DOS JORNAIS
O GLOBO (29.07.08) pag. 12
MEC: em 2013, nova ortografia será obrigatória. Minuta de decreto preparada pelo Ministério da Educação, a ser analisada pelos Ministério da Cultura e das Relações Exteriores, antes de seguir para a Casa Civil, estipula que as novas regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa serão obrigatórias no Brasil, em caráter definitivo, a partir de primeiro de janeiro de 2013. Haverá um período de transição: de 2009 a 2012 valerão tanto as normas atuais quanto as novas. O Governo não descarta a possibilidade de fazer consulta pública antes de o Presidente Lula assinar o decreto. Segundo declarou o Ministro Fernando Haddad, da Educação “Temos de ver se afeta o cronograma de alguma entidade. O objetivo é fazer uma transição bem tranqüila.”
Comentário do cidadão. Sempre me perguntei porque o Governo (e a Academia Brasileira de Letras ) gostam tanto de reformas ortográficas. Pretendo debruçar no futuro sobre esse momentoso assunto, mas por minhas modestas contas este é o terceiro acordo ortográfico a ser implementado no Brasil no espaço de uma geração. Mais uma vez, portanto, se confirma aquele antigo dito de que a Europa se curva ante o Brasil. Porque muitos países europeus, decerto não assinalados pela cultura, como Reino Unido, França, Alemanha e Italia, desconhecem totalmente essa prática ! Imaginem as pobres crianças francesas, inglesas, etc. constrangidas a grafarem sempre o mesmo idioma ! Deve ser qualquer coisa a ver com atraso ou subdesenvolvimento cultural ! Felizmente os nossos acadêmicos (e os editores brasileiros e portugueses) pensam grande, com a colaboração de outros públicos, como os de Cabo Verde, Timor Leste, São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique, ao tratarem tempestivamente dessa relevante questão. Uma derradeira dúvida: o Ministro Haddad se manifestou por uma transição tranqüila. Se me permite uma sugestão gráfica, seria preferível uma transição tranquila (eis que o trema está sendo banido).
O GLOBO (idem, pág. 30)
ENGESSADO PELO CAOS FINANCEIRO, VASCO MANTÉM LOPES NO COMANDO – Presidente exime técnico de ser o único culpado pela situação do time.
Comentário vascaíno. Será que dá para compreender a relutância do Sr. Roberto Dinamite em despedir o técnico Antonio Lopes que fora beneficiado pela administração de Eurico Miranda com o pagamento de todos os seus salários, mesmo no caso de ser exonerado, até o final do corrente ano ? São só quatrocentos mil reais... Um dos principais fatores da eleição do líder da oposição fora a situação calamitosa do clube, transformado em pequeno por Eurico Miranda. No passado, quando convidado a retirar-se da tribuna de honra de São Januário, Dinamite ficou com os olhos marejados de lágrimas. Infelizmente, caro Presidente, o senhor foi eleito para encontrar soluções e esta de manter Lopes não parece das mais adequadas. Tem de esquecer que, não sendo mais oposição, e sim direção, tem que mostrar resolução, coragem e inventiva para iniciar a recuperação desta grande equipe do passado. Não adianta torcer as mãos e deixar tudo como está. Podem pensar que o senhor é incompetente. Qual a alternativa ? Permitir que a equipe continue descendo na tabela até o objetivo da entrada na Segundona ?
FOLHA DE S. PAULO (29.07.08) pág. A2
EDITORIAL - A Cartada do Brasil
Itamaraty acerta ao distanciar-se de parceiros tradicionais na tentativa de salvar a liberalização do comércio agrícola. (...) Ao distanciar-se momentaneamente de Índia, China e Argentina, o Itamaraty entendeu, a tempo de tentar salvar Doha, que o jogo de negociações comerciais não pode ser travado com base na rigidez de esquemas político geopolíticos ultrapassados.Quando estão em conflito vários interesses econômicos distintos, o que importa para as alianças é o raciocinio tático, que nem sempre antepõe ricos e pobres.
Comentário do cidadão. As observações sobre negociações diplomáticas são sempre dificeis, por não disporem os não-participantes dos elementos do conhecimento de nossos representantes. Nesta decisão de apoiar a proposta da OMC, o Brasil se dissociou de aliados importantes no chamado G-20 como a Índia e a Argentina. Como potência agrícola, ter-se-á acreditado que os bons ofícios de Lamy (diretor-geral da OMC) são favoráveis aos nossos interesses. Nesse capítulo da Rodada de Doha duas coisas me preocupam: o etanol brasileiro terá melhores condições de entrar na União Européia e nos Estados Unidos ? Ou será que Washington o classificará como ‘produto sensível’ para inviabilizar-lhe a importação ?
A segunda coisa que me inquieta nessa questão não são tanto aqueles que criticam a troca de alianças pela delegação brasileira em Genebra, mas sim as inúmeras vozes que de repente passaram a entoar loas à posição governamental... Nesse contexto, terá alguma importância ter presente o preceito de Mao, de que na avaliação de uma proposta é necessário determinar a identidade de seu autor. Esse cuidado, no entender do líder comunista, deveria anteceder até mesmo a análise do conteúdo da dita proposta...
terça-feira, 29 de julho de 2008
domingo, 27 de julho de 2008
Calçadas Cariocas ( II )
São muitos os personagens que entram em cena nas calçadas cariocas. Freqüentando mais as de Ipanema me restringirei, com poucas exceções, àqueles com que me deparo nas ruas deste bairro. Como a fauna é variegada e a observação deva render-se à atomização do microcosmo, encareço a boa vontade do leitor para a relativa fragmentação que desta realidade há de decorrer.
