Desastres a granel - FOLHA DE S. PAULO de 27.XI.2008
Enchentes em Santa Catarina. O jornalista Janio de Freitas, em sua coluna na Folha, se reporta à atual calamidade em Santa Catarina, e faz oportuna e pertinente análise sobre a falta de providências preventivas pelo Poder Público, no que concerne a desastres naturais, de que a presente situação no estado de Santa Catarina constitui o exemplo da vez.
Comentário do cidadão. Como ironicamente assinala Janio de Freitas, durante os últimos vinte e cinco anos, “as enchentes cumpriram com regularidade a sua programação anual, concedendo apenas na intensidade variável de suas perversidades”. “Grande parte (desses desastres naturais) seria evitável ou poderia ser atenuada, muitos são objeto de velhos projetos preventivos, mas seguem se repetindo como se fossem uma fatalidade acima do poder humano”. E, em conclusão, põe o articulista o dedo na ferida aberta da inação do Poder Público: a razão é que essas providências se acham. na ótica distorcida e imediatista dos poderes federal, estadual e municipal, “abaixo do poder dos interesses” (meu o grifo). E quais são tais interesses que se sobrepõem na prática ao bem comum ? Segundo Janio de Freitas são “eleitorais, comissionais, negociais”. Nessa visão imediatista, tais interesses teriam prioridade sobre o bem comum, que lida “com vidas irreconhecíveis, por não terem presença social, como classe”.
Em tal contexto de ausência do Estado, em termos de providências preventivas para controlar ou minorar os efeitos das calamidades naturais, o desconforto da autoridade pública diante de tais fenômenos – que vitupera em discursos ocos e sem efeitos práticos, excluidas umas tantas medidas assistencialistas – poderia ser entrevisto na óbvia relutância do Presidente Lula em manifestar pessoalmente a própria solidariedade ao povo catarinense. Como observa J. de Freitas, “só ontem (26 de novembro) se dispôs ao esforço de dar um pulo em Santa Catarina. E assim mesmo porque também ontem recebeu duras críticas por sua distância apática.”
O último presidente da República Velha, Washington Luiz, é muito citado pela assertiva de que “governar é fazer estradas”. Em escala de prioridades, pode-se compreender essa afirmação, no contexto da época de agudas limitações em comunicações viárias. Salta aos olhos que governar não é só construir estradas. Mas, para trazer a questão aos problemas atuais, tampouco o bom governo se restringe à conformidade aos altos superavits primários e ao incremento das despesas de custeio e as de cariz assistencialista.
Não pretendo aqui discriminar as medidas e providências que caracterizam o bom governante. Apenas encareço a paciência do leitor para a referência a umas poucas, que dizem mais de perto respeito ao problema aqui tratado. Muitas dessas medidas e providências não implicam obras nem gastos de vulto, mas sim determinação inequívoca e vontade politica de coibir as eventuais transgressões: reporto-me à ordenação territorial, para combater e prevenir os danos e ameaças da especulação imobiliária nas encostas e em outros acidentes topográficos do interesse de toda a comunidade. Tampouco não é só aos ricos e abastados que se deve impor limites. O mesmo interesse geral incumbe ao poder do Estado não assistir inerte às invasões e ao crescimento descontrolado das favelas. Se tais competências caem sob os poderes municipal e estadual, à União caberia fornecer o aporte necessário para os grandes empreendimentos voltados para a contenção e diminuição dos efeitos negativos das calamidades naturais.
Em outras palavras, ao povo interessaria menos o discurso pós-factual, com as providências assistencialistas que não afetam as possibilidades futuras de repetição do fenômeno natural (presumivelmente de forma mais agressiva, pela inoperância em matéria de controles), e sim programas responsáveis de um Estado moderno, que não encara a natureza de uma forma supostamente resignada e totêmica, mas cuida de atender ao interesse maior da população. O flagelado do vale do Itajaí, ao invés dos abrigos de circunstância e das cestas básicas, preferiria decerto não estar nesta condição e continuar a viver na sua casa, ora levada pela enxurrada. Seria acaso ser ingênuo esperar do poder público – federal, estadual e municipal – que assuma as próprias responsabilidades, e que não se esconda atrás do discurso vazio da ocasional compunção ?
sexta-feira, 28 de novembro de 2008
quinta-feira, 13 de novembro de 2008
A Manchete que eu conheci
Ao saber do lançamento do livro “Aconteceu na Manchete”, organizado por José Esmeraldo Gonçalves e J.A. Barros, publicado pela editora Desiderata, e com muitos colaboradores, encimados por Carlos Heitor Cony, tratei de ir à Livraria da Travessa, para adquirir um volume. Moviam-me dois motivos, de que declinarei, de início, a curiosidade natural de informar-me sobre as experiências de tantos jornalistas e escritores no mundo da revista Manchete e da Rede Manchete de Televisão, sobre as quais se abateu o silêncio da falência determinada por sentença judicial de julho de 2000.
A leitura de suas 432 páginas não me decepcionou. Há muitos episódios que revivem as características deste microcosmo simbolizado pelos três edifícios da Praia do Russell, projetados por Oscar Niemeyer. Se hoje decerto as suas vidraças parece que se ensombreceram, elas, como todas as ruínas, reais ou virtuais, refletem, com o passar do tempo inimigo, a vida cortada, a glória e o prestígio de antes, e a decadência dos últimos anos que antecederam a uma morte anunciada e não tão súbita.
A Manchete - e o seu mundo - é construção de grande número de jornalistas, escritores, artistas, intelectuais, políticos, e também de funcionários de extratos mais modestos. No entanto, se há muitos construtores, o seu criador foi uma pessoa só, verdadeiro capitão de indústria, que, com suas múltiplas qualidades, idiossincrasias e eventuais defeitos, se tornou o símbolo vivo da empresa gráfica, jornalística, cultural, artística, e, ao cabo, televisiva.
Falo, como é óbvio, de Adolpho Bloch, que foi para mim mais do que um exemplo, e com quem tive o prazer de privar e praticar em diversas fases de minha vida. Reporto-me agora, portanto, como não escapará ao leitor atento, ao segundo motivo que me levou a comprar o “Aconteceu na Manchete”.
