Ao completar-se o primeiro mês do governo de Dilma Rousseff, com as necessárias reservas, é oportuno que se faça uma avaliação preliminar . Não será recurso retórico, que se sublinhe o caráter tentativo desta empresa. Tal não se deve tão só à circunstância de que a administração apenas comeca sua caminhada. As semanas iniciais tendem a mostrar-se plenamente quando se dispõe de período mais amplo de juízo. Afinal, muitos projetos – que auguramos existam – ainda não são conhecidos da opinião, ou então mal encetam a sair das pranchetas do Planalto.
Diante de o que precede, a cautela é de regra, sendo elementar que se lhe dê, nessas introdutórias semanas, o privilégio da dúvida.
A discrição da Presidenta Dilma Rousseff, se não se afigura de todo surpreendente, constitui característica que será mister mais do que assinalar, louvar, pelo que representa de positivo não só em relação ao novel governo, mas também no que concerne à sociedade civil, em atitude de singelo respeito.
Essa postura, que espero seja natural e não-efêmera, se torna ainda mais vincada pelo inevitável cotejo com o histrionismo pregresso, a busca do movimento por ele próprio, a despejada saraivada de conceitos e impressões que muita vez de valor apenas possuíam a vantagem habitualmente concedida à respectiva fonte.
Ao invés do voluntarismo vazio, muita vez importuno, mas sempre militante, o silêncio só interrompido por um dizer pensado e comedido pode realmente ser de ouro.
Antes de passar a outros campos, quero crer que Dilma Rousseff não escolheu a reserva por recomendação de marqueteiro. Não me pejo a propósito de repisar a relevância do juízo de Buffon de que o estilo é a pessoa. Não me parece condizente com este traço básico da personalidade, que venha a ser encarado como artigo descartável, usável unicamente para cativar ou impressionar o povo. Até prova em contrário, o verdadeiro líder não está à venda, ou para adequar-se à suposta modernidade, se conforma às prescrições do mercado.
Também muito positiva a imagem de trabalho e de reuniões manejáveis que marcaram-lhe a rotina no Planalto. É o que se espera da Chefe da Nação. Discutir as principais questões com os ministros que se augura sejam competentes e, em seguida, dar as necessárias orientações.
Em outras palavras, gerenciar os despachos, dar instruções claras e dirimir eventuais dúvidas. Dilma tem experiência no mister, posto que o faça agora com capital distinção. A partir de primeiro de janeiro, na linguagem popular de Harry Truman que exibia na sua mesa a expressão ‘aqui pára o jogo de empurra’[1], Dilma não tem mais a quem pedir orientação. A responsabilidade, e ela costuma ser pesada, recai sobre os seus ombros.
Tampouco discordo de que o melhor momento de Dilma Rousseff foi aquele da tragédia da enxurrada na região serrana. Sem apressar-se, nem tardar, transformou a respectiva presença nos locais flagelados na intervenção apropriada, em que a participação no sofrimento da população atingida não se revestiu de contornos decorativos ou oportunísticos. Soube trazer a esperança, sem descurar de dizer a verdade que outros evitariam. O acerto de sua mensagem resta, é certo, a conferir, mas o fato de apontar uma causa real tende a acenar com mudança de atitude. Não mais o fatalismo ritual a cada verão, na monótona repetição da falência do Estado em prevenir aquilo que é mais do que previsível.
Cumpre agora uma vista sumária de o que podem significar no futuro situações e desenvolvimentos pouco favoráveis ou mesmo lamentáveis.
Existe no governo, e não é de hoje, lastimável confusão entre o técnico e o político. Este não deveria prevalecer sobre aquele, excluídas as exceções de regra. Tampouco se pode confundir, como bem o dizia Raul Fernandes, a fazenda pública com as finanças privadas.
Longe de mim dar a impressão de que as linhas acima correspondam à conduta da Presidenta. Pelo seu apego ao trabalho, a sua firmeza e disposição pró-ativa, Dilma tem a meu ver todas as condições de cortar o nó gordio do negocismo e da corrupção, que representam, na terra dos impostos, o tributo mais iníquo e quiçá mais oneroso.
Lamento, outrossim, notar que a Presidente não se valeu de uma prerrogativa presidencial, que luziu bastante forte nos cem dias de Franklin Roosevelt. Não há negar que a situação era outra e depois da inércia de Herbert Hoover os Estados Unidos acolheram com alívio e esperança a atuação afirmativa de F.D.R.
Sem embargo, esse atributo presidencial, a que os poderes atribuem o benefício respeitoso da dúvida, pode ser usado para ações de impacto ou tópicas. Nos noventa, a ação foi aceita apesar de inadequada. Ao não enviar projetos de reforma ao Congresso – que adumbrara no discurso de posse – não é a Presidente Dilma que perde uma oportunidade valiosa, mas sim o Brasil que desde muito semelha acomodado a medidas de pouca monta, sob o melancólico e contraproducente compasso da rotina.
Um Presidente precisa ousar e para tanto não há janela mais apropriada do que as suas primeiras semanas. Em palavras simples, o Povo merece tal empenho. Como antecipar mudanças auspiciosas de assembleias que cuidam sobretudo dos próprios privilégios e que se alienam no estulto corporativismo tão insuflado pelos costumes e a distância do Planalto central.
Por fim, uma palavra consternada sobre Belo Monte. Ao desencadear o processo, arrancando dúbias licenças, a senhora, mais do que um ato inoportuno, cometeu um erro. Agindo desse modo, aciona um mecanismo tão nefasto, quanto desnecessário. A prudência é tão indispensável quanto a ousadia. Ambas têm a sua hora e, pesa-me dizê-lo, nesses dois últimos tópicos, a senhora errou ao trocá-los. Ousadia nas reformas e cautela no meio ambiente, e não o oposto.
De toda maneira, nesses trinta e um dias a sua atuação foi de molde a arrimar-nos na esperança. Que também é uma virtude necessária.
( Fonte: Miriam Leitão e O Globo )
[1] No dito inglês “the buck stops here”.
segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
domingo, 30 de janeiro de 2011
Colcha de Retalhos LXVIII
Pensando o Impensável
No Forum Econômico Mundial de Davos, alguns economistas ocidentais principiaram a tratar de um tema que até o presente não fora sequer considerado.
A crise da dívida, colocada de início pela ameaçada inadimplência grega e mais adiante pela situação da Irlanda, representa ameaça para a estabilidade financeira da União Europeia, e em particular para a solidez do euro.
Muitas das reuniões dos líderes europeus – e em especial da Chanceler Angela Merkel, da Alemanha, e do Presidente Nicolas Sarkozy, da França – se têm debruçado sobre tal problema para a União Europeia, e as perspectivas de agravamento diante das posições fragilizadas de Portugal e da Espanha, entre outros países da zona do euro.
Agora o debate acena estender-se para eventual crise fiscal que venha atingir o Japão e os Estados Unidos. Bill Clinton foi o último presidente americano que logrou diminuir o endividamento do Tesouro estadunidense. Todos sabemos o que aconteceu com o seu sucessor George Bush Jr. e a consequente explosão do deficit, causada precipuamente pela guerra do Iraque.
Problema similar aflige o Japão, por força da decenal estagnação de sua economia.
A dívida pública desses dois países tem crescido desmedidamente. A sua condição se agravaria se levarmos em conta o envelhecimento relativo das respectivas populações, e suas obrigações da previdência e das pensões com financiamento deficitário.
Nesse sentido, a situação do Japão mereceu atenção particularizada, pelo seu rebaixamento de um ponto por uma das agências classificadoras de ratings corporativos. Assinale-se que o Primeiro Ministro Naoto Kan advertiu que o Japão pode ver-se envolvido em crise financeira de proporções gregas se não se resolver a enfrentar seriamente a questão da respectiva dívida, que deve elevar-se a 210% de seu PNB em 2012.
Embora a situação fiscal dos Estados Unidos não possa ser comparada com a nipônica, alguns economistas começam a tocar na tecla do alarme. Segundo Kenneth S.Rogoff, professor de Harvard :“ Entre dívidas e pensões, todos devem estar conscientes de que isso não pode perdurar eternamente. Teremos sorte, se continuar por mais cinco ou dez anos mais.”
Com a dívida pública aumentada pela explosão dos déficits orçamentários, e a situação agravada com a crise financeira internacional e os dispêndios decorrentes, não há de surpreender que o Congresso americano deva elevar o teto da dívida público na próxima primavera boreal.
Atualmente o total da dívida pública corresponde a US$ 14,03 trilhões, o que representa 95,6% do PNB dos Estados Unidos (US$ 14,7 trilhões). Atendidos os totais acima, a elevação do teto da dívida pelo Congresso se afigura bastante provável.
Na presente situação, não parece provável que a crise fiscal americana ganhe outros contornos mais graves. Para tanto, contribui a posição do dólar americano como moeda de reserva internacional, dada a sua predominância na esfera global. Não obstante, com o passivo estadunidense aumentando, se tornam mais frequentes as menções sobre eventuais opções de outras moedas de reserva, como a aventada de um ‘cesto de divisas’, no âmbito do FMI. Por enquanto, são hipóteses bastante tentativas, amiúde formuladas como simples matérias de discussão.
Se a situação gerida pelo Federal Reserve Bank está sob controle, o mesmo não se aplica a diversos estados da União americana, que se acham à beira da insolvência financeira. Dentre esses, o que está mais próximo da necessidade de um ‘bail-out’[1] é o Illinois, mas tampouco se poderia excluir no futuro o maior estado americano, a California, que atravessa difícil situação fiscal, pelas dimensões da respectiva dívida.
A Revolução Democrática no Egito (Contd.)
O discurso do Presidente Hosni Mubarak não teve qualquer efeito sobre o movimento revolucionário egípcio. As manifestações continuam, agora na presença de tanques do exército que, ao contrário da consueta violência policial, até o presente se tem abstido de intervir de forma pró-ativa. A sua localização tem servido para dissuadir as aglomerações de investir contra prédios públicos (a sede do Partido de Mubarak fora incendiada anteriormente). Em outras oportunidades, a postura dos militares tem sido amistosa, beirando a confraternização.
Mubarak, que assumira o poder por ser o vice-presidente do assassinado Anuar Sadat, é militar, como o eram Sadat e Nasser. Esses últimos dois faziam parte do grupo de ‘oficiais livres’ que derrubaram o desmoralizado rei Faruk em 1952, mantendo-se a chefia nominal do general Muhammad Naguib até novembro de 1954, quando foi deposto pelo coronel Nasser.
Carismático, Gamal Nasser seria o Raïs até a sua morte em 1970, quando Anuar Sadat assumiria o poder. Essa linha castrense na presidência egípcia seria mantida por Mubarak. Não surpreende, portanto, que, na maior crise de seus trinta anos de governo, recorra aos companheiros militares na tentativa de superar o desafio da revolução democrática.
Dessarte, o velho presidente chamou para a vice-presidência – cargo jamais ocupado na sua longa permanência à frente da nação – Omar Suleiman, antes chefe do serviço de inteligência. E em outro posto-chave – formando na prática um tripé militar – chamou Ahmed Shafik, general da reserva, para ser o Primeiro Ministro.
As medidas de Mubarak podem ser ambivalentes. Ou busca o reforço da máquina governamental, a cargo do exército que desde a queda da monarquia tem a primazia do poder, ou o presidente pensa sobretudo em resguardar-se quanto a uma eventual saída, intentando deixar o mando em mãos de sua estrita confiança.
Se nos formos guiar por sinais aparentes, em uma situação fluida, a autoridade do Estado dá sinais de apagões. Assim, os saques em lojas, negócios e mesmo residências se alastram em determinadas vizinhanças, em um cenário análogo ao ocorrido na Tunísia.
Essa omissão do poder estatal – cuja importância não deve ser decerto minimizada, pelo que implica a anarquia – tem sido observada no desrespeito generalizado do toque de recolher, nos saques ( a que segmentos da população buscam contra-arrestar através de milícias) e nos incêndios de prédios públicos e oficiosos (a sede do partido de Mubarak). Há também mostras de postura do exército de não-intervenção – como na cidade de Suez – o que é deveras inquietante para um governo de base castrense como o de Mubarak.
Dúvidas sobre a Mensagem de Medvedev em Davos
Dmitri A. Medvedev, antigo professor de direito civil em São Petersburgo, assumira o compromisso de, como presidente, restaurar a imparcialidade e o profissionalismo nas cortes de justiça da Federação Russa.
Consoante a sua promessa, o país não mais viveria em uma condição de ‘niilismo legal’. Mikhail B. Khodorkovsky, o antigo proprietário da companhia petrolífera Yukos, e hoje na prisão, confiou na sinceridade de Medvedev. Nas declarações de Khodorkovsky – que fora condenado a oito anos de prisão (na Sibéria)por fraude e sonegação fiscal, ora aguarda o seu recurso contra a pena adicional de seis anos que por motivos bastante suspeitos lhe foi cominada recentemente – “ o presidente Medvedev é muito mais inteligível. Ele é um político pragmático que possui determinados ideais compatíveis com a democracia. Eu entendo bem a sua situação, e por isso raramente o critico. Contudo, nós temos o direito de esperar pela sua ação.”
Infelizmente, nessa mensagem do cárcere, o desafeto de Putin se manifesta “sinceramente desapontado ( com o fato de que ) o presidente Medvedev por enquanto não conseguiu corresponder à sua promessa sobre a primazia da lei.”
Tudo indica que a missão presidencial de Medvedev em Davos não colheu os resultados ambicionados. O seu discurso como convidado especial ao Forum buscava atrair o investimento estrangeiro com vistas a auxiliar o baixo crescimento econômico russo. Em tal sentido, o Presidente prometeu postura de favorecimento aos empresários ( ‘business-friendly’), com a introdução de reformas para eliminar a burocracia.
Dada a relação de poder na Federação Russa e as indicações que apontam para a prevalência do Primeiro Ministro Vladimir Putin, a avaliação quanto aos propósitos de Medvedev tende para o ceticismo. Tudo depende da evolução da situação política. Quem será o próximo candidato a presidente em 2012 ? Da resposta desta pergunta muitas dúvidas serão dissipadas.
(Fontes: International Herald Tribune e Folha de S. Paulo)
[1] Ajuda financeira para tornar viável a sua situação econômica, a exemplo dos auxílios prestados pelo Tesouro americano a grandes bancos fragilizados, como o Citibank, por ocasião da Crise Financeira Internacional.
No Forum Econômico Mundial de Davos, alguns economistas ocidentais principiaram a tratar de um tema que até o presente não fora sequer considerado.
A crise da dívida, colocada de início pela ameaçada inadimplência grega e mais adiante pela situação da Irlanda, representa ameaça para a estabilidade financeira da União Europeia, e em particular para a solidez do euro.
Muitas das reuniões dos líderes europeus – e em especial da Chanceler Angela Merkel, da Alemanha, e do Presidente Nicolas Sarkozy, da França – se têm debruçado sobre tal problema para a União Europeia, e as perspectivas de agravamento diante das posições fragilizadas de Portugal e da Espanha, entre outros países da zona do euro.
Agora o debate acena estender-se para eventual crise fiscal que venha atingir o Japão e os Estados Unidos. Bill Clinton foi o último presidente americano que logrou diminuir o endividamento do Tesouro estadunidense. Todos sabemos o que aconteceu com o seu sucessor George Bush Jr. e a consequente explosão do deficit, causada precipuamente pela guerra do Iraque.
Problema similar aflige o Japão, por força da decenal estagnação de sua economia.
A dívida pública desses dois países tem crescido desmedidamente. A sua condição se agravaria se levarmos em conta o envelhecimento relativo das respectivas populações, e suas obrigações da previdência e das pensões com financiamento deficitário.
Nesse sentido, a situação do Japão mereceu atenção particularizada, pelo seu rebaixamento de um ponto por uma das agências classificadoras de ratings corporativos. Assinale-se que o Primeiro Ministro Naoto Kan advertiu que o Japão pode ver-se envolvido em crise financeira de proporções gregas se não se resolver a enfrentar seriamente a questão da respectiva dívida, que deve elevar-se a 210% de seu PNB em 2012.
Embora a situação fiscal dos Estados Unidos não possa ser comparada com a nipônica, alguns economistas começam a tocar na tecla do alarme. Segundo Kenneth S.Rogoff, professor de Harvard :“ Entre dívidas e pensões, todos devem estar conscientes de que isso não pode perdurar eternamente. Teremos sorte, se continuar por mais cinco ou dez anos mais.”
Com a dívida pública aumentada pela explosão dos déficits orçamentários, e a situação agravada com a crise financeira internacional e os dispêndios decorrentes, não há de surpreender que o Congresso americano deva elevar o teto da dívida público na próxima primavera boreal.
Atualmente o total da dívida pública corresponde a US$ 14,03 trilhões, o que representa 95,6% do PNB dos Estados Unidos (US$ 14,7 trilhões). Atendidos os totais acima, a elevação do teto da dívida pelo Congresso se afigura bastante provável.
Na presente situação, não parece provável que a crise fiscal americana ganhe outros contornos mais graves. Para tanto, contribui a posição do dólar americano como moeda de reserva internacional, dada a sua predominância na esfera global. Não obstante, com o passivo estadunidense aumentando, se tornam mais frequentes as menções sobre eventuais opções de outras moedas de reserva, como a aventada de um ‘cesto de divisas’, no âmbito do FMI. Por enquanto, são hipóteses bastante tentativas, amiúde formuladas como simples matérias de discussão.
Se a situação gerida pelo Federal Reserve Bank está sob controle, o mesmo não se aplica a diversos estados da União americana, que se acham à beira da insolvência financeira. Dentre esses, o que está mais próximo da necessidade de um ‘bail-out’[1] é o Illinois, mas tampouco se poderia excluir no futuro o maior estado americano, a California, que atravessa difícil situação fiscal, pelas dimensões da respectiva dívida.
A Revolução Democrática no Egito (Contd.)
O discurso do Presidente Hosni Mubarak não teve qualquer efeito sobre o movimento revolucionário egípcio. As manifestações continuam, agora na presença de tanques do exército que, ao contrário da consueta violência policial, até o presente se tem abstido de intervir de forma pró-ativa. A sua localização tem servido para dissuadir as aglomerações de investir contra prédios públicos (a sede do Partido de Mubarak fora incendiada anteriormente). Em outras oportunidades, a postura dos militares tem sido amistosa, beirando a confraternização.
Mubarak, que assumira o poder por ser o vice-presidente do assassinado Anuar Sadat, é militar, como o eram Sadat e Nasser. Esses últimos dois faziam parte do grupo de ‘oficiais livres’ que derrubaram o desmoralizado rei Faruk em 1952, mantendo-se a chefia nominal do general Muhammad Naguib até novembro de 1954, quando foi deposto pelo coronel Nasser.
Carismático, Gamal Nasser seria o Raïs até a sua morte em 1970, quando Anuar Sadat assumiria o poder. Essa linha castrense na presidência egípcia seria mantida por Mubarak. Não surpreende, portanto, que, na maior crise de seus trinta anos de governo, recorra aos companheiros militares na tentativa de superar o desafio da revolução democrática.
Dessarte, o velho presidente chamou para a vice-presidência – cargo jamais ocupado na sua longa permanência à frente da nação – Omar Suleiman, antes chefe do serviço de inteligência. E em outro posto-chave – formando na prática um tripé militar – chamou Ahmed Shafik, general da reserva, para ser o Primeiro Ministro.
As medidas de Mubarak podem ser ambivalentes. Ou busca o reforço da máquina governamental, a cargo do exército que desde a queda da monarquia tem a primazia do poder, ou o presidente pensa sobretudo em resguardar-se quanto a uma eventual saída, intentando deixar o mando em mãos de sua estrita confiança.
Se nos formos guiar por sinais aparentes, em uma situação fluida, a autoridade do Estado dá sinais de apagões. Assim, os saques em lojas, negócios e mesmo residências se alastram em determinadas vizinhanças, em um cenário análogo ao ocorrido na Tunísia.
Essa omissão do poder estatal – cuja importância não deve ser decerto minimizada, pelo que implica a anarquia – tem sido observada no desrespeito generalizado do toque de recolher, nos saques ( a que segmentos da população buscam contra-arrestar através de milícias) e nos incêndios de prédios públicos e oficiosos (a sede do partido de Mubarak). Há também mostras de postura do exército de não-intervenção – como na cidade de Suez – o que é deveras inquietante para um governo de base castrense como o de Mubarak.
Dúvidas sobre a Mensagem de Medvedev em Davos
Dmitri A. Medvedev, antigo professor de direito civil em São Petersburgo, assumira o compromisso de, como presidente, restaurar a imparcialidade e o profissionalismo nas cortes de justiça da Federação Russa.
Consoante a sua promessa, o país não mais viveria em uma condição de ‘niilismo legal’. Mikhail B. Khodorkovsky, o antigo proprietário da companhia petrolífera Yukos, e hoje na prisão, confiou na sinceridade de Medvedev. Nas declarações de Khodorkovsky – que fora condenado a oito anos de prisão (na Sibéria)por fraude e sonegação fiscal, ora aguarda o seu recurso contra a pena adicional de seis anos que por motivos bastante suspeitos lhe foi cominada recentemente – “ o presidente Medvedev é muito mais inteligível. Ele é um político pragmático que possui determinados ideais compatíveis com a democracia. Eu entendo bem a sua situação, e por isso raramente o critico. Contudo, nós temos o direito de esperar pela sua ação.”
Infelizmente, nessa mensagem do cárcere, o desafeto de Putin se manifesta “sinceramente desapontado ( com o fato de que ) o presidente Medvedev por enquanto não conseguiu corresponder à sua promessa sobre a primazia da lei.”
Tudo indica que a missão presidencial de Medvedev em Davos não colheu os resultados ambicionados. O seu discurso como convidado especial ao Forum buscava atrair o investimento estrangeiro com vistas a auxiliar o baixo crescimento econômico russo. Em tal sentido, o Presidente prometeu postura de favorecimento aos empresários ( ‘business-friendly’), com a introdução de reformas para eliminar a burocracia.
Dada a relação de poder na Federação Russa e as indicações que apontam para a prevalência do Primeiro Ministro Vladimir Putin, a avaliação quanto aos propósitos de Medvedev tende para o ceticismo. Tudo depende da evolução da situação política. Quem será o próximo candidato a presidente em 2012 ? Da resposta desta pergunta muitas dúvidas serão dissipadas.
