domingo, 31 de outubro de 2010

Timinho

Como me disse um torcedor vascaíno, não tem sido agradável acompanhar os jogos do Vasco.
Depois da queda para a segunda divisão e a saída em alto estilo, replicando a experiência do Corinthians, a expectativa da torcida seria de presença do C.R.V.G. que lembrasse, de alguma forma, a tradição da equipe.
Longe está o tempo do chamado Expresso da Vitória, em que o Vasco formava a base da seleção brasileira. Se a qualidade do time não foi a mesma nas décadas de sessenta em diante, o Vasco continuou uma grande equipe, levantando diversos campeonatos nacionais.
No atual campeonato, depois de começo desastroso, a vinda de P.C.Gusmão prometeu a recuperação que, na verdade, nunca se efetivou. Além de colecionar empates, o retrospecto do Vasco é um de falsas promessas. Ao contrário de outras equipes, como o Grêmio por exemplo, que com a entrada de Renato Portalupi não só saíu do círculo infernal dos quatro últimos, mas também empreendeu notável e briosa reação, aproximando-se da área dianteira, o Vasco tem comportamento de time sem raça e personalidade.
Em quantos jogos a vitória foi desperdiçada, por falta de empenho no campo, e de comando fora dele ? A tal propósito, o próprio empate com o Grêmio em São Januário, é emblemático. E isso depois de estar ganhando por dois gols de diferença!
Depois de uma série de jogos em que o ataque não convertia, perdendo gols incríveis, como o do estádio Beira Rio, com o arco vazio, e atuando muito bem no primeiro tempo, chegando a encurralar o Internacional, o time de casa.
Aí entra em campo uma outra síndrome desse Vasco – joga bem no primeiro tempo, mas não marca ou faz apenas um gol, não sabendo traduzir o respectivo domínio. No segundo tempo, recua para defender-se não se sabe de quê, até que o adversário vire o jogo ou o empate.
Em outras palavras, joga como timinho, inseguro, incapaz de defender escores que lhe são favoráveis. Falta classe, experiência e talvez um pouco de brio.
O jogo com o Vitória nos mostrou o retrato sem retoque do conjunto vascaíno. Fraco na defesa – inclusive o goleiro, que era a exceção, resolveu ter a quota de frangos – a ponto de levar gol a menos de dois minutos do primeiro tempo ! Que Vasco é esse que toma quatro gols de uma equipe que está entre as últimas do campeonato nacional ?
Convenhamos, senhor Presidente Roberto Dinamite, que como programa para o corrente ano não é dos mais motivantes para a torcida.
O Vasco, esquecido de suas tradições, ser mero figurante no campeonato brasileiro, rezando para que não vá parar entre os quatro da zona de retrocesso ?

Colcha de Retalhos LVIII

Bill Clinton – de novo popular

Bill Clinton, o 42º presidente do Estados Unidos, a despeito dos escândalos amorosos (sobretudo, o da estagiária Monica Lewinsky), nunca deixou, enquanto primeiro mandatário, de gozar de bons níveis de aprovação. Apesar de haver perdido a maioria no Congresso para os republicanos, e de sofrer a impiedosa perseguição do promotor especial Ken Starr – tendo sido inclusive forçado a submeter-se à arguição de um juiz e o impeachment votado pela maioria republicana da Câmara de Representantes – o G.O.P. não logrou que o Senado confirmasse o parecer da Câmara. Se Bill Clinton sobreviveu ao ataque político, tal resultado não pouco se deveu à sua popularidade junto ao povo americano.
Clinton não só conseguiu desmoralizar a tentativa de Newt Gingrich de impedi-lo de governar, como obteve êxito em muitas iniciativas. Uma de suas maiores realizações no plano interno foi alcançar o equilíbrio das contas públicas. Com efeito, depois de muitos anos, Clinton tornou superavitário o orçamento do governo federal (Bush júnior tratou de rapidamente colocar as contas no vermelho, com as suas reduções de impostos para os contribuintes mais ricos. Mais tarde, o estrago seria ainda maior com a explosão dos gastos causada pela guerra contra o Iraque).
Prosperou a fundação criada por Clinton, sendo vetor importante de ajuda humanitária, dirigida para os países mais pobres. Posto que se volte precipuamente para a África, o recente terremoto no Haiti o mostrou também aí presente.
Na política interna, na última campanha presidencial empenhou-se a fundo pela candidatura da esposa, a Senadora Hillary Clinton. É conhecida a história dessa tentativa malograda. Partindo como favorita, Hillary foi surpreendida pelo Senador júnior por Illinois, que com grande habilidade soube motivar o público jovem, além de receber o maciço apoio dos afro-americanos.
Bill Clinton, confiando no seu trânsito com esta faixa, indispôs-se amiúde com eleitores democratas. O acirramento dos ânimos chegou a um ponto em que as principais redes televisivas passaram a delegar jornalistas para cobrirem as intervenções de Clinton. Conhecidos como ‘chacais’, a sua função básica era colher os destampatórios do antigo presidente, que atraía a mídia através de reações que resvalavam para muito além do pitoresco.
Não surpreende, por conseguinte, que a popularidade do ex-presidente haja então baixado de forma acentuada.
Sem embargo, a simpatia de Bill Clinton e o seu ‘don de gentes[1] iriam possibilitar a atual incrível ressurreição de sua popularidade junto ao povo americano. Para que se tenha ideia desta peripeteia, sem exercer cargo público (como é, de resto praxe com os ex-presidentes), o cônjuge da Secretária de Estado Hillary Clinton é o político americano mais requestado pelos seus colegas democratas, para visitar-lhes os respectivos distritos ou estados, para aí discursar aos seus eleitores. Visto surpreendentemente com favor até por congressistas republicanos (no caso, as recordações nostálgicas dos eleitos do GOP privilegiam certos aspectos de sua personalidade, como a capacidade de construir acordos bipartidários), talvez nada mais expressivo – se bem que um tanto cruel – de seu trânsito junto ao povo americano está na circunstância de que Clinton é bem recebido em áreas onde o Presidente Barack Obama sequer ousaria pôr os pés.
A popularidade clintoniana não se restringe, aliás, aos Estados Unidos. Como o 42º presidente dos Estados Unidos é um visitante internacional – as suas viagens, como as de Ulisses, alcançam locais exóticos, mas ao invés do herói homérico não são deixadas ao acaso – os restaurantes mais diversos e inclusive lanchonetes, em função da respectiva passagem, vêem o número de fregueses aumentar de forma pronunciada. Se depois da operação cardíaca a que teve de submeter-se, Clinton se tornou vegetariano, o apetite do ex-presidente permanece em niveis que são muito bem acolhidos pelos seus múltiplos anfitriões.

Tarik Aziz condenado à morte

Como colaborador direto de Saddam Hussein, Tarik Aziz se tornou personalidade bastante conhecida no circuito diplomático. A despeito de ser cristão da seita caldeia, Aziz fruiu por muitos anos da confiança do ditador iraquiano. Tal se deveu, em grande parte, à sua habilidade e capacidade intelectual em apresentar os atos de Saddam de forma articulada, logrando vesti-los com aparência de racionalidade.
Em inúmeras crises, originadas ou não da ação do presidente iraquiano, a defesa e a promoção dos objetivos perseguidos por Saddam esteve a cargo, no âmbito diplomático, de Tarik Aziz. Assim, antes e durante a Guerra do Golfo de 1991, Tarik Aziz, de início nas funções de Ministro de Relações Exteriores, e mais tarde como vice-Primeiro Ministro[2], representou o governo de Bagdá em reuniões internacionais. Às vésperas da eclosão do conflito, reuniu-se em Genebra com o então Secretário de Estado americano, James A. Baker III.
Se Tarik Aziz seria a face diplomática do ditador sunita Saddam Hussein, até recentemente não se estabelecera qualquer conexão sua com os aspectos mais brutais e violentos do regime, como as diversas execuções e expurgos promovidos pelo regime baathista de Saddam.
Não despertará estranheza que, não obstante o seu não-envolvimento nas ações repressoras do regime, Tarik Aziz estivesse entre os altos-funcionários mais procurados pelas forças de ocupação, uma vez concluída a primeira parte do conflito, a da chamada guerra convencional, de que George Bush Jr., com uniforme de aviador militar, epitomizou o farcesco fim na sua aterrissagem no porta-aviões Abraham Lincoln, a primeiro de maio de 2003, sob a faixa “Missão cumprida”.
Ainda em 2003 Tarik Aziz preferiu entregar-se ao exército americano. Infelizmente para ele, no entanto, se tornaria réu de diversos processos, impetrados na justiça iraquiana, ora dominada pelos xiitas. Embora os seus advogados enfatizassem que Aziz só era responsável pelas relações políticas e diplomáticas, ele passou a ser objeto de uma bateria de processos que, a despeito das afirmações em contrário, recendiam mais a revanchismo xiita contra uma das principais autoridades do regime de Saddam.
Desse modo, em março de 2009, Aziz foi condenado a quinze anos de prisão, “por crimes contra a humanidade”. Anteriormente, fora absolvido de acusação de que ordenara repressão contra manifestantes xiitas, após o assassínio de um clérigo xiita.
Contudo, a perseguição judicial contra o ex-Ministro do Exterior não ficaria nisso.
Além de condenado a sete anos de prisão por envolvimento em forçada deslocação de curdos no Iraque do norte, Tarik Aziz acaba de receber a sentença capital, alegadamente por crimes contra partidos políticos rivais, de credo xiita.
Dado o caráter obscuro das incriminações do tribunal, subsiste a válida suspeita de que o ex-auxiliar direto de Saddam Hussein está sendo objeto de uma vindita dos partidos xiitas, que ora dominam o poder no Iraque. Ele, que contava terminar os seus dias na prisão, e cuja saúde é bastante precária (acabou de ser internado por um aneurisma no cérebro), quiçá por motivos mais políticos do que judiciais pode ser enforcado, como seu patrão o foi, em 2006.