A bicicleta.As calçadas da Visconde de Piraja são largas, mas tal não significa que sejam seguras. Dentre os riscos que enfrentam, os pedestres são forçados a lidar com uma presença estranha.
Pois de uns tempos para cá, a anomia – que nos afeta a nós brasileiros em alguns aspectos – se tem manifestado na invasão do espaço pedonal pelos ciclistas. Quando renovei a minha carteira de motorista, ao repassar no manual do Detran as informações necessárias para responder às trinta perguntas do teste de atualização, li atônito a assertiva de que os ciclistas estão igualmente sujeitos às leis do trânsito.
É este descompasso entre realidade e discurso que o cidadão carioca (e brasileiro) encontra na interação com o ciclista. Pessoalmente, se nada tenho contra esta atividade, prezo mais a minha incolumidade física. E no que concerne à frase mencionada acima, não me cabe duvidar da intenção do poder público de que os ciclistas estejam também sujeitos ao código de trânsito. No entanto, ou acreditam nos poderes mágicos das declarações oficiais, e nada fazem (o que, no capítulo, parece corresponder aproximadamente à realidade), ou tomem medidas legais e práticas para implementar este suposto desideratum.
Basta andar por nossas calçadas, de que os ciclistas se servem livremente, para verificar que estamos diante de mais um exemplo da inocuidade da referida lei, que parece estar entre as tantas que “não pegaram”, esse bizarro fenômeno sócio-político que atingiria determinadas disposições legais no Brasil.
Não contesto que existam ciclistas que respeitam as disposições do trânsito. Sem embargo, há muitos que usam as calçadas como pistas, em velocidades que desafiam não só a lei, senão ao mínimo respeito que se impõe ter pelos usuários desse espaço pedonal. E para não cansar o leitor não desfiarei exemplos de outras infrações, como não parar no sinal, não observar a mão das ruas, não se deter diante do pedestre que atravessa a faixa, etc.
Se o código de trânsito quer estender o seu controle ao ciclista – como deve, no interesse da maioria – a primeira medida seria reinstituir a plaqueta de identificação. Sem isso e sem agentes encarregados do controle, ficaremos no domínio dos pios – e ineficazes – propósitos.
Crianças e inválidos. Em geral, nas manhãs se vêem nas calçadas carrinhos de crianças e cadeiras de rodas de pessoas idosas com problemas de locomoção. Ambas dependem de outros para rodar nesse espaço. Circulam sobretudo por motivos de saúde, para aproveitar as benesses do sol matinal. Vemos aí extremos que decerto não se confundem, inda que se aproximem na utilização do ar livre e na dependência de auxiliares. Se é bom que assim seja – por mais que confranja o número crescente de idosos inválidos -, caberia uma reflexão incidental sobre a utilização que me parece excessiva de carrinhos para crianças entre três e cinco anos. Pode ser mais cômodo para a mãe, mas está no interesse do(a) menino(a) ser levado para todo lado por carrinhos e não pelas próprias pernas (que afinal carecem de exercício) ?
Os nossos melhores amigos. Aprecio muito cruzar nas ruas com a imensa variedade canina (os gatos semelham estar noutra dimensão), que costumam ser pacíficos e respeitosos do próximo (humano). Sob certos aspectos, nossos irmãos caninos podem ser até mais interessantes do que o homo sapiens sapiens. Enfurnados em apartamentos, os cães mais jovens já sabem que dispõem de pouco tempo para enfronhar-se da passagem dos demais elementos da espécie pelos arredores que acreditam devam ser marcados como seus respectivos domínios - assinale-se, por oportuno, que os cachorros mais velhos têm atitude digamos mais filosófica a respeito. Muita vez, no entanto, os cachorros mais novos são tolhidos nas suas aspirações, eis que os seus donos, empregadas e passeadores profissionais estão com pressa. Por isso, não concedem aos cães as pausas devidas em experiência olfativa, que pelo confinamento em apartamentos e pela impetuosidade da juventude eles fariam por merecer.
Por outro lado, a inventiva de algumas donas de cachorrinhos desafia os limites do previsível, quando não do bom-senso. Já vi uma que os leva a passear em um carrinho de bebê; outra que confeccionou toda uma vestimenta para o que parecia um parente de chihuahua (chapéu de marinheiro, abrigo dorsal, sapatinhos, inclusive polainas); e as muitas que pensam proteger-lhe as patas, com botinhas de meia.
Outro fenômeno que demandaria laudas e não um magro parágrafo é a simbiose entre o dono e o cão. Há exceções, porém desperta atenção a identidade comum entre o animal político e o animal canino. Dessa maneira, tanto em termos de porte, quanto de catadura, as parecenças chegam a ser comoventes.