(Fontes: International Herald Tribune e Folha de S. Paulo)
[1] Ajuda financeira para tornar viável a sua situação econômica, a exemplo dos auxílios prestados pelo Tesouro americano a grandes bancos fragilizados, como o Citibank, por ocasião da Crise Financeira Internacional.
sábado, 29 de janeiro de 2011
A Revolução Democrática chega ao Egito
Da pequena Tunísia, a mancha vermelha da revolução alcança o Egito de Hosni Mubarak. Há trinta anos no poder, Mubarak se acreditara com embasamento suficiente para preparar a passagem dinástica do mando para o filho Gamal Mubarak. O contágio democrático da insurreição tunisiana que, sem outra liderança senão a do povo, derrubara o ditador Ben Ali, agora se espalha no fértil terreno egípcio, com a população alienada por ditadura que, sem o carisma de Gamal Abdel Nasser que tampouco lhe melhorara a sorte, a par da corrupção prevalente. Se tal situação não muito difere da de outros países, como a Argélia de Abdelaziz Bouteflika (há cerca de doze anos na presidência), incumbe notar que o Egito é o maior país árabe, com cerca de oitenta milhões de habitantes.
Regressando do estrangeiro, Mohamed El-Baradej, Prêmio Nobel da Paz e antigo diretor-geral da Agência Atômica das Nações Unidas, ofereceu-se para encabeçar o movimento popular. É difícil determinar, por ora, a possibilidade de El-Baradej liderar a contestação egípcia, que se caracteriza, até o presente, pela sua espontaneidade e aceitação dentro de largo espectro demográfico. Por via das dúvidas, a polícia tratou de neutralizar o respeitado El-Baradej, colocando-o em prisão domiciliar.
Por outro lado, ao invés de o que intentam propalar fontes oficiais – no intuito de confinar ideologicamente a mobilização - essa sublevação não é de iniciativa da Fraternidade Muçulmana[1], que, malgrado ser tolerada,se acha oficialmente banida.
Na verdade, como na Tunísia, o movimento abrange largas camadas de um povo insatisfeito com a carestia, o desemprego e a onipresente corrupção. Se os islamistas se associam ao levante – e se tenha presente a relevância da egípcia Fraternidade Muçulmana como originária dos partidos e seitas islamizantes no mundo árabe -, constituem apenas uma parcela desse grande incêndio, que se espalha por todo o país.
Ateada pelo exemplo tunisiano, a sublevação se defronta com condições sociais similares àquele país do Magreb, com o crescente artificialismo do apoio popular ao regime de Mubarak, porém tem de lidar com um ditador egresso do exército, e que semelha disposto a enfrentar, inclusive valendo-se do exército, essa portentosa onda de renovação.
Alimentada pela insatisfação generalizada, a insurreição não acena diminuir, não obstante a pretendida dureza da repressão. Presente nas principais cidades – Cairo, Alexandria, Suez – e em todo o país, registram-se violentos confrontos, oficialmente se computam 24 mortos, com mais de um milhar de feridos e outro milhar de presos. Apesar de os meios eletrônicos e convencionais se acharem desativados – internet, twitter, celulares e telefonia – a insurgência tem demonstrado inventiva e habilidade em aglutinar-se nos logradouros e situações as mais diversas. Acicatada pela predominância da juventude, acentua-se a extensão e capilaridade da revolta, assinalada na presença – inusitada no mundo islâmico – de mulheres, a encarar com surpreendente desenvoltura cordões policiais, muitos deles constrangidos a posições defensivas.
A irradiação revolucionária – e a consciência de seus partícipes das razões e da justiça da própria ação - muita vez não tende a confinar-se nos limites habituais entre forças da ordem e o povo. Como se comprovou em outras oportunidades históricas, as forças encarregadas da repressão podem, em circunstâncias determinadas, sofrer o ‘contágio’ da básica mensagem revolucionária de justiça. Por isso, as defecções tendem a amiudar-se e a sua potência de induzir a imitação não deve ser subestimada. Afinal, os efetivos da polícia, sobretudo os de menor hierarquia, estão sujeitos amiúde a partilhar as mesmas condições que motivam aqueles que se encontram do outro lado.
Em termos de perspectiva, é cedo para redigir o obituário do regime de Hosni Mubarak. Nominalmente dispõe do exército mais bem armado e estruturado da nação árabe. Tampouco o ditador tem hesitado em servir-se de armamento pesado, na tentativa de contra-arrestar a onda democrática.
Recorrendo tanto aos bastões, quanto às cenouras, Mubarak, em rede nacional, anunciou a dissolução do ministério e a pronta formação de novo gabinete. Prometeu mais liberdade, mas asseverou que não renunciará: “ como presidente deste país, garanto que estou protegendo a população e garantindo liberdade, desde que a lei seja respeitada. As pessoas querem mais empregos, preços mais baixos, menos pobreza. Sei que todos esses temas são necessários, e trabalho por eles todos os dias. No Egito, o poder está com o presidente.” E acrescendou ser vítima de “parte de um plano maior para desestabilizar o Egito”.
Hosni Mubarak não tem a energia de antes. Com oitenta e dois anos, dizia-se ambivalente quanto a uma nova reeleição, ou a promover a sucessão pelo respectivo filho, Gamal Mubarak.
Sem embargo da exposição de forças blindadas, do gás lacrimogêneo, da ocupação de pontos nevrálgicos de comunicação viária e da brutalidade dos esquadrões de choque, a assertiva de Mubarak quanto à respectiva posse do poder se afigura questionável em diversos aspectos.
Por um lado, o toque de recolher não é respeitado. Em tardas horas da noite, não se vêem furtivos punhados de populares, mas o movimento constante do povo, o tráfego desimpedido de veículos e não o silêncio opresso e as ruas desertas impostas pela autoridade.
Dada a importância geopolítica do Egito, o que lá ocorre é observado com maior atenção, expectativa e mesmo nervosismo de parte de países vizinhos, de Israel, dos principais atores da União Europeia e da própria Administração Obama.
A eventual queda de Mubarak não será evento com influência restrita aos demais potentados árabes - há agitação e auto-imolações desde a ocidental, desértica e instável Mauritânia de Mohamed Ould Abdel Aziz, passando por Alger la blanche[2] de Bouteflika, pela monarquia marroquina de Mohammed VI, pela Jamahiriya Líbica de Kaddaffi, pelo Rei Abdullah da Jordânia, pelo pequeno Iemen do presidente (desde 1978) Ali Abdullah Saleh , e a antes pétrea Arábia Saudita, do sultão Abdullah), eis que Tel-Aviv acompanha inquieta os dissabores do Raïs[3] - com quem mantém relações diplomáticas, única exceção no mundo árabe – e Washington segue intensamente a progressão dos acontecimentos, dado o óbvio peso da aliança entre a superpotência e a República Árabe do Egito. Essa preocupação já se manifesta nas comunicações ostensivas do Presidente Barack Obama e da Secretária de Estado Hillary Clinton, com ênfase na oportunidade das reformas e do não-emprego da violência.
Não será especulação se o potencial desestabilizador da onda tunisiana atingir outros países, inclusive a nominal democracia xiita dos Ayatollahs. O fermento dos jovens e o fulgor das liberdades democráticas constituem um facho que incomoda sobremaneira os tiranos, mesmo aqueles de outras raças, posto que abarcados pelo largo manto do Islã.
(Fontes: O Globo, International Herald Tribune )
[1] Fundada em 1928 pelo mestre-escola Hassan al-Banna, o movimento de retorno às origens do Islã, constituiria a base do fundamentalismo islâmico.
[2] A branca Argel, com referência à cor alva de suas construções, em especial, a medieval Casbá (cidadela), que é tombada pela Unesco como Patrimônio da Humanidade.
[3] Presidente, título do Chefe de Estado egípcio.
Regressando do estrangeiro, Mohamed El-Baradej, Prêmio Nobel da Paz e antigo diretor-geral da Agência Atômica das Nações Unidas, ofereceu-se para encabeçar o movimento popular. É difícil determinar, por ora, a possibilidade de El-Baradej liderar a contestação egípcia, que se caracteriza, até o presente, pela sua espontaneidade e aceitação dentro de largo espectro demográfico. Por via das dúvidas, a polícia tratou de neutralizar o respeitado El-Baradej, colocando-o em prisão domiciliar.
Por outro lado, ao invés de o que intentam propalar fontes oficiais – no intuito de confinar ideologicamente a mobilização - essa sublevação não é de iniciativa da Fraternidade Muçulmana[1], que, malgrado ser tolerada,se acha oficialmente banida.
Na verdade, como na Tunísia, o movimento abrange largas camadas de um povo insatisfeito com a carestia, o desemprego e a onipresente corrupção. Se os islamistas se associam ao levante – e se tenha presente a relevância da egípcia Fraternidade Muçulmana como originária dos partidos e seitas islamizantes no mundo árabe -, constituem apenas uma parcela desse grande incêndio, que se espalha por todo o país.
Ateada pelo exemplo tunisiano, a sublevação se defronta com condições sociais similares àquele país do Magreb, com o crescente artificialismo do apoio popular ao regime de Mubarak, porém tem de lidar com um ditador egresso do exército, e que semelha disposto a enfrentar, inclusive valendo-se do exército, essa portentosa onda de renovação.
Alimentada pela insatisfação generalizada, a insurreição não acena diminuir, não obstante a pretendida dureza da repressão. Presente nas principais cidades – Cairo, Alexandria, Suez – e em todo o país, registram-se violentos confrontos, oficialmente se computam 24 mortos, com mais de um milhar de feridos e outro milhar de presos. Apesar de os meios eletrônicos e convencionais se acharem desativados – internet, twitter, celulares e telefonia – a insurgência tem demonstrado inventiva e habilidade em aglutinar-se nos logradouros e situações as mais diversas. Acicatada pela predominância da juventude, acentua-se a extensão e capilaridade da revolta, assinalada na presença – inusitada no mundo islâmico – de mulheres, a encarar com surpreendente desenvoltura cordões policiais, muitos deles constrangidos a posições defensivas.
A irradiação revolucionária – e a consciência de seus partícipes das razões e da justiça da própria ação - muita vez não tende a confinar-se nos limites habituais entre forças da ordem e o povo. Como se comprovou em outras oportunidades históricas, as forças encarregadas da repressão podem, em circunstâncias determinadas, sofrer o ‘contágio’ da básica mensagem revolucionária de justiça. Por isso, as defecções tendem a amiudar-se e a sua potência de induzir a imitação não deve ser subestimada. Afinal, os efetivos da polícia, sobretudo os de menor hierarquia, estão sujeitos amiúde a partilhar as mesmas condições que motivam aqueles que se encontram do outro lado.
Em termos de perspectiva, é cedo para redigir o obituário do regime de Hosni Mubarak. Nominalmente dispõe do exército mais bem armado e estruturado da nação árabe. Tampouco o ditador tem hesitado em servir-se de armamento pesado, na tentativa de contra-arrestar a onda democrática.
Recorrendo tanto aos bastões, quanto às cenouras, Mubarak, em rede nacional, anunciou a dissolução do ministério e a pronta formação de novo gabinete. Prometeu mais liberdade, mas asseverou que não renunciará: “ como presidente deste país, garanto que estou protegendo a população e garantindo liberdade, desde que a lei seja respeitada. As pessoas querem mais empregos, preços mais baixos, menos pobreza. Sei que todos esses temas são necessários, e trabalho por eles todos os dias. No Egito, o poder está com o presidente.” E acrescendou ser vítima de “parte de um plano maior para desestabilizar o Egito”.
Hosni Mubarak não tem a energia de antes. Com oitenta e dois anos, dizia-se ambivalente quanto a uma nova reeleição, ou a promover a sucessão pelo respectivo filho, Gamal Mubarak.
Sem embargo da exposição de forças blindadas, do gás lacrimogêneo, da ocupação de pontos nevrálgicos de comunicação viária e da brutalidade dos esquadrões de choque, a assertiva de Mubarak quanto à respectiva posse do poder se afigura questionável em diversos aspectos.
Por um lado, o toque de recolher não é respeitado. Em tardas horas da noite, não se vêem furtivos punhados de populares, mas o movimento constante do povo, o tráfego desimpedido de veículos e não o silêncio opresso e as ruas desertas impostas pela autoridade.
Dada a importância geopolítica do Egito, o que lá ocorre é observado com maior atenção, expectativa e mesmo nervosismo de parte de países vizinhos, de Israel, dos principais atores da União Europeia e da própria Administração Obama.
A eventual queda de Mubarak não será evento com influência restrita aos demais potentados árabes - há agitação e auto-imolações desde a ocidental, desértica e instável Mauritânia de Mohamed Ould Abdel Aziz, passando por Alger la blanche[2] de Bouteflika, pela monarquia marroquina de Mohammed VI, pela Jamahiriya Líbica de Kaddaffi, pelo Rei Abdullah da Jordânia, pelo pequeno Iemen do presidente (desde 1978) Ali Abdullah Saleh , e a antes pétrea Arábia Saudita, do sultão Abdullah), eis que Tel-Aviv acompanha inquieta os dissabores do Raïs[3] - com quem mantém relações diplomáticas, única exceção no mundo árabe – e Washington segue intensamente a progressão dos acontecimentos, dado o óbvio peso da aliança entre a superpotência e a República Árabe do Egito. Essa preocupação já se manifesta nas comunicações ostensivas do Presidente Barack Obama e da Secretária de Estado Hillary Clinton, com ênfase na oportunidade das reformas e do não-emprego da violência.
Não será especulação se o potencial desestabilizador da onda tunisiana atingir outros países, inclusive a nominal democracia xiita dos Ayatollahs. O fermento dos jovens e o fulgor das liberdades democráticas constituem um facho que incomoda sobremaneira os tiranos, mesmo aqueles de outras raças, posto que abarcados pelo largo manto do Islã.
(Fontes: O Globo, International Herald Tribune )
[1] Fundada em 1928 pelo mestre-escola Hassan al-Banna, o movimento de retorno às origens do Islã, constituiria a base do fundamentalismo islâmico.
[2] A branca Argel, com referência à cor alva de suas construções, em especial, a medieval Casbá (cidadela), que é tombada pela Unesco como Patrimônio da Humanidade.
[3] Presidente, título do Chefe de Estado egípcio.
sexta-feira, 28 de janeiro de 2011
Maus Ventos em Belo Monte
A concessão pelo presidente substituto do Ibama, Américo Ribeiro Tunes, de licença para a instalação do canteiro de obras da usina de Belo Monte, no rio Xingu, não é medida rotineira nem acontece por acaso. Ocorre após o afastamento de Abelardo Bayma da presidência do Instituto.
Como se verifica, este polêmico empreendimento hidrelétrico continua a receber a atenção prioritária do Palácio do Planalto. O licenciamento, esperado desde meados do segundo semestre de 2010, era indispensável para que as obras de construção da usina pudessem sair do papel. Com efeito, se a licença não fosse concedida prontamente, o consórcio construtor perderia a chamada ‘janela hidrológica’, a época anterior à estação chuvosa na Região Norte.
Se a autorização não fosse dada, o início das obras teria que ser adiado para 2012, o que atrasaria os trabalhos em cerca de um ano. Em nota à imprensa, a Norte Energia – empresa que construirá a usina, sob o comando efetivo da Eletrobrás – asseverou que “a conclusão do empreendimento está prevista em dez anos, com início de operação a partir do quinto ano do início da obra, ou seja, em 31 de dezembro de 2014”.
Como se há de verificar, esta data marca igualmente o fim do mandato presidencial de Dilma Rousseff !
A extensão do prazo para a concessão da licença se deve precipuamente às circunstâncias de encontrar-se o segundo governo Lula em fim de mandato, a atenção prioritária concedida nos meses derradeiros à campanha eleitoral de Dilma Rousseff, e o relativo vácuo de poder que permitiu ao presidente do Ibama, Abelardo Bayma, que fizesse valer junto a Norte Energia as condicionantes estabelecidas pelas entidades ambientalistas.
Após a assunção de suas funções, Dilma Rousseff voltou a envergar o uniforme desenvolvimentista. Terá esquecido das melífluas promessas de maior atenção ao meio ambiente, promessas estas arrancadas pelo seu inesperado tropeço no primeiro turno. Naquele momento, Lula e sobretudo Dilma tinham todo interesse em atrair os votos da Senadora Marina Silva, que representara o fator determinante para o embate entre Dilma e José Serra no segundo turno.
Diante do comportamento pregresso de Dilma na Casa Civil, é de supor-se que Marina fez de conta que tomava como sérios os compromissos médio-ambientais da candidata de Lula da Silva.
Marina não terá esquecido o tratamento antes recebido pela todo-poderosa Chefa de Casa Civil (e virtual Primeira Ministra). O episódio Mangabeira Unger – a designação do Secretário Especial de Assuntos Estratégicos para coordenar o Programa da Amazônia Sustentável – foi indubitavelmente a pá de cal, a última avania, para que a antiga companheira de Lula e de Chico Mendes por fim se decidisse a largar o Ministério do Meio Ambiente.
Fê-lo à sua maneira, com a habitual elegância e discrição. Não poucos diriam que a falta sofrida beirava o menosprezo. Quiçá se houvesse partido batendo a porta marcaria a insólita ocorrência na forma ríspida que fazia por merecer. Quem assim pensou terá esquecido a injunção de Buffon quanto ao estilo de cada um.
Mas voltemos à rediviva Dilma Rousseff. Retornou com muita pressa quanto a seu dileto projeto de Belo Monte. Já na primeira semana de Presidenta, reuniu-se no Planalto com o Ministro das Minas e Energia, Édison Lobão e a Ministra Izabella Teixeira.
Na agenda do encontro, a implantação sem maior tardança do canteiro de Belo Monte. Poderia a Ministra Izabella Teixeira, que não tem partido político, e que assumira o ministério após a saida de Carlos Minc, resistir à pressa presidencial ? De que terão valido os argumentos do Ibama, quanto ao não-cumprimento das condicionantes impostos pelo órgão técnico, que visam a reduzir os impactos ambiental e social da obra ?
A Ministra técnica Izabella Teixeira garantiu que os entraves estavam superados. Abelardo Bayma, presidente do Ibama, preferiu optar pela demissão. Américo Tunes, um dos diretores, assumiu, como substituto, a presidência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama).
Se prevaleceu a férrea vontade de Dilma Rousseff, a sua vitória poderá ser de Pirro.
Para sua honra, o Ministério Público do Pará ajuizou ação civil pública ambiental na 9ª Vara da Justiça Federal, em Belém. Nela se pede a nulidade da licença concedida pelo Ibama na última quarta-feira.
Argumentam os procuradores responsáveis pela ação que, além de a licença concedida – que é de “instalação parcial” – não existir na legislação brasileira, tampouco houve cumprimento das quarenta condicionantes impostas pelo próprio Ibama, quando da liberação da licença prévia em 2010.
Na ordem unida, estabelecida na marra, estão todas essas contorsões jurídicas do Ibama sob Dilma – para conseguir contornar as condições que o próprio Instituto estabelecera. De acordo com Marina Silva “ é um mecanismo inventado, de flexibilização da legislação. Criaram esta figura estranha de fato consumado, que não tem acolhimento para este tipo de empreendimento. Licenças parciais podem ser dadas para obras longitudinais, como estradas, construídas por etapas.”
Acionada pelo Ministério Público, é de se esperar que a Justiça cumpra o seu papel, varrendo as arbitrariedades e os açodamentos do novo Governo. Seria muito oportuno que se procedesse a estudo que desvelasse os embustes e as ruinosas consequências ambientais, humanas e energéticas da mal denominada Usina de Belo Monte.
( Fontes: O Globo e Folha de S.Paulo )
Como se verifica, este polêmico empreendimento hidrelétrico continua a receber a atenção prioritária do Palácio do Planalto. O licenciamento, esperado desde meados do segundo semestre de 2010, era indispensável para que as obras de construção da usina pudessem sair do papel. Com efeito, se a licença não fosse concedida prontamente, o consórcio construtor perderia a chamada ‘janela hidrológica’, a época anterior à estação chuvosa na Região Norte.
Se a autorização não fosse dada, o início das obras teria que ser adiado para 2012, o que atrasaria os trabalhos em cerca de um ano. Em nota à imprensa, a Norte Energia – empresa que construirá a usina, sob o comando efetivo da Eletrobrás – asseverou que “a conclusão do empreendimento está prevista em dez anos, com início de operação a partir do quinto ano do início da obra, ou seja, em 31 de dezembro de 2014”.
Como se há de verificar, esta data marca igualmente o fim do mandato presidencial de Dilma Rousseff !
A extensão do prazo para a concessão da licença se deve precipuamente às circunstâncias de encontrar-se o segundo governo Lula em fim de mandato, a atenção prioritária concedida nos meses derradeiros à campanha eleitoral de Dilma Rousseff, e o relativo vácuo de poder que permitiu ao presidente do Ibama, Abelardo Bayma, que fizesse valer junto a Norte Energia as condicionantes estabelecidas pelas entidades ambientalistas.
Após a assunção de suas funções, Dilma Rousseff voltou a envergar o uniforme desenvolvimentista. Terá esquecido das melífluas promessas de maior atenção ao meio ambiente, promessas estas arrancadas pelo seu inesperado tropeço no primeiro turno. Naquele momento, Lula e sobretudo Dilma tinham todo interesse em atrair os votos da Senadora Marina Silva, que representara o fator determinante para o embate entre Dilma e José Serra no segundo turno.
Diante do comportamento pregresso de Dilma na Casa Civil, é de supor-se que Marina fez de conta que tomava como sérios os compromissos médio-ambientais da candidata de Lula da Silva.
Marina não terá esquecido o tratamento antes recebido pela todo-poderosa Chefa de Casa Civil (e virtual Primeira Ministra). O episódio Mangabeira Unger – a designação do Secretário Especial de Assuntos Estratégicos para coordenar o Programa da Amazônia Sustentável – foi indubitavelmente a pá de cal, a última avania, para que a antiga companheira de Lula e de Chico Mendes por fim se decidisse a largar o Ministério do Meio Ambiente.
Fê-lo à sua maneira, com a habitual elegância e discrição. Não poucos diriam que a falta sofrida beirava o menosprezo. Quiçá se houvesse partido batendo a porta marcaria a insólita ocorrência na forma ríspida que fazia por merecer. Quem assim pensou terá esquecido a injunção de Buffon quanto ao estilo de cada um.
Mas voltemos à rediviva Dilma Rousseff. Retornou com muita pressa quanto a seu dileto projeto de Belo Monte. Já na primeira semana de Presidenta, reuniu-se no Planalto com o Ministro das Minas e Energia, Édison Lobão e a Ministra Izabella Teixeira.
Na agenda do encontro, a implantação sem maior tardança do canteiro de Belo Monte. Poderia a Ministra Izabella Teixeira, que não tem partido político, e que assumira o ministério após a saida de Carlos Minc, resistir à pressa presidencial ? De que terão valido os argumentos do Ibama, quanto ao não-cumprimento das condicionantes impostos pelo órgão técnico, que visam a reduzir os impactos ambiental e social da obra ?