Conheci Adolpho ainda menino, sobrinho que sou de sua esposa Lucy Bloch. Recordo-me da vez em que ele me levou ao Pronto Socorro – eram outros tempos e o atendimento foi rápido – para que tivesse suturado corte na perna direita, decorrente de prosaico acidente doméstico.
Conheci depois a Gráfica da Frei Caneca, e a acolhedora casa da Cinco de Julho, moradia do casal Joseph Bloch. Nas visitas à Gráfica Bloch, fui espectador dos trabalhos de criação, nos idos de 1952, da revista Manchete. O mercado na época era dominado por “O Cruzeiro” e Adolpho, o mais jovem dos irmãos Bloch, já demonstrava a centelha do empreendedor que não teme enfrentar o dragão de turno.
O primeiro diretor de Manchete foi Henrique Pongetti. Adolpho trazia para a nova revista a sua experiência gráfica e por isso, semelha natural que nos primeiros tempos o semanário mais brilhasse pela qualidade gráfica. Nesse contexto, alguém, pensando-se espirituoso, a descreveu como um calendário sem folhinha.
A jornada da Manchete e de seu criador teria diversos diretores, até que a revista se firmasse e se tornasse real contendora de O Cruzeiro. Na segunda parte dos anos cinqüenta a Manchete cresceria e a admiração de Adolpho Bloch pelo Presidente Juscelino Kubitschek e a sua grande obra evoluiria para uma grande amizade. Em 1962, recordo-me da recepção no Iate Clube para os dez anos de Manchete, que contou, entre outros, com a presença do então Primeiro Ministro Tancredo Neves. Nos convidados presentes àquela comemoração, já avultava o quanto caminhara Adolpho Bloch, desde as primícias do lançamento de Manchete.
Foi por essa época que Adolpho adquiriu a casa de Teresópolis na Granja Comary. Para lá íamos passar o fim de semana na companhia de Lucy e Adolpho. Ao almoço de domingo na magnífica sala do casarão todo mobilado por Lucy – aí conheci a madeira nobre da Amazônia, o gonçalo-alves – acorriam convidados ilustres. Dentre muitos, relembro a figura de Paschoal Carlos Magno. Outra feita, o convidado de honra era um senhor de origem italiana, que tinha magnífica residência em bairro então afastado do Rio de Janeiro, e duas belas filhas. Por ser de índole austera, Adolpho foi convencido a não usar o seu linguajar habitual, pontilhado de palavrões. Achamos graça do alívio que ele sentiu quando se despediu o homenageado, alívio esse que Adolpho soube fazer acompanhar de alguns expletivos...
A chamada revolução de 31 de março de 1964 veio encontrar-me Segundo Secretário na Embaixada em Paris. Ali vinham amiúde Lucy e Adolpho e saíamos para almoçar nos bistrôs parisienses. Certa feita, fomos a restaurante famoso nas cercanias parisienses, na alegre presença do casal Adolpho Bloch. Do programa participou um conhecido ator brasileiro, que nos veio mostrar o ‘torpedo’ que lhe passara uma comensal de outra mesa.
Quando Juscelino e Dona Sara se instalaram em apartamento próximo ao Bois de Boulogne, tive a honra – descumprindo ordens – de acompanhar Adolpho e Lucy em visita ao casal Kubitschek. Não sei se foi desta feita – ou de outra – em que se resolveu tomar o chá no Jardin de l’Acclimatation. O Presidente Juscelino adquirira um modesto Simca, cor azul escuro, e como não sabia bem onde era, tive o prazer de servir de guia com o meu carro, que JK seguiu pelas alamedas do bosque.
Mais tarde, fui oficial de gabinete do Ministro José de Magalhães Pinto. Nesse tempo, a remuneração dos diplomatas no Brasil era bastante exígua. Por isso, não só aparecia no almoço do Russell, mas também fiz traduções para Manchete e colaborei na Enciclopédia Bloch. No almoço com Adolpho, ou sentado à mesa que ele transformava em gabinete de trabalho (Adolpho sempre se recusou a encerrar-se em sala fechada) conversava eu igualmente com Justino Martins, Murilo Melo Filho, Arnaldo Niskier, Carlos Heitor Cony e Zevi Ghivelder. Alguns dos colaboradores do livro sobre a Manchete assinalaram apropriadamente o clima informal que presidia a muitos dos trabalhos na redação da revista Manchete.
Como é sabido, o trabalho do tradutor não costuma ser bem estipendiado. Para reforçar o sustento de minha jovem família, já com dois filhos pequenos, muita vez tinha de trabalhar até desoras para completar a datilografia das implacáveis laudas das traduções (lembro-me de matéria sobre o espião Kim Philby). Por isso, não pude conter o meu espanto quando fui chamado a fazer uma legenda para foto da revista Manchete,e pelo ínfimo trabalho de costurar um texto de duas linhas, com os nomes e sobrenomes adequados, vim a receber mais do que recolhia nos meus serões de tradutor...
Encontrei-me com Adolpho e Lucy no enterro do Presidente Juscelino em Brasília. Sem qualquer apoio oficial, o povo se encarregou de homenagear JK na missa de corpo presente na Catedral, onde presenciei um dos mais comoventes espetáculos na sincera espontaneidade dos candangos, quando as flores desenhavam parábolas sobre a multidão concentrada no interior do templo para cairem sobre o esquife do criador de Brasília.
Não desejo delongar-me nesse itinerário em que pratiquei com o meu tio Adolpho. Quando, após quarenta anos de matrimônio, Adolpho e Lucy se separaram, embora não me tenha afastado de todo, compreende-se que as minhas idas ao Russell não foram tão freqüentes quanto antes, malgrado haja sempre mantido boas relações com Adolpho.
A esse propósito, a despeito de que o nome de Lucy haja sido mencionado mais de uma vez – nesse aspecto desejo cumprimentar a José Rodolpho Câmara -, a história da Manchete – e da própria TV Manchete, em que Lucy representou Bloch Editores na reunião decisiva com o Presidente João Figueiredo – careceria de ser complementada com o aporte trazido por Lucy Bloch à criação, desenvolvimento e consolidação desse grande fenômeno editorial que foi a Revista Manchete e tudo o mais que surgiu atrás dela.