Polêmica Reunião da Unesco

A cada ano, na terceira quinta-feira de Novembro, a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Ciência, a Educação e a Cultura) tem programada reunião para que filósofos se dediquem a um livre debate filosófico.
Estando na Unesco representados os respectivos governos nacionais, nem sempre tem precedência sobre o político a vocação racional da discussão. Ao marcar para Teerã o local do encontro deste ano, surgiu o temor de que, ao invés da ênfase cultural, a assembleia se transforme em exercício de propaganda para regime famigerado pela própria brutalidade.
O filósofo iraniano Ramin Jahanbegloo – que atualmente leciona na Universidade de Toronto – havia sido detido pelos esbirros do governo do Irã sob a incriminação de “manter contatos com estrangeiros”. Acusado, em seguida, pela imprensa persa de ligações com a CIA e o Mossad (serviço secreto israelense), Jahanbegloo foi também indiciado por trazer filósofos ocidentais ao Irã – entre outros Jürgen Habermas e Richard Rorty (posteriormente falecido), supostamente para criar condições de uma ‘revolução de veludo’ no Irã dos ayatollahs.
O filósofo Jahanbegloo deve a uma campanha internacional a sua libertação do cárcere. Vivendo hoje no Canadá, ele se considera afortunado por haver escapado com vida da ditadura iraniana.
Ao ser informado da realização neste ano da reunião filosófica em Teerã, decidiu escrever para a diretora-geral da Unesco, Irina Bokova: “É certo que nas atuais condições o Dia Mundial da Filosofia não poderia ser realizado normalmente, e que muitos filósofos não poderiam participar livremente.”
Como a burocracia internacional da Unesco se mostrou impérvia ao cancelamento, o Dr. Jahanbegloo e mais dois colegas italianos começaram a organizar o boicote.
Logo verificaram que, mesmo em casos limite, como o do Irã, não é fácil implementar tal decisão política. Há diversos filósofos que entendem a realização do encontro em uma ditadura tão brutal, como oportunidade de manifestar aos oprimidos através da respectiva presença uma janela de liberdade.
Jahanbegloo pede licença para discordar : “É um governo que prendeu inúmeros estudiosos e escritores nos últimos cinco anos, e onde perdura total proibição ao pensamento independente e crítico.”
Em função da discussão, o filósofo alemão Otfried Höffe, que concordara em pronunciar a conferência principal (keynote speech) da reunião já mandou dizer que não irá. A esse respeito, Höffe declarou ao “Frankfurter Allgemeine Zeitung”, o mais conceituado jornal alemão, existir “o risco de o Dia Mundial da Filosofia possa ser usado pelo senhor Ahmadinejad como plataforma de propaganda. Não tenho a menor intenção de ajudá-lo”.
Jürgen Habermas, talvez o maior intelectual alemão, apoiou a resolução
de Höffe. Por outro lado, em 27 de setembro os oponentes do evento em Teerã participaram de reunião na Nova Escola para a Pesquisa Social, com vistas a planejar conferência alternativa do Dia Mundial da Filosofia, a realizar-se on-line.
Essa movimentação provocou mudança de atitude na Unesco. Ainda que oficialmente a Sra. Williams, porta-voz da Unesco, desminta qualquer intenção de diminuir a importância da reunião em Teerã, anuncia-se que a organização realizará igualmente na sua sede parisiense um Dia Mundial de Filosofia, na quinta, dezoito de novembro. Haverá também outros encontros similares na Cidade do México, em Túnis e em Dacar.
Formalmente denegado, mas na prática confirmado, o downgrading[3] da reunião de Teerã é saudado, com satisfação, por Giancarlo Bosetti, outro dos organizadores do boicote. Para ele, foi o encontro de New York que constrangeu a Unesco a agir.

(Fonte: International Herald Tribune )

[1] alta capacidade de relacionamento humano.
[2] Como ao copta Boutros-Boutros Ghali no Egito, o que impedia a Tarik Aziz de ser comissionado com o cargo de primeiro ministro não foi a sua notória capacidade, mas o fato de ser cristão caldeu em terra islâmica.
[3] rebaixamento.

sábado, 30 de outubro de 2010

O Aparelhamento do Estado

Na véspera da eleição, pode-se afirmar que, sem medo de erro, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva provou que, do alto de sua popularidade, ele pode tudo ou quase tudo na escolha, apresentação, promoção e – o que parece muito próximo de ser concretizado – realização de sua grande aposta.
Além de impor ao próprio partido a candidata, ele a escolheu sem consultar ninguém além de seus botões. A sua Chefe da Casa Civil, a par da competência administrativa demonstrada, não tinha passado pelo crivo eleitoral, eis que, até a data do dedazo, não havia concorrido a nenhum cargo, seja executivo, seja legislativo, que fosse submetido ao crivo do eleitor.
Dentro de um cenário dos tempos do Partido Revolucionário Institucional, o velho P.R.I. mexicano, o Presidente Lula literalmente inventou a sua candidata, a qual o Partido dos Trabalhadores, depois da queda de seus principais líderes por obra do mensalão, não tinha outra opção senão engolir.
A operação que talvez em outros países fosse impensável, aqui realizou à perfeição. A falta de qualquer experiência político-eleitoral da neocandidata, Dilma Rousseff, pôde ser superada em relativo curto espaço de tempo.
Essa inopinada dádiva, ela deve agradecê-la a um conjunto de três fatores. Em primeiro lugar, ao mais relevante deles, o empenho de Luiz Inácio Lula da Silva de transformá-la na sua sucessora.
Nos grotões interioranos e sobretudo no feudo nordestino da bolsa-família, tal condição foi epitomizada na expressão ‘mulher do Lula’. Nessas três palavras se acha gravado o essencial da mensagem do grande benfeitor: ela é a sua indicada, e como tal deve ser escolhida.
O segundo fator, que é de certo modo corolário do primeiro, se encontra no corpo eleitoral, cujo tamanho pode impressionar, mas acusa largos bolsões desprovidos de cultura política, tornando-se dessarte demasiadamente manipulável. Espanta, por exemplo, que patranha como a alegada maior experiência política da neocandidata seja repetida como se fora sólida e inegável assertiva.
O terceiro fator é, na verdade, dúplice. A incompetência da oposição, refletida na campanha errática e pouco motivante de seu candidato, conjugada com a virtual omissão da Justiça eleitoral. O TSE, talvez pelo fenômeno nunca antes deparado, permitiu a esmagadora presença do Presidente da República.
Este último, pelo aparelhamento do Estado e, sobretudo por seu inacreditável ativismo – ele próprio se autodesignou como cabo-eleitoral-mor de Dilma – transformou o que deveria ser uma eleição entre dois candidatos, em virtual referendo da gestão de Sua Excelência, do alto de sua vertiginosa, quase bielo-russa popularidade de 83% de aprovação.
Quanto ao aparelhamento do Estado, ele se afigura onipresente. A Petrobrás e a própria A.N.P., supostamente agência reguladora, se transmutaram em braços da propaganda oficial. De forma inaudita, a Petrobrás e a A.N.P., lançaram na mídia notícias sobre grandes descobertas de reservas no pré-sal, sem qualquer condicionamento ético. Com as margens de erro chegam aos 305%, assistimos a um verdadeiro festival, em que os investidores na bolsa são tidos por néscios.
Essa ubíqua presença se manifesta igualmente no Superior Tribunal Militar. Nas palavras da Ministra Carmen Lúcia, do STF, é possível ver ‘censura prévia’ na conduta do Superior Tribunal Militar (STM). No seu voto, a Ministra assinalou que “é certo que toda Justiça que tarda falha”. Para ela, a atuação do Tribunal militar e da Advocacia Geral da União (AGU) no caso, “permite entrever uma espécie perigosa, grave e inconstitucional de censura prévia judicial”.
Entretanto, apesar dessas considerações, a ministra Carmen Lúcia negou o acesso da Folha ao processo “por motivos processuais”. No seu entender, não se poderia tomar uma decisão antes do término do julgamento do mandado de segurança do jornal no STM, para não “suprimir” instância jurídica.
Verifica-se, por conseguinte, que o onipresente Lula também aqui prevalece, pois, não obstante as observações contundentes da Ministra Carmen Lúcia, na prática ela dá ganho de causa, no que interessa, à parte situacionista, por impossibilitar o oportuno acesso pretendido pela Folha, que desejava a respeito informar a opinião pública sobre o passado da petista.
Por outro lado, os debates televisivos, ao contrário do que propalam as emissoras, não atenderam ao seu precípuo objetivo, qual seja o de informar os eleitores sobre as opções respectivas dos dois candidatos. Além de não atingir a faixas substanciais, os debates, pelo processo de engessamento a que foram submetidos, beiram a inutilidade. Com efeito, como se verificou uma vez mais no último debate, se direcionou a discussão para resultados sempre mais anódinos. Na proteção obsessiva dos respectivos campeões, as assessorias, ao inviabilizarem qualquer ameaça ou perigo, lograram afinal o que, no fundo, desejavam. Emascularam a contenda, que perdeu, em consequência, todo o residual interesse.
A menos de surpresas imprevistas – que me perdoe o leitor pelo oxímoro – a casa está preparada para o triunfo da criatura de Lula a trinta e um de outubro.
O que vai ocorrer depois, só Deus sabe. Se a lei das probabilidades for respeitada, a criatura se há de afirmar, progressiva ou subitamente, livrando-se da sufocante influência de seu padrinho. Para tanto, se lhe falta experiência política, não há de carecer de um grupo de áulicos que nesse sentido a conduza.
Difícil, na verdade, imaginar que personalidade forte e voluntariosa como a de Dilma Rousseff persista no figurino presente. Hoje, como o comentarista indicou, costuma repetir – e amiúde ipsis litteris – as palavras presidenciais. Ou, como na foto do último debate, numa postura quase de boneco, vestida com traje debruado de recepcionista, a cumprimentar, cabisbaixa, o seu adversário ?
Se, no entanto, a cousa evoluir de modo diverso, como semelha desejar Sua Excelência, com a virtual instituição de espécie de maximato, em imitação cabocla do modelo de Plutarco Elías Calles, se poderia visualizar a volta de Lula ao Palácio do Planalto, em 2014,”nos braços dos velhos oligarcas e do capital financeiro”, na imagem de Marco Antonio Villa. Tudo isso, é lógico, sem esquecer, no caso, de combinar com os eleitores.

( Fontes: O Globo e Folha de S. Paulo)

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Últimos Dias

Em imagem cara aos escritores da Antiguidade, a nave já se aproxima do porto.
A metáfora era empregada amiúde e tal se entenderá facilmente se tivermos presente o que significavam naqueles tempos travessias no Mediterrâneo. Basta ver-se nas velhas estampas o tamanho das embarcações, para que se tenha ideia dos perigos que a viagem apresentava.
Compreende-se, portanto, o alívio, a satisfação e a sensação de segurança, após as insídias da derrota marítima, que a cercania do ancoradouro em calma enseada proporcionava.
Era hora de dar as graças a Poseidon, o colérico deus dos sete mares e dos movimentos telúricos.
Dir-se-á que a campanha presidencial, se está perto do fim, longe se encontra de deixar-nos boa impressão. A lisura nos procedimentos, se não a fidalguia, pelo menos a correção, como perguntaria Mario de Andrade, jacaré viu ?
Os debates - que hoje terminam com o da Rede Globo – engessados pela prática e os temores das assessorias, mais parecem falas de surdos, em que as argumentações programáticas cedem lugar às recriminações, e muita vez sob a toada da fábula ‘se não foi seu pai, foi seu avô’.
Outra símile, esta mais próxima de nós, se reporta ao embate com todos os homens do presidente. Decerto o espírito da lei não terá sido respeitado. Nesses dias conturbados, quem há de ousar sequer mencionar a designação antes respeitada de Primeiro Magistrado da Nação ? Somente se tiver gosto pelas ironias mais calcadas, beirando o sarcasmo.
No capítulo, se assistiu à não-presença da Justiça Eleitoral, quando defrontada com o protervo desafio colocado pelo próprio Presidente da República, que não trepidou em descer à arena, tornando-se nas suas próprias palavras o cabo-eleitoral-mor de sua criatura e candidata.
Na parte adversária, como se os políticos brasileiros sentissem desconforto em ser oposição, o candidato José Serra realizou campanha a princípio errática, como se temesse aparecer como a opção alternativa para o eleitorado.
Apesar de ter o melhor currículo e de ser o único provado eleitoral e politicamente, semelhou envergonhar-se de representar proposta independente para o Povo brasileiro.
É sovado hábito de culpar o candidato em aparente desvantagem. Muitos escribas se servem da ocasião para acertar antigas contas e ressentimentos. A outros, a pecha da derrota anunciada leva a cobrir a suposta vítima de todos os defeitos, como se fora judas de sábado de aleluia.
Se existem alguns imponderáveis no ar – a abstenção, que a data designada favorece, o bicho-papão do aborto e as palavras do Papa, o esforço de Aécio Neves, em marcado contraste com o primeiro turno, e os imponderáveis de última hora – os institutos de pesquisa apontam para o favoritismo de Dilma.
Dados os tropeços do primeiro turno, a confiança na certeza do resultado não mais possui aquela firmeza das vésperas de três de outubro. As próprias hostes do Presidente, e a bem-comportada candidata, fogem da empáfia do já-ganhou e se refugiam na espera mineira e cautelosa. Nada de sessão de fotos de presidenta-eleita, e muito menos envolvida na bandeira nacional.
Primeiro, será hora de aguardar a voz do Tribunal Superior Eleitoral.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Má - Fé