A Ministra técnica Izabella Teixeira garantiu que os entraves estavam superados. Abelardo Bayma, presidente do Ibama, preferiu optar pela demissão. Américo Tunes, um dos diretores, assumiu, como substituto, a presidência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama).
Se prevaleceu a férrea vontade de Dilma Rousseff, a sua vitória poderá ser de Pirro.
Para sua honra, o Ministério Público do Pará ajuizou ação civil pública ambiental na 9ª Vara da Justiça Federal, em Belém. Nela se pede a nulidade da licença concedida pelo Ibama na última quarta-feira.
Argumentam os procuradores responsáveis pela ação que, além de a licença concedida – que é de “instalação parcial” – não existir na legislação brasileira, tampouco houve cumprimento das quarenta condicionantes impostas pelo próprio Ibama, quando da liberação da licença prévia em 2010.
Na ordem unida, estabelecida na marra, estão todas essas contorsões jurídicas do Ibama sob Dilma – para conseguir contornar as condições que o próprio Instituto estabelecera. De acordo com Marina Silva “ é um mecanismo inventado, de flexibilização da legislação. Criaram esta figura estranha de fato consumado, que não tem acolhimento para este tipo de empreendimento. Licenças parciais podem ser dadas para obras longitudinais, como estradas, construídas por etapas.”
Acionada pelo Ministério Público, é de se esperar que a Justiça cumpra o seu papel, varrendo as arbitrariedades e os açodamentos do novo Governo. Seria muito oportuno que se procedesse a estudo que desvelasse os embustes e as ruinosas consequências ambientais, humanas e energéticas da mal denominada Usina de Belo Monte.
( Fontes: O Globo e Folha de S.Paulo )
quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
Democracia: Notícias do Front Árabe
A memória pode estar um tanto apagada. Afinal, os fastos de 1848 – em que como rastilho de pólvora a revolução se alastrara pela Europa saída do Congresso de Viena, após a derrota de Napoleão, com a sobrevida do absolutismo monárquico – hoje constituem relato quase esquecido, enfurnado em velhos livros de História.
E, no entanto, essa teimosa planta, maltratada e escarnecida pelos déspotas de terras e gentes tão diversas, ressurge sempre, ela que é filha da esperança e de uma visão generosa de existência mais justa e equânime, mais livre e digna.
Há absurdos e patranhas que os tiranos e seus lacaios se empenham em repisar,como se a sórdida frase de Goebbels de que a repetição da mentira lhe desse foros de verdade. Dessarte, as ditaduras e as chamadas ‘democracias’ adjetivadas gritam que os direitos humanos são imposição do Ocidente, e que os seus princípios nada têm a ver com os costumes ancestrais de outras culturas e civilizações.
Nos regimes de exceção, arrimados na força do fuzil, a liberdade é a gata borralheira, escarnecida e vilipendiada por seus arautos e capangas, porém temida nos amplos gabinetes dos poderosos de turno.
Desde a Grécia Antiga, o tirano pode ter muitos nomes – rei, presidente, primeiro-ministro, secretário geral do partido, etc. – mas uma só natureza, que é o mando sem peias nem limites, apoiado nas múltiplas formas de violência, da subjacente ameaça à deslavada arbitrariedade.
Essas criaturas vivem do medo, com que pensam submeter o respectivo povo, mas ao cabo deste mesmo medo viram prisioneiros, eis que será a consciência da própria fraqueza que há de reger a todos os seus atos. Como reza a expressão, o fuzil terá muitos usos, menos o de sentar-se sobre ele.
As revoluções irrompem nos instantes mais incôngruos e inesperados. Na afável Tunísia, um país pequeno no Magreb, que depende dos dinheiros do turismo, iria crepitar o fogo da revolução, causada por ignóbil injustiça praticada por uma policial contra Mohamed Bouazizi, um pobre universitário que se tornara verdureiro por necessidade. Ao pôr fogo às vestes, nessa linguagem do desespero que vai do longínquo Vietnam a todos os páramos da terra, Bouazizi não sabia que no seu supremo sacrifício atearia incêndio que destruiria a ditadura de Ben Ali, e para assombro de muitos cortesãos se espalharia por toda a região.
Nos países árabes, a democracia, pelos agravos que sofre, não é sequer a tenra plantinha de Mangabeira. Sem desdourar-lhe o nome, é quase um inço, a crescer nas gretas que as ditaduras não conseguem fechar de todo.
O exemplo tunisiano repercute na sublevação egípcia, em que a oposição a Hosni Mubarak, há trinta anos na presidência, se arroja às praças e aos choques com os esbirros do poder. Mubarak tem muitos aliados e não há de abandonar facilmente o cetro a que se apega. A mancha vermelha da insurreição de Túnis, mal ou bem, vem prevalecendo, a despeito de permanecerem no palácio muitos trânsfugas do regime corrupto de Ben Ali.
As verdadeiras revoluções, todavia, além de devorarem os próprios filhos, abominam os ditos moderados. E, enquanto guardarem forças – e não tiverem pelo caminho a reação de Thermidor[1] - prosseguirão na sua rota de implantação dos próprios princípios básicos.
Os distúrbios no Egito – que se não confinam ao Cairo, mas se extendem a várias cidades importantes como Alexandria – podem não ter o desfecho reservado ao levante de Túnis. Se Mubarak está velho e se seu governo de tantas nominais reeleições se acha em extremo desgastado, ainda dispõe de aliados poderosos, que podem preferir as certezas de um status quo às dúvidas e interrogações dos novos regimes. Malgrado os oportunistas – e em todas as revoluções eles estão presentes -, o móvel das manifestações na praça egípcia está na aspiração da liberdade e de sua aliança com melhores tempos e mais justiça.
Se o exército – como na Tunísia – se negar a atirar sobre os revoltosos, e a elite dominante – ou parte dela – for acometida pelo terror incoercível, os céus no Egito podem mostrar-se sem as nuvens da opressão. É decerto esperança fugidia a que agita tanta gente desesperada.
A sua principal força reside no menosprezo da ameaça e do aparente desequilíbrio de forças. No fim de contas, eles crescem por causa da própria fraqueza, eis que pouco ou nada têm a perder.
[1] Mês do calendário revolucionário que marca a queda de Robespierre e de seus aliados do Comitê de Salvação Nacional, e o consequente restabelecimento das forças da restauração conservadora (1794).
E, no entanto, essa teimosa planta, maltratada e escarnecida pelos déspotas de terras e gentes tão diversas, ressurge sempre, ela que é filha da esperança e de uma visão generosa de existência mais justa e equânime, mais livre e digna.
Há absurdos e patranhas que os tiranos e seus lacaios se empenham em repisar,como se a sórdida frase de Goebbels de que a repetição da mentira lhe desse foros de verdade. Dessarte, as ditaduras e as chamadas ‘democracias’ adjetivadas gritam que os direitos humanos são imposição do Ocidente, e que os seus princípios nada têm a ver com os costumes ancestrais de outras culturas e civilizações.
Nos regimes de exceção, arrimados na força do fuzil, a liberdade é a gata borralheira, escarnecida e vilipendiada por seus arautos e capangas, porém temida nos amplos gabinetes dos poderosos de turno.
Desde a Grécia Antiga, o tirano pode ter muitos nomes – rei, presidente, primeiro-ministro, secretário geral do partido, etc. – mas uma só natureza, que é o mando sem peias nem limites, apoiado nas múltiplas formas de violência, da subjacente ameaça à deslavada arbitrariedade.
Essas criaturas vivem do medo, com que pensam submeter o respectivo povo, mas ao cabo deste mesmo medo viram prisioneiros, eis que será a consciência da própria fraqueza que há de reger a todos os seus atos. Como reza a expressão, o fuzil terá muitos usos, menos o de sentar-se sobre ele.
As revoluções irrompem nos instantes mais incôngruos e inesperados. Na afável Tunísia, um país pequeno no Magreb, que depende dos dinheiros do turismo, iria crepitar o fogo da revolução, causada por ignóbil injustiça praticada por uma policial contra Mohamed Bouazizi, um pobre universitário que se tornara verdureiro por necessidade. Ao pôr fogo às vestes, nessa linguagem do desespero que vai do longínquo Vietnam a todos os páramos da terra, Bouazizi não sabia que no seu supremo sacrifício atearia incêndio que destruiria a ditadura de Ben Ali, e para assombro de muitos cortesãos se espalharia por toda a região.
Nos países árabes, a democracia, pelos agravos que sofre, não é sequer a tenra plantinha de Mangabeira. Sem desdourar-lhe o nome, é quase um inço, a crescer nas gretas que as ditaduras não conseguem fechar de todo.
O exemplo tunisiano repercute na sublevação egípcia, em que a oposição a Hosni Mubarak, há trinta anos na presidência, se arroja às praças e aos choques com os esbirros do poder. Mubarak tem muitos aliados e não há de abandonar facilmente o cetro a que se apega. A mancha vermelha da insurreição de Túnis, mal ou bem, vem prevalecendo, a despeito de permanecerem no palácio muitos trânsfugas do regime corrupto de Ben Ali.
As verdadeiras revoluções, todavia, além de devorarem os próprios filhos, abominam os ditos moderados. E, enquanto guardarem forças – e não tiverem pelo caminho a reação de Thermidor[1] - prosseguirão na sua rota de implantação dos próprios princípios básicos.
Os distúrbios no Egito – que se não confinam ao Cairo, mas se extendem a várias cidades importantes como Alexandria – podem não ter o desfecho reservado ao levante de Túnis. Se Mubarak está velho e se seu governo de tantas nominais reeleições se acha em extremo desgastado, ainda dispõe de aliados poderosos, que podem preferir as certezas de um status quo às dúvidas e interrogações dos novos regimes. Malgrado os oportunistas – e em todas as revoluções eles estão presentes -, o móvel das manifestações na praça egípcia está na aspiração da liberdade e de sua aliança com melhores tempos e mais justiça.
Se o exército – como na Tunísia – se negar a atirar sobre os revoltosos, e a elite dominante – ou parte dela – for acometida pelo terror incoercível, os céus no Egito podem mostrar-se sem as nuvens da opressão. É decerto esperança fugidia a que agita tanta gente desesperada.
A sua principal força reside no menosprezo da ameaça e do aparente desequilíbrio de forças. No fim de contas, eles crescem por causa da própria fraqueza, eis que pouco ou nada têm a perder.
[1] Mês do calendário revolucionário que marca a queda de Robespierre e de seus aliados do Comitê de Salvação Nacional, e o consequente restabelecimento das forças da restauração conservadora (1794).
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
Aumento do Déficit Externo Brasileiro
O superavit da Balança Comercial foi de US$ 20 bilhões. A exportação de bens montou a 201 bilhões e a importação a 181 bilhões. Se a alta nas exportações se deveu mais ao atual aumento no preço das cotações das commodities (incremento de 31%), já o aumento no volume correspondeu a apenas 14,2%.
A nossa pauta de exportações depende demasiado de matérias primas – de nossas vendas para o exterior somente 10% foram bens de capital (US$19,7 bilhões), e disso 46,8% se destinou à América Latina. Grande compradora de produtos de base – minério de ferro, petróleo e derivados, soja – foi a China (US$ 30 bilhões).
O aumento global do valor das exportações brasileiras não reflete, no entanto, uma progressão em qualidade e em produtos industrializados, com maior quoociente de trabalho agregado.
Se produzimos aviões de médio e pequeno alcance, com destaque para a Embraer que ocupa, no setor, um lugar protagônico, não tem havido crescimento e diversificação correspondente em outros ramos de produtos industrializados, sobremodo aqueles com maior coeficiente tecnológico.
Se dependemos excessivamente de commodities (matérias primas), a condição de celeiro mundial nos torna dependentes das oscilações de mercado nas cotações – que são necessariamente maiores – desses produtos, com possíveis danosas consequências na superveniência das crises cíclicas do comércio mundial.
Outro aspecto negativo é o perfil de nosso intercâmbio com a China, eis que a provemos de matérias primas de que aquele enorme mercado carece e importamos produtos industrializados desse país que, pelas baixas cotações de tais artigos, tiram mercado, inclusive interno, de fábricas brasileiras. Dada a dificuldade de concorrer nesse domínio com a RPC, que se vale de um renminbi artificialmente depreciado, além de preços unitários reprimidos pela baixa paga da mão-de-obra respectiva. A descapitalização em certos setores de nossa indústria pode decorrer, com reflexo no aumento de nossas importações (preferência pelo produto estrangeiro subvalorizado) e diminuição nas exportações (aumento do preço unitário pela apreciação do real).
Grosso modo, a Companhia Vale do Rio Doce reflete esta ambivalência na nossa balança comercial. Exporta precipuamente minério de ferro – commodity com ínfimo valor agregado de trabalho – e o seu principal mercado é a China. Da produção da Vale, 87% é exportado, e desse montante 45% se destina à R.P.C. Assinale-se, outrossim, que a Vale foi a empresa nacional que mais exportou, superando inclusive a Petrobrás.
Já no Balanço de Transações Correntes – que inclui a balança comercial, turismo, viagens, pagamentos de juros e remessas de lucros e dividendos – a situação é deficitária, e tal se deve aos seguintes fatores: (a) baixo superavit na balança comercial; (b) turismo e viagens – a apreciação do real torna mais baratas as viagens ao exterior e, por conseguinte, estimula o turismo para o estrangeiro. A outra face da moeda, é que a apreciação do real diminui o poder aquisitivo do dólar e torna mais caro o turismo estrangeiro aqui, com o desestímulo correspondente; (c) os eventuais incrementos na dívida interna e as altas taxas de juros – que funcionam também como atrativos para as inversões especulativas – tendem necessariamente a onerar este ítem do balanço; (d) as remessas de lucros e dividendos tendem a ser altas dada a grande desnacionalização de nossa economia em setores industriais relevantes – como o setor de montadoras -, o que muito contribui para incrementar as remessas para o exterior (tal fenômeno se acirrou durante a crise financeira internacional, quando as matrizes nos Estados Unidos, na Europa e no Extremo Oriente enfrentavam dificuldades de caixa, o que lhes aumentava a dependência das remessas procedentes do Brasil).
Por fim, o Balanço de Pagamentos – em que se computa não só as referidas transações correntes como a Conta de Capital. Esta última abrange os investimentos, tanto no setor financeiro, quanto no produtivo (os chamados IEDs, ou investimento estrangeiro direto). A Conta de Capital, em que o elemento especulativo tem participação importante, registrou no total dos investimentos financeiros um superavit de US$ 52, 7 bilhões. Por sua vez, os IEDs tiveram uma entrada líquida de US$48,4 bilhões. Ao contrário dos investimentos financeiros, em que a componente especulativa (e portanto a respectiva volatilidade) tende a ser grande, os investimentos no setor produtivo têm significado econômico bastante mais ponderável.
A conta de capitais reflete, em toda a sua gama, a valorização do real como uma das principais moedas no mercado internacional, seja pela sua apreciação em relação ao dólar, seja sobretudo pelas altas taxas de juros, quiçá as maiores do mundo, que proporciona aos investidores tanto nacionais, quanto alienígenas.
Se nos aventurarmos a avaliação prospectiva, o que se pode dizer, é que, por enquanto, o desempenho da economia brasileira em relação ao exterior é satisfatório. Acresce notar que a dívida externa é pequena, e há reservas consideráveis (somos até credores do FMI). Se a curto prazo, o perfil agrada, a médio e longo prazos as perspectivas hão de depender de uma relativa depreciação do real – que contribuirá para aumentar os nossos saldos comerciais e entorpecerá a atração, seja do produto estrangeiro, seja das viagens ao exterior. Se quisermos desvencilhar-nos dessa carga subdesenvolvida de pauta de exportações de baixo teor tecnológico, é mister investir em indústrias de maior sofisticação, para que possamos exportar não só minérios brutos (como a Vale), mas manufaturas de alto cociente de mão-de-obra e tecnologia brasileira.
( Fontes: O Globo e Miriam Leitão )
A nossa pauta de exportações depende demasiado de matérias primas – de nossas vendas para o exterior somente 10% foram bens de capital (US$19,7 bilhões), e disso 46,8% se destinou à América Latina. Grande compradora de produtos de base – minério de ferro, petróleo e derivados, soja – foi a China (US$ 30 bilhões).
O aumento global do valor das exportações brasileiras não reflete, no entanto, uma progressão em qualidade e em produtos industrializados, com maior quoociente de trabalho agregado.
Se produzimos aviões de médio e pequeno alcance, com destaque para a Embraer que ocupa, no setor, um lugar protagônico, não tem havido crescimento e diversificação correspondente em outros ramos de produtos industrializados, sobremodo aqueles com maior coeficiente tecnológico.
Se dependemos excessivamente de commodities (matérias primas), a condição de celeiro mundial nos torna dependentes das oscilações de mercado nas cotações – que são necessariamente maiores – desses produtos, com possíveis danosas consequências na superveniência das crises cíclicas do comércio mundial.
Outro aspecto negativo é o perfil de nosso intercâmbio com a China, eis que a provemos de matérias primas de que aquele enorme mercado carece e importamos produtos industrializados desse país que, pelas baixas cotações de tais artigos, tiram mercado, inclusive interno, de fábricas brasileiras. Dada a dificuldade de concorrer nesse domínio com a RPC, que se vale de um renminbi artificialmente depreciado, além de preços unitários reprimidos pela baixa paga da mão-de-obra respectiva. A descapitalização em certos setores de nossa indústria pode decorrer, com reflexo no aumento de nossas importações (preferência pelo produto estrangeiro subvalorizado) e diminuição nas exportações (aumento do preço unitário pela apreciação do real).
Grosso modo, a Companhia Vale do Rio Doce reflete esta ambivalência na nossa balança comercial. Exporta precipuamente minério de ferro – commodity com ínfimo valor agregado de trabalho – e o seu principal mercado é a China. Da produção da Vale, 87% é exportado, e desse montante 45% se destina à R.P.C. Assinale-se, outrossim, que a Vale foi a empresa nacional que mais exportou, superando inclusive a Petrobrás.
Já no Balanço de Transações Correntes – que inclui a balança comercial, turismo, viagens, pagamentos de juros e remessas de lucros e dividendos – a situação é deficitária, e tal se deve aos seguintes fatores: (a) baixo superavit na balança comercial; (b) turismo e viagens – a apreciação do real torna mais baratas as viagens ao exterior e, por conseguinte, estimula o turismo para o estrangeiro. A outra face da moeda, é que a apreciação do real diminui o poder aquisitivo do dólar e torna mais caro o turismo estrangeiro aqui, com o desestímulo correspondente; (c) os eventuais incrementos na dívida interna e as altas taxas de juros – que funcionam também como atrativos para as inversões especulativas – tendem necessariamente a onerar este ítem do balanço; (d) as remessas de lucros e dividendos tendem a ser altas dada a grande desnacionalização de nossa economia em setores industriais relevantes – como o setor de montadoras -, o que muito contribui para incrementar as remessas para o exterior (tal fenômeno se acirrou durante a crise financeira internacional, quando as matrizes nos Estados Unidos, na Europa e no Extremo Oriente enfrentavam dificuldades de caixa, o que lhes aumentava a dependência das remessas procedentes do Brasil).
Por fim, o Balanço de Pagamentos – em que se computa não só as referidas transações correntes como a Conta de Capital. Esta última abrange os investimentos, tanto no setor financeiro, quanto no produtivo (os chamados IEDs, ou investimento estrangeiro direto). A Conta de Capital, em que o elemento especulativo tem participação importante, registrou no total dos investimentos financeiros um superavit de US$ 52, 7 bilhões. Por sua vez, os IEDs tiveram uma entrada líquida de US$48,4 bilhões. Ao contrário dos investimentos financeiros, em que a componente especulativa (e portanto a respectiva volatilidade) tende a ser grande, os investimentos no setor produtivo têm significado econômico bastante mais ponderável.
A conta de capitais reflete, em toda a sua gama, a valorização do real como uma das principais moedas no mercado internacional, seja pela sua apreciação em relação ao dólar, seja sobretudo pelas altas taxas de juros, quiçá as maiores do mundo, que proporciona aos investidores tanto nacionais, quanto alienígenas.
Se nos aventurarmos a avaliação prospectiva, o que se pode dizer, é que, por enquanto, o desempenho da economia brasileira em relação ao exterior é satisfatório. Acresce notar que a dívida externa é pequena, e há reservas consideráveis (somos até credores do FMI). Se a curto prazo, o perfil agrada, a médio e longo prazos as perspectivas hão de depender de uma relativa depreciação do real – que contribuirá para aumentar os nossos saldos comerciais e entorpecerá a atração, seja do produto estrangeiro, seja das viagens ao exterior. Se quisermos desvencilhar-nos dessa carga subdesenvolvida de pauta de exportações de baixo teor tecnológico, é mister investir em indústrias de maior sofisticação, para que possamos exportar não só minérios brutos (como a Vale), mas manufaturas de alto cociente de mão-de-obra e tecnologia brasileira.
( Fontes: O Globo e Miriam Leitão )
terça-feira, 25 de janeiro de 2011
Dilma e os Sindicatos
Há um largo consenso sobre a capacidade da Presidenta Dilma Rousseff de administrar. Na área que está diretamente vinculada à sua direção, Dilma, neste primeiro mês de governo, tem atuado com exação e presteza. Acudiu prontamente à área flagelada da região serrana fluminense. Através de sua presença em meio àquela gente sofrida dissipou dúvidas quanto ao comprometimento federal em conjunto de ações de curto, médio e longo prazo. Nada como uma visita àquelas zonas de desolação para conscientizar-se das passadas negligências e do vazio das bazófias que arrotam um suposto desenvolvimento. Em meio à macabra contagem dos cadáveres, que parece correr célere para as profundezas do milhar, se esfumam no ar rarefeito da serra as tolas, mas recentes fanfarronadas sobre as maravilhas do progresso nacional.
Ao vistoriar a área, Dilma não deixou de apontar para uma das causas da desgraça, a ocupação irregular (e votada ao desastre) nas encostas. A consequente devastação das florestas – que um arremedo de emendão ao código florestal se propõe irresponsavelmente acelerar – é elemento adicional e agravante desse difuso problema. Dele os principais responsáveis não são, via de regra, os pobres que acreditam não ter melhor escolha, mas a demagógica negligência das prefeituras e a virtual ausência de fiscalização estadual.
Arrimados na sua experiência anterior como virtual primeira-ministra do governo Lula, Dilma há de encontrar na opinião pública merecido crédito quanto à própria eficiência conjugada com enérgico zelo, qualidades uma vez mais evidenciadas no episódio do Ministro Haddad, chamado às falas acerca da respectiva responsabilidade nas confusões do Enem, e o seu incôngruo desejo de gozar férias, enquanto os estudantes médios padecem das consequências em órgãos públicos aparelhados por companheiros petistas e seus parentes.