Personagens especiais. As calçadas cariocas são às vezes palco de desfiles fantásticos. Percorre as ruas de Ipanema como se fossem passarelas uma antiga modelo, que, vestida de branco, e vivendo em outra realidade, desfila em meio às gentes, quiçá ouvindo os aplausos de platéias que lhe admiravam a graça e a beleza. Pode-se igualmente contemplar, em determinadas cercanias, a figura do bêbado da vizinhança, em que se alternam o bom humor, as amistosas inconveniências, e o sono pesado nos limiares de lojas que fecharam as portas.
Na crônica anterior, me reportava de início ao burburinho e ao atropelo das vias da Antigüidade Clássica. Lamentavelmente, o nosso conhecimento estará necessariamente limitado aos parcos trechos dos manuscritos que chegaram até nós. Não obstante, não se afigura improvável que certos personagens – os senhores, os vendedores ambulantes, os mendicantes, os ladrões – continuem presentes, em avatares não de todo diversos.
O que no entanto parece inegável é que as calçadas cariocas (e as ruas) se tornam ainda mais interessantes. Infelizmente, porém, este interessante carece de ser visualizado também no sentido dos chamados ‘tempos interessantes’ da conhecida maldição chinesa.
A bicicleta.As calçadas da Visconde de Piraja são largas, mas tal não significa que sejam seguras. Dentre os riscos que enfrentam, os pedestres são forçados a lidar com uma presença estranha.
Pois de uns tempos para cá, a anomia – que nos afeta a nós brasileiros em alguns aspectos – se tem manifestado na invasão do espaço pedonal pelos ciclistas. Quando renovei a minha carteira de motorista, ao repassar no manual do Detran as informações necessárias para responder às trinta perguntas do teste de atualização, li atônito a assertiva de que os ciclistas estão igualmente sujeitos às leis do trânsito.
É este descompasso entre realidade e discurso que o cidadão carioca (e brasileiro) encontra na interação com o ciclista. Pessoalmente, se nada tenho contra esta atividade, prezo mais a minha incolumidade física. E no que concerne à frase mencionada acima, não me cabe duvidar da intenção do poder público de que os ciclistas estejam também sujeitos ao código de trânsito. No entanto, ou acreditam nos poderes mágicos das declarações oficiais, e nada fazem (o que, no capítulo, parece corresponder aproximadamente à realidade), ou tomem medidas legais e práticas para implementar este suposto desideratum.
Basta andar por nossas calçadas, de que os ciclistas se servem livremente, para verificar que estamos diante de mais um exemplo da inocuidade da referida lei, que parece estar entre as tantas que “não pegaram”, esse bizarro fenômeno sócio-político que atingiria determinadas disposições legais no Brasil.
Não contesto que existam ciclistas que respeitam as disposições do trânsito. Sem embargo, há muitos que usam as calçadas como pistas, em velocidades que desafiam não só a lei, senão ao mínimo respeito que se impõe ter pelos usuários desse espaço pedonal. E para não cansar o leitor não desfiarei exemplos de outras infrações, como não parar no sinal, não observar a mão das ruas, não se deter diante do pedestre que atravessa a faixa, etc.
Se o código de trânsito quer estender o seu controle ao ciclista – como deve, no interesse da maioria – a primeira medida seria reinstituir a plaqueta de identificação. Sem isso e sem agentes encarregados do controle, ficaremos no domínio dos pios – e ineficazes – propósitos.
Crianças e inválidos. Em geral, nas manhãs se vêem nas calçadas carrinhos de crianças e cadeiras de rodas de pessoas idosas com problemas de locomoção. Ambas dependem de outros para rodar nesse espaço. Circulam sobretudo por motivos de saúde, para aproveitar as benesses do sol matinal. Vemos aí extremos que decerto não se confundem, inda que se aproximem na utilização do ar livre e na dependência de auxiliares. Se é bom que assim seja – por mais que confranja o número crescente de idosos inválidos -, caberia uma reflexão incidental sobre a utilização que me parece excessiva de carrinhos para crianças entre três e cinco anos. Pode ser mais cômodo para a mãe, mas está no interesse do(a) menino(a) ser levado para todo lado por carrinhos e não pelas próprias pernas (que afinal carecem de exercício) ?
Os nossos melhores amigos. Aprecio muito cruzar nas ruas com a imensa variedade canina (os gatos semelham estar noutra dimensão), que costumam ser pacíficos e respeitosos do próximo (humano). Sob certos aspectos, nossos irmãos caninos podem ser até mais interessantes do que o homo sapiens sapiens. Enfurnados em apartamentos, os cães mais jovens já sabem que dispõem de pouco tempo para enfronhar-se da passagem dos demais elementos da espécie pelos arredores que acreditam devam ser marcados como seus respectivos domínios - assinale-se, por oportuno, que os cachorros mais velhos têm atitude digamos mais filosófica a respeito. Muita vez, no entanto, os cachorros mais novos são tolhidos nas suas aspirações, eis que os seus donos, empregadas e passeadores profissionais estão com pressa. Por isso, não concedem aos cães as pausas devidas em experiência olfativa, que pelo confinamento em apartamentos e pela impetuosidade da juventude eles fariam por merecer.
Por outro lado, a inventiva de algumas donas de cachorrinhos desafia os limites do previsível, quando não do bom-senso. Já vi uma que os leva a passear em um carrinho de bebê; outra que confeccionou toda uma vestimenta para o que parecia um parente de chihuahua (chapéu de marinheiro, abrigo dorsal, sapatinhos, inclusive polainas); e as muitas que pensam proteger-lhe as patas, com botinhas de meia.