Se grande parte de sua presença nesta campanha presidencial, sobretudo pela inaudita participação nos programas e nas intervenções públicas da candidata Dilma Rousseff, desperta mais do que assombro e perplexidade, o Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva continua, sem embargo, a desconhecer das normas mais comezinhas relativas ao mútuo respeito devido entre adversários políticos.
Não mais cabe nestes últimos dias discussão do porquê da inação da Justiça Eleitoral diante do controverso papel do Presidente Lula na campanha presidencial. Pela sua magnitude, tal discussão será ineludível e incontornável, mas ela compete ao pós-eleição, e o seu móvel será sobretudo com vistas a que a democracia brasileira nunca mais tenha de arrostar tal situação.
Isto posto, tenho de confessar a minha perplexidade pelo insólito comportamento de Lula até na data de seu aniversário. Passados vários dias do lamentável incidente de Campo Grande, estarrece pela impropriedade e mesmo pela descabida provocação a postura do presidente.
É difícil não definir como imprópria a atitude de Lula. Em Itajaí, em Santa Catarina, na inauguração de uma ponte, voltou a debochar da suposta instrumentalização do atentado na Zona Oeste por José Serra:
“Imagina se o nosso adversário estivesse com um chapéu desses (disse ele, apontando para os capacetes dos operários). Não teria batido o papel. É importante, daqui para a frente, nas campanhas políticas, a gente utilizar capacete.”
E, não obstante os ademanes e a gritaria, a verdade sempre aparece. A sua obstinada permanência tende a persistir, malgrado os esforços do oficialismo, e de seus inúmeros áulicos.
Os oito anos de poder semelham ter afetado a compreensão de Sua Excelência dos eventos terrenos. Qualquer que seja o resultado dos comícios de outubro, faltam-lhe escassos meses para que retorne à planície.
Tal reaprendizado pode ser árduo, mas é tão inevitável, quanto inexorável. Lá de baixo, sem o sujeito que, solícito, carrega a maleta presidencial, as cousas não se afiguram tão simples, como testemunha o seu probo antecessor Itamar Franco.
*
Dentro do arsenal de truques e golpes sujos, a Folha de S. Paulo nos relata a repetição de malabarismo do Governador Sérgio Cabral. Transcrevo, por oportuno, mais esse ‘agrado’ do reeleito governador a Lula e à sua candidata:
“O governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), criou um feriadão nos dias seguintes ao final de semana do segundo turno para tentar ampliar a abstenção em reduto do tucano José Serra, a zona sul da capital fluminense.
“ Cabral adiou de amanhã para segunda feira, dia 1º , a comemoração do Dia do Servidor Público no Estado.”

Assinale-se que Cabral foi cobrado pelo presidente Lula por ter tido 1,5 milhão de votos de eleitores no Rio a mais do que Dilma Rousseff no primeiro turno.
Cabe a propósito frisar que Cabral é reincidente na utilização do ponto facultativo com escopo eleitoreiro: “Em favor de Dilma, Cabral repete estratégia que assegurou a vitória de Eduardo Paes (PMDB) contra Fernando Gabeira (PV) na disputa pela Prefeitura do Rio em 2008, com uma diferença mínima de 55 mil votos. Em 2008, Cabral antecipou o feriado e facilitou uma debandada da cidade, fazendo com que a eleição tivesse abstenção de 20,25%, a maior desde 2000.”
Diante deste espetáculo, em que a audácia e a falta de escrúpulos são premiadas, torna-se indispensável a imposição de regras claras que para o futuro impeçam não só a instrumentalização do calendário, a exemplo das manipulações de Cabral, assim como também se evite a coincidência da data do pleito com os notórios feriadões, cuja incidência no caso presente já ameaça distorcer-lhe o resultado.
É tema,no entanto, para análise mais detida, a ser oportunamente feita.

( Fontes: O Globo e Folha de S. Paulo)

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Duas Eleições

Nos Estados Unidos, a terça-feira, dia dois de novembro – lá não é feriado – será o encontro dos partidos democrata e republicano com as urnas da eleição intermediária, para o Legislativo (Camara de Representantes na sua totalidade; Senado, em um terço) e para uma trintena de executivos estaduais.
Como este blog vem assinalando, as perspectivas não são das melhores para Obama e o seu partido. Existe desafeição da opinião com o Presidente, que conta índices de aprovação abaixo dos cinquenta por cento. Por sua vez, esta má vontade também atinge a deputados e senadores democratas.
O conjunto de causas que explica tais reações é complexo. Por um lado, Barack Obama paga o preço de haver motivado a juventude americana com palavras de ordem como ‘mudança’ e em especial o ataque às usanças dentro do chamado ‘Beltway’.[1]
Valer-se de princípios tão abstratos quanto a ideia de ‘mudança’ pode ser altamente motivador da juventude e da classe média, mas corre o risco de sair pela culatra, se uma vez eleito, o Presidente não parece corresponder aos altos objetivos que ousara lançar na arena eleitoral.
Começa-se a falar em uma certa ‘maldição’ que haveria contra intelectuais presidentes. É conhecida a desconfiança do americano médio contra o político estudioso, como se o comércio dos livros o afastasse da dura realidade.
Exemplo de tal ‘maldição’ seria o Presidente Jimmy Carter que, a despeito de suas notórias qualidades, não logrou reeleger-se. O eleitorado preferiu àquele que pensara oportuno fazer discurso sobre o ‘mal-estar’ (malaise) na América do Norte, o antigo ator e depois líder do sindicato dos artistas de Hollywood, o direitista Ronald Reagan.
O grande perigo, contudo, dessas explicações está no seu caráter genérico. Carter seria presidente de um só mandato porque não transmitiu à opinião pública uma forte e afirmativa personalidade de Presidente da Nação. Reagan, pela respectiva personalidade, malgrado todas as limitações intelectuais, correspondeu à expectativa eleitoral, sendo inclusive reeleito.
Os Estados Unidos não atravessam atualmente momento tão conturbado quanto o arrostado por Carter (queda do Xá e ascensão de Khomeini, alta dos preços do petróleo, sequestro da embaixada americana em Teerã), mas a herança da crise financeira internacional, de que o governo Bush Jr. é um dos grandes responsáveis, ainda persiste de certa maneira em terra estadunidense, através dos altos índices de desemprego e da ausência de retomada da atividade econômica.
Apresentou Obama comportamento um tanto ausente. A atribuição pode ser até injusta, mas o jovem primeiro mandatario não terá demonstrado, aos olhos dos eleitores, o dinamismo que seria indispensável para realizar a mudança (change) que ele prometera, por todos os meios eletrônicos, aos seus entusiastas. O slogan serviu para derrotar a principal adversária, Hillary Clinton, nas primárias, e quase em um complemento pro-forma, no embate com o republicano John McCain.
O problema é que o jovem e o americano médio não viram o mesmo élan no confronto com a British Petroleum, no criminoso vazamento do petróleo no Golfo do México, no trato dos assuntos econômicos, com atitude pró-ativa na criação de empregos. Até mesmo, grandes realizações, que poderão dele ser apanágio no futuro, como a aprovação das Reformas do Plano Geral de Saúde e Financeira (contra Wall Street) não obtiveram a avaliação que mereceriam, talvez pela campanha constante e desinformante do G.O.P., e do movimento de ultra-direita Tea Party.
Por conjunção de fatores, tanto usuais como o voto anti-governo nos pleitos intermediários, quanto extraordinários, a exemplo dos acima referidos, prevêem os institutos de pesquisa que o Partido Republicano está em condições de retomar o controle da Câmara de Representantes. Se tal não ocorrer, sempre a juízo dessas pesquisas, a manutenção de maioria democrata nessa Câmara será uma surpresa (upset).
No que concerne ao Senado, são maiores as possibilidades dos democratas. Para tanto, favorece a circunstância de que só um terço da Câmara alta será substituída.
Sem embargo, a contenda se afigura difícil e na melhor das hipóteses a atual maiora democrata no Senado tenderá a encolher.
Já no Brasil, os dados serão lançados antes, no domingo 31 de outubro. Todas as pesquisas anunciam a vitória de Dilma Rousseff, a candidata da algibeira de Lula. Tudo isso se das urnas não sair outra vergonheira para os institutos, como em três de outubro. Se o Presidente encontrar razão para orgulhar-se do feito, talvez haja menos motivos de festejo, pelo seu comportamento antirrepublicano que, na prática, semelhou desconhecer a existência de Justiça Eleitoral em nossa terra.
Pela omissão do TSE, poderemos dizer que, a curto prazo, terá tido razão. Quanto aos efeitos mediatos de sua atuação, a reserva é o juízo mais aconselhável. Aécio Neves já afirmou a respeito que ‘o Presidente sai menor do que entrou’.
Essas avaliações, no entanto, cedem lugar a outros julgamentos, de maior peso para o nosso porvir. Como ficará o Brasil e a sua democracia ? Daqui a quatro anos como estaremos ? E, no caso de confirmar-se todo o empenho do oficialismo, diante da probabilidade - mas não certeza - da vitória de Dilma, será que Lula conseguirá eleger-se para um terceiro mandato em 2014 ?

( Fontes: O Globo e International Herald Tribune )

[1] O ‘Anel Rodoviário' de Washington, em cujo interior estão as principais instituições do Governo dos EUA.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