Entretanto, há um outro aspecto a considerar na Presidenta. Reporto-me ao seu trato da politica. Pelas características de sua seleção e do respectivo perfil funcional, Dilma Rousseff não mostra aqui – e por compreensíveis razões – a mesma desenvoltura. Na política com ‘p’ minúsculo ela semelha ainda aprendiz. Capaz e competente como é, não trepido em dizer que a sua preparação não deverá ser longa. Não obstante, dadas as realidades, será inevitável que tal aprendizado se realize a custa de alguns erros.
Ainda sob o Presidente Lula, foi encaminhada ao Congresso Medida Provisória dispondo sobre o salário mínimo a ser implantado de imediato em 2011. Estipulado em R$540,00, a circunstância de originar-se de alguém que saía de cena, a par das demagógicas promessas de gordos incrementos – como os R$ 600,00 acenados pelo candidato Serra - , além do clima de farta distribuição de agrados encorajou os personagens usuais, sob o coro das centrais, a elevar vertiginosamente o montante. Esse grupo sente-se desvinculado de compromissos defensáveis e objetiva atuar para a plateia, como se do próprio estouvamento esta mesma gente não fosse representar as primeiras vítimas.
O que se tem assistido em torno do gabinete de Dilma é uma sucessão de filtradas sondagens. Dessarte, o melhor seria manter-se o mínimo em R$540,00, mas que dizer de elevá-lo para R$ 545,00 ? Em seguida, outro vazamento controlado, em que ao mínimo de R$ 545,00 se acoplaria a correção – há muito devida – da tabela do Imposto de Renda em 6,46%, tudo isso negociado com as grandes centrais sindicais, que alegadamente ratificariam o acordo.
Sabemos que em qualquer negociação, a indicação de alternativas, ou para dar o nome aos bois, de concessões efetivas, torna írritos os termos anteriores. A partir daquele momento, a MP de Lula fica em aberto para as emendas a serem introduzidas. A fixação original fica ultrapassada,tornando-se, apenas, um elemento de interesse histórico.
Mas as dúvidas não se detêm por aí. Existe um questionamento maior. Qual o intuito da administração de Dilma Rousseff ? Estamos acaso em república sindicalista, em que o Congresso se transformará em câmara de chancela de acordos já acertados por quem de direito ?
Politicamente, seja com ‘p’ minúsculo, seja com ‘p’ maiúsculo, a estratégia não me parece apropriada. Dilma Rousseff foi eleita com uma larga coalizão de apoio, coalizão esta que se acha no Congresso e tem múltiplos representantes em seu gabinete. As Centrais Sindicais tem a sua relevância, decerto, mas a sua visão é necessariamente condicionada a seus integrantes corporativos.
A questão é política, e não adstrita a um segmento da sociedade por importante que seja. Egressa das urnas, com confortável maioria de sufrágio, e de apoio parlamentar, não é crível que a administração Dilma Rousseff vá permitir que este apoio e voto de confiança vá esfarelar-se na sua primeira prova pública.
Se Dilma deseja negociar o enunciado da MP, e que a redação decorrente corresponda ao interesse da Nação como um todo, ela carece de tratar o Congresso como seu interlocutor único em termos de competência. Por outro lado, se se fala de aprovar uma medida, de um lado o governo precisa transmitir imagem de firmeza e não de tenteantes emendas (que só entreabrem outras perspectivas), colocando as Câmaras, a alta e a baixa, diante de sua responsabilidade. Afinal, de que lhe há de servir o endosso maciço nas urnas em termos de apoio parlamentar, e a distribuição subsequente de postos ? Serão estes apenas bondades que não saciam a fome do Moloch congressual ?
Um Presidente em início de mandato, eleito majoritariamente, tem muito poder junto ao Congresso e a outros órgãos. Ás vezes, este poder é empregado com escopo errôneo e, não obstante, é atendido. O exemplo do confisco de Collor salta aos olhos. Como aqui deparamos com medidas legais e constitucionais, validadas pelo interesse da Nação e da perene luta contra a inflação, a prova da nova Presidente não se deveria afigurar assim tão difícil.
Ao vistoriar a área, Dilma não deixou de apontar para uma das causas da desgraça, a ocupação irregular (e votada ao desastre) nas encostas. A consequente devastação das florestas – que um arremedo de emendão ao código florestal se propõe irresponsavelmente acelerar – é elemento adicional e agravante desse difuso problema. Dele os principais responsáveis não são, via de regra, os pobres que acreditam não ter melhor escolha, mas a demagógica negligência das prefeituras e a virtual ausência de fiscalização estadual.
Arrimados na sua experiência anterior como virtual primeira-ministra do governo Lula, Dilma há de encontrar na opinião pública merecido crédito quanto à própria eficiência conjugada com enérgico zelo, qualidades uma vez mais evidenciadas no episódio do Ministro Haddad, chamado às falas acerca da respectiva responsabilidade nas confusões do Enem, e o seu incôngruo desejo de gozar férias, enquanto os estudantes médios padecem das consequências em órgãos públicos aparelhados por companheiros petistas e seus parentes.
Entretanto, há um outro aspecto a considerar na Presidenta. Reporto-me ao seu trato da politica. Pelas características de sua seleção e do respectivo perfil funcional, Dilma Rousseff não mostra aqui – e por compreensíveis razões – a mesma desenvoltura. Na política com ‘p’ minúsculo ela semelha ainda aprendiz. Capaz e competente como é, não trepido em dizer que a sua preparação não deverá ser longa. Não obstante, dadas as realidades, será inevitável que tal aprendizado se realize a custa de alguns erros.
Ainda sob o Presidente Lula, foi encaminhada ao Congresso Medida Provisória dispondo sobre o salário mínimo a ser implantado de imediato em 2011. Estipulado em R$540,00, a circunstância de originar-se de alguém que saía de cena, a par das demagógicas promessas de gordos incrementos – como os R$ 600,00 acenados pelo candidato Serra - , além do clima de farta distribuição de agrados encorajou os personagens usuais, sob o coro das centrais, a elevar vertiginosamente o montante. Esse grupo sente-se desvinculado de compromissos defensáveis e objetiva atuar para a plateia, como se do próprio estouvamento esta mesma gente não fosse representar as primeiras vítimas.
O que se tem assistido em torno do gabinete de Dilma é uma sucessão de filtradas sondagens. Dessarte, o melhor seria manter-se o mínimo em R$540,00, mas que dizer de elevá-lo para R$ 545,00 ? Em seguida, outro vazamento controlado, em que ao mínimo de R$ 545,00 se acoplaria a correção – há muito devida – da tabela do Imposto de Renda em 6,46%, tudo isso negociado com as grandes centrais sindicais, que alegadamente ratificariam o acordo.
Sabemos que em qualquer negociação, a indicação de alternativas, ou para dar o nome aos bois, de concessões efetivas, torna írritos os termos anteriores. A partir daquele momento, a MP de Lula fica em aberto para as emendas a serem introduzidas. A fixação original fica ultrapassada,tornando-se, apenas, um elemento de interesse histórico.
Mas as dúvidas não se detêm por aí. Existe um questionamento maior. Qual o intuito da administração de Dilma Rousseff ? Estamos acaso em república sindicalista, em que o Congresso se transformará em câmara de chancela de acordos já acertados por quem de direito ?
Politicamente, seja com ‘p’ minúsculo, seja com ‘p’ maiúsculo, a estratégia não me parece apropriada. Dilma Rousseff foi eleita com uma larga coalizão de apoio, coalizão esta que se acha no Congresso e tem múltiplos representantes em seu gabinete. As Centrais Sindicais tem a sua relevância, decerto, mas a sua visão é necessariamente condicionada a seus integrantes corporativos.
A questão é política, e não adstrita a um segmento da sociedade por importante que seja. Egressa das urnas, com confortável maioria de sufrágio, e de apoio parlamentar, não é crível que a administração Dilma Rousseff vá permitir que este apoio e voto de confiança vá esfarelar-se na sua primeira prova pública.
Se Dilma deseja negociar o enunciado da MP, e que a redação decorrente corresponda ao interesse da Nação como um todo, ela carece de tratar o Congresso como seu interlocutor único em termos de competência. Por outro lado, se se fala de aprovar uma medida, de um lado o governo precisa transmitir imagem de firmeza e não de tenteantes emendas (que só entreabrem outras perspectivas), colocando as Câmaras, a alta e a baixa, diante de sua responsabilidade. Afinal, de que lhe há de servir o endosso maciço nas urnas em termos de apoio parlamentar, e a distribuição subsequente de postos ? Serão estes apenas bondades que não saciam a fome do Moloch congressual ?
Um Presidente em início de mandato, eleito majoritariamente, tem muito poder junto ao Congresso e a outros órgãos. Ás vezes, este poder é empregado com escopo errôneo e, não obstante, é atendido. O exemplo do confisco de Collor salta aos olhos. Como aqui deparamos com medidas legais e constitucionais, validadas pelo interesse da Nação e da perene luta contra a inflação, a prova da nova Presidente não se deveria afigurar assim tão difícil.
segunda-feira, 24 de janeiro de 2011
Silvio Berlusconi e a Commedia dell'Arte
As contínuas peripécias e vicissitudes do Primeiro Ministro Silvio Berlusconi só são compreensíveis no estrangeiro se forem vistas no contexto cultural italiano, sobretudo se aditarmos amplas talagadas da commedia dell’arte.
Os personagens da Commedia nas suas apresentações em praça pública seguiam um roteiro, o chamado canovaccio, em trama na qual possuíam quase completa liberdade de ação.
Se os tipos representados eram bem conhecidos do público, das grandes cidades aos povoados interioranos, o interesse no enredo se achava justamente na improvisação dos atores dentro das características fixas de cada personagem-tipo.
Dessarte, as modulações na sua atitude e no desenvolvimento da trama tinham limitações tácitas, inseridas na fama pregressa de cada integrante do elenco da commedia dell’arte.
Assim, paradoxalmente, cada encenação da commedia podia ser considerada diferente, pelas reviravoltas e surpresas no desenvolvimento da interação dos personagens, posto que, vista sob um ângulo genérico, ligado aos aportes dos atores nos papéis tipo dava igualmente a impressão de ser a mesma estória, com um desfecho sempre previsível.
Na vida política real, Silvio Berlusconi não será nunca assemelhado ao tolo patrão, nem ao tímido pierrô. Na sua composição, se terá muitos traços de arlequim, seu jocoso papel tampouco desdenhará de pitadas do doutor e do polichinelo, em uma livre composição tão ao gosto das audiências itálicas na longa travessia deste ur-teatro popularesco, nos tempos obscuros de uma península sob o domínio pontifício, de invasores estrangeiros e de régulos provincianos.
Se o improviso é a sua característica principal e indispensável – pois nela residirá a capacidade do gênero de entreter e ainda surpreender os seus toscos mas vividos espectadores -, a sua forma também reflete a alma sofrida da plebe, que se identifica nos dramas singelos de um palco rudimentar, em que o mau olhado e a injustiça podem às vezes serem confundidos ou afastados por rústicas espertezas e por oportunas mentiras.
Assim, o italiano comum tende a melhor intuir as motivações e as peraltices do falastrão e conquistador Berlusconi, nas suas posturas, quiçá absurdas em outros cenários, - mas naturais em uma terra que levou a sério, com suas trágicas fanfarronadas, a Benito Mussolini, - do que a seus eternos opositores, os sisudos Massimo d’Alema e o irremediavelmente tecnocrático Romano Prodi.
Os descendentes de Tibério, com seus gostos particulares, verão talvez Silvio Berlusconi através de benévolos filtros, nas farras (ou orgias) das vilas da Sardenha (ou alhures), condimentadas com os objetos sexuais da época respectiva.
Pinçado do seu meio, a sobrevivência política de Silvio Berlusconi se torna incompreensível. Contudo, se nos confinarmos ao ambiente em que viceja e prolifera, Berlusconi não se metamorfoseia em personagem da commedia dell’arte, pelo simples fato de que o paradigma vivo e atual de expressar, pela sua desfaçatez na conduta, o mesmo eterno caráter desse gênero imorredouro da inventiva do povo.
Os personagens da Commedia nas suas apresentações em praça pública seguiam um roteiro, o chamado canovaccio, em trama na qual possuíam quase completa liberdade de ação.
Se os tipos representados eram bem conhecidos do público, das grandes cidades aos povoados interioranos, o interesse no enredo se achava justamente na improvisação dos atores dentro das características fixas de cada personagem-tipo.
Dessarte, as modulações na sua atitude e no desenvolvimento da trama tinham limitações tácitas, inseridas na fama pregressa de cada integrante do elenco da commedia dell’arte.
Assim, paradoxalmente, cada encenação da commedia podia ser considerada diferente, pelas reviravoltas e surpresas no desenvolvimento da interação dos personagens, posto que, vista sob um ângulo genérico, ligado aos aportes dos atores nos papéis tipo dava igualmente a impressão de ser a mesma estória, com um desfecho sempre previsível.
Na vida política real, Silvio Berlusconi não será nunca assemelhado ao tolo patrão, nem ao tímido pierrô. Na sua composição, se terá muitos traços de arlequim, seu jocoso papel tampouco desdenhará de pitadas do doutor e do polichinelo, em uma livre composição tão ao gosto das audiências itálicas na longa travessia deste ur-teatro popularesco, nos tempos obscuros de uma península sob o domínio pontifício, de invasores estrangeiros e de régulos provincianos.
Se o improviso é a sua característica principal e indispensável – pois nela residirá a capacidade do gênero de entreter e ainda surpreender os seus toscos mas vividos espectadores -, a sua forma também reflete a alma sofrida da plebe, que se identifica nos dramas singelos de um palco rudimentar, em que o mau olhado e a injustiça podem às vezes serem confundidos ou afastados por rústicas espertezas e por oportunas mentiras.
Assim, o italiano comum tende a melhor intuir as motivações e as peraltices do falastrão e conquistador Berlusconi, nas suas posturas, quiçá absurdas em outros cenários, - mas naturais em uma terra que levou a sério, com suas trágicas fanfarronadas, a Benito Mussolini, - do que a seus eternos opositores, os sisudos Massimo d’Alema e o irremediavelmente tecnocrático Romano Prodi.
Os descendentes de Tibério, com seus gostos particulares, verão talvez Silvio Berlusconi através de benévolos filtros, nas farras (ou orgias) das vilas da Sardenha (ou alhures), condimentadas com os objetos sexuais da época respectiva.
Pinçado do seu meio, a sobrevivência política de Silvio Berlusconi se torna incompreensível. Contudo, se nos confinarmos ao ambiente em que viceja e prolifera, Berlusconi não se metamorfoseia em personagem da commedia dell’arte, pelo simples fato de que o paradigma vivo e atual de expressar, pela sua desfaçatez na conduta, o mesmo eterno caráter desse gênero imorredouro da inventiva do povo.
domingo, 23 de janeiro de 2011
Colcha de Retalhos LXVII
A Santidade nos tempos pós-modernos
O tema decerto não é popular, ou melhor, não parece sê-lo na medida em que era tratado anteriormente. O que significa a santidade no mundo em que vivemos ? Quando faleceu, na tardinha de três de junho de 1963, Angelo Giuseppe Roncalli, o Papa João XXIII, cercou-lhe a morte consternação não só romana, mas mundial, irmanada no respeito e na admiração que lhe votavam, sem distinção, crentes e não-crentes. Desde cedo Roncalli, no exercício de seu apostolado, representou o testemunho de vencer as barreiras humanas, vendo em cada pessoa um igual, não importando origem, religião, ideologia e a própria condição ( sua primeira visita, como bispo de Roma, foi à prisão romana).
Tampouco o sacerdote em todos os avatares de sua longa trajetória mudaria a própria conduta. Seu lema episcopal já traduzia a simplicidade – mas também a amplitude – de sua filosofia de vida: Obediência e Paz. Obediência aos princípios da religião e da mensagem do Cristo; e paz entre todos os homens.
A dois de março de 2000, tive o prazer e a honra de saudar na página de Opinião do Jornal do Brasil, no artigo ‘Um Santo para os Nossos Dias’ a próxima conclusão do processo de beatificação de João XXIII, prenunciado pelo reconhecimento papal, a 28 de janeiro, de um milagre de Angelo Giuseppe Roncalli.
E, no entanto, em meio ao Concílio Vaticano II que para surpresa de muitos o novel Papa anunciara para um punhado de perplexos cardeais, na basílica de São Paulo Fuori i Muri a três meses de sua entronização, o propósito de convocar um Concílio.
O breve pontificado de Papa Giovanni (28 de outubro de 1958 – 3 de junho de 1963) mostrou deveras que ele era o Papa de transição, mas não no sentido que o colégio de cardeais e a Igreja conferira ao termo. Depois do longo pontificado de Pio XII, o que esperar de pontífice com 76 anos, senão benévola e plácida presença à frente da igreja, como se em preparação do advento de seu sucessor. No entanto, ao contrário dessa difundida expectativa, a transição foi bastante diversa, porque ao convocar o Concílio e abrir as janelas dos palácios vaticanos aos novos tempos, Papa Giovanni introduzia a modernidade na Igreja.
Não pretendo aqui discorrer sobre as famosas encíclicas e a larga abertura feita pelo Papa Bom para o mundo, a que se fechara de certo modo o seu antecessor. Quando Angelo Giuseppe Roncalli morreu já o cercava a indizível aura de santidade.O próprio Concílio, sob o Papa PauloVI, considerou a hipótese de proclamá-lo santo.
Como se sabe, nos primeiros séculos da Igreja, os santos eram proclamados pela comunidade dos fiéis. Essa prática que elevava aos altares os leigos e religiosos pela aclamação espontânea dos seus contemporâneos e pósteros, foi na Idade Média assumida pela Igreja e os sucessores de Pedro.
No meu artigo de janeiro de 2000, escrevi cuidadas palavras sobre a sua longa espera para ascender aos altares: “Desde cedo, a posteridade consagraria o Papa do Concílio culto que, pela difusão e intensidade, irmanava-lhe a memória aos santos de particular devoção popular. Talvez esteja na grandeza de seu exemplo de tolerância e caridade cristã, e na por vezes incômoda relevância do legado, o motivo por que o processo de beatificação terá deparado tantos obstáculos e tardanças.”
O beato Angelo Roncalli goza de imensa devoção, que não se restringe seja à Lombardia natal, seja à Itália, mas a despeito dos anos que a Cúria pontifícia cuidou de interpor entre o postulante Servo de Deus e o beato Roncalli, prossegue grande e profundo o culto ao Papa Buono que transcende às situações terrenas e aos vigários de Cristo que se sucederam.
Tais considerações foram provocadas pelo recente anúncio da próxima beatificação de Karol Wojtyla, o Papa João Paulo II, falecido em 2005.
Por vontade expressa de Bento XVI foi derrogado, para a abertura do processo de beatificação de Papa Wojtyla, o prazo de cinco anos estabelecido pela norma canônica. O antigo Cardeal-Prefeito da Congregação da Doutrina da Fé, o ex-Santo Ofício, Joseph Ratzinger, que zelosamente representara a linha conservadora do Papa polonês – com numerosos procedimentos contra teólogos da linha progressista, como o alemão Hans Küng, o holandês Edward Schillebeeckx e o brasileiro Leonardo Boff O.F.M. (que depois preferiu retornar ao laicato). Assim, no longo pontificado de João Paulo II entrou-se na época denominada pelo teólogo do Concílio Karl Rahner de “inverno na Igreja”.
Aparentemente, Bento XVI teve pressa em lançar a causa de seu antecessor, o que foi feito há dois meses de sua morte. Determinado o milagre indispensável para que seja reconhecido como beato, João Paulo II será beatificado em primeiro de maio p.f. Para apressar o processo, Bento XVI louvou-se da precedente dispensa, concedida por João Paulo II, a Madre Teresa de Calcutá. Com relação a esta última, no entanto, a exceção se afigura compreensível, porque a freira albanesa já em vida impressionava pela própria aúra de santidade, o que, com o respeito e a admiração devida ao predecessor de Papa Ratzinger, não semelha ser o caso.
Tudo leva a crer que, ao invés do pressuroso avanço de João Paulo II aos altares, a caminhada do Papa do Concílio continuará a ser lenta até alcançar, através da canonização, o reconhecimento da respectiva santidade. Por prescindir das chancelas oficiais – a glorificação do Papa Bom, do Papa das causas progressistas e da abertura da Igreja será ela bem vista por um Pontífice conservador e pela sua Cúria – a elevação de João XXIII continuará a ser gradual e lenta, levada nos ombros de um vasto Povo de Deus, cuja amplitude e profundidade são vistos talvez com certa inquietação.
Dessarte, também se aplica à santificação de Papa Roncalli o que antes dissera acerca de sua beatificação: ‘para muitos católicos e, sem dúvida, não-católicos, o reconhecimento, posto que tardio, será não obstante sempre bem-vindo’.
Pela usança da Igreja primitiva, João XXIII é santo desde muito. Que não se faça demasiado esperar a confirmação oficial.
A Economia Chinesa.
Um tanto em contraponto à recente visita de Hu Jintao aos Estados Unidos, escreve-se muito na imprensa sobre o crescimento da economia chinesa (orçado em 10%). Com o aquecimento da atividade econômica, tende a reforçar-se a pressão sobre a oferta de bens, o que se reflete no incremento da inflação.
Esta alça dos preços – que oscila no cômputo oficial em torno dos 3,3% e que atinge 5% no setor alimentício – tem causado preocupação na instituição bancária. Os grandes saldos comerciais obtidos pela R.P.C. por força de um câmbio artificial do renminbi sub-apreciado, poderiam aumentar ainda mais a inflação, com todas as distorções que tal possa ocasionar.
O remédio para essa dificuldade poderia ser a apreciação controlada da moeda oficial, o que tenderia a reduzir os enormes saldos da balança comercial, e dessa forma operar na contenção da inflação.
Com efeito, as preocupações chinesas com a inflação não se limitam às suas consequências externas. Condiciona muito mais o governo chinês a crescente irritação do mercado consumidor interno, diante da carestia no domínio dos alimentos.
Essa pressão sobre os gêneros de primeira necessidade poder forçar os movimentos operários por salários mais condignos. Como se sabe, os baixos estipêndios constituem um ingrediente fundamental para aguçar a competitividade do produto chinês. A própria economia brasileira, no seu setor de exportação, tem perdido muito rendimento por obra do virtual dumping da concorrência chinesa, o que se tem verificado em todos os principais mercados de nossas exportações.
