Na quinta-feira passada, dia cinco de fevereiro, o Supremo Tribunal Federal, por sete votos a quatro permitiu que réus já condenados continuem em liberdade até se esgotarem todas as possibilidades de recurso judicial.
Esta decisão provocou onda de protestos que vai da opinião pública até associações da corporação judiciária, com a única exceção da Ordem dos Advogados do Brasil.
Em primeiro lugar, acredito relevante que se procure entender o que significa este princípio jurídico, apanágio da jurisprudência de tantos países civilizados. A presunção da inocência do réu é um princípio do estado democrático, que se propõe salvaguardar os direitos básicos de cidadãos ou súditos, dadas as práticas de regimes ditatoriais (ou assemelhados) no passado (e no presente) que, partindo do pressuposto contrário (i.e., da culpa do acusado), se arrogavam todos os direitos, nada concedendo ao particular, submetido aos abusos do arbítrio.
Daí, nos estados democráticos, surgiu o principio da presunção da inocência. Tenha-se presente que é um princípio dentre muitos outros, cujo escopo precípuo é de facultar ao acusado os meios necessários para a sua defesa. Não se pode confundir o significado deste axioma jurídico, que é, repito, assegurar amplas condições de defesa ao réu. É uma conquista essencial do direito, mas não pode ser interpretada de forma a que tal princípio sobreleve aos demais, e que venha a significar, por conseguinte, não mais apenas um princípio mas na verdade um fim do processo judiciário.
Lamentavelmente, ao invés de o que possa parecer à primeira vista, essa verificação não é um simples raciocínio ad absurdum, eis que representa a constatação do absurdo erigido em objetivo-fim da atividade judiciária.
Explico-me. A atual maioria no S.T.F., ao hipervalorizar a presunção de inocência semelha menoscabar o princípio aristotélico do meio termo, pendendo para as posições eivadas de absolutismo e intolerância de Platão, como se lê em partes da República e notadamente nas Leis. Não, meu caro leitor, esta minha asserção não é paradoxo. De resto, tal decisão do Supremo tampouco é isolada. O Tribunal Superior Eleitoral, presidido por Ministro do Supremo, potencializou o princípio da presunção na mesma linha adotada pelo STF, com o virtual esvaziamento dos crimes eleitorais, eis que aos réus (em muitos dos casos autoridades coatoras que flagrantemente intentaram fraudar o processo eleitoral) também é outorgado o benefício da dúvida infinita, com a sua consequente manutenção no cargo eletivo, a despeito das evidências e sentenças em contrário.
Porque acoimo a atual maioria do Supremo de vincular-se a filosofia de ranço autoritário, quando aparentemente os preclaros Ministros se reputam liberais ? Em virtude de razão muito singela. Se se desvirtua um princípio basilar do direito, a ponto de transformá-lo na negação do direito, o que pode redundar de uma decisão desse quilate será que, junto com a água se jogue igualmente o bebê. Em outras palavras, no futuro a reação do Povo a essa forma peculiar de justiça venha a desconhecer dos direitos a que todo réu faz jus. Com a água da barrela, perderíamos igualmente o princípio enquanto válido para que o acusado possa defender-se.
Sociologicamente talvez seja compreensível o mundo caótico do sistema jurídico nacional, porque corresponde às tendências anômicas ora tão presentes na sociedade brasileira. Há diversas coisas que, mesmo para um bacharel como eu, que seguiu a carreira da diplomacia (e portanto da tentativa de entender a diferença do Outro na ótica da Paz), são difíceis de compreender.
Em um país no qual a Justiça é considerada morosa, em que não há quase limites para a procrastinação dos processos, por força de engenhosos recursos de hábeis advogados, e em que assistimos à aplicação por Ministros do STF de duas interpretações opostas do princípio da presunção de inocência (na prática, absoluta em um caso de alegado crime fazendário, e denegada em outro, de crime comum), caberia, data venia, a pergunta: tudo isso ocorre por que a nossa Justiça é um mundo estanque e soberano, numa visão extrema da Constituição Cidadã ?
A resposta é obviamente não. Decerto, ela tem a sua parte de responsabilidade, mas aspectos claramente disfuncionais - como o da permissividade na utilização irrestrita dos recursos processuais – se baseiam em normas legais defasadas, que só persistem pela inação dos Poderes Legislativo e Executivo.
Ao vermos tantas boas intenções aplicadas em pavimentar estrada que não levará decerto ao melhor dos mundos, contrariando os presumíveis propósitos de seus idealizadores, valho-me de uma prerrogativa de observador – que tantos anos exerci por dever de ofício – para sinalizar sentimento que acredito difuso na sociedade brasileira.
O Brasil tem uma história rica de grandes líderes, como o Regente Feijó, arrostando a desordem do interregno, Pedro II, um homem sábio e verdadeiro democrata, a ponto de aceitar a ingratidão de seus súditos, o Visconde de Mauá, empresário cercado pela monocultura, o Conselheiro José Antonio Saraiva, ave de voo baixo mas de pouso certo, o Barão do Rio Branco, Getúlio Vargas e a transformação do Brasil, Sobral Pinto, em que a honradez e a coragem se uniam, e por fim Juscelino Kubitschek, em que o homem cordial, o político e o visionário são facetas de uma personalidade de escol.
A vocação nacional do Brasil, por tudo que representa e pela plêiade passada – de que foram escolhidos alguns, mas outros mais também poderiam ser chamados – nos deve dar alento para que esse período de incertezas e de descrença venha a ser breve superado por pessoas cujo compromisso com a grandeza não lhes faça esquecer os ditames do bom senso.
sábado, 7 de fevereiro de 2009
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