Outro fenômeno que demandaria laudas e não um magro parágrafo é a simbiose entre o dono e o cão. Há exceções, porém desperta atenção a identidade comum entre o animal político e o animal canino. Dessa maneira, tanto em termos de porte, quanto de catadura, as parecenças chegam a ser comoventes.
Personagens especiais. As calçadas cariocas são às vezes palco de desfiles fantásticos. Percorre as ruas de Ipanema como se fossem passarelas uma antiga modelo, que, vestida de branco, e vivendo em outra realidade, desfila em meio às gentes, quiçá ouvindo os aplausos de platéias que lhe admiravam a graça e a beleza. Pode-se igualmente contemplar, em determinadas cercanias, a figura do bêbado da vizinhança, em que se alternam o bom humor, as amistosas inconveniências, e o sono pesado nos limiares de lojas que fecharam as portas.
Na crônica anterior, me reportava de início ao burburinho e ao atropelo das vias da Antigüidade Clássica. Lamentavelmente, o nosso conhecimento estará necessariamente limitado aos parcos trechos dos manuscritos que chegaram até nós. Não obstante, não se afigura improvável que certos personagens – os senhores, os vendedores ambulantes, os mendicantes, os ladrões – continuem presentes, em avatares não de todo diversos.
O que no entanto parece inegável é que as calçadas cariocas (e as ruas) se tornam ainda mais interessantes. Infelizmente, porém, este interessante carece de ser visualizado também no sentido dos chamados ‘tempos interessantes’ da conhecida maldição chinesa.
segunda-feira, 14 de julho de 2008
Calçadas Cariocas
As ruas na Atenas antiga, mesmo no período clássico (séculos V e IV a. C.), pela falta de órgãos prepostos à organização do trânsito (em que pedestres, vendedores, carregadores e marginais se misturavam a carros de boi e aos carros menores, que transportavam o condutor e um passageiro) eram a própria imagem da confusão, representando para os incautos inegável perigo. A preocupação com tais ameaças potenciais à incolumidade física dos transeuntes, fossem eles cidadãos atenienses, estrangeiros residentes (metecos), visitantes e até escravos (em geral em mandados de seus amos e senhores) era tamanha que a religiosidade popular confiou ao deus Apolo, dentre os seus múltiplos atributos, o de Aguieús, vale dizer, guardião das ruas e das estradas.
A leitura dessas descrições incidentais das condições prevalentes nas vias e vielas da Antigüidade, encontradas em Diógenes Laertius e Pausânias, entre outros, me trouxe à mente, imaginem só, não apenas a sovada reflexão de que não há nada de novo debaixo do sol, mas também e de forma talvez mais imediata, qual seja a lembrança da situação do trânsito no Rio de Janeiro e, em especial, de setor que mereceria menos atenção das diligentes autoridades municipais e estaduais.
Talvez em outros tempos desta mui heróica cidade de São Sebastião fosse possível visualizar as calçadas como locais de refúgio e entretenimento dos cariocas, em que pudessem caminhar de um quarteirão para outro, contemplar vitrinas, passear os seus melhores amigos (refiro-me, é bom que se frise, aos nossos irmãos caninos), ou simplesmente vagar pelos logradouros.
É decerto reflexo desses míticos bons tempos a designação de Passeio Público, em que nossas antepassadas costumavam deambular, cruzando nas largas calçadas com jovens cavalheiros, que ali também estavam para o exercício de namoro de vista (não confundir com os conhecimentos de vista e de chapéu, de que nos fala Machado de Assis).
Creio, no entanto, que um recuo tão longínquo não é necessário, para que a memória da calçada como espaço aprazível e seguro continue a semelhar válido. Penso na Ipanema dos anos cinqüenta e princípio dos sessenta, e até em Copacabana, embora a transformação desta em formigueiro humano já se desencadeie na década de sessenta.
Para circunscrever a recordação, a Ipanema de então configura o bairro de classe média, de que temos tantos similares seja no Rio, em São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre. Era uma Ipanema de ruas tranqüilas, desde a ventosa e deserta Vieira Souto até os seus limites com o Leblon, no Jardim de Alá freqüentável por crianças e babás, e o canal de águas correntes, zelado pela Prefeitura por causa da boa saúde dos peixes da Lagoa Rodrigues de Freitas.
Os extensos quarteirões de Ipanema eram ocupados por casas de família, com respeitáveis quintais. Havia sorveterias, como a do Morais, cinemas de luxo como o Astória, e poeiras, como o Ipanema e o Pirajá, bares como o Zeppelin, e por aí afora. Com exceção de negócios, bares e alguns moradores ilustres – de que gastas placas de metal recordam a antiga existência – todo o resto está soterrado por uma série de edifícios, super-mercados, pequenos e médios shoppings, bancos e farmácias.
Para quem se propôs discorrer sobre as calçadas, o leitor há de perguntar-se, não seria toda essa enumeração uma digressão ? Talvez, mas será necessário ter presente que as ditas calçadas ou passeios representam a margem dos quarteirões que desvirtuou o incansável progresso.