A Besta do Controle Social da Mídia

O PT e a sua ascendente ala esquerda, na expectativa de novos ganhos nacionais, cuida de urdir mais um ataque contra a liberdade de expressão. Desde muito, as conferências de comunicação, insufladas pelo redivivo José Dirceu,pelos Ministros Franklin Martins e Paulo Vannuchi, pululam aqui e acolá, como se respondessem a genuínas aspirações da sociedade.
Na verdade, respondem aos desígnios da corrente extremista do PT que,sob denominações altissonantes, persegue escopos antigos da velha censura à informação, tão cara ao regime militar e assemelhados.
Dentro da sovada técnica de promoção dos segmentos que se homiziam no ultra-esquerdismo de antanho, os ítens polêmicos que satisfariam aos anseios das massas são inseridos e levantados nas agendas mais díspares e menos previsíveis. A lógica de seus promotores corresponde sempre a planos mais amplos, que muita vez se afiguram incongruentes nos planos setoriais em que são introduzidos.
Pouco importa na verdade, eis que a repetição ad nauseam obedece a princípios supostamente mais altos. O escopo será o de macaquear lídimo reclamo das bases, que extravasaria os acanhados limites das eventuais origens, e que, afinal, como se fora corrente que incharia com o afluxo de afluentes mil, findaria por despejar-se na invencível torrente das reivindicações das bases.
Pouco importa que tudo na verdade corresponda à paciente e minudente faina de punhado de agentes, adversários sinceros mas radicais, na expressão famosa do general-presidente Ernesto Geisel. O que interessa a José Dirceu et al. – cujo poder, segundo não fazem mistério deverá crescer se Dilma Rousseff for eleita presidente – é conferir à empresa a marca de um lídimo anseio vindo das míticas bases.
Como se tem verificado pelo noticiário da imprensa, a tática dos incansáveis obreiros da censura sofreu nova alteração.
Depois da aprovação pela assembleia legislativa do Ceará, na terça-feira da semana passada, de conselho, vinculado à Casa Civil, com a função de ‘orientar’, ‘fiscalizar’, ‘monitorar’ e ‘produzir relatórios’ sobre a atividade dos meios de comunicação, em suas diversas modalidades, agora, e não por obra decerto do Espírito Santo, o irrefreável desejo censório, diligentemente levantado pelas propostas da Confecom (a alegada Conferência Nacional de Comunicação), ora contagia as Assembleias de Bahia, Alagoas e Piauí.
Os mesmos verbos assinalados acima caracterizam as iniciativas duplicadas nos citados estados do Nordeste.
O intúito propugnado é óbvio e contraria, senão na letra, certamente no espírito a Constituição, em seus artigos 5º, inciso IX, e 220, parágrafo 2º . A respeito, o diretor-geral da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), Luís Roberto Antonik, chama a atenção para o fato de que os Estados não têm competência para regular a atuação da mídia.
Teme a Abert que o movimento em diversos Estados vise a simular um “clamor para justificar o governo federal propor o controle social sobre a mídia”. Nesse sentido, a entidade está analisando as medidas a tomar para evitar que o movimento prospere. “Tutelar a mídia é um retrocesso que o Brasil não merece”, afirmou o diretor da Abert.
É lamentável, de resto, que continue a censura estabelecida contra o Estado de São Paulo há 452 dias. Depois que o Supremo, pela relatoria do Ministro Cezar Peluso, rejeitou a liminar apresentada, sob o dúbio apoio de filigranas jurídicas que íam ao arrepio da manifesta inconstitucionalidade da censura estabelecida pelo desembargador Dácio Vieira (TJ-DF), a causa caíu em espécie de limbo.
Tais empreitadas em prol da censura – não importa a respectiva vestimenta – deveriam ser varridas com um pouco mais de zelo. É de supor-se que não se deseje implantar por aqui algum arremedo do chavismo.

( Fontes: Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo )

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Dois Irmãos

O filme de Daniel Burman se desenvolve em torno de dois irmãos, que se aproximam da terceira idade. Marcos (Antonio Gasalla) sacrificou sua vida, como acompanhante da velha mãe.
A irmã Susana (Graciela Borges) é agente imobiliária que julga possível agir na sua atividade profissional com a mesma absoluta falta de princípios que lhe norteia igualmente a coexistência com o irmão.
A mãe (Neneca) falece no exórdio do filme. O seu desaparecimento serve para Susana como ulterior meio de lucrar à custa de Marquitos. Como se fosse um traste, ela o leva para velha casa no Uruguai, em Carmelo, às margens do Rio da Prata. Forçada a reaver a posse do imóvel, que está ameaçada de perder, segundo lhe avisa concorrente direto – que paga para ver um blefe seu -, Susana consegue transferir, com mala e cuia, o irmão, com a promessa de que lá irão residir juntos.
Na verdade, o afastamento de Marquitos de Buenos Aires serve igualmente para que ela se desfaça da residência da mãe. Aumentando o preço da casa uruguaia, ela se apropria da parte do irmão, que passa a morar de favor em Carmelo.
Os dois personagens principais do filme espelham tipos humanos opostos. Susana é pessoa vazia, sem princípios nem valores. Tudo nela é postiço, exclusive a egolatria que mascara funda mediocridade. Vivendo em mundo artificial, caça convites de embaixadas – há uma cômica presença na embaixada do Brasil em Buenos Aires, em que os dois irmãos se empenham em colocar na bolsa os hors d’oeuvres para garantir a refeição noturna.
Enquanto Marcos não dá maior importância a tais incursões, Susana parece recorrer a esse espaço como para representar presença social que jamais teve.
Conforme ao tipo, o respectivo egoismo se reflete em comportamento antissocial, que a torna insuportável seja no convívio de familiares, seja no trato de empregados. Neste aspecto, Susana é construção única, quase reedição de algum dos mais detestáveis personagens de Balzac.
O irmão solteirão, à primeira vista, é um joguete nas mãos de Susana. A relação, no entanto, se vê marcada pelo ressentimento que aflora e pela mal disfarçada agressividade. Há uma cena no apartamento, com fantasias oníricas de Marcos, que esboça muito bem essa contraposição.
Enquanto Marcos cativa seus parentes e relações ocasionais, a presença de Susana tende a desvanecer as atmosferas mais risonhas. A sua entrada – sempre tardia – na festinha de sua velha tia bem retrata o seu papel maléfico, dizendo coisas desagradáveis para gente que a vê como ave de mau agouro.
A dominação da irmã encontra, contudo, o seu limite, quando ela se permite achincalhar verbalmente o irmão Marquitos, com o doesto que não deveria ser dito. Ele reage, se desvencilha de todos os ademanes subservientes, e dela se afasta.
Assistimos então à clássica peripeteia da tragédia, em que os papeis se invertem.
Enquanto um mostra o próprio valor, a outra tem de correr atrás, ao vivenciar a sua vazia superficialidade. Susana - que menospreza Marcos e nele não distingue traços louvados por outrem – se descobre arrastada ao remanso aonde quisera enterrar o irmão, para aí descobrir que o talento pode mostrar-se nos lugares menos previsíveis.
Dois Irmãos é um ótimo filme. Modesto na aparência, exibe a mesma verdade com que a irmã se descobre de repente atordoada. Nem o seu infindo egotismo pôde defendê-la de qualidades que sempre negara a Marquitos.

Última Semana

Depois de seu lamentável comportamento, introduzindo na campanha presidencial reações grosseiras e pouco generosas, tão diversas do estereótipo do brasileiro cordial, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua pupila optaram por guardar o silêncio neste derradeiro fim de semana anterior aos comícios de 31 de outubro.
Acreditam-se eles favorecidos pelos lençóis de seda das pesquisas mais recentes, que atribuíram a Dilma Rousseff propícia inflexão na curva e maior vantagem sobre o candidato José Serra.
O representante do PSDB e da oposição terá perdido a força inercial advinda da surpresa do primeiro turno. O imprevisto resultado – que motivou o clima do ‘já ganhou !’ no seio lulista - decorre mais dos ultrapassados métodos empregados pelos institutos de pesquisas, cujo principal defeito reside na insuficiência das pessoas consultadas. A esse respeito, todos – inclusive o Datafolha – carecem de livrar-se da inadequação de seus procusteanos processos. No contexto, o fato de o Ibope errar pesquisa de boca de urna não deve ser tratado como mero acidente de percurso.
Não estranha, por conseguinte, que Serra alce o tom: “Precisamos de um governo que tenha caráter. Não podemos viver situação de mentira permanente.” Para ele, o PT adota pesos e medidas diferenciados contra a corrupção : “A justiça dos companheiros é mais lenta, não anda.”
Ao invés, diante do oficialismo se depara idílico quadro. Segundo Dilma: “Foi maravilhoso. Um final de campanha para cima.”
Entrementes, a reta final da campanha se abre com a oitiva de Erenice e do jornalista Amaury Ribeiro Júnior, pela Polícia Federal.
Os advogados da ex-braço direito de Dilma Rousseff tentaram decerto – mas não lograram – adiar-lhe o depoimento para depois da eleição.
Demitida da Casa Civil pelas denúncias de tráfico de influência, que lhe tornaram insustentável a permanência como auxiliar direta do Presidente Lula e coordenadora do Ministério, Erenice Guerra terá de explicar se sabia das irregularidades praticadas por seus filhos Israel e Saulo Guerra na intermediação de negócios entre empresas privadas e estatais.
Por ora, o horizonte que se vislumbra para o jornalista doublê de araponga se afigura mais sombrio. Convocado para arguição acerca da violação do sigilo fiscal de familiares de Serra e de tucanos, e suspeito de haver encomendado e pago a invasão dos dados fiscais, Amaury Ribeiro pode sair do depoimento indiciado por corrupção ativa e violação de sigilo.
Sob o pano de fundo da alegada obsessão do Chefe de Gabinete Gilberto Carvalho e da Ministra Dilma Rousseff de pedirem dossiês[1] ao Ministério da Justiça, não faltam escândalos para apimentar o final da corrida presidencial.
Que tenham efeito – como o destempero de Lula defronte do atentado sofrido por Serra na Zona Oeste do Rio – já é outra estória. O eleitorado sói ser imprevisível nas suas reações.
Por fim, assinale-se que esta eleição não vai terminar na quarta-feira, como no samba de carnaval. Reservou-se para tanto um domingo, como de hábito, mas no início de enésimo ‘feriadão’, formado de ‘ponte’ e a data de finados.
Não me atrevo, a respeito, a julgar o TSE. Diante de sua apatia em face do comportamento presidencial, que tanto difere de o que se espera de um Primeiro Magistrado da Nação, eu me pergunto se não teria sido possível evitar esta confluência infeliz de feriadão que estimula o abstencionismo e que pode, em consequência, afetar e desfigurar o pronunciamento eleitoral do Povo brasileiro.

( Fontes: VEJA, O Globo, Folha de S. Paulo e Estado de S.Paulo)

[1] V. reportagem de capa da revista Veja, edição 2188, com a gravação autorizada de conversa de Pedro Abramovay, secretário nacional de Justiça, com o antecessor Romeu Tuma Júnior.

domingo, 24 de outubro de 2010

Colcha de Retalhos LVII

O Lamentável Comportamento de Lula

Durante toda a sexta-feira, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva evitou a imprensa e qualquer pronunciamento sobre o incidente em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio.
Contra a evidência e o bom senso, Lula, no entanto, reincidiria à noite em negar-se a assumir com a hombridade que reclama de outrem o que realmente ocorrera em Campo Grande.
No palanque com Dilma, em Uberlândia, tornou a desfiar a estória que tem tudo para saber não corresponder à verdade.
Não se pode negar que Sua Excelência encarnou demasiado no papel que na prática está exercendo: o de Cabo Eleitoral-mor da Campanha de Dilma.
Faz amplamente por merecer, portanto, as palavras de Zuenir Ventura:
É inconcebível que um presidente da República, em lugar de solidarizar-se com a vítima, pedir-lhe desculpas, exigir providências para evitar a repetição do episódio, tenha preferido ridicularizá-la e compará-la com o goleiro chileno que encenou uma farsa.”
A esse respeito, a colunista Míriam Leitão singulariza um ponto muito importante: “A grande questão não é o que acertou a cabeça de José Serra em Campo Grande, mas o que há na cabeça do presidente Lula. É assustador que ele não perceba o perigo de usar toda a sua vasta popularidade para subestimar um episódio de conflito físico (...) Se ele brinca com fato grave, o que está avisando é que esse tipo de atitude é aceitável.”
E, por fim, mais uma vez a eloquência de Aécio Neves ressoa com a cava e toante gravidade do bronze:
O Presidente sai menor do que entrou nesta eleição”.

