Na terça-feira, 24 de fevereiro, o Presidente Obama pronunciou perante o Congresso o seu primeiro discurso do Estado da União. A despeito da crise financeira internacional e da recessão nos Estados Unidos, assistir a tal espetáculo já é participar de um inegável contentamento e de grande satisfação.
O contentamento surge como um fenômeno espontâneo, ao contemplar-se o quadro icônico que este State of the Union fornece: vemos Barack Obama e um pouco atrás o Vice-Presidente Joe Biden, na sua qualidade de Presidente do Senado, e a Representante Nancy Pelosi, como Presidente (Speaker) da Casa de Representantes. É a reificação da vontade popular, manifestada na última eleição, e, o que talvez seja mais importante, é o desaparecimento público de George W. Bush e de seu Vice-Presidente (muitos diriam co-Presidente), Dick Cheney. A então presença de Nancy Pelosi era apenas o bom augúrio de o que estava por vir.
Desse contentamento participa a grande maioria do povo americano, e não só democratas, mas também muitos republicanos, a que decerto confrangia se verem representados por uma dupla em que a esperteza da mediocridade presidencial se alinhava ao reacionarismo vice-presidencial, militante, entranhado e soturno.
Quanto à satisfação, semelha relevante assinalar-lhe o caráter intelectual. Ao espectador cabe presenciar que a mensagem do candidato Obama, com sua ênfase na mudança (change) não só se confirma na fala do novel Presidente, como se estrutura em seus artigos mais marcantes. Também aqui o contraste com o antecessor é enorme e em certos aspectos chega a ser quase constrangedor. E a pergunta que há de confrontar o eleitorado - como se permitiu que a mais alta curul ficasse à deriva por oito anos ? – não há de desaparecer enquanto os seus desastrosos efeitos inda perdurarem.
Diante de um tal enquadramento, contentamento e satisfação têm menos a ver com o júbilo dos vencedores do que com a conscientização – que se ía registrando a cada frase, a cada parágrafo da alocução – de que a visão, debuxada nas primárias, e ampliada nos debates e nos discursos que antecederam à eleição de novembro, ora se confirma na sua pertinência, inteligência, espírito inovador e na própria coragem. São conhecidas as qualidades de Obama – aqueles que as ignoraram ou menosprezaram morderam a acre poeira da derrota – e vê-las agora refletir-se nas linhas do discurso, só faz aumentar a certeza no seu próprio desenvolvimento, que será a consecução dos objetivos programáticos da nova Presidência.
Há uma nítida separação entre os que gostaram e os que não gostaram do pronunciamento. Dentre esses últimos, avulta Wall Street, que apreciaria, segundo foi declarado, que o Presidente tivesse sido mais específico no que tange ao mercado financeiro e à crise. A má-fé se serve de muitos argumentos, as mais das vezes apenas para encobrir o respectivo e inconfessável interesse. Surpreende, no entanto, que pressuponha indicações pormenorizadas em uma intervenção que não pode ser mais do que um quadro sinótico das grandes diretivas presidenciais.
Obama começa o seu governo com terrível herança, em um cenário que só admite comparação com a posse de Franklin Delano Roosevelt, em 1933. O seu predecessor, o republicano Herbert Hoover, era um homem capaz e respeitado, e, não obstante, teria a administração marcada na história por ser arrastada e vencida por uma crise a que não logrou sequer entender, quanto mais enfrentar. Não há negar que George W. Bush, talvez o pior presidente da história americana, deixa legado que é difícil aferrar em um par de adjetivos. Ao invés do superavit que recebeu do governo de Bill Clinton, Bush repassa a Obama um deficit de um trilhão de dólares, uma guerra desavisada e ruinosa, uma portentosa crise financeira, imagem internacional manchada pela tortura e o desrespeito dos tratados internacionais,etc.etc.
O Presidente Obama, que já mostra na cabeça as cãs prematuras dos imensos fardos do poder, está não só à altura do desafio, mas também desvela na oração que as suas metas não se limitam a reparar os estragos que a cupidez e a incompetência disseminaram. Em meio às restrições orçamentárias, causadas pelo deficit, a recessão – com o seu triste cortejo do desemprego, da penúria, e das inquietudes sociais – e last but not least a crise da finança e da indústria (o espectro do Banco Lehmann Brothers a rondar o Citibank e o Bank of America, as grandes montadoras como GM e Chrysler com a concordata às portas), Obama prometeu não apenas a recuperação – em ambiente saneado por agências regulamentadoras responsáveis e com executivos com outros parâmetros de responsabilidade – senão acenou a três áreas determinantes – educação, saúde e energia – que pretende acionar e inovar. São janelas abertas para o futuro, que mostram cenários já bosquejados durante a campanha eleitoral.
Na noite da grande crise, em que todos – como assinalou o Presidente – serão forçados a sacrificar as respectivas prioridades, ele apontou com decisão os domínios que mesmo em tempos adversos não lhe parecem suscetíveis de uma benigna negligência.
Cinquenta e três vezes foi o discurso interrompido por aplausos. Em muitas oportunidades, às palmas se sucederam aclamações de pé. Se o número dos que se manifestavam se terá por vezes inchado pelo temor de que a própria oposição fosse confundida com falta de patriotismo, poderá ser um bom augúrio para a administração Obama. A popularidade é alimentada pela competência, credibilidade, firmeza e comunicação. Esperemos que lá ela saiba manter-se e traduzir-se, através do apoio de Povo e Congresso, em reformas autênticas, generosas e necessárias.
quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009
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