Se não me engano, a última vez que vi Adolpho Bloch foi em uma recepção na Embaixada da União Soviética em Brasília. Estava ele já bastante alquebrado, e conversamos por uns minutos. Ao contemplá-lo com tristeza, eu presenciava o trabalho implacável do tempo a preparar-nos a despedida daquele dínamo, conhecido pela verve, pelo humor, pela tenacidade, pela coragem, e por dois outros raros dons, o que os espanhóis chamam don de gentes e o dom de criar uma grande empresa.
A leitura de suas 432 páginas não me decepcionou. Há muitos episódios que revivem as características deste microcosmo simbolizado pelos três edifícios da Praia do Russell, projetados por Oscar Niemeyer. Se hoje decerto as suas vidraças parece que se ensombreceram, elas, como todas as ruínas, reais ou virtuais, refletem, com o passar do tempo inimigo, a vida cortada, a glória e o prestígio de antes, e a decadência dos últimos anos que antecederam a uma morte anunciada e não tão súbita.
A Manchete - e o seu mundo - é construção de grande número de jornalistas, escritores, artistas, intelectuais, políticos, e também de funcionários de extratos mais modestos. No entanto, se há muitos construtores, o seu criador foi uma pessoa só, verdadeiro capitão de indústria, que, com suas múltiplas qualidades, idiossincrasias e eventuais defeitos, se tornou o símbolo vivo da empresa gráfica, jornalística, cultural, artística, e, ao cabo, televisiva.
Falo, como é óbvio, de Adolpho Bloch, que foi para mim mais do que um exemplo, e com quem tive o prazer de privar e praticar em diversas fases de minha vida. Reporto-me agora, portanto, como não escapará ao leitor atento, ao segundo motivo que me levou a comprar o “Aconteceu na Manchete”.
Conheci Adolpho ainda menino, sobrinho que sou de sua esposa Lucy Bloch. Recordo-me da vez em que ele me levou ao Pronto Socorro – eram outros tempos e o atendimento foi rápido – para que tivesse suturado corte na perna direita, decorrente de prosaico acidente doméstico.
Conheci depois a Gráfica da Frei Caneca, e a acolhedora casa da Cinco de Julho, moradia do casal Joseph Bloch. Nas visitas à Gráfica Bloch, fui espectador dos trabalhos de criação, nos idos de 1952, da revista Manchete. O mercado na época era dominado por “O Cruzeiro” e Adolpho, o mais jovem dos irmãos Bloch, já demonstrava a centelha do empreendedor que não teme enfrentar o dragão de turno.
O primeiro diretor de Manchete foi Henrique Pongetti. Adolpho trazia para a nova revista a sua experiência gráfica e por isso, semelha natural que nos primeiros tempos o semanário mais brilhasse pela qualidade gráfica. Nesse contexto, alguém, pensando-se espirituoso, a descreveu como um calendário sem folhinha.
A jornada da Manchete e de seu criador teria diversos diretores, até que a revista se firmasse e se tornasse real contendora de O Cruzeiro. Na segunda parte dos anos cinqüenta a Manchete cresceria e a admiração de Adolpho Bloch pelo Presidente Juscelino Kubitschek e a sua grande obra evoluiria para uma grande amizade. Em 1962, recordo-me da recepção no Iate Clube para os dez anos de Manchete, que contou, entre outros, com a presença do então Primeiro Ministro Tancredo Neves. Nos convidados presentes àquela comemoração, já avultava o quanto caminhara Adolpho Bloch, desde as primícias do lançamento de Manchete.
Foi por essa época que Adolpho adquiriu a casa de Teresópolis na Granja Comary. Para lá íamos passar o fim de semana na companhia de Lucy e Adolpho. Ao almoço de domingo na magnífica sala do casarão todo mobilado por Lucy – aí conheci a madeira nobre da Amazônia, o gonçalo-alves – acorriam convidados ilustres. Dentre muitos, relembro a figura de Paschoal Carlos Magno. Outra feita, o convidado de honra era um senhor de origem italiana, que tinha magnífica residência em bairro então afastado do Rio de Janeiro, e duas belas filhas. Por ser de índole austera, Adolpho foi convencido a não usar o seu linguajar habitual, pontilhado de palavrões. Achamos graça do alívio que ele sentiu quando se despediu o homenageado, alívio esse que Adolpho soube fazer acompanhar de alguns expletivos...
A chamada revolução de 31 de março de 1964 veio encontrar-me Segundo Secretário na Embaixada em Paris. Ali vinham amiúde Lucy e Adolpho e saíamos para almoçar nos bistrôs parisienses. Certa feita, fomos a restaurante famoso nas cercanias parisienses, na alegre presença do casal Adolpho Bloch. Do programa participou um conhecido ator brasileiro, que nos veio mostrar o ‘torpedo’ que lhe passara uma comensal de outra mesa.
Quando Juscelino e Dona Sara se instalaram em apartamento próximo ao Bois de Boulogne, tive a honra – descumprindo ordens – de acompanhar Adolpho e Lucy em visita ao casal Kubitschek. Não sei se foi desta feita – ou de outra – em que se resolveu tomar o chá no Jardin de l’Acclimatation. O Presidente Juscelino adquirira um modesto Simca, cor azul escuro, e como não sabia bem onde era, tive o prazer de servir de guia com o meu carro, que JK seguiu pelas alamedas do bosque.
Mais tarde, fui oficial de gabinete do Ministro José de Magalhães Pinto. Nesse tempo, a remuneração dos diplomatas no Brasil era bastante exígua. Por isso, não só aparecia no almoço do Russell, mas também fiz traduções para Manchete e colaborei na Enciclopédia Bloch. No almoço com Adolpho, ou sentado à mesa que ele transformava em gabinete de trabalho (Adolpho sempre se recusou a encerrar-se em sala fechada) conversava eu igualmente com Justino Martins, Murilo Melo Filho, Arnaldo Niskier, Carlos Heitor Cony e Zevi Ghivelder. Alguns dos colaboradores do livro sobre a Manchete assinalaram apropriadamente o clima informal que presidia a muitos dos trabalhos na redação da revista Manchete.