Antes sossegadas, quase sonolentas, as calçadas de ruas asfaltadas, ou de paralelepípedos, ou até de terra batida, como espelho que são da realidade, se mostram agora a margear as principais artérias e as vias menores, todas asfaltadas, com os ocasionais buracos e desníveis.
Para mudar a personalidade da calçada também contribuíram as obras da prefeitura, que na Visconde de Pirajá, a principal rua do bairro, as alargaram bastante, agregando espaços calçados de tijolos especiais, que não parecem ter a durabilidade das pedras portuguesas.
Se o transeunte, contudo, pensava que se lhe abria um espaço maior, a evolução – ou involução, de acordo com o ponto de vista – da circulação iria indicar que tal suposta amplificação do espaço do pedestre deveria ser bastante qualificada.
Esta crônica me está saindo maior do que o previsto. Que me releve o eventual e paciente leitor o possível incômodo. Assim, a par de prometer uma continuação à presente, que me sejam permitidas duas observações conclusivas.
A primeira concerne à apresentação dos novos personagens, cujos títulos me é difícil discutir, para inclusão no espaço das calçadas (ciclistas, camelôs, extensões de restaurantes e bares, os sem-teto, os mendicantes e os assaltantes).
A segunda observação stricto sensu constitui, em verdade, um apelo. Considerando que a realidade dos tempos modernos inquieta a muitos; levando em conta que dentre as ausências por muitos notadas se encontra a falta da autoridade não belicosa, mas dissuasiva – naqueles anos dourados simbolizada pelas duplas de PMs Cosme e Damião – ; e sendo por fim a assaz comum tentativa de atribuir a Deus o encargo da segurança carente de especificidade, quiçá fosse o caso de se cogitar de um substituto atual para o velho Apolo Aguieús, já aposentado de tais funções há quase dois milênios.
A leitura dessas descrições incidentais das condições prevalentes nas vias e vielas da Antigüidade, encontradas em Diógenes Laertius e Pausânias, entre outros, me trouxe à mente, imaginem só, não apenas a sovada reflexão de que não há nada de novo debaixo do sol, mas também e de forma talvez mais imediata, qual seja a lembrança da situação do trânsito no Rio de Janeiro e, em especial, de setor que mereceria menos atenção das diligentes autoridades municipais e estaduais.
Talvez em outros tempos desta mui heróica cidade de São Sebastião fosse possível visualizar as calçadas como locais de refúgio e entretenimento dos cariocas, em que pudessem caminhar de um quarteirão para outro, contemplar vitrinas, passear os seus melhores amigos (refiro-me, é bom que se frise, aos nossos irmãos caninos), ou simplesmente vagar pelos logradouros.
É decerto reflexo desses míticos bons tempos a designação de Passeio Público, em que nossas antepassadas costumavam deambular, cruzando nas largas calçadas com jovens cavalheiros, que ali também estavam para o exercício de namoro de vista (não confundir com os conhecimentos de vista e de chapéu, de que nos fala Machado de Assis).
Creio, no entanto, que um recuo tão longínquo não é necessário, para que a memória da calçada como espaço aprazível e seguro continue a semelhar válido. Penso na Ipanema dos anos cinqüenta e princípio dos sessenta, e até em Copacabana, embora a transformação desta em formigueiro humano já se desencadeie na década de sessenta.
Para circunscrever a recordação, a Ipanema de então configura o bairro de classe média, de que temos tantos similares seja no Rio, em São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre. Era uma Ipanema de ruas tranqüilas, desde a ventosa e deserta Vieira Souto até os seus limites com o Leblon, no Jardim de Alá freqüentável por crianças e babás, e o canal de águas correntes, zelado pela Prefeitura por causa da boa saúde dos peixes da Lagoa Rodrigues de Freitas.
Os extensos quarteirões de Ipanema eram ocupados por casas de família, com respeitáveis quintais. Havia sorveterias, como a do Morais, cinemas de luxo como o Astória, e poeiras, como o Ipanema e o Pirajá, bares como o Zeppelin, e por aí afora. Com exceção de negócios, bares e alguns moradores ilustres – de que gastas placas de metal recordam a antiga existência – todo o resto está soterrado por uma série de edifícios, super-mercados, pequenos e médios shoppings, bancos e farmácias.
Para quem se propôs discorrer sobre as calçadas, o leitor há de perguntar-se, não seria toda essa enumeração uma digressão ? Talvez, mas será necessário ter presente que as ditas calçadas ou passeios representam a margem dos quarteirões que desvirtuou o incansável progresso.
Antes sossegadas, quase sonolentas, as calçadas de ruas asfaltadas, ou de paralelepípedos, ou até de terra batida, como espelho que são da realidade, se mostram agora a margear as principais artérias e as vias menores, todas asfaltadas, com os ocasionais buracos e desníveis.
Para mudar a personalidade da calçada também contribuíram as obras da prefeitura, que na Visconde de Pirajá, a principal rua do bairro, as alargaram bastante, agregando espaços calçados de tijolos especiais, que não parecem ter a durabilidade das pedras portuguesas.
Se o transeunte, contudo, pensava que se lhe abria um espaço maior, a evolução – ou involução, de acordo com o ponto de vista – da circulação iria indicar que tal suposta amplificação do espaço do pedestre deveria ser bastante qualificada.