Dessarte, semelha provável um ajuste na posição cambial do renminbi, determinado, na verdade, menos pela pressão externa, com os Estados Unidos à frente, do que por considerações internas.
Porque a inflação – e não importa que seja manipulada, a exemplo de tantos países (cf. Argentina) ou não, - eis que os seus danosos efeitos para a economia e as finanças, não podem ser varridos para debaixo do tapete. Mormente no caso de uma economia com o porte da do Império do Meio, com um PNB de cinco trilhões de dólares...
O desaparecimento do Cristianismo no Iraque
Em um processo de virtual extinção da seita caldeia da religião católica no Iraque, a presente situação na cidade de Habbaniya Cece, na província de Anbar, se afigura tristemente ilustrativa de um processo histórico que já foi referido em blog anterior. Nesta cidade, atualmente reside uma única família cristã. Romel Hawal recorda-se que na época de sua infância – tem 48 anos – a maior parte da população na província era do rito caldaico da religião católica. Hoje o seu filho de onze anos não tem colegas cristãos na escola, e não se lembra de haver participado de alguma missa.
O derradeiro cristão vai todo dia à igreja de Nossa Senhora da Paz, para limpar o templo e recordar-lhe o passado. Em sua família, a esposa deseja imitar os demais e partir. Hawal, no entanto, ainda sente a obrigação de ficar. Para tanto, ele recebe apoio de um lado pouco previsível. Muitos de seus amigos muçulmanos, quiçá saudosos de uma comunidade desaparecida, lhe pedem para não partir.
Esse sentimento ecumênico, no entanto, não é sempre a regra. Templos de outros credos estão abandonados, como a igreja assíria de São Jorge Martir (danificada por uma bomba em 2005) e a mesquita xiita Husseiniya Habbaniya, apesar de nova, continua sem imã, por causa de ataques contra os xiitas nessa região de predominância sunita.
Semelha, portanto, muito pouco provável que este processo de afastamento de outras crenças que não a majoritária, possa ser revertido. No caso cristão, em que a comunidade se confunde com uma única família, sem sequer possibilidade de realização de culto, a permanência da família de Romel Hawal constitui um sinal melancólico que torna a escolha do êxodo, seja para comunidades remanescentes ainda no Iraque, seja para outros países no Oriente Médio, não mais mera possibilidade, mas inelutável fatalidade.
( Fonte: International Herald Tribune)
O tema decerto não é popular, ou melhor, não parece sê-lo na medida em que era tratado anteriormente. O que significa a santidade no mundo em que vivemos ? Quando faleceu, na tardinha de três de junho de 1963, Angelo Giuseppe Roncalli, o Papa João XXIII, cercou-lhe a morte consternação não só romana, mas mundial, irmanada no respeito e na admiração que lhe votavam, sem distinção, crentes e não-crentes. Desde cedo Roncalli, no exercício de seu apostolado, representou o testemunho de vencer as barreiras humanas, vendo em cada pessoa um igual, não importando origem, religião, ideologia e a própria condição ( sua primeira visita, como bispo de Roma, foi à prisão romana).
Tampouco o sacerdote em todos os avatares de sua longa trajetória mudaria a própria conduta. Seu lema episcopal já traduzia a simplicidade – mas também a amplitude – de sua filosofia de vida: Obediência e Paz. Obediência aos princípios da religião e da mensagem do Cristo; e paz entre todos os homens.
A dois de março de 2000, tive o prazer e a honra de saudar na página de Opinião do Jornal do Brasil, no artigo ‘Um Santo para os Nossos Dias’ a próxima conclusão do processo de beatificação de João XXIII, prenunciado pelo reconhecimento papal, a 28 de janeiro, de um milagre de Angelo Giuseppe Roncalli.
E, no entanto, em meio ao Concílio Vaticano II que para surpresa de muitos o novel Papa anunciara para um punhado de perplexos cardeais, na basílica de São Paulo Fuori i Muri a três meses de sua entronização, o propósito de convocar um Concílio.
O breve pontificado de Papa Giovanni (28 de outubro de 1958 – 3 de junho de 1963) mostrou deveras que ele era o Papa de transição, mas não no sentido que o colégio de cardeais e a Igreja conferira ao termo. Depois do longo pontificado de Pio XII, o que esperar de pontífice com 76 anos, senão benévola e plácida presença à frente da igreja, como se em preparação do advento de seu sucessor. No entanto, ao contrário dessa difundida expectativa, a transição foi bastante diversa, porque ao convocar o Concílio e abrir as janelas dos palácios vaticanos aos novos tempos, Papa Giovanni introduzia a modernidade na Igreja.
Não pretendo aqui discorrer sobre as famosas encíclicas e a larga abertura feita pelo Papa Bom para o mundo, a que se fechara de certo modo o seu antecessor. Quando Angelo Giuseppe Roncalli morreu já o cercava a indizível aura de santidade.O próprio Concílio, sob o Papa PauloVI, considerou a hipótese de proclamá-lo santo.
Como se sabe, nos primeiros séculos da Igreja, os santos eram proclamados pela comunidade dos fiéis. Essa prática que elevava aos altares os leigos e religiosos pela aclamação espontânea dos seus contemporâneos e pósteros, foi na Idade Média assumida pela Igreja e os sucessores de Pedro.
No meu artigo de janeiro de 2000, escrevi cuidadas palavras sobre a sua longa espera para ascender aos altares: “Desde cedo, a posteridade consagraria o Papa do Concílio culto que, pela difusão e intensidade, irmanava-lhe a memória aos santos de particular devoção popular. Talvez esteja na grandeza de seu exemplo de tolerância e caridade cristã, e na por vezes incômoda relevância do legado, o motivo por que o processo de beatificação terá deparado tantos obstáculos e tardanças.”
O beato Angelo Roncalli goza de imensa devoção, que não se restringe seja à Lombardia natal, seja à Itália, mas a despeito dos anos que a Cúria pontifícia cuidou de interpor entre o postulante Servo de Deus e o beato Roncalli, prossegue grande e profundo o culto ao Papa Buono que transcende às situações terrenas e aos vigários de Cristo que se sucederam.
Tais considerações foram provocadas pelo recente anúncio da próxima beatificação de Karol Wojtyla, o Papa João Paulo II, falecido em 2005.
Por vontade expressa de Bento XVI foi derrogado, para a abertura do processo de beatificação de Papa Wojtyla, o prazo de cinco anos estabelecido pela norma canônica. O antigo Cardeal-Prefeito da Congregação da Doutrina da Fé, o ex-Santo Ofício, Joseph Ratzinger, que zelosamente representara a linha conservadora do Papa polonês – com numerosos procedimentos contra teólogos da linha progressista, como o alemão Hans Küng, o holandês Edward Schillebeeckx e o brasileiro Leonardo Boff O.F.M. (que depois preferiu retornar ao laicato). Assim, no longo pontificado de João Paulo II entrou-se na época denominada pelo teólogo do Concílio Karl Rahner de “inverno na Igreja”.
Aparentemente, Bento XVI teve pressa em lançar a causa de seu antecessor, o que foi feito há dois meses de sua morte. Determinado o milagre indispensável para que seja reconhecido como beato, João Paulo II será beatificado em primeiro de maio p.f. Para apressar o processo, Bento XVI louvou-se da precedente dispensa, concedida por João Paulo II, a Madre Teresa de Calcutá. Com relação a esta última, no entanto, a exceção se afigura compreensível, porque a freira albanesa já em vida impressionava pela própria aúra de santidade, o que, com o respeito e a admiração devida ao predecessor de Papa Ratzinger, não semelha ser o caso.
Tudo leva a crer que, ao invés do pressuroso avanço de João Paulo II aos altares, a caminhada do Papa do Concílio continuará a ser lenta até alcançar, através da canonização, o reconhecimento da respectiva santidade. Por prescindir das chancelas oficiais – a glorificação do Papa Bom, do Papa das causas progressistas e da abertura da Igreja será ela bem vista por um Pontífice conservador e pela sua Cúria – a elevação de João XXIII continuará a ser gradual e lenta, levada nos ombros de um vasto Povo de Deus, cuja amplitude e profundidade são vistos talvez com certa inquietação.
Dessarte, também se aplica à santificação de Papa Roncalli o que antes dissera acerca de sua beatificação: ‘para muitos católicos e, sem dúvida, não-católicos, o reconhecimento, posto que tardio, será não obstante sempre bem-vindo’.
Pela usança da Igreja primitiva, João XXIII é santo desde muito. Que não se faça demasiado esperar a confirmação oficial.
A Economia Chinesa.
Um tanto em contraponto à recente visita de Hu Jintao aos Estados Unidos, escreve-se muito na imprensa sobre o crescimento da economia chinesa (orçado em 10%). Com o aquecimento da atividade econômica, tende a reforçar-se a pressão sobre a oferta de bens, o que se reflete no incremento da inflação.
Esta alça dos preços – que oscila no cômputo oficial em torno dos 3,3% e que atinge 5% no setor alimentício – tem causado preocupação na instituição bancária. Os grandes saldos comerciais obtidos pela R.P.C. por força de um câmbio artificial do renminbi sub-apreciado, poderiam aumentar ainda mais a inflação, com todas as distorções que tal possa ocasionar.
O remédio para essa dificuldade poderia ser a apreciação controlada da moeda oficial, o que tenderia a reduzir os enormes saldos da balança comercial, e dessa forma operar na contenção da inflação.
Com efeito, as preocupações chinesas com a inflação não se limitam às suas consequências externas. Condiciona muito mais o governo chinês a crescente irritação do mercado consumidor interno, diante da carestia no domínio dos alimentos.
Essa pressão sobre os gêneros de primeira necessidade poder forçar os movimentos operários por salários mais condignos. Como se sabe, os baixos estipêndios constituem um ingrediente fundamental para aguçar a competitividade do produto chinês. A própria economia brasileira, no seu setor de exportação, tem perdido muito rendimento por obra do virtual dumping da concorrência chinesa, o que se tem verificado em todos os principais mercados de nossas exportações.
Dessarte, semelha provável um ajuste na posição cambial do renminbi, determinado, na verdade, menos pela pressão externa, com os Estados Unidos à frente, do que por considerações internas.
Porque a inflação – e não importa que seja manipulada, a exemplo de tantos países (cf. Argentina) ou não, - eis que os seus danosos efeitos para a economia e as finanças, não podem ser varridos para debaixo do tapete. Mormente no caso de uma economia com o porte da do Império do Meio, com um PNB de cinco trilhões de dólares...
O desaparecimento do Cristianismo no Iraque
Em um processo de virtual extinção da seita caldeia da religião católica no Iraque, a presente situação na cidade de Habbaniya Cece, na província de Anbar, se afigura tristemente ilustrativa de um processo histórico que já foi referido em blog anterior. Nesta cidade, atualmente reside uma única família cristã. Romel Hawal recorda-se que na época de sua infância – tem 48 anos – a maior parte da população na província era do rito caldaico da religião católica. Hoje o seu filho de onze anos não tem colegas cristãos na escola, e não se lembra de haver participado de alguma missa.
O derradeiro cristão vai todo dia à igreja de Nossa Senhora da Paz, para limpar o templo e recordar-lhe o passado. Em sua família, a esposa deseja imitar os demais e partir. Hawal, no entanto, ainda sente a obrigação de ficar. Para tanto, ele recebe apoio de um lado pouco previsível. Muitos de seus amigos muçulmanos, quiçá saudosos de uma comunidade desaparecida, lhe pedem para não partir.
Esse sentimento ecumênico, no entanto, não é sempre a regra. Templos de outros credos estão abandonados, como a igreja assíria de São Jorge Martir (danificada por uma bomba em 2005) e a mesquita xiita Husseiniya Habbaniya, apesar de nova, continua sem imã, por causa de ataques contra os xiitas nessa região de predominância sunita.
Semelha, portanto, muito pouco provável que este processo de afastamento de outras crenças que não a majoritária, possa ser revertido. No caso cristão, em que a comunidade se confunde com uma única família, sem sequer possibilidade de realização de culto, a permanência da família de Romel Hawal constitui um sinal melancólico que torna a escolha do êxodo, seja para comunidades remanescentes ainda no Iraque, seja para outros países no Oriente Médio, não mais mera possibilidade, mas inelutável fatalidade.
( Fonte: International Herald Tribune)
sábado, 22 de janeiro de 2011
Problemas no MEC
O sistema implantado pelo Ministério da Educação para agilizar o acesso à universidade através do Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM) e do Sistema de Seleção Unificada (SISU) representa inequívoco progresso para o sistema educacional brasileiro, visto em relação à preexistente pluralidade dos meios de ingresso na universidade, de que os exames-vestibulares constituem o símbolo por excelência.
Teoricamente a ideia merece todo o apoio. Existe, no entanto, uma óbvia condição para que o novo sistema na forma ora preconizada pelo Ministro Fernando Haddad colha a aprovação irrestrita da sociedade.
Ao seu avanço programático deve corresponder funcionamento não apenas adequado, mas que satisfaça plenamente o usuário que, ao submeter-se às regras respectivas, aspira validamente a que os direitos de candidato sejam respeitados, por intermédio de organização que funcione a seu inteiro contento.
O estudante do ensino médio não há de desejar outra coisa que um exame bem aplicado, sem confusões nem vazamentos, com acesso aos resultados e à consequente opção do curso a seguir, sem postergações, atrasos ou quebras de confidencialidade.
Infelizmente, as inegáveis qualidades profissionais do Ministro Haddad tem sofrido máculas na implementação dos exames nacionais, seja por vazamentos de questionários devido a falhas na segurança, seja, em fase ulterior, erros na distribuição de quesitos, a que agora se agregam outros deslizes técnicos, desta feita localizados no Sisu.
A todos esses tropeços, o Ministro Fernando Haddad tem resistido galhardamente. O Presidente Lula deveria apreciar muito o seu trabalho, a ponto de relevar-lhe o que, para muitos, implica em responsabilidade na gestão das questões de sua Pasta.
Se até hoje os motivos de Lula para tão desenvoltamente livrar-se da colaboração de um ministro da envergadura de Cristovam Buarque, a quem demitiu pelo telefone, mais parecem ligar-se a antipatias de outro colega mais bem posicionado, tal não foi decerto o caso com o seu sucessor Fernando Haddad.
Ninguém lhe contesta o embasamento doutrinário, nem os títulos universitários – posto que não façam sombra às credenciais do antecessor – mas o que desperta perplexidade foi a obstinação do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em manter o seu ministro da Educação, malgrado o pandemônio no Enem, com considerável prejuízo humano para os jovens aspirantes aos bancos acadêmicos.
No seu estilo tradicional, Lula transformava as audiências ao Ministro Haddad – cujo ministério não estava atendendo às exigências técnicas de um exame por ele estabelecido - a iteradas e pouco críveis promessas de repetidas tentativas, como se a matéria pudesse ser resolvida pela repetição e não pelo recurso a uma nova autoridade, que se dispusesse a enfrentar um desafio de responsabilidade ministerial.
Com a vinda da Presidenta Dilma Rousseff, os critérios semelham mudar e de forma auspiciosa para o estudante nacional do ensino médio, cujo principal erro foi confiar no Enem como hoje estruturado pelo MEC.
Fernando Haddad mostrou uma certa imaturidade – ou pelo menos insensibilidade – ao tencionar levar avante o projeto de férias, em meio à crise no seu ministério. Já mantido no MEC aparentemente por instâncias do grande protetor, o seu incrível projeto de descanso, enquanto todo o esquema de implantação do Enem e do Sisu (cujo responsável foi oportunamente exonerado) se descobre subitamente no alto e encapelado mar dos protestos estudantis, da guerra das liminares, enfim do relativo caos burocrático, com que os candidatos se defrontam.
Com uma certa liberdade poética, que a meu modesto ver caberia em tema dos docentes e de seus modelos de aferição de conhecimento, o corpo discente tem o direito de presumir, como no que se refere à mulher de Cesar, à isenção e à exação na manipulação e materialização dessa ferramenta de acesso à universidade, a quem devotam tanta paciência, denodo, estudo e ambição fundada na premissa básica da igualdade de direitos.
Pelo visto, a Presidenta Dilma Rousseff não ignora que os ministros, por mais apadrinhados que sejam, são demissíveis ad nutum. Não será criando falsas hiper-estruturas, como a propalada concursobrás, que se resolverá a questão. Talvez, meu caro Ministro Haddad, a coisa possa começar por um pouco de sensibilidade – não é hora de largar o timão para descansos regulamentares – e complementar-se, por enfronhamento mais próximo do problema, que não é tanto teórico nem elocubrativo, mas da comezinha administração, em que o responsável não refuga em afundar-se em assuntos concretos e diretos. Afinal, é desses mesmos que a crise no MEC se alimenta e se agrava.
Precisamos de um ministro que ao escoimar o Enem et al. de erros e barafundas lhe preserve a aplicação geral e incontestável, poupando o estudante médio do tempo perdido das contestações generalizadas, que redunda na própria negação de seu benemérito propósito.
(Fonte: O Globo )
Teoricamente a ideia merece todo o apoio. Existe, no entanto, uma óbvia condição para que o novo sistema na forma ora preconizada pelo Ministro Fernando Haddad colha a aprovação irrestrita da sociedade.
Ao seu avanço programático deve corresponder funcionamento não apenas adequado, mas que satisfaça plenamente o usuário que, ao submeter-se às regras respectivas, aspira validamente a que os direitos de candidato sejam respeitados, por intermédio de organização que funcione a seu inteiro contento.
O estudante do ensino médio não há de desejar outra coisa que um exame bem aplicado, sem confusões nem vazamentos, com acesso aos resultados e à consequente opção do curso a seguir, sem postergações, atrasos ou quebras de confidencialidade.
Infelizmente, as inegáveis qualidades profissionais do Ministro Haddad tem sofrido máculas na implementação dos exames nacionais, seja por vazamentos de questionários devido a falhas na segurança, seja, em fase ulterior, erros na distribuição de quesitos, a que agora se agregam outros deslizes técnicos, desta feita localizados no Sisu.
A todos esses tropeços, o Ministro Fernando Haddad tem resistido galhardamente. O Presidente Lula deveria apreciar muito o seu trabalho, a ponto de relevar-lhe o que, para muitos, implica em responsabilidade na gestão das questões de sua Pasta.
Se até hoje os motivos de Lula para tão desenvoltamente livrar-se da colaboração de um ministro da envergadura de Cristovam Buarque, a quem demitiu pelo telefone, mais parecem ligar-se a antipatias de outro colega mais bem posicionado, tal não foi decerto o caso com o seu sucessor Fernando Haddad.
Ninguém lhe contesta o embasamento doutrinário, nem os títulos universitários – posto que não façam sombra às credenciais do antecessor – mas o que desperta perplexidade foi a obstinação do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em manter o seu ministro da Educação, malgrado o pandemônio no Enem, com considerável prejuízo humano para os jovens aspirantes aos bancos acadêmicos.
No seu estilo tradicional, Lula transformava as audiências ao Ministro Haddad – cujo ministério não estava atendendo às exigências técnicas de um exame por ele estabelecido - a iteradas e pouco críveis promessas de repetidas tentativas, como se a matéria pudesse ser resolvida pela repetição e não pelo recurso a uma nova autoridade, que se dispusesse a enfrentar um desafio de responsabilidade ministerial.
Com a vinda da Presidenta Dilma Rousseff, os critérios semelham mudar e de forma auspiciosa para o estudante nacional do ensino médio, cujo principal erro foi confiar no Enem como hoje estruturado pelo MEC.
Fernando Haddad mostrou uma certa imaturidade – ou pelo menos insensibilidade – ao tencionar levar avante o projeto de férias, em meio à crise no seu ministério. Já mantido no MEC aparentemente por instâncias do grande protetor, o seu incrível projeto de descanso, enquanto todo o esquema de implantação do Enem e do Sisu (cujo responsável foi oportunamente exonerado) se descobre subitamente no alto e encapelado mar dos protestos estudantis, da guerra das liminares, enfim do relativo caos burocrático, com que os candidatos se defrontam.
Com uma certa liberdade poética, que a meu modesto ver caberia em tema dos docentes e de seus modelos de aferição de conhecimento, o corpo discente tem o direito de presumir, como no que se refere à mulher de Cesar, à isenção e à exação na manipulação e materialização dessa ferramenta de acesso à universidade, a quem devotam tanta paciência, denodo, estudo e ambição fundada na premissa básica da igualdade de direitos.
Pelo visto, a Presidenta Dilma Rousseff não ignora que os ministros, por mais apadrinhados que sejam, são demissíveis ad nutum. Não será criando falsas hiper-estruturas, como a propalada concursobrás, que se resolverá a questão. Talvez, meu caro Ministro Haddad, a coisa possa começar por um pouco de sensibilidade – não é hora de largar o timão para descansos regulamentares – e complementar-se, por enfronhamento mais próximo do problema, que não é tanto teórico nem elocubrativo, mas da comezinha administração, em que o responsável não refuga em afundar-se em assuntos concretos e diretos. Afinal, é desses mesmos que a crise no MEC se alimenta e se agrava.
Precisamos de um ministro que ao escoimar o Enem et al. de erros e barafundas lhe preserve a aplicação geral e incontestável, poupando o estudante médio do tempo perdido das contestações generalizadas, que redunda na própria negação de seu benemérito propósito.
(Fonte: O Globo )
sexta-feira, 21 de janeiro de 2011
A Lei de Gerson
O Brasil pode reivindicar uma discutível nova classificação jurídica: de acordo com o entendimento popular existem leis que ‘pegam’ e outras que não. Quando se diz que uma certa lei ‘não pegou’, esta avaliação não contém nenhum valor jurídico objetivo, como se seria o caso se tivesse sido vetada, revogada por outra lei ou declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
Nada disso. O que se quer dizer é que a dita lei não está sendo aplicada, porque não foi considerada cabível. Os motivos podem ser os mais variáveis, mas o que interessa no caso é o consenso da sociedade que prefere considerá-la como não-existente na prática. Sendo norma escrita, formalmente a causa de sua suposta não-validade não tem eficácia jurídica. Na prática, no entanto, esse ‘juízo social’ pode até funcionar, sobretudo para leizinhas irrelevantes propostas por leguleios em plena atividade.
Desejo, no entanto, referir-me a uma outra categoria também informal de lei, que, apesar de não originar-se de projetos legislativos ou de medidas provisórias, de não serem deliberadas e votadas pelas colendas assembleias, nem sancionadas pelo nível executivo correspondente, tais leis, malgrado não gravadas no solene mármore ático, elas não só vigoram, mas tornam-se pauta normativa de amplo e difuso comportamento social.
Como o leitor há de presumir desejo referir-me à chamada ‘lei de Gerson’. Em anúncio de cigarro de 1976, o meia da seleção dizia: ‘gosto de levar vantagem em tudo’.