Como é sabido, o trabalho do tradutor não costuma ser bem estipendiado. Para reforçar o sustento de minha jovem família, já com dois filhos pequenos, muita vez tinha de trabalhar até desoras para completar a datilografia das implacáveis laudas das traduções (lembro-me de matéria sobre o espião Kim Philby). Por isso, não pude conter o meu espanto quando fui chamado a fazer uma legenda para foto da revista Manchete,e pelo ínfimo trabalho de costurar um texto de duas linhas, com os nomes e sobrenomes adequados, vim a receber mais do que recolhia nos meus serões de tradutor...
Encontrei-me com Adolpho e Lucy no enterro do Presidente Juscelino em Brasília. Sem qualquer apoio oficial, o povo se encarregou de homenagear JK na missa de corpo presente na Catedral, onde presenciei um dos mais comoventes espetáculos na sincera espontaneidade dos candangos, quando as flores desenhavam parábolas sobre a multidão concentrada no interior do templo para cairem sobre o esquife do criador de Brasília.
Não desejo delongar-me nesse itinerário em que pratiquei com o meu tio Adolpho. Quando, após quarenta anos de matrimônio, Adolpho e Lucy se separaram, embora não me tenha afastado de todo, compreende-se que as minhas idas ao Russell não foram tão freqüentes quanto antes, malgrado haja sempre mantido boas relações com Adolpho.
A esse propósito, a despeito de que o nome de Lucy haja sido mencionado mais de uma vez – nesse aspecto desejo cumprimentar a José Rodolpho Câmara -, a história da Manchete – e da própria TV Manchete, em que Lucy representou Bloch Editores na reunião decisiva com o Presidente João Figueiredo – careceria de ser complementada com o aporte trazido por Lucy Bloch à criação, desenvolvimento e consolidação desse grande fenômeno editorial que foi a Revista Manchete e tudo o mais que surgiu atrás dela.
Se não me engano, a última vez que vi Adolpho Bloch foi em uma recepção na Embaixada da União Soviética em Brasília. Estava ele já bastante alquebrado, e conversamos por uns minutos. Ao contemplá-lo com tristeza, eu presenciava o trabalho implacável do tempo a preparar-nos a despedida daquele dínamo, conhecido pela verve, pelo humor, pela tenacidade, pela coragem, e por dois outros raros dons, o que os espanhóis chamam don de gentes e o dom de criar uma grande empresa.
quinta-feira, 6 de novembro de 2008
Eleições Americanas - a Vitória de Barack Obama
A grande participação popular na eleição já indicava que segmentos importantes do eleitorado estavam comparecendo maciçamente às urnas, a despeito das condições por vezes bizarras, dadas as longas esperas e a utilização de máquinas obsoletas ou defeituosas. Se jovens e negros, a par de outras minorias, acorreram em massa, o faziam no pressuposto de uma causa por eles julgada importante. Todo esse realce atribuído à eleição considerada histórica, não prenunciava resultados favoráveis ao candidato republicano. A força inercial que levou ao triunfo do candidato democrata obviamente terá neutralizado o dito ‘fator Bradley’, assim como a tática conservadora de atulhar a pauta nos estados com consultas destinadas a favorecer as causas dos republicanos. A par de ser do mesmo partido de um presidente que se despede do segundo mandato com um dos mais baixos índices de aprovação da opinião pública estadunidense, John McCain fez uma campanha algo errática, sempre em busca de um grande tema (issue) que não conseguiu encontrar.
A vitória de Barack Hussein Obama, o senador júnior pelo Estado de Illinois, é importante para a democracia americana. Por primeira vez, um negro chega à Casa Branca. Decerto, não foi eleito presidente por um acaso, ou por decisão abusiva da Corte Suprema, como ocorreu com George W.Bush, em seu primeiro mandato. Arrancou a designação do Partido Democrata, ao cabo de longa e desgastante campanha de primárias, em que enfrentou a senadora por New York, Hillary Clinton. Nesse particular, sua prevalência se deve mais a fatores psico-sociais e políticos, do que propriamente à força dos números, eis que a diferença em votos populares para Hillary foi pequena, ambos colhendo cerca de dezoito milhões de sufrágios.
A quatro de novembro, venceu com 349 delegados (maioria requerida 270), contra 163, de McCain. Além dos estados tradicionalmente democráticos (California, New York), Obama ganhou em estados como Ohio, Pennsilvania, Iowa, Virgínia e até na Flórida que penderam em comícios recentes para o lado republicano.
Obama foi eleito em plataforma centrada no tema da Mudança. No geral, a par de acenar com um término para a desastrosa guerra do Iraque, ele não foi muito específico. Evitou comprometer-se com posições determinadas e, em resultado, recebeu um endosso maciço do eleitorado americano, com 53% dos votos.
Com exceção da Rússia de Dmitri Medvedev/ Vladimir Putin, que o recebeu sem cumprimentos e com ataques verbais frontais aos Estados Unidos, Obama teve no mundo uma acolhida que deve ao seu carisma, à sua promessa de mudança, e, last but not least, à penosa tradição do governo de Bush júnior.
Obama não tem experiência de encargos administrativos. Os mandatos que exerceu até hoje (senador no senado de Illinois, senador federal a partir de 2004) pertencem ao ramo legislativo. Dispõe, no entanto, de ótimas condições de apoio, de início por aquele mítico prazo de confiança, dos cem dias – de que Franklin Delano Roosevelt soube valer-se, em meio à depressão, com maestria -, sem esquecer o domínio democrata do Congresso, com largas maiorias, na Câmara dos Representantes ( 254 democratas contra 173 republicanos) e no Senado, com 56 contra 40. Existem, ainda, no Senado quatro cadeiras indefinidas, e a possibilidade teórica de chegar às sessenta cadeiras, o que blindaria a maioria democrata contra as chamadas ‘fillibusters’, isto é, o prolongamento indefinido do debate, com vistas a inviabilizar a aprovação de uma lei.