Esta crônica me está saindo maior do que o previsto. Que me releve o eventual e paciente leitor o possível incômodo. Assim, a par de prometer uma continuação à presente, que me sejam permitidas duas observações conclusivas.
A primeira concerne à apresentação dos novos personagens, cujos títulos me é difícil discutir, para inclusão no espaço das calçadas (ciclistas, camelôs, extensões de restaurantes e bares, os sem-teto, os mendicantes e os assaltantes).
A segunda observação stricto sensu constitui, em verdade, um apelo. Considerando que a realidade dos tempos modernos inquieta a muitos; levando em conta que dentre as ausências por muitos notadas se encontra a falta da autoridade não belicosa, mas dissuasiva – naqueles anos dourados simbolizada pelas duplas de PMs Cosme e Damião – ; e sendo por fim a assaz comum tentativa de atribuir a Deus o encargo da segurança carente de especificidade, quiçá fosse o caso de se cogitar de um substituto atual para o velho Apolo Aguieús, já aposentado de tais funções há quase dois milênios.
sábado, 12 de julho de 2008
Promoção de imagem do Brasil - é possível ?
Provoca surpresa e consternação a noticia do jornal O Globo de que o governo federal se propõe contratar por R$ 15 milhões agência de relações públicas para promover a imagem do Brasil no exterior.
Existem considerações tanto de ordem conceitual quanto de natureza administrativa que desaconselham fortemente tal iniciativa.
De início, é extremamente discutível que ‘a promoção de imagem’ seja algo que deva ser seriamente considerado. Não devemos esquecer que imagem, seja efeito ótico ou tropo linguístico, corresponde à suposta projeção de uma realidade determinada. Assim, em termos objetivos, para que um país (ou organização, etc.) projete uma boa imagem será imprescindível que a sua realidade interna seja consentânea com que o público externo tende a atribuir em termos de satisfatórias condições internas a países (ou empresas, etc.).
Para limitarmo-nos a países, a sua imagem será a projeção através da mídia e das populações de determinadas informações que pela sua qualidade objetiva tenderão a formar um conceito agregado favorável, neutro ou desfavorável a respeito desses países.
Só a falta de conhecimento pode induzir alguém a acreditar na viabilidade de ‘criação de imagem’. A adulteração ou criação de imagens que não correspondem à realidade – o que não é novidade em termos de governos ditatoriais ou autoritários (vide, a propósito, as chamadas ‘Vilas de Potemkin’, da segunda metade do século XVIII) – nada tem a ver com uma política séria de divulgação de um país determinado.
De resto, os Estados soberanos já dispõem de mecanismos administrativos para atender não à suposta formação de imagem, mas para divulgar dados e fatos acerca da respectiva realidade nacional. Nesse sentido, uma das funções básicas da diplomacia reside na faculdade de representação do país e na defesa de seus interesses.
Verifica-se, portanto, que o Brasil, desde os albores da independência e mesmo antes, possui ministério encarregado das relações exteriores. Pela coerência da política imperial e depois republicana, a diplomacia brasileira tem sido respeitada, dentro e fora das fronteiras, pela qualidade da formação de seus diplomatas e por muitos de seus ministros de estado, com o Barão do Rio Branco à frente.
Através dos tempos, o Itamaraty tem assumido, por encargo presidencial, atribuições que foram no passado de outras pastas. Tenho presente, por exemplo, a assunção, no início dos anos sessenta do século passado, pelo Ministério das Relações Exteriores dos então escritórios comerciais. Várias outras funções, dentro de uma visão lata da representação dos interesses nacionais, tem sido formal ou informalmente assumidas. As características da Casa de Rio Branco – e a sua proficiência - tem sido a causa principal para o incremento de seus encargos.
Se a história ensina que a política externa deve estar a cargo de profissionais, e não é suscetível de conviver com visões dicotômicas, tampouco é o caso de desviar recursos para a contratação de agências de promoção de imagem no exterior. Outros países como os estados ditos fracassados e as democracias adjetivadas estão delas mais necessitados.
Existem considerações tanto de ordem conceitual quanto de natureza administrativa que desaconselham fortemente tal iniciativa.
De início, é extremamente discutível que ‘a promoção de imagem’ seja algo que deva ser seriamente considerado. Não devemos esquecer que imagem, seja efeito ótico ou tropo linguístico, corresponde à suposta projeção de uma realidade determinada. Assim, em termos objetivos, para que um país (ou organização, etc.) projete uma boa imagem será imprescindível que a sua realidade interna seja consentânea com que o público externo tende a atribuir em termos de satisfatórias condições internas a países (ou empresas, etc.).
Para limitarmo-nos a países, a sua imagem será a projeção através da mídia e das populações de determinadas informações que pela sua qualidade objetiva tenderão a formar um conceito agregado favorável, neutro ou desfavorável a respeito desses países.
Só a falta de conhecimento pode induzir alguém a acreditar na viabilidade de ‘criação de imagem’. A adulteração ou criação de imagens que não correspondem à realidade – o que não é novidade em termos de governos ditatoriais ou autoritários (vide, a propósito, as chamadas ‘Vilas de Potemkin’, da segunda metade do século XVIII) – nada tem a ver com uma política séria de divulgação de um país determinado.