Hoje, mesmo que a marca do cigarro esteja esquecida e esse tipo de publicidade formalmente proibido bem como o próprio foco do anúncio se haja dissociado do conceito emitido, não é que a citada lei de Gerson continua com validade plena, sendo acatada de forma generalizada por corporações inteiras, por largos extratos e sobretudo por personalidades destacadas, cuja conduta é suscetível de servir de exemplo a outras camadas da sociedade, que não desfrutam de tal significância e visibilidade ?
Houve tempo em que o cidadão comum, o popular, podia orgulhar-se do comportamento de seus colegiados e de seus representantes, pela sua ‘gravitas’[1] e dignidade no que concerne ao bem e à coisa pública.
Hoje em dia quem poderá afirmar que a população se sente bem representada e tem em alta conta o comportamento de deputados e senadores ? Os exemplos em contrário – e não só com respeito a legisladores – são demasiado abundantes para não confranger a opinião pública.
Quem terá esquecido o deprimente espetáculo da concessão de aumento generalizado, no espaço de uma única jornada, por Câmara e Senado, a deputados, senadores, presidente da república, ministros de estado e ministros do Supremo Tribunal Federal? E todos equalizados, como se o ministro, demissível ad nutum pelo presidente, possa ter a mesma remuneração do Chefe da Nação ? Juntos todos, em um mesmo cesto, deputados, senadores e os ministros do STF, já regiamente pagos, e que soem ser os primeiros a reivindicar o aumento anual.
E, sem embargo, esses anti-exemplos não param por aí. Não me reporto apenas à inchação de Senado e Câmara, com pencas de diretores e de funcionários agraciados com salários que não assinalam o mérito mas o privilégio. Na inextinguível lista de prebendas e de vantagens absurdas, repontam agora, recuperadas do limbo em que convenientemente prosperavam, as iníquas e inconstitucionais aposentadorias de governadores de estado.
Muitos – espero ao menos que não todos – para elas voltam, pressurosos em postulá-las, até mesmo os que diziam haver feito voto de pobreza. Todos as postulam, não recuando diante de nenhum embaraço, como o fato de a governança datar de vinte anos atrás, ou a vantagem dizer respeito a um curto interinato, de uma semana ou dez dias, que é julgado suficiente para fundamentar a tal pensão.
Pouco interessa que não hajam contribuído com um centavo para a dita aposentadoria, se bem que o comum mortal careceria de pesadas contribuições para ao cabo de sua ativa existência funcional ter direito à tal pensão pela Previdência.
Lillian Hellman[2], no seu livro de memórias “Scoundrel Time” sobre a época do denuncismo ao tempo do Senador Joseph McCarthy, disse que se vivia então “in scoundrel time”, i.e., no tempo dos patifes.
Não sei se a designação seria válida para cá, mas uma coisa me parece certa: a validade da lei de Gerson continua indiscutível.
[1] Palavra latina que assinala a distinção e a circunspecção associadas à dignidade de posto e encargo.
[2] Lillian Hellman, escritora e dramaturga (1905-1984).
Nada disso. O que se quer dizer é que a dita lei não está sendo aplicada, porque não foi considerada cabível. Os motivos podem ser os mais variáveis, mas o que interessa no caso é o consenso da sociedade que prefere considerá-la como não-existente na prática. Sendo norma escrita, formalmente a causa de sua suposta não-validade não tem eficácia jurídica. Na prática, no entanto, esse ‘juízo social’ pode até funcionar, sobretudo para leizinhas irrelevantes propostas por leguleios em plena atividade.
Desejo, no entanto, referir-me a uma outra categoria também informal de lei, que, apesar de não originar-se de projetos legislativos ou de medidas provisórias, de não serem deliberadas e votadas pelas colendas assembleias, nem sancionadas pelo nível executivo correspondente, tais leis, malgrado não gravadas no solene mármore ático, elas não só vigoram, mas tornam-se pauta normativa de amplo e difuso comportamento social.
Como o leitor há de presumir desejo referir-me à chamada ‘lei de Gerson’. Em anúncio de cigarro de 1976, o meia da seleção dizia: ‘gosto de levar vantagem em tudo’.
Hoje, mesmo que a marca do cigarro esteja esquecida e esse tipo de publicidade formalmente proibido bem como o próprio foco do anúncio se haja dissociado do conceito emitido, não é que a citada lei de Gerson continua com validade plena, sendo acatada de forma generalizada por corporações inteiras, por largos extratos e sobretudo por personalidades destacadas, cuja conduta é suscetível de servir de exemplo a outras camadas da sociedade, que não desfrutam de tal significância e visibilidade ?
Houve tempo em que o cidadão comum, o popular, podia orgulhar-se do comportamento de seus colegiados e de seus representantes, pela sua ‘gravitas’[1] e dignidade no que concerne ao bem e à coisa pública.
Hoje em dia quem poderá afirmar que a população se sente bem representada e tem em alta conta o comportamento de deputados e senadores ? Os exemplos em contrário – e não só com respeito a legisladores – são demasiado abundantes para não confranger a opinião pública.
Quem terá esquecido o deprimente espetáculo da concessão de aumento generalizado, no espaço de uma única jornada, por Câmara e Senado, a deputados, senadores, presidente da república, ministros de estado e ministros do Supremo Tribunal Federal? E todos equalizados, como se o ministro, demissível ad nutum pelo presidente, possa ter a mesma remuneração do Chefe da Nação ? Juntos todos, em um mesmo cesto, deputados, senadores e os ministros do STF, já regiamente pagos, e que soem ser os primeiros a reivindicar o aumento anual.
E, sem embargo, esses anti-exemplos não param por aí. Não me reporto apenas à inchação de Senado e Câmara, com pencas de diretores e de funcionários agraciados com salários que não assinalam o mérito mas o privilégio. Na inextinguível lista de prebendas e de vantagens absurdas, repontam agora, recuperadas do limbo em que convenientemente prosperavam, as iníquas e inconstitucionais aposentadorias de governadores de estado.
Muitos – espero ao menos que não todos – para elas voltam, pressurosos em postulá-las, até mesmo os que diziam haver feito voto de pobreza. Todos as postulam, não recuando diante de nenhum embaraço, como o fato de a governança datar de vinte anos atrás, ou a vantagem dizer respeito a um curto interinato, de uma semana ou dez dias, que é julgado suficiente para fundamentar a tal pensão.
Pouco interessa que não hajam contribuído com um centavo para a dita aposentadoria, se bem que o comum mortal careceria de pesadas contribuições para ao cabo de sua ativa existência funcional ter direito à tal pensão pela Previdência.
Lillian Hellman[2], no seu livro de memórias “Scoundrel Time” sobre a época do denuncismo ao tempo do Senador Joseph McCarthy, disse que se vivia então “in scoundrel time”, i.e., no tempo dos patifes.
Não sei se a designação seria válida para cá, mas uma coisa me parece certa: a validade da lei de Gerson continua indiscutível.
[1] Palavra latina que assinala a distinção e a circunspecção associadas à dignidade de posto e encargo.
[2] Lillian Hellman, escritora e dramaturga (1905-1984).
quinta-feira, 20 de janeiro de 2011
Depois da Festança, a Conta
O último ano do governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi muito diferente dos primeiros, quando houve, em termos de finanças públicas, administração séria, com a preocupação da ortodoxia monetária.
Já em 2009 a orientação era bem diversa, os malabarismos e os artifícios financeiros buscavam suprir a inchação das despesas e a falta de recursos fiscais para tanto. Entrávamos no dúbio campo das capitalizações e dos truques contábeis, em manobras de fôlego curto, eis que os índices cedo denunciam os que, em matéria economico-financeira, não se atêm ao elementar dever de casa.
As artes de Lula e de seu Ministro Mantega se deviam sobretudo às pressões do ano eleitoral e, dentre elas, a maior que se resumia em fazer de Dilma Rousseff sua sucessora.
Em virtude de altíssima popularidade, do próprio carisma e por força dos erros da campanha adversária, o colimado objetivo foi atingido. Para tanto, inclusive, contou com a ajuda da deusa fortuna, eis que, se Marina Silva lograsse ultrapassar nos dias finais que antecediam ao três de outubro o candidato José Serra, outro poderia ter sido o resultado do segundo turno.
Hão de dizer que a condicional se, por não tratar da realidade, não introduz argumentos quantificáveis na política. Forçoso será reconhecer que o argumento é irrespondível, por mais que a dinâmica das pesquisas procure dizer-nos o contrário.
Feita a digressão, voltemos à situação atual. Dilma herdou de Lula economia aquecida, com baixo superavit fiscal, inflação com tendência para alta, menores saldos positivos na balança comercial e déficit no balança de contas correntes, que é suprido com aportes crescentes de aplicações a curto prazo, de caráter especulativo.
Decerto a nossa presente inflação não é do porte daquela chavista da Venezuela. No entanto, continua com viés de alta: há um mês atrás, o mercado projetava inflação de 5,29% para o corrente ano. Agora, a alça prevista dos preços se eleva para 5,42%, o que a distancia ainda mais da meta oficial, estipulada em 4,5% pelo governo.
O desequilíbrio entre receita e despesas para 2011 forçou a nova administração a anunciar cortes no orçamento. Não obstante, o controle maior da inflação tem de ser realizado pelo incremento da taxa Selic – a taxa oficial bancária estabelecida pelo Comitê de Política Monetária – e é por tal razão que o Copom, ora presidido por Alexandre Tombini, elevou a taxa básica de 10,75% para 11,25% ao ano, que é o maior patamar desde março de 2009.
O BC diante das pressões inflacionárias, com o aquecimento da demanda e a incapacidade da oferta de satisfazê-la plenamente, a única saída está no encarecimento do crédito. Por sua vez, o governo Dilma pode colaborar, cortando despesas.
Assinale-se, contudo, que dada a inchação da máquina pública (incluídas as estatais) e a falta de elasticidade dos dispêndios de custeio, muita vez os esforços de incrementar o superavit fiscal primário (o montante reservado para o pagamento dos juros da dívida pública), se tem efeito benéfico para a redução da pressão inflacionária, tende a diminuir o montante disponível para investimentos.
A Presidenta Dilma Rousseff, no seu discurso de posse no Congresso, aludiu a duas reformas – a política e a tributária. O pouco entusiasmo da classe política com essas duas reformas se traduziu no ensejo pelo débil e formal aplauso com que a menção foi saudada.
É árdua a discussão sobre qual reforma seria a mais urgente. Ambas na verdade o são, mas se nos deparamos com uma escolha de Sofia, a palma deveria ir para a política. Saneados os meios e os quadros políticos, com o voto do eleitor tendo o mesmo peso político do Oiapoque ao Chuí, com os partidos políticos reduzidos a menos de meia-dúzia, com o Congresso atuante e respeitado como Poder Legislativo, o Senado livre dos suplentes e dos atos secretos, da Câmara com representantes distritais plenamente responsáveis perante o Povo que representa – se alcançar-se tudo isso, o demais se poderá pretender por acréscimo, inclusive a reforma tributária e demais instrumentos no combate à corrupção, que é o maior, mais iniquo e pernicioso imposto que grava a nossa gente.
( Fonte: O Globo )
Já em 2009 a orientação era bem diversa, os malabarismos e os artifícios financeiros buscavam suprir a inchação das despesas e a falta de recursos fiscais para tanto. Entrávamos no dúbio campo das capitalizações e dos truques contábeis, em manobras de fôlego curto, eis que os índices cedo denunciam os que, em matéria economico-financeira, não se atêm ao elementar dever de casa.
As artes de Lula e de seu Ministro Mantega se deviam sobretudo às pressões do ano eleitoral e, dentre elas, a maior que se resumia em fazer de Dilma Rousseff sua sucessora.
Em virtude de altíssima popularidade, do próprio carisma e por força dos erros da campanha adversária, o colimado objetivo foi atingido. Para tanto, inclusive, contou com a ajuda da deusa fortuna, eis que, se Marina Silva lograsse ultrapassar nos dias finais que antecediam ao três de outubro o candidato José Serra, outro poderia ter sido o resultado do segundo turno.
Hão de dizer que a condicional se, por não tratar da realidade, não introduz argumentos quantificáveis na política. Forçoso será reconhecer que o argumento é irrespondível, por mais que a dinâmica das pesquisas procure dizer-nos o contrário.
Feita a digressão, voltemos à situação atual. Dilma herdou de Lula economia aquecida, com baixo superavit fiscal, inflação com tendência para alta, menores saldos positivos na balança comercial e déficit no balança de contas correntes, que é suprido com aportes crescentes de aplicações a curto prazo, de caráter especulativo.
Decerto a nossa presente inflação não é do porte daquela chavista da Venezuela. No entanto, continua com viés de alta: há um mês atrás, o mercado projetava inflação de 5,29% para o corrente ano. Agora, a alça prevista dos preços se eleva para 5,42%, o que a distancia ainda mais da meta oficial, estipulada em 4,5% pelo governo.
O desequilíbrio entre receita e despesas para 2011 forçou a nova administração a anunciar cortes no orçamento. Não obstante, o controle maior da inflação tem de ser realizado pelo incremento da taxa Selic – a taxa oficial bancária estabelecida pelo Comitê de Política Monetária – e é por tal razão que o Copom, ora presidido por Alexandre Tombini, elevou a taxa básica de 10,75% para 11,25% ao ano, que é o maior patamar desde março de 2009.
O BC diante das pressões inflacionárias, com o aquecimento da demanda e a incapacidade da oferta de satisfazê-la plenamente, a única saída está no encarecimento do crédito. Por sua vez, o governo Dilma pode colaborar, cortando despesas.
Assinale-se, contudo, que dada a inchação da máquina pública (incluídas as estatais) e a falta de elasticidade dos dispêndios de custeio, muita vez os esforços de incrementar o superavit fiscal primário (o montante reservado para o pagamento dos juros da dívida pública), se tem efeito benéfico para a redução da pressão inflacionária, tende a diminuir o montante disponível para investimentos.
A Presidenta Dilma Rousseff, no seu discurso de posse no Congresso, aludiu a duas reformas – a política e a tributária. O pouco entusiasmo da classe política com essas duas reformas se traduziu no ensejo pelo débil e formal aplauso com que a menção foi saudada.
É árdua a discussão sobre qual reforma seria a mais urgente. Ambas na verdade o são, mas se nos deparamos com uma escolha de Sofia, a palma deveria ir para a política. Saneados os meios e os quadros políticos, com o voto do eleitor tendo o mesmo peso político do Oiapoque ao Chuí, com os partidos políticos reduzidos a menos de meia-dúzia, com o Congresso atuante e respeitado como Poder Legislativo, o Senado livre dos suplentes e dos atos secretos, da Câmara com representantes distritais plenamente responsáveis perante o Povo que representa – se alcançar-se tudo isso, o demais se poderá pretender por acréscimo, inclusive a reforma tributária e demais instrumentos no combate à corrupção, que é o maior, mais iniquo e pernicioso imposto que grava a nossa gente.
( Fonte: O Globo )
quarta-feira, 19 de janeiro de 2011
A Visita de Hu a Washington
Cercam muitas expectativas a visita oficial aos Estados Unidos do Presidente da República Popular da China, Hu Jintao. Iniciada ontem, a superpotência recebe com mostras de deferência nas solenes cerimônias oficiais, assim como nas incrementadas atenções à segunda potência mundial que ostenta um PIB de cinco trilhões de dólares e grandes perspectivas de continuada ascensão.
A julgar pelas indiscrições de praxe, a administração Barack Obama tenciona marcar mudança na atitude para com a R.P.C. À reconhecida relevância no plano protocolar – que é consequência das dimensões econômica e política do parceiro na cena internacional – se contrapõe inédita firmeza do presidente Obama e de seus principais auxiliares na discussão dos mais importantes tópicos das relações bilaterais.
Avultam na agenda sino-americana a persistente subapreciação do renminbi, com efeitos de inchação dos saldos na balança comercial e conexos prejuízos para a indústria estadunidense bem como maior responsabilidade em questões internacionais (Coreia do Norte e Irã), e mais respeito aos direitos humanos.
Decerto os problemas vão além, como a maior atenção à pirataria comercial, postura menos belicista com respeito aos vizinhos e a reivindicações de soberania, e atitudes mais responsáveis no que tange à abertura dos mercados.
Segundo se assinala, as intervenções mais enérgicas foram as do Secretário da Defesa, Robert Gates – Washington responderá à crescente presença militar chinesa no Pacífico com mais investimentos em armas, jatos e tecnologia; da Secretária de Estado, Hillary Clinton – encareceu atuação mais responsável da China, para conter a Coreia do Norte, e censurou a falta de liberdade na sociedade chinesa; e do Secretário do Tesouro, Timothy Geithner, que solicitou empenho para a apreciação da moeda chinesa, condicionando a expansão do intercâmbio e dos investimentos nos dois sentidos, à maior abertura do mercado chinês aos empresários americanos.
Como reagirá o circunspecto Hu Jintao a essa esperada artilharia, bem como às observações que lhe fará um mais calejado Barack Obama, nos diversos momentos de conversações no mais alto nível ?
Para que se tenha um quadro mais amplo e veraz da possível reação, semelha importante ter-se presente as considerações seguintes. Obama não tem diante de si nem Deng Xiaoping, nem o seu sucessor Jiang Zemin. Deng Xiaoping tinha autoridade incontrastável e soube cercar-se de auxiliares do peso de Zhao Ziyang[1] (que possibilitou a opção economico-financeira, liberdade esta que seria o motor do desenvolvimento da RPC); Jiang Zemin, sem o peso de Deng, tinha controle suficiente dos principais atores na economia e na política.
Não é que Hu seja figura desimportante ou decorativa. As suas faculdades de controle, no entanto, não semelham ter a força evidenciada por seus antecessores. Existem, no momento, muitos polos de poder na República Popular da China. Em certas oportunidades, se tem a impressão de que os militares se auto-governam, a despeito de que o Presidente Hu seja o chefe da Comissão militar. A esfera castrense desenvolve as respectivas armas e as experimenta – como no caso do avião Stealth (invisível ao radar) testado durante a visita do Secretário de Defesa. Consoante consta, o Presidente Hu desconheceria a ocasião do teste. Em outros instantes, a aparente concordância de Hu – como v.g. no caso da apreciação do renminbi – com as postulações americanas não teria qualquer efeito nas instâncias de comércio internacional e nas autoridades financeiras chinesas.
Hu Jintao dá a impressão de um chefe do executivo que não logra controlar muitos dos polos de poder na RPC. Tal não significa asseverar que não tenha poderes, como na área de direitos humanos. No entanto, afigura-se incontestável que a palavra de Hu não significa, necessariamente, que as coisas estão decididas, como seria no caso do velho líder Deng Xiaoping.
Como se tal não bastasse, a autoridade do atual presidente tende igualmente a ser afetada pelo progressivo processo de atrito, que caracteriza a sucessão. Parece não haver dúvida que Hu será sucedido em 2012 por Xi Jinping. Dessarte, quando uma estrela nova aparece, fadada a substituir a antiga, é natural que o poder do presidente em exercício, Hu Jintao, seja afetado e de forma gradual.
Diante de o que precede, quiçá as expectativas de Washington quanto às possibilidades abertas pela visita do Presidente da República Popular da China venham a ser excessivas.
(Fontes: International Herald Tribune e Folha de S. Paulo )
[1] Zhao Ziyang (1919-2005). Encarregado das questões econômicas da China (março de 1980; Primeiro Ministro (setembro de 1980); Secretário-Geral do Partido Comunista. Preconiza maior compreensão com as manifestações estudantis e, em seguida, discorda da imposição da lei marcial por Deng em 4 de maio de 1989; em junho, depois do massacre de Tiananmen é afastado do poder e mantido em prisão domiciliar até sua morte em 17 de janeiro de 2005, em Beijing.
A julgar pelas indiscrições de praxe, a administração Barack Obama tenciona marcar mudança na atitude para com a R.P.C. À reconhecida relevância no plano protocolar – que é consequência das dimensões econômica e política do parceiro na cena internacional – se contrapõe inédita firmeza do presidente Obama e de seus principais auxiliares na discussão dos mais importantes tópicos das relações bilaterais.
Avultam na agenda sino-americana a persistente subapreciação do renminbi, com efeitos de inchação dos saldos na balança comercial e conexos prejuízos para a indústria estadunidense bem como maior responsabilidade em questões internacionais (Coreia do Norte e Irã), e mais respeito aos direitos humanos.
Decerto os problemas vão além, como a maior atenção à pirataria comercial, postura menos belicista com respeito aos vizinhos e a reivindicações de soberania, e atitudes mais responsáveis no que tange à abertura dos mercados.
Segundo se assinala, as intervenções mais enérgicas foram as do Secretário da Defesa, Robert Gates – Washington responderá à crescente presença militar chinesa no Pacífico com mais investimentos em armas, jatos e tecnologia; da Secretária de Estado, Hillary Clinton – encareceu atuação mais responsável da China, para conter a Coreia do Norte, e censurou a falta de liberdade na sociedade chinesa; e do Secretário do Tesouro, Timothy Geithner, que solicitou empenho para a apreciação da moeda chinesa, condicionando a expansão do intercâmbio e dos investimentos nos dois sentidos, à maior abertura do mercado chinês aos empresários americanos.
Como reagirá o circunspecto Hu Jintao a essa esperada artilharia, bem como às observações que lhe fará um mais calejado Barack Obama, nos diversos momentos de conversações no mais alto nível ?
Para que se tenha um quadro mais amplo e veraz da possível reação, semelha importante ter-se presente as considerações seguintes. Obama não tem diante de si nem Deng Xiaoping, nem o seu sucessor Jiang Zemin. Deng Xiaoping tinha autoridade incontrastável e soube cercar-se de auxiliares do peso de Zhao Ziyang[1] (que possibilitou a opção economico-financeira, liberdade esta que seria o motor do desenvolvimento da RPC); Jiang Zemin, sem o peso de Deng, tinha controle suficiente dos principais atores na economia e na política.
Não é que Hu seja figura desimportante ou decorativa. As suas faculdades de controle, no entanto, não semelham ter a força evidenciada por seus antecessores. Existem, no momento, muitos polos de poder na República Popular da China. Em certas oportunidades, se tem a impressão de que os militares se auto-governam, a despeito de que o Presidente Hu seja o chefe da Comissão militar. A esfera castrense desenvolve as respectivas armas e as experimenta – como no caso do avião Stealth (invisível ao radar) testado durante a visita do Secretário de Defesa. Consoante consta, o Presidente Hu desconheceria a ocasião do teste. Em outros instantes, a aparente concordância de Hu – como v.g. no caso da apreciação do renminbi – com as postulações americanas não teria qualquer efeito nas instâncias de comércio internacional e nas autoridades financeiras chinesas.