O desafio a arrostar não é dos menores – afinal os Estados Unidos e a Europa ora enfrentam crise financeira sem precedentes, que decorreu em grande parte da desregulamentação dos mercados e do benign neglect dos republicanos; a dívida estadunidense já ultrapassou os dez trilhões de dólares; ao contrário dos superavits da Administração Clinton, enormes são os deficits legados pela irresponsável política fiscal de Bush e dos republicanos; a imagem dos Estados Unidos sofre bastante pela chamada política de segurança de Bush, com as guerras do Iraque e do Afeganistão, o despejado emprego da tortura; Guantanamo; a política de avestruz em termos de meio ambiente e do aquecimento global, etc. etc.
Se Barack Obama for prudente em termos de segurança pessoal e se corresponder em boa parte ao crédito de confiança que lhe é aberto, tanto nos Estados Unidos, quanto no mundo afora, ele poderá encetar realmente uma administração histórica, valendo-se da força de que dispõem os governos recém-empossados, e com grande mandato popular. Se tiver a história por mestra, a par de não sujeitar-se a repetir passados erros, poderá abrir janelas, e deixar entrar o ar generoso das boas mudanças. Dentre as providências há muito esperadas, está a derrogação do embargo a Cuba, prorrogado até hoje pela conjunção de imobilismo e mediocridade. Mais uma vez, Roosevelt seria imitado, que restabeleceu, no início de seu primeiro mandato (teve quatro) as relações diplomáticas com a então União Soviética, rompidas desde a revolução de outubro de 1917.
A vitória de Barack Hussein Obama, o senador júnior pelo Estado de Illinois, é importante para a democracia americana. Por primeira vez, um negro chega à Casa Branca. Decerto, não foi eleito presidente por um acaso, ou por decisão abusiva da Corte Suprema, como ocorreu com George W.Bush, em seu primeiro mandato. Arrancou a designação do Partido Democrata, ao cabo de longa e desgastante campanha de primárias, em que enfrentou a senadora por New York, Hillary Clinton. Nesse particular, sua prevalência se deve mais a fatores psico-sociais e políticos, do que propriamente à força dos números, eis que a diferença em votos populares para Hillary foi pequena, ambos colhendo cerca de dezoito milhões de sufrágios.
A quatro de novembro, venceu com 349 delegados (maioria requerida 270), contra 163, de McCain. Além dos estados tradicionalmente democráticos (California, New York), Obama ganhou em estados como Ohio, Pennsilvania, Iowa, Virgínia e até na Flórida que penderam em comícios recentes para o lado republicano.
Obama foi eleito em plataforma centrada no tema da Mudança. No geral, a par de acenar com um término para a desastrosa guerra do Iraque, ele não foi muito específico. Evitou comprometer-se com posições determinadas e, em resultado, recebeu um endosso maciço do eleitorado americano, com 53% dos votos.
Com exceção da Rússia de Dmitri Medvedev/ Vladimir Putin, que o recebeu sem cumprimentos e com ataques verbais frontais aos Estados Unidos, Obama teve no mundo uma acolhida que deve ao seu carisma, à sua promessa de mudança, e, last but not least, à penosa tradição do governo de Bush júnior.
Obama não tem experiência de encargos administrativos. Os mandatos que exerceu até hoje (senador no senado de Illinois, senador federal a partir de 2004) pertencem ao ramo legislativo. Dispõe, no entanto, de ótimas condições de apoio, de início por aquele mítico prazo de confiança, dos cem dias – de que Franklin Delano Roosevelt soube valer-se, em meio à depressão, com maestria -, sem esquecer o domínio democrata do Congresso, com largas maiorias, na Câmara dos Representantes ( 254 democratas contra 173 republicanos) e no Senado, com 56 contra 40. Existem, ainda, no Senado quatro cadeiras indefinidas, e a possibilidade teórica de chegar às sessenta cadeiras, o que blindaria a maioria democrata contra as chamadas ‘fillibusters’, isto é, o prolongamento indefinido do debate, com vistas a inviabilizar a aprovação de uma lei.
O desafio a arrostar não é dos menores – afinal os Estados Unidos e a Europa ora enfrentam crise financeira sem precedentes, que decorreu em grande parte da desregulamentação dos mercados e do benign neglect dos republicanos; a dívida estadunidense já ultrapassou os dez trilhões de dólares; ao contrário dos superavits da Administração Clinton, enormes são os deficits legados pela irresponsável política fiscal de Bush e dos republicanos; a imagem dos Estados Unidos sofre bastante pela chamada política de segurança de Bush, com as guerras do Iraque e do Afeganistão, o despejado emprego da tortura; Guantanamo; a política de avestruz em termos de meio ambiente e do aquecimento global, etc. etc.
Se Barack Obama for prudente em termos de segurança pessoal e se corresponder em boa parte ao crédito de confiança que lhe é aberto, tanto nos Estados Unidos, quanto no mundo afora, ele poderá encetar realmente uma administração histórica, valendo-se da força de que dispõem os governos recém-empossados, e com grande mandato popular. Se tiver a história por mestra, a par de não sujeitar-se a repetir passados erros, poderá abrir janelas, e deixar entrar o ar generoso das boas mudanças. Dentre as providências há muito esperadas, está a derrogação do embargo a Cuba, prorrogado até hoje pela conjunção de imobilismo e mediocridade. Mais uma vez, Roosevelt seria imitado, que restabeleceu, no início de seu primeiro mandato (teve quatro) as relações diplomáticas com a então União Soviética, rompidas desde a revolução de outubro de 1917.
domingo, 2 de novembro de 2008
Eleição Americana - a Hora da Decisão
Depois da longa campanha das primárias entre os democratas - nos republicanos, a liderança de John McCain se afirmou mais cedo de forma incontestável – que, após o discurso de Hillary Clinton em junho, reconhecendo a vitória de Barack Obama, e as duas Convenções (em Denver e St. Paul), com a designação oficial dos dois candidatos dos principais partidos americanos, chegamos afinal à véspera das eleições de terça-feira, quatro de novembro.