De resto, os Estados soberanos já dispõem de mecanismos administrativos para atender não à suposta formação de imagem, mas para divulgar dados e fatos acerca da respectiva realidade nacional. Nesse sentido, uma das funções básicas da diplomacia reside na faculdade de representação do país e na defesa de seus interesses.
Verifica-se, portanto, que o Brasil, desde os albores da independência e mesmo antes, possui ministério encarregado das relações exteriores. Pela coerência da política imperial e depois republicana, a diplomacia brasileira tem sido respeitada, dentro e fora das fronteiras, pela qualidade da formação de seus diplomatas e por muitos de seus ministros de estado, com o Barão do Rio Branco à frente.
Através dos tempos, o Itamaraty tem assumido, por encargo presidencial, atribuições que foram no passado de outras pastas. Tenho presente, por exemplo, a assunção, no início dos anos sessenta do século passado, pelo Ministério das Relações Exteriores dos então escritórios comerciais. Várias outras funções, dentro de uma visão lata da representação dos interesses nacionais, tem sido formal ou informalmente assumidas. As características da Casa de Rio Branco – e a sua proficiência - tem sido a causa principal para o incremento de seus encargos.
Se a história ensina que a política externa deve estar a cargo de profissionais, e não é suscetível de conviver com visões dicotômicas, tampouco é o caso de desviar recursos para a contratação de agências de promoção de imagem no exterior. Outros países como os estados ditos fracassados e as democracias adjetivadas estão delas mais necessitados.
quinta-feira, 3 de julho de 2008
Fluminense x LDU - uma Reflexão.
Lamento o acontecido com o Fluminense na sua campanha pela conquista da Taça Libertadores. Jogou bem e na antiga maneira brasileira de um futebol leal. Deixou pelo caminho muitos adversários ilustres, que se acreditavam mais credenciados a avançar para a final. Embora não seja meu time do coração, sinceramente apreciaria estar hoje cumprimentando a equipe de Álvaro Chaves, cuja sede freqüentei no passado como sócio.
E, no entanto, pesa-me dizê-lo, o resultado era previsível. Depois de um esforço hercúleo, o jovem time do técnico Renato Portalupi morreu na praia. Nos minutos que antecederam a partida, em meio à euforia do estádio Mário Filho lotado, a alegre câmera da Globo nos mostrou diversas criancinhas, muitas pintadas com as tintas tricolores, e uma delas com fita branca a emoldurar-lhe a fronte inocente. Se aí ficasse, que bela visão seria ! Contudo, alguém, muito provavelmente o pai, escrevera os dizeres ‘a caminho de Tóquio’ ou cousa parecida. Devo confessar que, a despeito da beleza da menina, não gostei do que estava lendo. Era o mesmo estado de espírito que se mostrara nos rojões e foguetes lançados das arquibancadas do velho estádio de Alvaro Chaves, ao ensejo de um simples treino da equipe às vésperas do embate decisivo. O próprio superintendente Branco, que abrira os portões, reclamou das comemorações antecipadas.
De resto, com a prestimosa ajuda da mídia brasileira, que não faz segredo de patriótico e irreprimível otimismo, o júbilo e a empolgação se achavam por toda a parte. O entusiasmo, seja insuflado, seja espontâneo, se exibia e espoucava sem limites, na comemoração prévia de quem confunde mando de campo por mando de jogo. A ovação, na Roma antiga, era a homenagem do Senado e do Povo romano aos generais vitoriosos em difíceis campanhas. Só que aqui no Brasil muita vez a ovação é concedida antes do sucesso, na presunção, que deve ser bem arraigada, de que a dita vitória está garantida.
Lá estava, imodesto e imprudente como de hábito, o espírito do ‘ já ganhou’. Pergunto-me do porquê da firme, inabalável convicção do técnico Renato de que o seu time faria os gols que se fizessem necessários para ganhar a partida e o título. De onde tirava tanta segurança, que para outros poderia parecer bazófia? A determinação não carece de muitas palavras. Ao contrário, a discrição pode ser um instrumento mais eficaz para alcançar o próprio objetivo.
Há tantos exemplos do lamentável e penoso ‘ já ganhou’ – com o auxílio sempre prestimoso da mídia – que me limitarei ao primeiro avatar desse triste fenômeno que nos persegue a nós brasileiros. Reporto-me ao Brasil x Uruguai de 1950, que também teve como palco o Maracanã, e mais de duzentos mil espectadores.
Nenhuma equipe teria tantas razões para ser otimista. No quadrangular final, vencera de goleada a Suécia (7x1) e a Espanha (6x1). Faltava apenas o Uruguai, de Obdúlio Varela...E não é que, já no segundo tempo, Friaça aos cinco minutos abriu o marcador, para o Brasil a que bastava o empate ? Poupo ao leitor o que se seguiu, por demasiado conhecido.
Não posso permitir, todavia, que se achincalhe a seleção de 1950, uma das melhores que o Brasil teve. E o scratch de Flávio Costa, se permitiu a atmosfera do já ganhou na concentração de São Januário, na véspera da decisão pela taça Jules Rimet, tinha pelo menos a desculpa de lidar com tal situação por primeira vez.
Decerto, não é o que está ocorrendo com os seus sucessores. Não seria oportuno ter presente o sábio dito de quem desconhece o passado está condenado a repeti-lo ?