Hu Jintao dá a impressão de um chefe do executivo que não logra controlar muitos dos polos de poder na RPC. Tal não significa asseverar que não tenha poderes, como na área de direitos humanos. No entanto, afigura-se incontestável que a palavra de Hu não significa, necessariamente, que as coisas estão decididas, como seria no caso do velho líder Deng Xiaoping.
Como se tal não bastasse, a autoridade do atual presidente tende igualmente a ser afetada pelo progressivo processo de atrito, que caracteriza a sucessão. Parece não haver dúvida que Hu será sucedido em 2012 por Xi Jinping. Dessarte, quando uma estrela nova aparece, fadada a substituir a antiga, é natural que o poder do presidente em exercício, Hu Jintao, seja afetado e de forma gradual.
Diante de o que precede, quiçá as expectativas de Washington quanto às possibilidades abertas pela visita do Presidente da República Popular da China venham a ser excessivas.
(Fontes: International Herald Tribune e Folha de S. Paulo )
[1] Zhao Ziyang (1919-2005). Encarregado das questões econômicas da China (março de 1980; Primeiro Ministro (setembro de 1980); Secretário-Geral do Partido Comunista. Preconiza maior compreensão com as manifestações estudantis e, em seguida, discorda da imposição da lei marcial por Deng em 4 de maio de 1989; em junho, depois do massacre de Tiananmen é afastado do poder e mantido em prisão domiciliar até sua morte em 17 de janeiro de 2005, em Beijing.
terça-feira, 18 de janeiro de 2011
A Insurreição na Tunísia e o Mundo Árabe
A queda de Ben Ali, após ditadura de 23 anos, o que representa para a Tunísia e o mundo árabe ?
Está em curso no momento tentativa da elite dominante em controlar a insurreição e, assim, impedir que o movimento popular tenha consequências revolucionárias.
Por enquanto, os efeitos da rebelião parecem em processo de contenção. O levante se propagara pela morte do universitário desempregado Mohamed Bouazizi – que em dezembro pôs fogo às vestes em protesto contra o confisco pela polícia de carrocinha de frutas, o seu único meio de subsistência.
A história das revoluções têm várias possíveis evoluções. Podem ser abortadas – como a sublevação dos nobres chamada journée des dupes[1] contra o primeiro Ministro Cardeal Richelieu, que foi entretanto confirmado por Luis XIII -, domesticadas, como a revolução de 27 a 29 de julho de l830, pela qual Luis Filipe, de Orléans, sucedeu ao destronado Carlos X, irmão mais jovem de Luís XVI -, ou terem realização plena, como a chamada revolução americana, iniciada na década de setenta do século XVIII.
Para guardar uma símile consentânea com os exemplos acima, pelo andor da carruagem se poderia, por ora, alvitrar para o movimento tunisiano a solução intermediária.
Depois da fuga do tirano – acolhido pelo rei Abdallah, da Arábia saudita – se assiste a formação de governo que, pelas aparências, não promete mudanças radicais. Com efeito, o poder está sendo empunhado por antigos partidários de Ben Ali. O presidente interino, Fouad Mebazza, antes presidia o parlamento. Em ditadura, como a de Ben Ali, não é difícil presumir que Mebazza era homem da confiança do regime, num organismo de chancela das determinações do Executivo.
Tampouco de Mohamed Ghannouchi, primeiro-ministro de Ben Ali por onze anos, portanto,homem de sua estrita confiança, se pode esperar que vá colocar o boné frígio[2] e se transformar em revolucionário.
Por sua vez, o gabinete, tachado de união nacional, se compõe de dezenove ministros, dos quais dez independentes e três líderes da oposição.
Se a respectiva chefia foi empolgada por antigo familiar de Ben Ali e se os ditos líderes oposicionistas pertencem, na verdade, àquela oposição de fachada, tolerada pelo ditador, as perspectivas de real transformação se afiguram muito débeis (os autênticos adversários do regime não foram, por ora, convocados por Mebazza).
E a reação popular diante desse ‘gabinete de unidade’ foi bastante dura, como se poderia antecipar: ‘o governo continua o mesmo !’ gritou a multidão. Com efeito, o único oposicionista com alguma credibilidade – Najib Chebbi, nomeado Ministro do Desenvolvimento Regional – é andorinha solitária. Os partidos considerados ilegais por Ben Ali – o Comunista e o Islamista – não foram chamados para participar do ministério.
A formação de um governo em que o sistema de Ben Ali continua preponderante reavivou a chama das manifestações, dirigidas mormente contra o Ministério do Interior, que com Rafik Belhaj Kacem (V. blog de 16 do corrente) constituira a cara da repressão.
Sem embargo, a chispa da revolução – que partiu da tranquila Tunísia – inquieta os autocratas do mundo árabe. Assinalam-se manifestações no Egito (Hosni Mubarak), na Jordânia (Abdullah II) e na Argélia (Abdelaziz Bouteflika).
Desde o assassínio de Anuar el-Sadat em 1981, que Mubarak retém o mando. Com mais de oitenta anos, teria a intenção de legar a presidência ao filho. Na Jordânia, país inventado por Churchill, o atual monarca tem de lidar com população com grande presença de palestinos (sucedeu, em 1999, ao pai, o rei Hussein).
Por fim, segundo observadores, a Argélia seria o país que pelas características do regime mais se assemelhasse à vizinha Tunísia. Bouteflika, que assumiu a presidência em 1999, acumula reeleições e haveria, como alhures, naquele país do Magreb também insatisfação e desemprego.
Por sua vez, o também vizinho Muamar Kaddafi lamentou a partida de Ben Ali. Dada a extensão dos domínios respectivos (Kaddafi desde 1969 e Ben Ali, 1987) é compreensível a comum simpatia.
No entanto, predizer o amanhã é tarefa ingrata e arriscada. Nisso a história nos fala muitas coisas, nem todas confiáveis. Por exemplo, em fevereiro de 1848, a queda de Luís Felipe na França ateou na Europa o fogo revolucionario, sacudindo velhas monarquias, como a Austria do primeiro-ministro Metternich. E ao cabo de muito levante, perda de vidas e posses, tudo ali mudaria, para, em fim de contas, tudo ficar um tanto na mesma. As grandes transformações foram postergadas para mais tarde.
Como serão as coisas no Magreb e no mundo árabe ? É hora de fazer as apostas, mas não de predizer resultados.
( Fontes: CNN e International Herald Tribune )
[1] O dia dos logrados, em onze de novembro de 1630.
[2] O boné frígio era o símbolo das massas revolucionárias na época da Revolução francesa (1789-1794).
Está em curso no momento tentativa da elite dominante em controlar a insurreição e, assim, impedir que o movimento popular tenha consequências revolucionárias.
Por enquanto, os efeitos da rebelião parecem em processo de contenção. O levante se propagara pela morte do universitário desempregado Mohamed Bouazizi – que em dezembro pôs fogo às vestes em protesto contra o confisco pela polícia de carrocinha de frutas, o seu único meio de subsistência.
A história das revoluções têm várias possíveis evoluções. Podem ser abortadas – como a sublevação dos nobres chamada journée des dupes[1] contra o primeiro Ministro Cardeal Richelieu, que foi entretanto confirmado por Luis XIII -, domesticadas, como a revolução de 27 a 29 de julho de l830, pela qual Luis Filipe, de Orléans, sucedeu ao destronado Carlos X, irmão mais jovem de Luís XVI -, ou terem realização plena, como a chamada revolução americana, iniciada na década de setenta do século XVIII.
Para guardar uma símile consentânea com os exemplos acima, pelo andor da carruagem se poderia, por ora, alvitrar para o movimento tunisiano a solução intermediária.
Depois da fuga do tirano – acolhido pelo rei Abdallah, da Arábia saudita – se assiste a formação de governo que, pelas aparências, não promete mudanças radicais. Com efeito, o poder está sendo empunhado por antigos partidários de Ben Ali. O presidente interino, Fouad Mebazza, antes presidia o parlamento. Em ditadura, como a de Ben Ali, não é difícil presumir que Mebazza era homem da confiança do regime, num organismo de chancela das determinações do Executivo.
Tampouco de Mohamed Ghannouchi, primeiro-ministro de Ben Ali por onze anos, portanto,homem de sua estrita confiança, se pode esperar que vá colocar o boné frígio[2] e se transformar em revolucionário.
Por sua vez, o gabinete, tachado de união nacional, se compõe de dezenove ministros, dos quais dez independentes e três líderes da oposição.
Se a respectiva chefia foi empolgada por antigo familiar de Ben Ali e se os ditos líderes oposicionistas pertencem, na verdade, àquela oposição de fachada, tolerada pelo ditador, as perspectivas de real transformação se afiguram muito débeis (os autênticos adversários do regime não foram, por ora, convocados por Mebazza).
E a reação popular diante desse ‘gabinete de unidade’ foi bastante dura, como se poderia antecipar: ‘o governo continua o mesmo !’ gritou a multidão. Com efeito, o único oposicionista com alguma credibilidade – Najib Chebbi, nomeado Ministro do Desenvolvimento Regional – é andorinha solitária. Os partidos considerados ilegais por Ben Ali – o Comunista e o Islamista – não foram chamados para participar do ministério.
A formação de um governo em que o sistema de Ben Ali continua preponderante reavivou a chama das manifestações, dirigidas mormente contra o Ministério do Interior, que com Rafik Belhaj Kacem (V. blog de 16 do corrente) constituira a cara da repressão.
Sem embargo, a chispa da revolução – que partiu da tranquila Tunísia – inquieta os autocratas do mundo árabe. Assinalam-se manifestações no Egito (Hosni Mubarak), na Jordânia (Abdullah II) e na Argélia (Abdelaziz Bouteflika).
Desde o assassínio de Anuar el-Sadat em 1981, que Mubarak retém o mando. Com mais de oitenta anos, teria a intenção de legar a presidência ao filho. Na Jordânia, país inventado por Churchill, o atual monarca tem de lidar com população com grande presença de palestinos (sucedeu, em 1999, ao pai, o rei Hussein).
Por fim, segundo observadores, a Argélia seria o país que pelas características do regime mais se assemelhasse à vizinha Tunísia. Bouteflika, que assumiu a presidência em 1999, acumula reeleições e haveria, como alhures, naquele país do Magreb também insatisfação e desemprego.
Por sua vez, o também vizinho Muamar Kaddafi lamentou a partida de Ben Ali. Dada a extensão dos domínios respectivos (Kaddafi desde 1969 e Ben Ali, 1987) é compreensível a comum simpatia.
No entanto, predizer o amanhã é tarefa ingrata e arriscada. Nisso a história nos fala muitas coisas, nem todas confiáveis. Por exemplo, em fevereiro de 1848, a queda de Luís Felipe na França ateou na Europa o fogo revolucionario, sacudindo velhas monarquias, como a Austria do primeiro-ministro Metternich. E ao cabo de muito levante, perda de vidas e posses, tudo ali mudaria, para, em fim de contas, tudo ficar um tanto na mesma. As grandes transformações foram postergadas para mais tarde.
Como serão as coisas no Magreb e no mundo árabe ? É hora de fazer as apostas, mas não de predizer resultados.
( Fontes: CNN e International Herald Tribune )
[1] O dia dos logrados, em onze de novembro de 1630.
[2] O boné frígio era o símbolo das massas revolucionárias na época da Revolução francesa (1789-1794).
segunda-feira, 17 de janeiro de 2011
O que Fazer do Projeto Rebelo
Aprovado por comissão ad hoc, nos estertores da passada legislatura, esse documento pelo qual o deputado Aldo Rebelo (PCdoB/SP) selou a sua peculiar aliança com a frente ruralista, agora jaz nas generosas gavetas da Câmara, à espera da sorte que os deputados eleitos nos comícios de três de outubro tencionam dar-lhe, ao serem retomados os trabalhos nesta primeira sessão.
Pela qualidade do chamado relatório Rebelo, as razões que o motivaram, e os específicos fins a que se propõe, ele mereceria ser consignado ao imenso monte dos projetos destinados ao sono permanente dos arquivos mortos.
Na sua feitura, o relator jamais procurou ouvir os especialistas na matéria. Ao invés, abrigou-se em conceitos ultrapassados, ambições presentes e postulações irresponsáveis.
Se, no entanto, esse amontoado de regras, que tem por norte a demagogia e a filosofia da cigarra, possa servir para qualquer coisa na tramitação legislativa, que o seja para dar origem a um substitutivo, que venha escoimá-lo das danosas emendas ao vigente código, e que tenha presente a realidade de mãe-natureza.
Diz o dito popular que algo de bom se pode retirar do mal. Dessa verdade a que os arremedos de audiências públicas do nobre deputado Rebelo fizeram ouvidos de mercador, delas excluindo a voz dos cientistas e especialistas, o Brasil na passada semana obteve outra amarga prova.
Se no passado, a teimosia dos catarinenses ignorou o sábio conselho de elementar precaução ambiental, o triste desastre na região serrana do Rio de Janeiro vem desmascarar as inqualificáveis modificações que, na ânsia de agradar aos ruralistas, o senhor Rebelo se propõe introduzir no atual código florestal.
Em mais do que oportuna reportagem, a Folha de S. Paulo escancara o que pode decorrer da projetada revisão do Código Florestal. Legalizando as áreas de risco, o anteprojeto amplia descaradamente as possibilidades de tragédia.
É difícil – mas não impossível – crer que, sacudidos por mais de seis centenas de mortos, e com a devastação das encostas, das construções civis e dos cultivos – que os adeptos desse aleijume legislativo ainda se proponham fazê-lo passar a toque de caixa na Câmara dos Deputados. Tudo isso seria contra a razão, mas pelo visto pode ser que não lhes seja argumento bastante, eis que, se a tivessem presente, nunca teriam ajuntado tais regras, nem muito menos as votado em comissão especial, adrede congregada, no estrebuchar da passada legislatura.
A tal propósito, seria de encarecer a alguma alma generosa que leia da tribuna a página primeira do suplemento do Cotidiano, publicada no domingo dezesseis de janeiro pela referida Folha de São Paulo. Os anais da Câmara e quem presente estiver à sessão hão de agradecer.
O anteprojeto do Sr. Rebelo deixa de considerar topo de morro como área de preservação e libera a construção nas encostas. Assim, os cimos das montanhas deixam de ser preservados, a par de desconhecer a atual proibição de ocupação a partir de 45 graus de inclinação. Ratifica, outrossim, a insensatez do ilegal código estadual de Santa Catarina, ao reduzir as matas nas margens dos rios a ridículos cinco metros, ao invés dos atuais trinta metros (a extensão pode variar segundo a largura do rio).
Com a catástrofe serrana – cujas lições decerto não se cingem às cidades – reecoam as perguntas de por quanto tempo ainda a sociedade brasileira – citadina e rural – terá de sofrer as pesadas perdas, como a última que lhe confere o penoso galardão de ser a maior tragédia de todos os tempos.
A cada verão, com os seus aguaceiros e torrentes, o Brasil dá o espetáculo de um país com governantes e povo que não respeitam os mínimos preceitos de prevenção ambiental e de elementar prudência.
Muito carece de ser feito nas cidades e no campo. Nesse último, é bom que o aviso de janeiro soe forte também nos ouvidos dos legisladores, inclusive os da frente ruralista. Pois esta demagogia não lhes será de muito proveito. Ao contrário, a ganância de uns poucos e a burra astúcia de outros os conduzirá não só para a devastação das florestas, mas aos deslizamentos e às enxurradas, com seu rastro de morte e miséria.
Chega de irresponsabilidade e de torpe demagogia ! A hora é de construir e de garantir o futuro, e não de preparar outras desgraças, com seu rastro de pobreza e devastação.
(Fonte: Folha de S. Paulo )
Pela qualidade do chamado relatório Rebelo, as razões que o motivaram, e os específicos fins a que se propõe, ele mereceria ser consignado ao imenso monte dos projetos destinados ao sono permanente dos arquivos mortos.
Na sua feitura, o relator jamais procurou ouvir os especialistas na matéria. Ao invés, abrigou-se em conceitos ultrapassados, ambições presentes e postulações irresponsáveis.
Se, no entanto, esse amontoado de regras, que tem por norte a demagogia e a filosofia da cigarra, possa servir para qualquer coisa na tramitação legislativa, que o seja para dar origem a um substitutivo, que venha escoimá-lo das danosas emendas ao vigente código, e que tenha presente a realidade de mãe-natureza.
Diz o dito popular que algo de bom se pode retirar do mal. Dessa verdade a que os arremedos de audiências públicas do nobre deputado Rebelo fizeram ouvidos de mercador, delas excluindo a voz dos cientistas e especialistas, o Brasil na passada semana obteve outra amarga prova.
Se no passado, a teimosia dos catarinenses ignorou o sábio conselho de elementar precaução ambiental, o triste desastre na região serrana do Rio de Janeiro vem desmascarar as inqualificáveis modificações que, na ânsia de agradar aos ruralistas, o senhor Rebelo se propõe introduzir no atual código florestal.
Em mais do que oportuna reportagem, a Folha de S. Paulo escancara o que pode decorrer da projetada revisão do Código Florestal. Legalizando as áreas de risco, o anteprojeto amplia descaradamente as possibilidades de tragédia.
É difícil – mas não impossível – crer que, sacudidos por mais de seis centenas de mortos, e com a devastação das encostas, das construções civis e dos cultivos – que os adeptos desse aleijume legislativo ainda se proponham fazê-lo passar a toque de caixa na Câmara dos Deputados. Tudo isso seria contra a razão, mas pelo visto pode ser que não lhes seja argumento bastante, eis que, se a tivessem presente, nunca teriam ajuntado tais regras, nem muito menos as votado em comissão especial, adrede congregada, no estrebuchar da passada legislatura.
A tal propósito, seria de encarecer a alguma alma generosa que leia da tribuna a página primeira do suplemento do Cotidiano, publicada no domingo dezesseis de janeiro pela referida Folha de São Paulo. Os anais da Câmara e quem presente estiver à sessão hão de agradecer.
O anteprojeto do Sr. Rebelo deixa de considerar topo de morro como área de preservação e libera a construção nas encostas. Assim, os cimos das montanhas deixam de ser preservados, a par de desconhecer a atual proibição de ocupação a partir de 45 graus de inclinação. Ratifica, outrossim, a insensatez do ilegal código estadual de Santa Catarina, ao reduzir as matas nas margens dos rios a ridículos cinco metros, ao invés dos atuais trinta metros (a extensão pode variar segundo a largura do rio).
Com a catástrofe serrana – cujas lições decerto não se cingem às cidades – reecoam as perguntas de por quanto tempo ainda a sociedade brasileira – citadina e rural – terá de sofrer as pesadas perdas, como a última que lhe confere o penoso galardão de ser a maior tragédia de todos os tempos.
A cada verão, com os seus aguaceiros e torrentes, o Brasil dá o espetáculo de um país com governantes e povo que não respeitam os mínimos preceitos de prevenção ambiental e de elementar prudência.
Muito carece de ser feito nas cidades e no campo. Nesse último, é bom que o aviso de janeiro soe forte também nos ouvidos dos legisladores, inclusive os da frente ruralista. Pois esta demagogia não lhes será de muito proveito. Ao contrário, a ganância de uns poucos e a burra astúcia de outros os conduzirá não só para a devastação das florestas, mas aos deslizamentos e às enxurradas, com seu rastro de morte e miséria.
Chega de irresponsabilidade e de torpe demagogia ! A hora é de construir e de garantir o futuro, e não de preparar outras desgraças, com seu rastro de pobreza e devastação.
(Fonte: Folha de S. Paulo )
domingo, 16 de janeiro de 2011
Colcha de Retalhos LXVI
A Queda de Ben-Ali
Zine el-Abidine Ben Ali, o ditador da Tunísia, sucedera a Habib Bourguiba em 7 de novembro de 1987. Bourguiba, à frente do partido Neo-Destour, assumira o governo graças às medidas liberalizantes de Pierre Mendès-France, primeiro ministro francês. Pouco após a independência, Bourguiba aboliu a monarquia e se tornou presidente, cargo que exerceu de 1957 a 1987.
Bourguiba mantivera uma linha pró-ocidental. Na sua administração, ao contrário dos ventos que hoje sopram no mundo árabe, seguiu orientação laica, procurou conter a influência do islamismo na política.Aferrando-se ao poder até idade provecta, deu ensejo a que seu Primeiro Ministro, Zine Ben-Ali, o declarasse impedido por estar alegadamente senil. Desde então, Ben-Ali foi o presidente, cargo que ocupou por cerca de vinte e três anos.
Há tempos , fermentava a insatisfação pública, com a sua ditadura policialesca. A corrupção do regime, o enriquecimento da família às custas do Erário igualmente acirraram a generalizada insatisfação. Assinale-se no processo revolucionário a relevância do emprego da internet, como meio rápido de comunicação e de reaglutinação do dispositivo da rebelião.
Por outro lado, sua queda, ao cabo de um longo atrito e consequente ingovernabilidade, mandou mensagem que, pelo seu conteúdo e novidade, eletriza o mundo árabe e inquieta os seus muitos tiranos, sejam presidentes, sejam cabeças coroadas.
A insurreição popular tunisiana culminou na sexta-feira catorze de janeiro por forçar a fuga do ditador. Mesmo depois de despachar a própria família para o estrangeiro, Ben Ali intentou quebrar o ímpeto do movimento, ao demitir o Ministro do Interior, Rafik Belhaj Kacem, que coordenava a repressão.
As revoluções têm a sua dinâmica. Depois de tomarem consciência da respectiva força, não tendem a contentar-se com meios termos, quando o objetivo colimado – a derrubada do tirano – já se afigura a seu alcance.
País com poucos recursos naturais, a Tunísia depende do turismo. Intui-se o que prolongada sublevação e a decorrente insegurança causa à chamada indústria sem chaminés, ao afastar os estrangeiros das praias tunisianas.
Malgrado as tintas irônicas de sua anunciada substituição pelo Primeiro Ministro Mohamed Ghannouchi, e velho aliado de Ben Ali, “dada a impossibilidade do presidente da república exercê-las nesse momento”, o poder presidencial logo escaparia também a Ghannouchi.
A Corte Constitucional determinou que a presidência interina deve ser ocupada por Fouad Mebazza, presidente do Parlamento. Estabeleceu, outrossim, que incumbe ao presidente interino realizar eleições presidenciais em prazo de sessenta dias.
Em ambiente conflagrado, com saqueios do comércio e o exército patrulhando as ruas, o já empossado Mebazza recebeu no sábado o líder opositor Najib Chebbi, cujo partido era perseguido por Ben Ali. Chebbi disse ter sido convidado para integrar governo de união nacional (Ghannouchi, o aliado de Ben Ali, foi, por ora mantido como premier).