Em meu último comentário sobre o pleito, escrevi que considerava Barack Obama como o possível vencedor, mas não tinha elementos que, a meu ver, me habilitassem a apontá-lo como o provável ganhador. Resta, portanto, agora analisar os dados disponíveis para verificar se há mudanças no quadro que justifiquem reformulações.
Como se sabe, os comícios de quatro de novembro não se referem apenas à escolha do Primeiro Mandatário estadunidense. Haverá eleições para Governadores, para o Senado Federal e a Câmara de Representantes. A julgar pelas pesquisas de opinião, deverá surgir das urnas um reforço da maioria democrata no Senado e na Câmara. Não se discute qual o partido que vencerá, existindo consenso sobre a vantagem dos democratas. O que é objeto de divergência é a amplitude da nova maioria democrata no Congresso. Segundo o instituto Gallup, cuja seriedade não é contestada, há previsão de 55 democratas e 41 republicanos. O Senado se compõe de cem senadores, e a atual maioria democrata é a menor possível (51 membros). A estimativa do Gallup para o Senado é, portanto, conservadora. Quanto à Câmara de Representantes – o mandato de seus membros é de dois anos e, por conseguinte, ela está sendo renovada por inteiro, o que não é o caso do Senado – o Gallup estima a bancada democrata em 238 e a republicana em 170. Aqui o crescimento dos democratas seria maior.
Eleição presidencial. O fortalecimento da candidatura de Obama pode ser observado na invejável situação de seus fundos de campanha, que lhe consentiram até a compra em horário prime em sete grandes redes televisivas de meia hora para um informercial (i.e., uma matéria paga de propaganda do candidato). Já a situação financeira da campanha de McCain sequer permitiria que considerasse tal hipótese.
No que concerne a adesões de personalidades, também a vantagem se acha com Obama, que recebeu o apoio – o que não é comum – de republicanos ilustres, como o ex-Secretário de Estado Colin Powell.
Em termos de previsões de opinião, se há um excesso de pesquisas, a tendência prevalente é a de registrar o triunfo de Obama (as margens variam entre nove e dois pontos percentuais), embora tenha aparecido pesquisa de uma rede de direita que indica a vitória de McCain por um ponto percentual. Os totais de uma média de onze pesquisas apontam 50,2% para Obama e 43,6% para McCain, com cerca de 6,2% de indecisos.
Todo esse acúmulo de notícias favoráveis ao contendor democrata o levaram a recomendar cautela aos seus correligionários, sublinhando o aspecto perigoso de um clima de “já ganhou”. Nesse sentido, Obama não reduziu as suas aparições, empenhando-se como se o resultado não estivesse decidido.
Por seu lado, o candidato republicano, inda que consciente de achar-se em desvantagem nas pesquisas, tem mantido um programa de intervenções em estados contestados (v.g., Virgínia, Ohio, Pennsilvania) de quem considera encontrar-se ainda a partida em aberto. A esse propósito, cabe assinalar que a vice de McCain, Sarah Palin – personalidade carismática que rapidamente passou de desconhecida à celebridade – constitui um fator não-negligenciável nesta campanha, ao contrário do veterano senador Joe Biden, vice de Obama. A governadora do Alaska, com todas as suas notórias lacunas de experiência, mereceria um estudo à parte, pelo que veio a significar na atual campanha presidencial. Se o espaço não o permite, semelha importante frisar que a aposta de McCain – no que tange estritamente à campanha – se provou acertada, dado o inegável aporte trazido para a chapa republicana pela presença de Sarah Palin.
Ao formular um prognóstico, o articulista não pode se deixar confundir pela preferência pessoal. Não restará dúvida ao leitor deste blog que para mim o Senador por Illinois é o melhor candidato. A sua vitória, outrossim, representaria marco considerável na história política estadunidense, por guindar, por primeira vez, à presidência um afro-americano. Existe, a par disso, a consciência de que seria melhor que um democrata sucedesse a George W. Bush e aos republicanos. A sua eleição em 2000, por uma inédita sentença da Suprema Corte, teve não poucas conseqüências para a grande democracia, como a desastrosa intervenção militar no Iraque, a desregulamentação dos mercados (de que a presente crise financeira se origina), sem falar da investida contra as liberdades democráticas e processuais. Tudo isso está aí para demonstrar a necessidade de uma real mudança, e quase a exigir uma nova administração, que saiba virar a página.
No entanto, e a despeito da importância da presidência americana, é bom lembrar que o mundo não vota nesta eleição. Quem a decidirá serão os cidadãos americanos, com as suas idiossincrasias, os seus temores e preconceitos, mas também com a sua percepção de uma crise grave, que pode afetar-lhes o nivel de vida.
Espero que Barack Obama vença a eleição. Contudo, não distingo elementos no quadro político que me levem a considerar o Senador por Illinois como o vencedor provável. Para mim, ele é o possível vencedor, porque incumbe computar o chamado fator Bradley, que é estimado em cerca de sete pontos. Dessarte, se somarmos indecisos e o fator Bradley, a vantagem ostensiva de Obama logrará resistir ? É o que as urnas de quatro de novembro determinarão. Por ora, além de torcer pela vitória de Obama, só resta valer-me de uma expressão traduzida do inglês : a eleição está muito apertada para que se possa indicar o vencedor.
Em meu último comentário sobre o pleito, escrevi que considerava Barack Obama como o possível vencedor, mas não tinha elementos que, a meu ver, me habilitassem a apontá-lo como o provável ganhador. Resta, portanto, agora analisar os dados disponíveis para verificar se há mudanças no quadro que justifiquem reformulações.
Como se sabe, os comícios de quatro de novembro não se referem apenas à escolha do Primeiro Mandatário estadunidense. Haverá eleições para Governadores, para o Senado Federal e a Câmara de Representantes. A julgar pelas pesquisas de opinião, deverá surgir das urnas um reforço da maioria democrata no Senado e na Câmara. Não se discute qual o partido que vencerá, existindo consenso sobre a vantagem dos democratas. O que é objeto de divergência é a amplitude da nova maioria democrata no Congresso. Segundo o instituto Gallup, cuja seriedade não é contestada, há previsão de 55 democratas e 41 republicanos. O Senado se compõe de cem senadores, e a atual maioria democrata é a menor possível (51 membros). A estimativa do Gallup para o Senado é, portanto, conservadora. Quanto à Câmara de Representantes – o mandato de seus membros é de dois anos e, por conseguinte, ela está sendo renovada por inteiro, o que não é o caso do Senado – o Gallup estima a bancada democrata em 238 e a republicana em 170. Aqui o crescimento dos democratas seria maior.