Desejaria acrescentar mais duas considerações. Li em jornal de grande circulação atribuir-se novamente ao estádio Mário Filho, ao velho e glorioso Maracanã, a designação – que nada tem de brasileira – ‘Maracanazo’, surgida além fronteiras em conseqüência do resultado do Brasil x Uruguai de 1950. Na verdade, o Maracanã já assistiu a muitas vitórias memoráveis da seleção e não tem culpa alguma dos fátuos entusiasmos e do espírito de ‘já ganhou’ de espectadores nas arquibancadas, e dos jogadores no gramado.
Por outro lado, da próxima vez, esperemos que o técnico arme um bom esquema tático para sua equipe, não a faça recuar demasiado, treine bastante a batida dos pênaltis e, sobretudo, diga aos comandados que, se perderem um gol ou não converterem penalidade máxima, não abaixem a cabeça. De preferência, mostrem brio, mantendo-a erguida, o que talvez os ajude a errar menos no futuro.
E, no entanto, pesa-me dizê-lo, o resultado era previsível. Depois de um esforço hercúleo, o jovem time do técnico Renato Portalupi morreu na praia. Nos minutos que antecederam a partida, em meio à euforia do estádio Mário Filho lotado, a alegre câmera da Globo nos mostrou diversas criancinhas, muitas pintadas com as tintas tricolores, e uma delas com fita branca a emoldurar-lhe a fronte inocente. Se aí ficasse, que bela visão seria ! Contudo, alguém, muito provavelmente o pai, escrevera os dizeres ‘a caminho de Tóquio’ ou cousa parecida. Devo confessar que, a despeito da beleza da menina, não gostei do que estava lendo. Era o mesmo estado de espírito que se mostrara nos rojões e foguetes lançados das arquibancadas do velho estádio de Alvaro Chaves, ao ensejo de um simples treino da equipe às vésperas do embate decisivo. O próprio superintendente Branco, que abrira os portões, reclamou das comemorações antecipadas.
De resto, com a prestimosa ajuda da mídia brasileira, que não faz segredo de patriótico e irreprimível otimismo, o júbilo e a empolgação se achavam por toda a parte. O entusiasmo, seja insuflado, seja espontâneo, se exibia e espoucava sem limites, na comemoração prévia de quem confunde mando de campo por mando de jogo. A ovação, na Roma antiga, era a homenagem do Senado e do Povo romano aos generais vitoriosos em difíceis campanhas. Só que aqui no Brasil muita vez a ovação é concedida antes do sucesso, na presunção, que deve ser bem arraigada, de que a dita vitória está garantida.
Lá estava, imodesto e imprudente como de hábito, o espírito do ‘ já ganhou’. Pergunto-me do porquê da firme, inabalável convicção do técnico Renato de que o seu time faria os gols que se fizessem necessários para ganhar a partida e o título. De onde tirava tanta segurança, que para outros poderia parecer bazófia? A determinação não carece de muitas palavras. Ao contrário, a discrição pode ser um instrumento mais eficaz para alcançar o próprio objetivo.
Há tantos exemplos do lamentável e penoso ‘ já ganhou’ – com o auxílio sempre prestimoso da mídia – que me limitarei ao primeiro avatar desse triste fenômeno que nos persegue a nós brasileiros. Reporto-me ao Brasil x Uruguai de 1950, que também teve como palco o Maracanã, e mais de duzentos mil espectadores.
Nenhuma equipe teria tantas razões para ser otimista. No quadrangular final, vencera de goleada a Suécia (7x1) e a Espanha (6x1). Faltava apenas o Uruguai, de Obdúlio Varela...E não é que, já no segundo tempo, Friaça aos cinco minutos abriu o marcador, para o Brasil a que bastava o empate ? Poupo ao leitor o que se seguiu, por demasiado conhecido.
Não posso permitir, todavia, que se achincalhe a seleção de 1950, uma das melhores que o Brasil teve. E o scratch de Flávio Costa, se permitiu a atmosfera do já ganhou na concentração de São Januário, na véspera da decisão pela taça Jules Rimet, tinha pelo menos a desculpa de lidar com tal situação por primeira vez.
Decerto, não é o que está ocorrendo com os seus sucessores. Não seria oportuno ter presente o sábio dito de quem desconhece o passado está condenado a repeti-lo ?
Desejaria acrescentar mais duas considerações. Li em jornal de grande circulação atribuir-se novamente ao estádio Mário Filho, ao velho e glorioso Maracanã, a designação – que nada tem de brasileira – ‘Maracanazo’, surgida além fronteiras em conseqüência do resultado do Brasil x Uruguai de 1950. Na verdade, o Maracanã já assistiu a muitas vitórias memoráveis da seleção e não tem culpa alguma dos fátuos entusiasmos e do espírito de ‘já ganhou’ de espectadores nas arquibancadas, e dos jogadores no gramado.
Por outro lado, da próxima vez, esperemos que o técnico arme um bom esquema tático para sua equipe, não a faça recuar demasiado, treine bastante a batida dos pênaltis e, sobretudo, diga aos comandados que, se perderem um gol ou não converterem penalidade máxima, não abaixem a cabeça. De preferência, mostrem brio, mantendo-a erguida, o que talvez os ajude a errar menos no futuro.
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