Passeata na Orla de Copacabana

José Serra fará neste domingo, 24 de outubro, a ‘Caminhada da Vitória’, saindo do Posto 6, com direção ao Leme. Organizada pelo candidato a Vice-presidente, Índio da Costa (DEM), deverão participar do evento os Senadores eleitos por Minas Gerais, Aécio Neves e Itamar Franco, além dos governadores-eleitos Geraldo Alckmin (SP), Beto Richa (PR) e Antonio Anastasia (MG).
Malgrado solicitação nesse sentido, o Estado terá recusado o reforço do policiamento na orla. Causando estranheza, a assessoria de imprensa da Polícia Militar informou que não reforçará o patrulhamento de rotina na orla.
Tendo em vista as tropelias de Campo Grande, na Zona Oeste, seria recomendável maior presença policial, para dissuadir e no pior dos casos atalhar eventuais intentos de baderneiros.
A esse respeito, houve concordância do próprio presidente regional do PT, deputado federal Luiz Sérgio: ‘apelamos às autoridades para que reforcem a presença nas ruas deste domingo, já que os dois candidatos a presidente da república estarão na cidade’.
Consoante se refere, Dilma e Lula farão carreata na Zona Oeste, saindo de Realengo e chegando no Shopping Bangu.

O Temido Depoimento de Erenice na Polícia Federal

A despeito de renovada tentativa de adiamento, a Polícia Federal marcou para segunda-feira, dia 25, às 9:00hs o depoimento de Erenice Guerra. O ex-braço direito de Dilma Rousseff será inquirida pelo Delegado Roberval Vicalvi.
Objeto das perguntas serão os negócios da Capital Consultoria, empresa de Israel Guerra, filho de Erenice, em sociedade com Vinicius Castro. Os dois são acusados de intermediar negócios de empresas privadas com o governo em áreas de influência de Erenice.
Em depoimento, o ex-piloto de motovelocidade Luis Corsini disse que pagou propina de R$ 40 mil a Israel a título de ‘taxa de sucesso’ por um patrocínio de R$ 200 mil da Eletrobrás, em 2008.
Outros ‘negócios’de Israel e Vinicius se referem a contratos para facilitar financiamento de R$ 2,25 bilhões do BNDES para a ERDB, empresa de energia solar (o lobista Rubnei Quícoli denunciou). A dupla também recebeu cerca de R$ 200 mil de Fábio Baracat para ajudar a Master Top Airlines (MTA), de transporte aéreo de carga, a obter licença da Anac e, em seguida, lograr renovar contrato com os Correios.

Reforma da Previdência é Aprovada pelo Senado francês

Conforme se esperava, a despeito das manifestações populares e da onda de greves, o Senado aprovou a reforma da previdência, dentro da linha fixada pelo Presidente Nicolas Sarkozy.
O aumento da idade mínima de aposentadoria, passa de sessenta anos para sessenta e dois anos, a estabelecer-se progressivamente até 2018, começando a partir de julho de 2011.
Para obter a aposentadoria integral, a idade passa de 65 para 67 anos, a partir de 2016 até 2023. Trabalhadores com doença decorrente de sua atividade continuarão se aposentando com sessenta anos.
Com a aprovação e a entrada do recesso escolar, prevê-se que a participação estudantil nas manifestações tenderá a decrescer.
A propósito dessa participação, ela surpreendeu pela sua intensidade, diante da circunstância de que se tratava de prazos que só interessariam diretamente a esse público depois de quatro décadas. Muito se escreverá e se discutirá acerca de um empenho tão marcado, quanto a acontecimentos que dentro da linha das motivações humanas não estariam em condições de causar reações tão fortes e violentas, como se os respectivos efeitos fossem julgados muito mais próximos do que realmente são.
Outra interrogação é o pós-reforma, no que tange a Sarkozy. Ao contrário de antecessores, como Jacques Chirac, e seu Primeiro Ministro Alain Juppé, que acabaram por ceder às manifestações de protesto e às greves maciças, nas suas tentativas de reforma, Nicolas Sarkozy escolheu o caminho do confronto. Essa atitude pode custar-lhe caro, em termos políticos. Atualmente, vencida a campanha – o que no futuro está sujeito a ser definido como vitória de Pirro – Sarkozy ficou apenas com trinta por cento de aprovação popular.
Para buscar a reeleição, dentro de dois anos, Sarkozy carece de recompor a sua base política. Senão, ficará condenado a transformar-se no que os americanos chamam de lame duck (pato manco), que é qualificação do político sem condições de se reeleger.
Por ora, os prognósticos estão em aberto. Sarkozy já venceu desafios no passado, embora nenhum tenha se equiparado à magnitude da empresa pela implantação da reforma na previdência. O porvir dirá se o presidente foi determinado e corajoso, ou se apenas teimoso e de escassa visão política.

O Fantasma das eleições intermediárias de novembro

Em 1994, o Presidente Bill Clinton e os democratas perderam nas eleições intermediárias o controle do Senado e da Câmara dos Representantes para os Republicanos. Newt Gingrich, o principal líder do G.O.P. de então, com o seu Contract with America lançara plataforma neo-conservadora, que assegurou maioria aos republicanos no Congresso por longo período. O predomínio do Grand Old Party cairia vítima da guerra do Iraque e dos desastres da presidência de Bush júnior em 2006.
Este é o fantasma que assombra a Casa democrata: uma reviravolta política, com a temida e mais provável maioria republicana na Câmara de Representantes, e a possível, posto que mais difícil, recuperação também do controle do Senado.
A perda da maioria na Câmara e no Senado seria um verdadeiro desastre para a Presidência de Barack Obama. Diante do clima existente, com a falta de qualquer sentido bipartidário, o quadro seria o do impasse, com o Presidente forçado a recorrer ao veto para neutralizar as prováveis investidas republicanas para, entre outros objetivos, inviabilizar a reforma da Saúde.
No entanto, o aspecto favorável para os democratas é que, em um quadro negativo (altos índices de desemprego, falta de confiança na recuperação, baixa popularidade de Obama) tanto a Casa Branca, quanto o seu partido vem buscando por todos os meios reverter, ou pelo menos, minimizar as perdas nos próximos comícios.
Para tanto, uma ajuda inesperada vem sendo ensejada pelo movimento Tea Party.
Ao contrário dos tempos do Contract with America de Gingrich, quando GOP e democratas se enfrentaram sem outros contendores de monta, em 2010 a situação é diferente.
O Tea Party, surgido em 2009, é um movimento de direita (em muitos casos, de extrema direita) que tem apresentado diversos candidatos ao Congresso. Em muitas disputas, o Tea Party aparece como tertius, mas em algumas o seu candidato arrebatou nas primárias o direito de representar o partido republicano.
Em uma estratégia que é arriscada, mas que pode ajudá-lo em algumas contendas extremamente apertadas, o Partido Democrata tem envidado esforços de viabilizar contestações por representantes do Tea Party. A presença de um terceiro candidato nas geralmente binárias disputas entre azuis (democratas) e vermelhos (republicanos) poderia implicar em uma inesperada bênção para os partidários de Obama, ao retirar preciosos votos do concorrente republicano.
Através de complicadas triangulações, os democratas incentivam a presença de candidatos do Tea Party. A despeito das denúncias de republicanos contra esses elementos do Tea Party, a que chamam de ‘cavalos de Tróia’ dos democratas, em muitos casos as citadas candidaturas têm resistido, permanecendo na lista de candidatos a serem votados a dois de novembro próximo futuro.
Por outro lado, tanto o Presidente, quanto a Primeira Dama têm trabalhado ativamente na promoção de candidatos democratas. Michele Obama semelha ser mais popular que o marido, e a sua simpatia tem sido bastante utilizada no auxílio de candidatos ameaçados.
Pelo visto, a cidadela democrata não cairá por falta de empenho de seus principais líderes. Se o resultado está longe de achar-se assegurado, se pode dizer que até jeitinhos similares aos que nos são increpados estão sendo objeto de atenta consideração...

Estagiário acusa Presidente do STJ

O estagiário Marco Paulo dos Santos, estudante de administração, apresentou queixa à Polícia Civil, acerca do comportamento do Ministro Ari Pargendler, presidente do Superior Tribunal de Justiça.
Carecendo na terça-feira, dezenove de outubro, por volta das 17hs, de fazer um depósito no caixa do Banco do Brasil no STJ, e ao ser informado que o único em serviço era o que estava sendo utilizado por Pargendler, o estagiário se postou atrás dele, aguardando sua vez.
Segundo a descrição de Marco Paulo, o referido senhor olhou em sua direção uma vez e nada disse. Na segunda vez, dirigiu-se ao jovem, em tom que o outro julgou arrogante: “Quer sair daqui que estou fazendo uma transação ?”
Marco Paulo argumentou, então, que estava atrás da linha de espera marcada no chão.
Em tom ainda mais áspero, o Ministro replicou:
Saia daqui. Vá fazer o que você tem que fazer em outro lugar”.
Como Marco Paulo não se movesse, Pargendler disse:
Sou Ari Pargendler, presidente do STJ, e você está demitido, está fora daqui.”
Em seguida, Pargendler se apossou do crachá do estagiário.
Marco Paulo relatou o acontecido ao chefe, Leonardo Peixoto, que, não podendo reverter a situação, encaminhou o estagiário ao departamento de pessoal, onde este assinou a rescisão contratual.
Mas não ficou nisso. Na quarta-feira, prestou queixa, em delegacia de Brasília. Em consequência, o delegado Laércio Rossetto encaminhou boletim ao STF, que tem a prerrogativa de investigar autoridades com foro privilegiado. A ocorrência foi definida como injúria real e crime contra a honra, passível de pena de um a três meses de reclusão e multa ( a punição pode ser convertida em pena alternativa). De acordo com o STF, o relator do caso, a ser designado, definirá qual o rumo das apurações. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), caso provocado, poderá igualmente tomar providências.
Marco Paulo, que passara em 8º lugar entre 250 candidatos, aduz pretender indenização por danos morais: “Tinha contrato até janeiro do ano que vem e fazia planos para esse dinheiro. Além disso, acredito que há uma ofensa e um dano à imagem.”