Eleição presidencial. O fortalecimento da candidatura de Obama pode ser observado na invejável situação de seus fundos de campanha, que lhe consentiram até a compra em horário prime em sete grandes redes televisivas de meia hora para um informercial (i.e., uma matéria paga de propaganda do candidato). Já a situação financeira da campanha de McCain sequer permitiria que considerasse tal hipótese.
No que concerne a adesões de personalidades, também a vantagem se acha com Obama, que recebeu o apoio – o que não é comum – de republicanos ilustres, como o ex-Secretário de Estado Colin Powell.
Em termos de previsões de opinião, se há um excesso de pesquisas, a tendência prevalente é a de registrar o triunfo de Obama (as margens variam entre nove e dois pontos percentuais), embora tenha aparecido pesquisa de uma rede de direita que indica a vitória de McCain por um ponto percentual. Os totais de uma média de onze pesquisas apontam 50,2% para Obama e 43,6% para McCain, com cerca de 6,2% de indecisos.
Todo esse acúmulo de notícias favoráveis ao contendor democrata o levaram a recomendar cautela aos seus correligionários, sublinhando o aspecto perigoso de um clima de “já ganhou”. Nesse sentido, Obama não reduziu as suas aparições, empenhando-se como se o resultado não estivesse decidido.
Por seu lado, o candidato republicano, inda que consciente de achar-se em desvantagem nas pesquisas, tem mantido um programa de intervenções em estados contestados (v.g., Virgínia, Ohio, Pennsilvania) de quem considera encontrar-se ainda a partida em aberto. A esse propósito, cabe assinalar que a vice de McCain, Sarah Palin – personalidade carismática que rapidamente passou de desconhecida à celebridade – constitui um fator não-negligenciável nesta campanha, ao contrário do veterano senador Joe Biden, vice de Obama. A governadora do Alaska, com todas as suas notórias lacunas de experiência, mereceria um estudo à parte, pelo que veio a significar na atual campanha presidencial. Se o espaço não o permite, semelha importante frisar que a aposta de McCain – no que tange estritamente à campanha – se provou acertada, dado o inegável aporte trazido para a chapa republicana pela presença de Sarah Palin.
Ao formular um prognóstico, o articulista não pode se deixar confundir pela preferência pessoal. Não restará dúvida ao leitor deste blog que para mim o Senador por Illinois é o melhor candidato. A sua vitória, outrossim, representaria marco considerável na história política estadunidense, por guindar, por primeira vez, à presidência um afro-americano. Existe, a par disso, a consciência de que seria melhor que um democrata sucedesse a George W. Bush e aos republicanos. A sua eleição em 2000, por uma inédita sentença da Suprema Corte, teve não poucas conseqüências para a grande democracia, como a desastrosa intervenção militar no Iraque, a desregulamentação dos mercados (de que a presente crise financeira se origina), sem falar da investida contra as liberdades democráticas e processuais. Tudo isso está aí para demonstrar a necessidade de uma real mudança, e quase a exigir uma nova administração, que saiba virar a página.
No entanto, e a despeito da importância da presidência americana, é bom lembrar que o mundo não vota nesta eleição. Quem a decidirá serão os cidadãos americanos, com as suas idiossincrasias, os seus temores e preconceitos, mas também com a sua percepção de uma crise grave, que pode afetar-lhes o nivel de vida.
Espero que Barack Obama vença a eleição. Contudo, não distingo elementos no quadro político que me levem a considerar o Senador por Illinois como o vencedor provável. Para mim, ele é o possível vencedor, porque incumbe computar o chamado fator Bradley, que é estimado em cerca de sete pontos. Dessarte, se somarmos indecisos e o fator Bradley, a vantagem ostensiva de Obama logrará resistir ? É o que as urnas de quatro de novembro determinarão. Por ora, além de torcer pela vitória de Obama, só resta valer-me de uma expressão traduzida do inglês : a eleição está muito apertada para que se possa indicar o vencedor.
sábado, 1 de novembro de 2008
Dos Jornais XXIV As dezoito irregularidades da campanha de Paes
Movimento apartidário de protesto contra irregularidades eleitorais.
Cobertura de O GLOBO e FOLHA DE S. PAULO - 1º NOVEMBRO 2008
O GLOBO e a Rede GLOBO têm comportamento que recorda a sua inicial cobertura dos Diretas Já. Com efeito, o seu Jornal Televisivo das dezenove horas de sexta, 31 de outubro, concedeu mínimo espaço ao movimento de protesto contra os crimes eleitorais, e o espectador menos informado não saberia contra quem ele era dirigido, eis que a locutora nem referiu de que se tratava, nem quem seria o responsável (alegados atos). Neste sábado, o incorrigível órgão situacionista, além de não atribuir-lhe chamada de primeira página, enfurnou a notícia na sua página oito, sob o título “Passeata protesta contra supostos crimes eleitorais”.
De que se tratou ? Realizou-se na tarde de sexta-feira, manifestação de cerca de três mil pessoas, com o objetivo de cobrar do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) a apuração das irregularidades eleitorais praticadas pela campanha do candidato vitorioso, Eduardo Paes. Partindo da Cinelândia em passeata, com grande parte dos integrantes vestidos de preto, o Movimento Pró-Democracia seguiu até a sede do TRE, onde entregou documento ao Setor de Protocolo do Tribunal (que estava fechado em função do Dia do Servidor Público).
O protesto se declarou apartidário, e os próprios objetivos do movimento não eram unânimes, eis que uma parte defendia apenas a apuração das irregularidades da campanha de Paes, conquanto outros manifestantes se declarassem perplexos, eis que o discurso não produzia resultados, nem provocava a impugnação da eleição.