O secretário-geral da Liga Árabe, Amr Moussa, disse que os acontecimentos na Tunísia “formam o começo de uma era e o fim de outra”. O ditador líbio, Muammar Kaddafi, parece não estar de acordo. Além de não reconhecer o governo interino da Tunisia, afirmou que Ben Ali – que se refugiou na Arábia Saudita – continua sendo o ‘presidente legal’ do país.
No poder desde 1969 – quando destronou o impopular e enfermo rei Idris I – Kaddafi semelha algo esquecido da dinâmica revolucionária, de que, a seu tempo, soube beneficiar-se.
A Bielo-rússia de Lukashenko e a União Europeia
O governo do Presidente Aleksandr Lukashenko acusou a Polônia e a Alemanha de conspirarem para sua derrubada. Tais afirmações sucedem à reunião de parlamentares europeus com delegação de opositores da Bielo-rússia.
Por causa da violenta repressão dirigida por Lukashenko contra a oposição após as recentes eleições, se veicula na União Europeia a imposição de pesadas sanções contra o governo bielo-russo.
Segundo informam ongs de direitos humanos a KGB – que na terra de Lukashenko mantém o título soviético – realiza operações diárias nas casas e nos escritórios de simpatizantes da oposição.
Tais acusações, de resto, nada de bom pressagiam para os militantes oposicionistas. Mais de trinta deles se acham detidos, com a perspectiva de sentenças de quinze anos de cadeia, pela suposta participação em uma ‘conspirata’ contra o presidente Lukashenko.
Todo este nervosismo da maior autocracia europeia tem muito a ver com a manifestação popular largamente pacífica, ao ensejo das rituais eleições de dezenove de dezembro. Mais de seiscentas pessoas foram presas, inclusive sete dos nove candidatos que se opuseram ao ditador.
Consoante os registros oficiais, Lukashenko foi reeleito com 80% dos sufrágios, em votação manifestamente fraudulenta, de acordo com observadores independentes.
( Fontes: International Herald Tribune e Folha de S. Paulo)
Zine el-Abidine Ben Ali, o ditador da Tunísia, sucedera a Habib Bourguiba em 7 de novembro de 1987. Bourguiba, à frente do partido Neo-Destour, assumira o governo graças às medidas liberalizantes de Pierre Mendès-France, primeiro ministro francês. Pouco após a independência, Bourguiba aboliu a monarquia e se tornou presidente, cargo que exerceu de 1957 a 1987.
Bourguiba mantivera uma linha pró-ocidental. Na sua administração, ao contrário dos ventos que hoje sopram no mundo árabe, seguiu orientação laica, procurou conter a influência do islamismo na política.Aferrando-se ao poder até idade provecta, deu ensejo a que seu Primeiro Ministro, Zine Ben-Ali, o declarasse impedido por estar alegadamente senil. Desde então, Ben-Ali foi o presidente, cargo que ocupou por cerca de vinte e três anos.
Há tempos , fermentava a insatisfação pública, com a sua ditadura policialesca. A corrupção do regime, o enriquecimento da família às custas do Erário igualmente acirraram a generalizada insatisfação. Assinale-se no processo revolucionário a relevância do emprego da internet, como meio rápido de comunicação e de reaglutinação do dispositivo da rebelião.
Por outro lado, sua queda, ao cabo de um longo atrito e consequente ingovernabilidade, mandou mensagem que, pelo seu conteúdo e novidade, eletriza o mundo árabe e inquieta os seus muitos tiranos, sejam presidentes, sejam cabeças coroadas.
A insurreição popular tunisiana culminou na sexta-feira catorze de janeiro por forçar a fuga do ditador. Mesmo depois de despachar a própria família para o estrangeiro, Ben Ali intentou quebrar o ímpeto do movimento, ao demitir o Ministro do Interior, Rafik Belhaj Kacem, que coordenava a repressão.
As revoluções têm a sua dinâmica. Depois de tomarem consciência da respectiva força, não tendem a contentar-se com meios termos, quando o objetivo colimado – a derrubada do tirano – já se afigura a seu alcance.
País com poucos recursos naturais, a Tunísia depende do turismo. Intui-se o que prolongada sublevação e a decorrente insegurança causa à chamada indústria sem chaminés, ao afastar os estrangeiros das praias tunisianas.
Malgrado as tintas irônicas de sua anunciada substituição pelo Primeiro Ministro Mohamed Ghannouchi, e velho aliado de Ben Ali, “dada a impossibilidade do presidente da república exercê-las nesse momento”, o poder presidencial logo escaparia também a Ghannouchi.
A Corte Constitucional determinou que a presidência interina deve ser ocupada por Fouad Mebazza, presidente do Parlamento. Estabeleceu, outrossim, que incumbe ao presidente interino realizar eleições presidenciais em prazo de sessenta dias.
Em ambiente conflagrado, com saqueios do comércio e o exército patrulhando as ruas, o já empossado Mebazza recebeu no sábado o líder opositor Najib Chebbi, cujo partido era perseguido por Ben Ali. Chebbi disse ter sido convidado para integrar governo de união nacional (Ghannouchi, o aliado de Ben Ali, foi, por ora mantido como premier).
O secretário-geral da Liga Árabe, Amr Moussa, disse que os acontecimentos na Tunísia “formam o começo de uma era e o fim de outra”. O ditador líbio, Muammar Kaddafi, parece não estar de acordo. Além de não reconhecer o governo interino da Tunisia, afirmou que Ben Ali – que se refugiou na Arábia Saudita – continua sendo o ‘presidente legal’ do país.
No poder desde 1969 – quando destronou o impopular e enfermo rei Idris I – Kaddafi semelha algo esquecido da dinâmica revolucionária, de que, a seu tempo, soube beneficiar-se.
A Bielo-rússia de Lukashenko e a União Europeia
O governo do Presidente Aleksandr Lukashenko acusou a Polônia e a Alemanha de conspirarem para sua derrubada. Tais afirmações sucedem à reunião de parlamentares europeus com delegação de opositores da Bielo-rússia.
Por causa da violenta repressão dirigida por Lukashenko contra a oposição após as recentes eleições, se veicula na União Europeia a imposição de pesadas sanções contra o governo bielo-russo.
Segundo informam ongs de direitos humanos a KGB – que na terra de Lukashenko mantém o título soviético – realiza operações diárias nas casas e nos escritórios de simpatizantes da oposição.
Tais acusações, de resto, nada de bom pressagiam para os militantes oposicionistas. Mais de trinta deles se acham detidos, com a perspectiva de sentenças de quinze anos de cadeia, pela suposta participação em uma ‘conspirata’ contra o presidente Lukashenko.
Todo este nervosismo da maior autocracia europeia tem muito a ver com a manifestação popular largamente pacífica, ao ensejo das rituais eleições de dezenove de dezembro. Mais de seiscentas pessoas foram presas, inclusive sete dos nove candidatos que se opuseram ao ditador.
Consoante os registros oficiais, Lukashenko foi reeleito com 80% dos sufrágios, em votação manifestamente fraudulenta, de acordo com observadores independentes.
( Fontes: International Herald Tribune e Folha de S. Paulo)
sábado, 15 de janeiro de 2011
Além da Vida
Hereafter ( Além da Vida), o novo filme de Clint Eastwood, tem três estórias relativas a diferentes experiências com a morte. A primeira envolve a jornalista televisiva Marie Lelay (Cécile de France), em férias na Tailândia com o seu diretor de produção, Didier (Thierry Neuvic). Pela manhã, no hotel, ele prefere ficar na cama, enquanto Marie vai fazer compras no mercado local. O ambiente descontraído cria plácida atmosfera evocativa da ilusória bonança que precede a brutal irrupção da tsunami. O súbito recuo das águas é a pré-versão marinha dessa enganosa pausa.
Com a vista barrada pelo casario, o maremoto se anuncia por ominosa e confusa sucessão de estrondos, que continuam a crescer, defronte dos inquietos e receosos olhares da gente transida por um pressentido mistério que se acha na iminência do horror da própria revelação.
Muito bem construída toda a cena subsequente da tsunami que invade as ruelas apinhadas de turistas a serem carregados pela torrente. Marie tenta fugir como os demais, é alcançada, busca navegar naquelas águas turbulentas até sofrer concussão na nuca, perder os sentidos e entrar em outra aparente dimensão, povoada de vultos e sombras esguias, marcada por sereno e atemporal silêncio. Mais adiante, em trapiche, populares tentam ressuscitá-la, a princípio debalde, a ponto de ser deixada como morta por afogamento.
De repente, no entanto, Marie recobra a consciência, e é ajudada a livrar-se da água do mar. De volta a Paris, o retorno ao trabalho de apresentadora televisiva não transcorre da forma de costume. Ela está diferente, insegura nas entrevistas, o que leva Didier a convencê-la a tomar licença para se recuperar. A idéia de preparar um livro sobre François Mitterrand a atrai e tem o apoio de editor (Jean-Yves Berthelot).
Em São Francisco, George Lonnegan (Matt Damon) aceita com relutância o pedido do irmão Billy (Jay Mohr) para que faça contato mediúnico para um cliente rico, o grego-americano Christos (Richard Kind). Ao invés de considerar a sua capacidade com um dom, George a entende como maldição. Através do contato com as mãos, ele repete o que lhe diz a esposa morta de Christos. Todos os dados de George batem, com exceção da palavra June, a que Christos diz não atinar com o sentido da mensagem da esposa (mais tarde ele confessará para o irmão que é o nome da enfermeira, de que posteriormente se tornaria amante).
Apesar de sua promessa de reserva, o cliente rico dá com a lingua nos dentes, e outras pessoas procuram George. Ele, contudo, se recusa a continuar, a despeito das instâncias de Billy, e prefere trabalhar como operário em empresa portuária, malgrado o desaponto do irmão que obviamente deseja explorar comercialmente os seus dotes mediúnicos.
A parte final do tríptico se abre em Londres. São dois gêmeos, Marcus e Jason (Frankie e George McLaren) que tudo fazem para manter-se na companhia da mãe, Jackie (Lindsey Marshal), de quem gostam, apesar de ser alcoólatra e viciada em heroína. Assim, os gêmeos logram com dificuldade enganar os assistentes sociais, quanto ao real estado da genitora.
Em função disso, o gêmeo mais velho (em minutos) Jason vai à farmácia para coletar pílulas que servem para reverter a prática da heroína. Colhendo instruções do irmão Marcus pelo celular, Jason desperta a cobiça de uma gang de adolescentes. Tentando fugir, Jason morre atropelado por um caminhão.
A morte do irmão mais velho é ruinosa para Marcus, a ele muito apegado. A mãe se vê forçada a ceder a guarda do filho para uma adoção temporária, o que Marcus não aceita, mantendo-se distante do casal que em vão se empenha em angariar-lhe a confiança.
Querendo obter a orientação do irmão morto, Marcus empreende verdadeira via crucis por diversos supostos médiuns. As imprecisões das respostas e as falsas indicações não o dissuadem de continuar na sua busca.
Por sua vez, em Paris, Marie depois de visita a clínica de doentes terminais na Suiça, convence a diretora a lhe emprestar material para o seu livro, que de biografia crítica de Mitterrand passou a estudo sobre experiências além da vida.
O seu editor, no entanto, não se reconcilia com a mudança radical, que não se adequaria à sua linha de publicações. Mais tarde, telefona para Marie e lhe transmite endereços de editoras americanas especializadas.
George entra em curso noturno de culinária italiana, como uma diversificação para o seu trabalho de operário. Como parceira de aprendizado, surge Melanie (Bryce Dallas). O chef tem a ideia de que os parceiros, alternadamente, se coloquem vendas e adivinhem os ingredientes que o companheiro lhe passa numa colherzinha. Tal gesto pode ser visto como um símile do esforço da mente de identificar o pensamento alheio.
O relacionamento entre os dois jovens, George e Melanie, acena estreitar-se. A moça vai ao apartamento de George e não tarda em descobrir-lhe os dotes mediúnicos. Malgrado a sua relutância, ele acaba por aceder a uma comunicação. Aparecem mensagens da irmã e da mãe, ambas mortas. No final, o pai intervém para pedir perdão do abuso da filha na infância. Como George previra, o choque é demasiado para Melanie que dele se afasta porque ele sabe demasiado sobre a sua existência. Melanie tampouco continua nas aulas de culinária, e George é despedido da empresa portuária, vítima de reajuste determinado pela crise.
Surpreendentemente, George contraria o irmão Billy, que se propusera montar um consultório mediúnico, para explorar os dotes de George. Este prefere viajar para Londres, entre outras coisas para conhecer melhor Dickens, que tanto admira (como distração, costuma ouvir passagens lidas de livros do escritor inglês).
Os três novelos do roteiro de Peter Morgan vão entrelaçar-se na capital inglesa. Marcus – que furtara duzentas libras de seus pais adotivos para bancar a busca de médiuns que lhe possibilitassem falar com o irmão – se defronta com George Lonnegan a quem reconhece pelo site na internet. George, contudo, se recusa a qualquer consulta. O jovem não se desencoraja com negativas e segue o médium por toda a parte.
George assiste comovido à leitura na London Book Fair[1] de história de Charles Dickens por Derek Jacobi, a quem, posteriormente, impressiona favoravelmente ao adquirir o DVD autografado. Sempre com Marcus nos calcanhares, George vai à sessão de autógrafos do novo livro de Marie Lelay sobre as experiências terminais. Ao tocar-lhe a mão, George colhe a imagem do corpo inerte de Marie carregado pela tsunami. Há uma instantânea química entre o casal Marie – George, em que a parapsicologia semelha entrar menos do que as artes hollywoodianas.
George, no entanto, por causa da insistência de Marcus perde o contato com Marie nessa feira. Irritado, se recolhe ao próprio hotel. Pela janela, vê na calçada a hirta figura do menino Marcus, inabalável sentinela apesar do frio.
Por fim, George se apieda de Marcus e o traz para seu apartamento. Na sessão mediúnica, a atitude de George e o que lhe vai transmitindo acerca do irmão Jason se espelha na fisionomia de Marcus, por fim livre dos impostores e picaretas, no crescente deleite de confirmar a realidade do contato com o irmão.
Convencido pela evidência da autenticidade da mensagem, Marcus acata contrafeito que o irmão dele se vá dissociar. Já é grande bastante para cuidar de si mesmo. A gratidão de Marcus irá se manifestar de forma peculiar para George.
Mais tarde, o menino telefona para dizer-lhe onde está hospedada Marie, eis que captara que algo poderia rolar entre os dois. Mais tarde, a mãe reaparece e se reune com o filho.
George, incrédulo a princípio, por fim se convence, e vai ao hotel de Marie, para quem deixa um longo bilhete. Esta, ao regressar, passa do ar intrigado inicial a animada expressão de comunhão de pensamentos.
O mediúnico George prevê na sua fantasia visual o abraço e o beijo de duas almas irmãs na mediunidade. Dessarte, nas pinceladas do diretor se pressagia o que se delineia como acontecimento futuro.
Com a reunião do filho Marcus com a mãe, alegadamente em recuperação, os fios dão a impressão de reatar-se. E na mesma forma abrupta em que tudo surgira, o filme de Clint Eastwood termina.
[1] Feira do Livro de Londres
Com a vista barrada pelo casario, o maremoto se anuncia por ominosa e confusa sucessão de estrondos, que continuam a crescer, defronte dos inquietos e receosos olhares da gente transida por um pressentido mistério que se acha na iminência do horror da própria revelação.
Muito bem construída toda a cena subsequente da tsunami que invade as ruelas apinhadas de turistas a serem carregados pela torrente. Marie tenta fugir como os demais, é alcançada, busca navegar naquelas águas turbulentas até sofrer concussão na nuca, perder os sentidos e entrar em outra aparente dimensão, povoada de vultos e sombras esguias, marcada por sereno e atemporal silêncio. Mais adiante, em trapiche, populares tentam ressuscitá-la, a princípio debalde, a ponto de ser deixada como morta por afogamento.
De repente, no entanto, Marie recobra a consciência, e é ajudada a livrar-se da água do mar. De volta a Paris, o retorno ao trabalho de apresentadora televisiva não transcorre da forma de costume. Ela está diferente, insegura nas entrevistas, o que leva Didier a convencê-la a tomar licença para se recuperar. A idéia de preparar um livro sobre François Mitterrand a atrai e tem o apoio de editor (Jean-Yves Berthelot).
Em São Francisco, George Lonnegan (Matt Damon) aceita com relutância o pedido do irmão Billy (Jay Mohr) para que faça contato mediúnico para um cliente rico, o grego-americano Christos (Richard Kind). Ao invés de considerar a sua capacidade com um dom, George a entende como maldição. Através do contato com as mãos, ele repete o que lhe diz a esposa morta de Christos. Todos os dados de George batem, com exceção da palavra June, a que Christos diz não atinar com o sentido da mensagem da esposa (mais tarde ele confessará para o irmão que é o nome da enfermeira, de que posteriormente se tornaria amante).
Apesar de sua promessa de reserva, o cliente rico dá com a lingua nos dentes, e outras pessoas procuram George. Ele, contudo, se recusa a continuar, a despeito das instâncias de Billy, e prefere trabalhar como operário em empresa portuária, malgrado o desaponto do irmão que obviamente deseja explorar comercialmente os seus dotes mediúnicos.
A parte final do tríptico se abre em Londres. São dois gêmeos, Marcus e Jason (Frankie e George McLaren) que tudo fazem para manter-se na companhia da mãe, Jackie (Lindsey Marshal), de quem gostam, apesar de ser alcoólatra e viciada em heroína. Assim, os gêmeos logram com dificuldade enganar os assistentes sociais, quanto ao real estado da genitora.
Em função disso, o gêmeo mais velho (em minutos) Jason vai à farmácia para coletar pílulas que servem para reverter a prática da heroína. Colhendo instruções do irmão Marcus pelo celular, Jason desperta a cobiça de uma gang de adolescentes. Tentando fugir, Jason morre atropelado por um caminhão.
A morte do irmão mais velho é ruinosa para Marcus, a ele muito apegado. A mãe se vê forçada a ceder a guarda do filho para uma adoção temporária, o que Marcus não aceita, mantendo-se distante do casal que em vão se empenha em angariar-lhe a confiança.
Querendo obter a orientação do irmão morto, Marcus empreende verdadeira via crucis por diversos supostos médiuns. As imprecisões das respostas e as falsas indicações não o dissuadem de continuar na sua busca.
Por sua vez, em Paris, Marie depois de visita a clínica de doentes terminais na Suiça, convence a diretora a lhe emprestar material para o seu livro, que de biografia crítica de Mitterrand passou a estudo sobre experiências além da vida.
O seu editor, no entanto, não se reconcilia com a mudança radical, que não se adequaria à sua linha de publicações. Mais tarde, telefona para Marie e lhe transmite endereços de editoras americanas especializadas.
George entra em curso noturno de culinária italiana, como uma diversificação para o seu trabalho de operário. Como parceira de aprendizado, surge Melanie (Bryce Dallas). O chef tem a ideia de que os parceiros, alternadamente, se coloquem vendas e adivinhem os ingredientes que o companheiro lhe passa numa colherzinha. Tal gesto pode ser visto como um símile do esforço da mente de identificar o pensamento alheio.
O relacionamento entre os dois jovens, George e Melanie, acena estreitar-se. A moça vai ao apartamento de George e não tarda em descobrir-lhe os dotes mediúnicos. Malgrado a sua relutância, ele acaba por aceder a uma comunicação. Aparecem mensagens da irmã e da mãe, ambas mortas. No final, o pai intervém para pedir perdão do abuso da filha na infância. Como George previra, o choque é demasiado para Melanie que dele se afasta porque ele sabe demasiado sobre a sua existência. Melanie tampouco continua nas aulas de culinária, e George é despedido da empresa portuária, vítima de reajuste determinado pela crise.
Surpreendentemente, George contraria o irmão Billy, que se propusera montar um consultório mediúnico, para explorar os dotes de George. Este prefere viajar para Londres, entre outras coisas para conhecer melhor Dickens, que tanto admira (como distração, costuma ouvir passagens lidas de livros do escritor inglês).
Os três novelos do roteiro de Peter Morgan vão entrelaçar-se na capital inglesa. Marcus – que furtara duzentas libras de seus pais adotivos para bancar a busca de médiuns que lhe possibilitassem falar com o irmão – se defronta com George Lonnegan a quem reconhece pelo site na internet. George, contudo, se recusa a qualquer consulta. O jovem não se desencoraja com negativas e segue o médium por toda a parte.
George assiste comovido à leitura na London Book Fair[1] de história de Charles Dickens por Derek Jacobi, a quem, posteriormente, impressiona favoravelmente ao adquirir o DVD autografado. Sempre com Marcus nos calcanhares, George vai à sessão de autógrafos do novo livro de Marie Lelay sobre as experiências terminais. Ao tocar-lhe a mão, George colhe a imagem do corpo inerte de Marie carregado pela tsunami. Há uma instantânea química entre o casal Marie – George, em que a parapsicologia semelha entrar menos do que as artes hollywoodianas.
George, no entanto, por causa da insistência de Marcus perde o contato com Marie nessa feira. Irritado, se recolhe ao próprio hotel. Pela janela, vê na calçada a hirta figura do menino Marcus, inabalável sentinela apesar do frio.
Por fim, George se apieda de Marcus e o traz para seu apartamento. Na sessão mediúnica, a atitude de George e o que lhe vai transmitindo acerca do irmão Jason se espelha na fisionomia de Marcus, por fim livre dos impostores e picaretas, no crescente deleite de confirmar a realidade do contato com o irmão.
Convencido pela evidência da autenticidade da mensagem, Marcus acata contrafeito que o irmão dele se vá dissociar. Já é grande bastante para cuidar de si mesmo. A gratidão de Marcus irá se manifestar de forma peculiar para George.
Mais tarde, o menino telefona para dizer-lhe onde está hospedada Marie, eis que captara que algo poderia rolar entre os dois. Mais tarde, a mãe reaparece e se reune com o filho.
George, incrédulo a princípio, por fim se convence, e vai ao hotel de Marie, para quem deixa um longo bilhete. Esta, ao regressar, passa do ar intrigado inicial a animada expressão de comunhão de pensamentos.
O mediúnico George prevê na sua fantasia visual o abraço e o beijo de duas almas irmãs na mediunidade. Dessarte, nas pinceladas do diretor se pressagia o que se delineia como acontecimento futuro.
Com a reunião do filho Marcus com a mãe, alegadamente em recuperação, os fios dão a impressão de reatar-se. E na mesma forma abrupta em que tudo surgira, o filme de Clint Eastwood termina.
[1] Feira do Livro de Londres
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