( Fontes: O Globo, Folha de S. Paulo, International Herald Tribune )

sábado, 23 de outubro de 2010

Para Inglês Ver

Não é decerto por acaso que, desde o tempo do império no Brasil, se cunhou a frase ‘para inglês ver’. Tenha-se presente que a superpotência do século XIX era a Inglaterra, então senhora dos mares, com a maior presença política, fundada em predominância econômica e militar.
Para inglês ver, portanto, significava montar uma falsa realidade, que visava a atender, ainda que só na aparência, as exigências feitas por Londres. Através do uso, a frase passou a designar genericamente, na definição do Houaisspara efeito de aparência, sem validez’.
O noticiário policial nos relembra agora uma triste característica de nosso sistema penal. As sentenças de trinta anos, reservadas para os crimes mais graves – inclusive os relativas a sequestro, inseridos na categoria dita hedionda – costumam encolher bastante, ao serem adequadas ao chamado regime de progressão de penas.
Baseando-se em interpretação bastante generosa da Constituição[1], o Supremo Tribunal Federal, através da jurisprudência da progressão de regime, reduz, na prática, o encarceramento dos condenados a um sexto do veredito judicial. Por alegado bom comportamento e outros atenuantes, o período de reclusão pode reduzir-se ainda mais. No entender dos ministros do STF, o preso passaria a fruir do regime de prisão semiaberto, com fins de semana longe da cadeia, no convívio de sua família. O mesmo regime aberto inclui a possibilidade de que o preso saia durante o dia para trabalhar, e volte à noite para o cárcere.
O problema com tais propósitos é que muita vez o seu resultado tende a ser diverso do colimado. Os juízes de execução penal – a autoridade responsável em acolher o exercício do direito ensejado pela jurisprudência do Supremo – atuam a descoberto e tem de conformar-se aos parâmetros da legislação. Cabe ao Ministério Público a ingrata tarefa de barrar o caminho às pretensões de muitos dos encarcerados, defensores que são do interesse da sociedade.
Em nosso país, a aplicação do decantado regime da progressão de regime teve em alguns casos efeitos terríveis que, decerto, não tinham sido levados em conta quando se negou aos crimes hediondos a aplicação de penas mais severas.
Dessarte, a concessão das saídas de fim de semana para pedófilos, traficantes e sequestradores tem tido resultados, segundo o noticiário da imprensa, que deveriam induzir Suas Excelências a reverem seus desígnios, sem dúvida, voltados para a recuperação social do condenado. O problema, no entanto, está na turbadora circunstância de que as categorias acima elencadas tendem a comportar-se de forma a instrumentalizar o benefício penal, que transformam em meio de fuga.
O problema se torna ainda mais grave quando não se restringe ao desaparecimento do criminoso. Não foi o que ocorreu em Goiás, v.g., quando um facínora e pedófilo foi liberto, para matar diversos jovens adolescentes. De que serve para as famílias desses rapazes que o pedófilo esteja de novo em regime fechado ?
Quanto a traficantes que se valham desse regime, para pôr-se ao largo, arrimados no bom comportamento prisional, tampouco deveria surpreender.
O último comprometedor exemplo no capítulo nos fornece a imprensa quanto à fuga de dois condenados pelo sequestro em 2001 do publicitário Washington Olivetto, a saber, o chileno Marco Rodolfo Rodriguez Ortega e o colombiano William Gaona Becerra. Pela tardança com que o recurso do Ministério Público, acolhido pelo juiz, foi levado ao conhecimento da penitenciária de Itaí (onde estavam presos), esses dois criminosos sequestradores na verdade não fugiram do cárcere. Saíram pela porta da frente, alegadamente para o convívio familiar.Pouco importa, parece, que não tenham família no Brasil.
Diante dos fatos, a pergunta é mais do que cabível: que defesa é esta da sociedade, - não por causa de delitos do gênero de colarinho branco – mas por crimes hediondos, com considerável sofrimento - ou morte – inflingido à vítima ? De que valem sentenças de trinta anos – senão para manchetes de jornais – se são transmutadas também para traficantes, pedófilos e sequestradores pela varinha de condão do bom comportamento, para uma prisão fechada de seis anos ?
Há um traço, digamos romântico, nesse virtual condicionamento de penas severas, ditadas pelos autos do processo, em um regime diverso, dito semiaberto, de que se servem os criminosos que são na prática irrecuperáveis. Conforme a prática tem demonstrado com consternadora regularidade, tais concessões são desvirtuadas pelos prisioneiros, que delas se servem, no melhor dos casos, para desaparecerem, mas em outros, para reincidirem na prática que, no passado, os havia condenado à prisão.
Os casos de Goiás e agora o da penitenciária de Itaí são inaceitáveis. Como poderemos definir a convivência com tais clamorosos erros, sem que providências críveis sejam tomadas para prevenir esses abusos ?

( Fonte: Folha de S. Paulo )

[1] Também a essa postura se deve atribuir a abstrusa regra de que alguém só pode ser preso quando a causa transitar em julgado, o que significa seja a condenação nas três instâncias, seja, no caso dos réus comuns, a validez da primeira sentença por ausência de recurso. Depõe contra essa prática o exemplo de Pimenta Bueno, assassino confesso e já condenado, mas ainda em liberdade, por não esgotar os recursos a que tem direito.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Chutzpah ou o Rei está indignado

O comportamento do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de sua Candidata, e do Partido dos Trabalhadores mostra que, em um aspecto, eles teriam razão em culpar o PSDB, o partido adversário. Pouco importa que longe esteja deles servir-se de tal argumento. Como se acreditam implantados no poder, que cuidam diligentemente de aparelhar em próprio favor, igualmente se julgam em condições de apresentar, com a desenvoltura que lhes é conhecida, o que consideram a sua verdade.
E qual seria esse aspecto em que Lula, Dilma e PT têm carradas de fundamento em apontar para a responsabilidade do PSDB ? Não é outro que o instituto da reeleição. Introduzida pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, com a ajuda de Sergio Motta, a reeleição se tem evidenciado tão ruinosa e antidemocrática, quanto a increpavam os seus opositores.
A reeleição sempre fora evitada por nossas constituições democráticas anteriores. Ao ensejar a duplicação dos mandatos, em Município, Estado e União federal, ela desvirtua o exercício do poder, favorecendo aqueles que o exercem no que tange a seus desafiantes para a pretendida prorrogação. Nesse sentido, estimula desígnios autoritários, de que a corrupção será a companheira dileta.
Hélio Bicudo, fundador do Partido dos Trabalhadores, ao fundamentar o voto neste segundo turno - que é mais contra Dilma Rousseff, do que a favor de José Serra - aponta para o perigo da corrupção, que está ínsito na mexicanização do PT. Todos deparamos a arrogância do chefe e de seus seguidores, ao cabo de mandato de oito anos. Por isso, é mais do que válida a preocupação desse paradigma da integridade que é Hélio Bicudo.
As correntes jornadas nos trazem espetáculo a que não desejaríamos assistir. Desassombradamente, do Rio Grande do Sul, no porto de Rio Grande – onde ex officio não deveria estar – o Presidente da República, diante da panóplia dos microfones das altas autoridades e cercado por sorridentes correligionários, se julga em condições de apresentar para a Nação a sua verdade, eis que não lhe agrada aquela estampada e transmitida pelos grandes veículos de opinião.
Em termos de húbris, esta peculiar manifestação que tolda a visão dos que se crêem onipotentes, será difícil encontrar alguma comparável. Ao reportar-se às tropelias de Campo Grande, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, Sua Excelência não trepidou em culpar a vítima – no caso, o candidato José Serra -, que seria responsável por uma simulação.
Com toda a bazófia, que os oito anos no Alvorada lhe trouxeram, nos veio, para variar, com símile futebolística – a tosca encenação do goleiro chileno no Maracanã, em 1989 – para tentar apagar a agressão sofrida por Serra.
Infelizmente para o Presidente, longe estamos dos tempos em que a mentira e a calúnia poderiam perdurar por muito, como no caso das cartas apócrifas que pretendiam intrigar o Presidente Arthur Bernardes com o Exército, através da pessoa do Marechal Hermes da Fonseca.
Classificando de ‘farsa’ a reação do candidato Serra, e afirmando que o tucano mentia, não contava decerto Lula que a patranha fosse prontamente desfeita. Com efeito, no Jornal Nacional o Brasil presenciou a repetição da cobertura do ataque do bando petista de mata-mosquitos contra a passeata de Serra. Há dois momentos distintos: uma inócua bolinha de papel que toca na cabeça do candidato. Mais tarde, depois que Serra e os que lhe acompanhavam tiveram de abrigar-se em uma loja, retomada a caminhada, cerca de dez a quinze minutos transcorridos, um rolo de fita adesiva lhe atinge o crânio. Em seguida, ele leva às mãos à cabeça.Pouco depois, dá por encerrada a marcha, e vai para Botafogo, submeter-se a uma tomografia.
Para a postura de Lula, e a maneira com que afronta a evidência, existe palavra iídiche,absorvida pela língua inglesa – é o chutzpah, i.e., a autoconfiança no seu mais alto grau, que margeia a insolência.
Presidente, respeitamos a sua disposição em promover a respectiva candidata. Há, no entanto, limites para tal empresa. Como referiu José Serra: “Fico preocupado porque o presidente ocupa o cargo mais importante do país e não pode ficar dando cobertura à violência.”
Presidente, a propósito de hombridade, é hora de manifestá-la, reconhecendo o erro.

( Fonte: O Globo )

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Onde Começa a Barbárie

Os episódios de ontem – afinal a vinculação do jornalista doublê de araponga Amaury Ribeiro Junior à violação do sigilo fiscal de personalidades do PSDB, e a inominável violência de horda de marginais sob cobertura política contra o candidato José Serra – marcam ainda mais a campanha presidencial de 2010, já rotulada como a mais nefasta para a democracia brasileira.
O observador político não encontrará parâmetros com disputas passadas. O senhor sigilo, apesar do deboche presidencial, continua bastante presente e visível. Que irrompa de novo, em meio a estranhas declarações da Polícia Federal que, a despeito de estabelecer os fatos, nega vínculos entre violação e campanha de Dilma Rousseff. Entre desinformação – ao tentar empurrar a responsabilidade para os tucanos – e a intimidação, o estado-maior petista se aferra à tese de que nada tem a ver com mais este dossiê.
Entrementes, a barbárie da horda se transferiu para a Zona Oeste do Rio de Janeiro. O candidato José Serra, acompanhado de seu aliado, o deputado Fernando Gabeira, pensara aí realizar mais uma caminhada de campanha. O que então ocorreu extravasa qualquer limite do convívio humano civilizado.
Um bando de militantes petistas, em contramanifestação adrede preparada, investiu contra Serra. O cabecilha dos arruaceiros era Sandro Oliveira, candidato derrotado a deputado estadual do PT. Armados de faixas contrárias ao candidato, camisetas da Dilma, e bandeiras que mais se prestavam ao ataque do que a defesa do respectivo partido, o agrupamento buscou de início intimidar Serra com insultos e, em seguida, se esforçou em abrir caminho para se acercar do candidato.
A agressão não se cingiu ao postulante à presidência da república. Forçado a interromper a campanha, ele submeteu-se a tomografia em hospital de Botafogo. Outra vítima do bando foi Mariana Gross, jornalista da TV Globo, atingida na cabeça por pedra que tinha José Serra por alvo.
Não errou o candidato da oposição ao apontar o ódio com a causa da afronta.
Semelha oportuno transcrever-lhe o comentário: “Isso é organizado por profissionais da mentira e da violência. Eles fazem isso no piloto automático. (...) Um comportamento muito típico de movimentos fascistas.”
Falar em ódio não é figura de retórica. Podemos encontrá-lo em observações de colunistas, que chegam ao limite de se referir ao fenômeno, atribuí-lo a causas exógenas, e a omitir qualquer menção à vítima.
De parte do PT e da campanha da candidata, o presidente José Eduardo Dutra disse achar ‘lamentável que tenha acontecido isso. Repudiamos qualquer tipo de agressão física’. Por sua vez, o presidente do PT no Rio, em nota, asseverou que ‘o incidente teve início depois que seguranças do canditato José Serra, do PSDB, trataram com rispidez integrantes do grupo ‘mata-mosquitos’ que estava no calçadão.’ Com o pano de fundo dessa tentativa canhestra de distorção factual, caberá apenas a genérica moderação de Dutra ?
Há, no entanto, certa lógica neste silêncio dos medalhões. Talvez a grosseira violência mais bem caracterize o momento político brasileiro. A boçalidade está na ordem do dia. A campanha desce ao nível das disputas rueiras, de que a verdade e o respeito pelo adversário constituem as primeiras vítimas.
Ouvindo as últimas intervenções do cabo-eleitoral-em-chefe, alguém de outros tempos poderá incrédulo perguntar-se: que país é este, em que tudo se afigura válido para garantir a permanência no poder? Desmerecer de tudo que se recebe, não é só mergulhar na mentira, mas também desfazer de todos, e a começar, da inteligência de quem ouve !

