quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Da Importância da Ética na Política

Não é por acaso que a Política, em Aristóteles, é tratada como uma sequência da Ética. Os preceitos desta última, se concernem ao indivíduo nas suas relações familiares e sociais, devem igualmente informar, no que couber, a boa política, tanto no que respeita aos meios quanto aos fins.
O que assistimos neste deplorável episódio das violações de sigilo fiscal é mais uma demonstração do pouco ou nenhum apreço que muitos políticos têm para com práticas conformes aos mais elementares princípios de respeito mútuo, assim como de ater-se às mais comezinhas normas de lealdade recíproca e de obediência a regras gerais, tanto legais, quanto consuetudinárias, no exercício do respectivo mister.
Até mesmo em bandos de facínoras deparamos um mínimo de atenção, com certos tabus e tácitas proibições. Por certo que não o fazem movidos por normas morais, mas por interesse egoístico de preservar um resquício de ordem, que possa facilitar-lhes composições ou acertos futuros.
Dentro de sua pobreza conceitual, a nossa máxima autoridade possui acendrado senso político. A meu ver, não terá ele, neste momento histórico, personalidades brasileiras que em tal sentido se lhe equiparem.
Dos Fatos. Após intentos das autoridades da Receita Federal de reduzir, omitir e distorcer as graves irregularidades registadas na delegacia de Mauá, no ABC paulista, o mais recente desenvolvimento – o vazamento em Santo André das declarações de Verônica Serra – tornou insustentável a posição dos representantes da Receita, exposta inclusive a falsidade da suposta procuração que fora a princípio invocada como corroborando a autorização da filha de José Serra ao procedimento. O nome de Verônica, veio a somar-se aos três outros (Eduardo Jorge,Luiz Carlos Mendonça de Barros e Ricardo Sérgio de Oliveira exerceram cargos importantes sob FHC) e, sem dúvida, na pletórica produção de Mauá (140 sigilos fiscais invadidos) haverá mais gente atingida por esse ‘balcão de negócios’.
Das Suspeitas. Uma vez mais comparece a máxima cui prodest. Além do inquietante laxismo que permitiu tão larga invasão da privacidade de tantos cidadãos, não é crível à luz da lógica mais elementar que as responsáveis pelo escândalo seja as quatro servidoras investigadas – Antonia Aparecida Neves, Adeildda Ferreira, Ana Maria Caroto e Lúcia de Fátima Milan – a par do agenciador e contador Antonio Carlos Atella Ferreira. Este último já foi condenado duas vezes, teve quatro CPFs [1]cancelados, e coleciona 16 processos na Justiça, dos quais seis na área penal. As invasões de sigilo ocorreram em agosto e setembro de 2009. Nem as servidoras, nem Atella Ferreira, o Carlão, têm perfil que os apresente como autores responsáveis. O intermediário diz haver ‘terceirizado’ o serviço, por suposta encomenda de um advogado, cujo nome não revelou. Todos essas individualidades menores, auxiliares no delito, só tendem a realçar a manifesta falta de um mandante, responsável pela realização dos atos criminosos. O número de personalidades atingidas pelas invasões fiscais, e ligadas com o então governador de São Paulo e virtual candidato José Serra, como referidas acima, torna bastante problemática – história da carochinha, nas recentes palavras de Serra – a manobra[2] de desvincular tais ações de algum inconfesso escopo de montar dossiê contra Serra.
Da estratégia do Governo em blindar Dilma Rousseff. Causou estranheza a recusa do Ministro Guido Mantega, a que está subordinado o Secretário Otacílio Cartaxo. Mantega não só se negou a vir a público sobre a matéria, como logrou ter derrubada a convocação à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, para explicar as quebras de sigilo fiscal. A própria candidata Marina Silva (PV) criticou Mantega por essa omissão.
Neste contexto, é importante relembrar a denominação dada pelo Presidente Lula aos elementos detidos, em 2006, pela Polícia Federal ao tentar comprar um alegado dossiê contra os candidatos Alckmin (à presidência) e Serra (a governador). Lula os apodou de ‘aloprados’, hábil designação que sublinhava a um tempo o contrassenso da empreitada e a falta de peso político e, por conseguinte, de importância dos meliantes colhidos flagrante delicto. Assim como a designação faceciosa do episódio contribuíu para que fosse banalizado, Lula já se empenha em controlar os efeitos do presente caso, que definiu de “bandidagem”.
Ainda nesse sentido, de acordo com noticiário do Estadão, o presidente orientou a candidata Dilma Rousseff a não entrar na polêmica envolvendo a quebra de sigilo fiscal dos tucanos (Dilma se referira anteriormente a ‘factóides’ da campanha de Serra). Sempre consoante o mesmo órgão, o deputado Antonio Palocci e o Presidente do PT, José Eduardo Dutra, coordenadores da campanha, participaram do café com Lula e Dilma. Na avaliação do presidente, o comitê de Dilma precisa proteger a candidata da tentativa de José Serra de associá-la à violação dos dados.
Em tal sentido, a direção do PT, por haver Serra implicado Dilma, anunciou processo contra o candidato do PSDB. Já a candidata Dilma Rousseff, demonstrando tensão e aparentando indignação, segundo O Globo, acusou seu adversário José Serra de usar “calúnias”e “leviandades” para influir no rumo da disputa presidencial. E acrescentou ela: “sou a maior interessada na apuração.”
Sem embargo, obedecendo ao conselho presidencial, Dilma nos seus ulteriores contatos com jornalistas – ao ensejo da visita do Presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos – contornou as seguidas indagações dos repórteres sobre a crise.
Da Evolução da Crise. Armando Falcão, ministro da Justiça de Juscelino Kubitschek e depois, de novo ministro da Justiça – porém em cenário político modificado, eis que em plena ditadura militar – costumava dizer que o futuro a Deus pertence. Dessarte, na cacofonia das declarações e das ações anunciadas – como o pedido de renúncia do Secretário Cartaxo pelo presidente Sérgio Guerra, do PSDB, e a representação no Tribunal Superior Eleitoral pela coligação PSDB-DEM e PPS contra Dilma Rousseff, de que pede a inelegibilidade (por abuso de poder político e uso da estrutura do Estado para fins eleitorais no caso da violação dos sigilos) – não se afigura, por ora, possível antever como evoluirá o quadro político.
O senso político do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderá mais uma vez prevalecer. Nada impede que o escândalo seja intitulado como o da bandidagem, posto que forçoso seja admitir que o cognome de 2006 produzia mais impacto. Quanto às consequências políticas, e não se podendo excluir, dentro da tradição das crises, novas e inesperadas revelações, semelha, a fortiori, ainda demasiado cedo para aventurar prognósticos acerca de eventuais influências determinantes na evolução do embate entre os dois principais candidatos. De qualquer forma, sem que os partícipes disso estejam conscientes, tampouco se poderia excluir que as lições do Estagirita[3], como enunciadas no intróito deste artigo, tenham alguma pertinência para a avaliação definitiva da crise.

( Fontes: O Estado de S.Paulo, Folha de S. Paulo e O Globo )

[1] Conhecidos tais detalhes, desmoronou a tentativa da Receita de atribuir à vítima, Veronica Serra, a abertura do próprio sigilo fiscal.
[2] ensaiada em conferência de imprensa pela direção da Receita : ‘balcão de negócios’.
[3] gentílico de Aristóteles, filósofo (384-322 a.C.)

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