimentam o seu moinho, e a retórica populista de Rush Limbaugh e Glenn Beck não há de enjeitar eventual recurso à deturpação e desinformação.
Por outro lado, a atitude monolítica do Partido Republicano, em ambas Casas do Congresso, desfez qualquer possibilidade de possível bipartidarismo, como Obama terá acreditado, consoante alguns de forma um tanto ingênua. À primeira vista, semelha, no entanto, difícil aceitar que o G.O.P. rejeite, por princípio, qualquer possibilidade de acordo com os democratas naqueles grandes temas de concertação nacional, tendo presente se tratarem de disposições que atendem a manifesto interesse geral.
A progressiva radicalização do processo, contudo – a ala moderada no Partido Republicano é um amedrontado e minúsculo remanescente, à beira da extinção – vem condicionando tal postura de confrontação, de que a votação da Reforma da Saúde (com nenhum sufrágio favorável dos republicanos) veio dar triste e irrefutável confirmação.
O conhecido dito atribuído ao Dr.Goebbels que daria foros de verdade a mentiras repetidas incessantemente tem conseguido incutir no americano médio concepções abstrusas. Nesses termos, recente pesquisa determinou estarem convencidos 55% da opinião pública que Barack Obama é ... um socialista. Tenha-se em mente que ‘socialismo’ é uma espécie de bicho papão para grande número de americanos, associada esta ideologia – na forma deformada e obscurecida em que é apresentada – a tudo o que se imaginar possa de totalitário e ‘antiamericano’.
Há outros dois fatores que trabalham em prol do desígnio da direita e dos republicanos de solapar o apoio popular a Obama. Se o vazamento de petróleo no Golfo do México não pode ser comparado, em termos políticos, ao chamado efeito ‘Katrina’ sobre o seu antecessor, George W. Bush, tampouco a reação do atual Presidente transmitiu ao homem comum imagem de administrador alerta e enérgico. A despeito dos respectivos iterados deslocamentos à área do desastre ecológico, Obama ficou aquém de o que se esperava, em matéria de dinamismo e da desejada severidade no que concerne ao comportamento da B.P.
O segundo elemento negativo está na corrente recessão e na amplitude do consequente desemprego. Há duas circunstâncias que repercutem negativamente nas perspectivas eleitorais dos presidentes. O fato de não transmitir impressão de autoridade (o que inviabilizou a reeleição de Jimmy Carter, em 1980), ou não ser considerado competente para lidar com o desemprego (o que derrotou George Bush sênior, em 1992).
Obama tem procurado reagir contra a ameaça de que a crise financeira, herdada de George Bush júnior, se eternize em seus efeitos, em um cenário japonês de estagnação, de continuada recessão e desemprego. Há pouco o presidente anunciou projeto keynesiano de injetar US$ 50 bilhões na economia americana, para criar mais empregos. Posto que o G.O.P. tudo fará para dificultar-lhe a aprovação pelo Congresso, a iniciativa foi saudada por muitos como meritória, dando a Obama imagem mais pró-ativa, que só tenderá a favorecer a posição dos democratas.
Outro vetor que poderá, a contrario sensu, favorecer alguns congressistas democratas, cuja reeleição em novembro esteja ameaçada, será ironicamente o eventual crescimento do Tea Party. Em duas primárias desta semana, dois representantes desse movimento de extrema-direita americana venceram os indicados pelo Partido Republicano. Este fenômeno de radicalização – produto muitas vezes da milionária beneficência de alguns magnatas da indústria – tenderá a enfraquecer a direita republicana, seja por escolher para a eleição de novembro um representante que pelo seu extremismo reúna menos condições de vencer, seja por dividir a direita (com a oposição representada por dois candidatos), o que igualmente ajudaria o indicado pelos democratas.
Não resta dúvida que esse efeito perverso não seria determinante para assegurar a manutenção da maioria na Câmara de Representantes – a Casa em que são maiores as possibilidades do G.O.P. de vencer – e no Senado, mas, no conjunto do quadro, com outras melhoras alhures – com, v.g., o reaparecimento do Obama de sua exitosa campanha presidencial -, este açodamento do Tea Party e dos seus ricos promotores funcionará como um vetor de desagregação da direita, causada paradoxalmente pelo voluntarismo dos seus instigadores e principais – nem sempre ostensivos – grandes contribuintes.

[1] O Significado da Reforma da Saúde Americana (I e II, postados a 5 e 9 de setembro corrente).

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