( Fonte: O Globo )

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A Eleição e o Presidente da República

Desde muito antes do início da campanha eleitoral para Presidente da República, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva se pautou por atitude bastante diversa da de seus predecessores na primeira magistratura da Nação.
Parecendo não entender o que implica o exercício das mais altas funções na República – o que jamais escapara a seus antecessores constitucionais na suprema investidura – Sua Excelência adotou comportamento que privilegiou em cerimônias públicas e inaugurações de obras e programas do Estado a promoção do nome e da pessoa de quem mais tarde se tornaria a candidata do Partido dos Trabalhadores à presidência da república.
Nunca antes neste país se presenciara linha de ação que tão radicalmente se diferencia da norma seguida pelos primeiros magistrados da República que o precederam no cargo.
Tão díspar foi o comportamento mantido da habitual usança legal e constitucional, que por um longo momento as instâncias jurídicas competentes não reagiram com a presteza que se faria necessária.
Somente após certo espaço de tempo, o Tribunal Superior Eleitoral principiou a aplicar multas ao Presidente Lula por infrações à lei eleitoral. A esse propósito, não terá sido o número de multas que terá mais impressionado, mas sim a maneira pouco respeitosa com que Sua Excelência se reportou publicamente às penalidades que lhe tinham sido impostas.
Com tal lamentável comportamento, a par de um princípio básico, o Presidente Lula desconheceu a respectiva condição de guardião da Lei e o consequente corolário de que deve ser o primeiro a respeitar a ordem estabelecida.
Entrado na campanha eleitoral propriamente dita, não só o Estado foi colocado a serviço da candidata oficial – tal fato é deplorável decorrência da prática anterior, de generalizado aparelhamento estatal no interesse do Partido dos Trabalhadores, como se fora avatar do reencarnado Partido Revolucionário Institucional mexicano – mas também o Primeiro Funcionário deste Estado, o próprio Presidente da República, jogou às urtigas a discrição de seus maiores, jamais esquecidos da própria posição acima dos partidos, na indeclinável condição de Presidente de todos os brasileiros.
O que antes não se acreditara possível e por conseguinte se alvitrara desnecessário, já é objeto de consideração política com vistas a elaborar-se instrumento legal que ponha em letra de forma o que antes se reputara suficiente deixar ao bom critério dos brasileiros a quem se discernira a suprema honra da Presidência da República.
Ao se deparar no presente espetáculo a falta de distinção entre instituição pública e partido político, a partir do exemplo dado pelo Presidente Lula, mergulhando nas turbulentas águas da disputa político-partidária, os vários escalões da máquina estatal dão a melancólica impressão de estarem esquecidos de que o seu verdadeiro senhor é o Povo brasileiro.
A União Federal e o seu Tesouro, assim como as suas grandes, médias e pequenas agências estão acima do mundo da política com ‘p’minúsculo, e com ela, em seus escopos partidários e de proselitismo, jamais se devem confundir.
Foi a Venezuela, na longa noite do ciclo das ditaduras militares encetado na década na década de sessenta na América do Sul, uma das duas únicas repúblicas democráticas.
Já nos albores do século XXI, a democracia venezuelana se debate nos tentáculos autoritários do regime caudilhesco e neopopulista do coronel Hugo Chávez Frias.
Será que Chávez – de quem o presidente Lula é tão amigo – será o triste modelo da futura república do Brasil ?

terça-feira, 19 de outubro de 2010

O Paradeiro de Osama ben-Laden

Desde o ataque terrorísta de onze de setembro de 2001, com a morte de mais de três mil pessoas, Osama ben-Laden se transformou no inimigo número um dos Estados Unidos.
A ameaça do islamismo radical já sobrepairava, com o primeiro ataque ao World Trade Center, em 26 de fevereiro de 1993, por intermédio de grupo liderado por Ramzi Yousef e o xeique cego Omar Abdel Rahman. Havia participação da al-Qaida, com parte do financiamento da operação que visava a derrubar a Torre Norte (que cairia sobre a Sul). A explosão provocou a morte de seis pessoas e ferimentos em 1042 outras.
A al-Qaida intentaria, em 7 de agosto de 1998, destruir simultaneamente as embaixadas americanas em Nairobi, no Quênia, e Dar-es-Salaam, na Tanzânia. O macabro objetivo foi alcançado na primeira, com a morte de 213 pessoas, inclusive doze americanos, e a destruição de inúmeros edifícios daquela capital.
Em consequência, houve, a 20 de agosto de 1998, represália determinada pelo Presidente Bill Clinton – a operação Infinite Reach, com bombardeio de mísseis à al-Shifa, fábrica de produtos e armas químicas no Sudão, e no Afeganistão, a campos de treinamento da al-Qaida então dominados em grande parte pelos talibãs do Mullah Omar. Como Osama estava refugiado no Sudão, e se supunha financiasse a referida al-Shifa, a operação visava atingir a organização terrorista, em duas áreas que lhe davam abrigo.
O ataque suicida ao USS Cole, da marinha de guerra americana, no porto de Âden, no Iemen, a doze de outubro de 2000, vitimou dezessete tripulantes. Se não afundou o navio, nem lhe afetou o sistema de direção, o deixou parcialmente inabilitado por enorme rombo, na linha d’água.
As incursões terroristas de onze de setembro de 2001 representariam o primeiro ataque inimigo ao território dos Estados Unidos, desde a inconclusiva guerra contra a Grã-Bretanha em 1812. Foram 2823 os mortos nas Torres Gêmeas, incluídos os inocentes passageiros das duas aeronaves que colidiram contra esses edifício. Dois outros aviões foram sequestrados por grupos da al-Qaida, o primeiro se chocando contra o Pentágono e o segundo caindo na Pennsilvania, após a tentativa da tripulação e de passageiros de retomar o controle do aparelho. O total assim se elevaria a mais de três mil pessoas.
Desde a presidência de George W. Bush, como o inimigo número um, Osama ben-Laden, tem sido objeto de perseguição que alternou em intentos de atingi-lo, através de mísseis, ou, durante a guerra do Afeganistão, procurou detê-lo quando refugiado no maciço de Tora-bora.
Bush júnior, ou seus prepostos, cometeram a sandice de delegar a tarefa de prendê-lo a chefes da guerra afegãos. Que uma presa tão valiosa, e de tanta notoriedade no mundo islâmico, haja, não obstante, logrado escapar em fins de 2001, não deveria constituir surpresa, dada a condição humana.
Agora, em função da nova fase da guerra do Afeganistão, e da entrada em cena dos chamados predators, aviões teleguiados americanos, dotados de toda a sofisticada tecnologia que inclui, entre outros, o escopo de eliminar pessoas constantes das listas dos terroristas mais procurados, nos chega a notícia oficiosa – proviria do Pentágono – de que Osama ben-Laden e seu segundo Aymari al-Zawahiri estariam homiziados em residências próximas, no noroeste do Paquistão.
Dadas as recorrentes ambiguidades dos muy amigos paquistaneses, a nova poderia significar muito ou pouco. Semelha dificil acreditar que presença como a de Osama passasse desapercebida para os informantes do Serviço Secreto Paquistanês. As alianças dessa organização têm sido bastante dúbias, com as suas ligações com os talibãs e a eventual promoção de uma agenda não-necessariamente concorde com os objetivos colimados pela superpotência.
O futuro dirá se esta pista – ao contrário das muitas anteriores – levará a algo de concreto.

(Fonte: CNN)

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

O Desânimo da Candidata

O debate de ontem à noite, na Rede TV, diferiu do anterior, na Bandeirantes. José Serra pareceu mais confiante, declarando em mais de uma oportunidade que o PT mente no que tange às posições e ao histórico do candidato. Dilma, embora não tenha contraditado essas afirmações do adversário, procurou, nos primeiros blocos, desenvolver a questão das privatizações, assim como seus reflexos, especialmente em tópicos relativos ao Estado de São Paulo.
Nos blocos intermediários, chamou a atenção do público – que se manifestou de forma favorável, desrespeitando as regras estabelecidas pelo moderador Kennedy Alencar – a referência de Serra à subida na cotação das ações da Petrobrás, com a sua melhora nas pesquisas após o primeiro turno. No seu entender, tal apreciação refletia a maior confiança do mercado em eventual gestão de Serra no que se reporta à estatal.
No penúltimo bloco, quando lhe cabia a tréplica – para a qual não está prevista resposta – Serra aludiu à tática de Dilma de escolher sistematicamente questões paulistanas. O candidato do PSDB disse então que ao repetir os argumentos do candidatos derrotados do PT ao governo de São Paulo, ela não tratava de o que deveria motivar-lhes a presença no debate: as grandes questões nacionais e as prioridades respectivas dos dois candidatos. Ao invés disso, Dilma dava a impressão de que se candidatava ao estado de São Paulo, conforme demonstrado pela tônica de suas repetidas intervenções.
Acusando o golpe, a candidata do PT julgou oportuno pleitear direito de resposta, o que lhe foi denegado pela comissão arbitral.
O quinto e último bloco reservaria outra surpresa. Depois de uma exposição burocrática de Dilma Rousseff, coube a palavra a José Serra. Consciente da marcada diferença da apresentação de seu histórico de vida política, em relação ao currículo pouco motivante da candidata de Lula – que talvez por tal motivo evite mencioná-lo – Serra alinhou a sua progressão na vida pública, e os cargos eletivos que, em forma ascensional, exerceu.
Conhecedor da retórica e do efeito que pode ter a peroração, Serra concluíu a própria declaração final com singelo pedido de voto ao telespectador – e se puder, o convencimento de um voto suplementar.
Será dificil aquilatar o peso de gesto de aparência tão simples, mas que, em verdade, dava sentido a toda a troca de opiniões e argumentações, que sóem marcar os debates televisivos. Com a sua experiência, Serra conferia um significado maior a todo o exercício de cerca de duas horas.
Recordei-me, então, da foto que a edição de O Globo de sábado, dezesseis de outubro. O fotógrafo colhera momento da candidata em que olha, com expressão de certo desalento, para ponto indeterminado. Seria como se ela perguntasse a seus botões, o que estou fazendo nesta campanha ? Será que vou corresponder à decisão do Presidente Lula ao indicar-me para tentar sucedê-lo na Presidência da República ?