Dentre as faixas exibidas, liam-se “Boca de urna ainda é crime”, “Abaixo a Omissão do T.R.E.” e “Não pode haver Paes se há corrupção”.
O músico Tico Santa Cruz discursou no carro de som e criticou o Presidente do T.R.E., Alberto Motta Moraes, que classificara a passeata de “manifestação de perdedor”.
“Vamos mostrar que o perdedor é quem lesa a democracia, a Constituição. Se eles não fizerem nada, é o Rio que vai perder, e eles não vão ter moral para falar nada nas próximas eleições”.
Já a Folha, apesar de ser de São Paulo, colocou a matéria na sexta página e lhe reservou mais espaço do que O GLOBO. Assinala, o que me parece interessante, o fato de que “cinco dias após o segundo turno, a mobilização se tornou um dos maiores atos eleitorais do ano na cidade.” Pablo Leal, um dos seis organizadores, declarou: “Fomos ao TRE e levantamos o que foi apurado no segundo turno como irregularidades. Apresentaram 18 processos, todos contra um candidato. Se o Paes cometeu crimes eleitorais, o problema é dele. O que nós queremos é que se apure o que ocorreu e se defina a punição, se houve irregularidades”.
Contactados pela Folha (a reportagem de O Globo não desceu a tais detalhes), Gabeira afirmou que não compete a ele “avaliar manifestações”. “Nosso setor jurídico está acompanhando a conclusão dos processos”, disse. Elogiou, outrossim, a defesa da campanha limpa nas eleições. Eduardo Paes não quis comentar a manifestação de ontem. (meu o grifo)
Comentário do cidadão. Custa acreditar que um magistrado se haja pronunciado da forma acima descrita a respeito de manifestação que foi ordeira e que apenas requeria a apuração e o julgamento das dezoito transgressões à lei eleitoral acoimadas à campanha do candidato da coalizão encabeçada pelo PMDB. Fomos habituados à prática de que os magistrados não se pronunciam sobre causas sub judice . Afinal, se a efígie da Justiça é a figura vendada, não será acaso para afirmar o seu caráter imparcial ? E é bom recordar que os pratos da balança da justiça estão para pesar não a força política das partes em litígio, mas sim a relevância, fundada em provas, dos respectivos argumentos.
Cobertura de O GLOBO e FOLHA DE S. PAULO - 1º NOVEMBRO 2008
O GLOBO e a Rede GLOBO têm comportamento que recorda a sua inicial cobertura dos Diretas Já. Com efeito, o seu Jornal Televisivo das dezenove horas de sexta, 31 de outubro, concedeu mínimo espaço ao movimento de protesto contra os crimes eleitorais, e o espectador menos informado não saberia contra quem ele era dirigido, eis que a locutora nem referiu de que se tratava, nem quem seria o responsável (alegados atos). Neste sábado, o incorrigível órgão situacionista, além de não atribuir-lhe chamada de primeira página, enfurnou a notícia na sua página oito, sob o título “Passeata protesta contra supostos crimes eleitorais”.
De que se tratou ? Realizou-se na tarde de sexta-feira, manifestação de cerca de três mil pessoas, com o objetivo de cobrar do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) a apuração das irregularidades eleitorais praticadas pela campanha do candidato vitorioso, Eduardo Paes. Partindo da Cinelândia em passeata, com grande parte dos integrantes vestidos de preto, o Movimento Pró-Democracia seguiu até a sede do TRE, onde entregou documento ao Setor de Protocolo do Tribunal (que estava fechado em função do Dia do Servidor Público).
O protesto se declarou apartidário, e os próprios objetivos do movimento não eram unânimes, eis que uma parte defendia apenas a apuração das irregularidades da campanha de Paes, conquanto outros manifestantes se declarassem perplexos, eis que o discurso não produzia resultados, nem provocava a impugnação da eleição.
Dentre as faixas exibidas, liam-se “Boca de urna ainda é crime”, “Abaixo a Omissão do T.R.E.” e “Não pode haver Paes se há corrupção”.
O músico Tico Santa Cruz discursou no carro de som e criticou o Presidente do T.R.E., Alberto Motta Moraes, que classificara a passeata de “manifestação de perdedor”.
“Vamos mostrar que o perdedor é quem lesa a democracia, a Constituição. Se eles não fizerem nada, é o Rio que vai perder, e eles não vão ter moral para falar nada nas próximas eleições”.
Já a Folha, apesar de ser de São Paulo, colocou a matéria na sexta página e lhe reservou mais espaço do que O GLOBO. Assinala, o que me parece interessante, o fato de que “cinco dias após o segundo turno, a mobilização se tornou um dos maiores atos eleitorais do ano na cidade.” Pablo Leal, um dos seis organizadores, declarou: “Fomos ao TRE e levantamos o que foi apurado no segundo turno como irregularidades. Apresentaram 18 processos, todos contra um candidato. Se o Paes cometeu crimes eleitorais, o problema é dele. O que nós queremos é que se apure o que ocorreu e se defina a punição, se houve irregularidades”.
Contactados pela Folha (a reportagem de O Globo não desceu a tais detalhes), Gabeira afirmou que não compete a ele “avaliar manifestações”. “Nosso setor jurídico está acompanhando a conclusão dos processos”, disse. Elogiou, outrossim, a defesa da campanha limpa nas eleições. Eduardo Paes não quis comentar a manifestação de ontem. (meu o grifo)
Comentário do cidadão. Custa acreditar que um magistrado se haja pronunciado da forma acima descrita a respeito de manifestação que foi ordeira e que apenas requeria a apuração e o julgamento das dezoito transgressões à lei eleitoral acoimadas à campanha do candidato da coalizão encabeçada pelo PMDB. Fomos habituados à prática de que os magistrados não se pronunciam sobre causas sub judice . Afinal, se a efígie da Justiça é a figura vendada, não será acaso para afirmar o seu caráter imparcial ? E é bom recordar que os pratos da balança da justiça estão para pesar não a força política das partes em litígio, mas sim a relevância, fundada em provas, dos respectivos argumentos.
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