( Fonte: O Globo )

domingo, 17 de outubro de 2010

A Visita de Ahmadinejad ao Líbano

No passado, o Líbano foi chamado de Suiça do Oriente Próximo. Na aparência, ao contrário da instabilidade de seus vizinhos árabes, presidia naquele país, em que a etnia cristã era majoritária, espírito de concórdia, que favorecia o comércio e as finanças.
Com a longa guerra civil, Beirute se tornou palco de sequestros, assassinatos e atentados. O frágil equilíbrio do antigo Líbano, colocado à prova por perturbações internas e externas, só pode ressurgir, em uma construção decerto precária, há cerca de duas décadas.
Depois de intervenções de Israel – que manteve por muito tempo ao sul uma faixa fronteiriça de ‘segurança’ – com invasões militares que chegaram a Beirute, expedições americanas, inclusive, com larga presença de fuzileiros; uma paz superficial pôde ser negociada entre as conflitantes etnias – os católicos maronitas ao norte, os sunitas, os xiitas antes esquecidos e os drusos -, cuja amarga condição foi a continuação da suserania da Síria, que por muitos anos, além da ocupação do vale da Bekaa, exerceu uma espécie de protetorado branco sobre o governo libanês (ainda com um presidente cristão-maronita e um primeiro ministro sunita).
Esta tapeçaria foi pelos ares – literalmente – com o atentado que vitimou, em fevereiro de 2005, a Rafik Hariri, ex-primeiro ministro, e que assumira a liderança da coalizão anti-Síria. Pelas características do magnicídio, uma investigação séria e internacional – sob a égide das Nações Unidas – foi empreendida. Dadas as pesadas suspeitas de envolvimento da Síria – chegando mesmo a implicar eventual responsabilidade do presidente Bashar al-Assad. Uma das consequências da morte de Hariri foi a retirada militar do exército sírio do território libanês.
Por outro lado, a aliança política anti-Síria logrou formar um gabinete sob a chefia de Fouad Siniora.
O partido Hezbollah, chefiado por Hassan Nasrallah, se tornou o grande antagonista. Congrega a comunidade xiita que, graças ao fator demográfico e ao apoio de Teerã, dispõe de substancial poder político e militar, face a um estado fraco como o libanês.
Até o presente, o Hezbollah se transformou na grande oposição à situação no Líbano. Tem forte presença, tanto em Beirute, quanto no sul. Aí, o seu poder militar cresceu em aguerrimento, em decorrência de frequentes choques com as forças israelenses. O último conflito, em 2006 (de doze de julho a catorze de agosto), se assinalou pela impossibilidade de Tel-Aviv quebrar a resistência do chamado ‘partido de Alah’ – o que foi interpretado como virtual vitória de Nasrallah. Foi a maior operação militar israelense desde a invasão de 1982, e findou de forma inconclusiva, com a retirada dos israelenses determinada pelo cessar-fogo estabelecido pelas Nações Unidas.
Nesse contexto de um país em que se contrapõem de um lado o estamento político até hoje preponderante – formado, sobretudo, pela aliança entre cristãos maronitas e árabes sunitas - e de outro, a comunidade xiita, chefiada pelo xeique Hassan Nasrallah, que constitui uma oposição bem armada e a quem o ineficaz exército libanês não semelha em condições de desarmar – é que transcorreu a visita do Presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad.
A visita oficial de Ahmadinejad ao conturbado país do Levante não há de contribuir para o reforço do estado libanês. Sendo o Irã xiita o tradicional patrono do Hezbollah – e tais laços não são apenas de concerto religioso, mas também de provisão de armamentos -, a vinda do presidente iraniano tenderá a ser encarada como dirigida precipuamente àquela comunidade, e não ao Líbano, em seu todo.
Assim, após as visitas protocolares ao Presidente Michel Suleiman, e ao Primeiro Ministro Said Hariri (filho de Rafik), Ahmadinejad cuidou de reunir-se com o seu pro-cônsul, o xeique Nasrallah.
No dia seguinte, catorze de outubro, a autoridade iraniana deslocou-se ao sul do Líbano, no bastião do Hesbollah. Na cidade de Bint Jbail, a poucos quilômetros da fronteira, praticamente destruída no conflito de 2006, e parcialmente reedificada com fundos iranianos, Ahmadinejad produziu peça oratória que não difere das injúrias e impropérios habituais. Ao contrário de o que antecipara, Ahmadinejad preferiu ser cauteloso na sua provocação à ‘entidade sionista’. Não foi até à fronteira jogar pedras contra aquela organização que o presidente do Irã deseja varrer do mapa. Seu discurso, com os traços já conhecidos, a conclamar a ‘eliminação dos Sionistas’ e a invocação do messias e ‘o levante dos oprimidos’foi pronunciado em distância prudente, sem proximidades imediatas com o braço armado de Israel.
De qualquer forma, a mensagem de apoio ao Hezbollah é bastante evidente. Tal postura será também assumida com vistas a Washington, dentro dessa mescla de truculência e de fanfarronice que caracterizam o personagem.
Por fim, no quadro da investigação do assassínio do ex-Primeiro Ministro Rafik Hariri pelo Tribunal Internacional, existe a expectativa de que serão indiciados, dentre os acusados por aquele magnicídio, membros do Hezbollah. A esse propósito, o grupo fez saber que tal indiciamento acarretaria ‘perigosas consequências’.

( Fonte: International Herald Tribune )

sábado, 16 de outubro de 2010

Como no tempo das corporações

Para todo antigo eventual morador na Grécia, a par das belezas naturais e da telúrica simpatia do povo grego, constituem motivo de estranhável assombro as características de muitas atividades, seja aquelas de mais direto contato com o público, seja outras cujas peculiaridades só tendem a desvelar-se em períodos mais longos de interação.
Neste blog, que já entrou em seu terceiro ano, e segundo de edição cotidiana,
foram referidas, ainda que, en passant, uma que outra dessas particularidades.
As grandes crises causam decerto muitos infortúnios e não poucas injustiças. No entanto, os problemas financeiros que representaram a amarga colheita do novel governo socialista de Georges Papandreou, se não são de sua direta responsabilidade, tem igualmente na respectiva formação a responsabilidade de gabinetes do PASOK[1], assim como os da Nova Democracia (direita).
O Primeiro Ministro Papandreou mostrou determinação de quem parecia não ser novato nas responsabilidades do governo. A adequação do Estado e da sociedade grega é, contudo, uma luta comprida, que se choca contra muitos interesses e privilégios, os quais pela sua difusa incidência e extensa agregação em muitos setores de atividade implicam em considerável engessamento social.
Multiplicam-se, dessarte, em incontáveis segmentos de serviços e atividades ditas produtivas os privilégios de classe. A economia grega, limitada e marginal em muitos desses ramos, pensou haver dado um salto de qualidade, não só na sua adesão à Comunidade Europeia, mas sobretudo no posterior ingresso na zona do Euro, para o que se valeu de critérios bastante flexíveis.
Antes que a crise financeira internacional agravasse ainda mais a situação da economia helênica – e motivasse o tardo socorro da União Europeia -, os observadores que por lá passassem não poderiam deixar de aperceber-se de preocupantes traços do consumo grego e do respectivo nível de vida, que semelhavam subsistir na aparente segurança da perenidade do fenômeno das chamadas bolhas.
Não é aqui o lugar para discorrer acerca de tais generalidades. A crise, no entanto, tem imposto ao governo, entre outras, a tarefa de procurar adequar a atividade econômica às leis do mercado. Em meio a suas múltiplas contendas, resolveu atacar o engessamento de inúmeros serviços e segmentos. Neles prevalecem regras corporativas, que se afiguram provir dos privilégios de antigas corporações medievais, estabelecidos como se os supostos direitos das partes sobrelevassem aos da sociedade no seu conjunto.
Em matéria publicada no International Herald Tribune, se menciona assertiva de Yannis Stournaras, diretor da Fundação para a Pesquisa Econômica e Industrial (IOBE): “A Grécia é a última economia de estilo soviético na Europa. Outros países têm algumas profissões fechadas. Mas nada como na Grécia. Aqui, qualquer pedra que V. mexa, tem o seu regulamento próprio.”
Existem cerca de setenta ofícios e profissões fechadas, incluindo ‘advogados, engenheiros, taxistas, fono-terapeutas, forjadores, tabeliões, vendedores de rua, titulares de bancas de revistas, arquitetos, e donos de farmácias.’ Certos oficios têm inúmeras limitações de acesso: as licenças para operar bancas de revista só estão disponíveis para veteranos de guerra, com problemas físicos ou com famílias grandes para sustentar. Há outras licenças que estão efetivamente fechadas, como as dos caminhoneiros de longa distância, congeladas por vinte e cinco anos.
As farmácias não têm o número comparável à proliferação que se depara no Brasil. Por outro lado, de forma quase cômica, permanecem cerradas por grande parte do dia. Os horários vespertinos são bastante estreitos, e nos fins de semana, aqueles que precisam comprar medicamentos necessários por motivo de urgência, carecem de empreender longas buscas atrás de estabelecimento em outros bairros, em que um estará aberto, e não nas generosas janelas a que estamos acostumados no Brasil.
Também a profissão dos advogados está ordenada por regras bizantinas. Se na comunidade internacional, a Grécia teria ainda o direito ‘moral’de invocar regras da antiga Bizâncioembora Constantinopla haja sido tomada pelos turcos em 29 de maio de 1453 -, mesmo um habitante daquele antigo bastião da civilização ocidental poderia julgar algumas das normas a que hoje se atribue o epíteto, como injustas com as práticas da capital do defunto Império Romano do Oriente...

(Fonte: International Herald Tribune )

[1] A sigla do partido socialista na República Helênica.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Caixa de Surpresas ?

Segundo o colunista Merval Pereira, o Presidente Lula terá sido o principal responsável pelo fato inesperado de a eleição presidencial passar para o segundo turno.
No entendimento do comentarista político de O Globo, ao julgar liquidada a fatura, terá Lula resolvido a “acertar umas contas” com adversários escolhidos, como revelou a assessores próximos.
Não teria Sua Excelência considerado os efeitos colaterais de tais incursões punitivas. Ao fazer campanha contra os Senadores Marco Maciel (DEM-Pe), Heráclito Fortes (DEM-Pi), Arthur Virgílio (PSDB-Am) e Agripino Maia (DEM-RN) terá retirado do frasco mágico a figura de um ‘presidente raivoso e rancoroso, a buscar vingança de inimigos que deveriam ser meros adversários políticos’.
Com essa ação vindicativa, tão oposta ao comportamento que deve caracterizar o de um presidente da república em uma eleição, terá acirrado dúvidas em parte do eleitorado, ao mesmo tempo em que eclodia o escândalo dos desmandos de Erenice Guerra no Gabinete Civil da Presidência, assim como a controvérsia político-religiosa sobre o aborto.
Por outro lado, o crescimento de Marina Silva (PV) representou outro golpe que fez a criatura Dilma Rousseff perder sufrágios preciosos, que iriam retirar-lhe o apoio indispensável para o colimado triunfo a três de outubro.
Daí, acreditando-se em desvantagem, a reação da candidata Dilma e de seu programa eleitoral gratuito desvencilhou-se do incômodo figurino de ‘paz e amor’ do primeiro turno, para desembestar na linha agressiva, sem muitos compromissos com a exatidão verbal, que irrompeu no primeiro debate da segunda fase, o da Rede Bandeirantes.
Depois da ausência mal-humorada de o que fora o sempre presente, Dilma partiu para o ataque, em postura em geral própria de postulantes em situação difícil. É cedo ainda para julgar se, ao contrário do ocorrido com Geraldo Alckmin, no segundo turno de 2006, a brusca inflexão de estratégia da Rousseff trará água para o moinho petista.
Não que a mudança seja decisão sua. Como em toda a campanha, também aqui a voluntariosa Dilma cumpre determinações do padrinho e do estado maior petista.
Chegamos aos últimos quinze dias dessa guerra, e todo prognóstico tem de igualmente curvar-se às injunções e correntes dessas jornadas decisivas.
As perspectivas continuam em aberto. Chamuscadas as pesquisas, pelos graves erros cometidos, os seus resultados tem de ser encarados com as dúvidas que antes suscitavam os antigos palimpsestos, na sua nervosa escrevinhação em que se poderia decifrar uma afirmação ou o oposto dela.
No entender desses escribas com vocação de harúspice ora prevalece a tendência para o empate, real ou técnico, nas preferências do eleitorado. Verdadeira caixa de surpresas, condimentadas por escândalos e factóides, aborto e aparelhamento do estado, com a solução prometida para a noitada do dia trinta e um de outubro.
(Fonte: O Globo )