sábado, 31 de julho de 2010

Aniversário da Censura Inconstitucional ao Estadão

Não há jornal neste país que brilhe mais do que o Estado de São Paulo em matéria de combate contra a censura. Próprio, portanto, semelha o simbolismo de que hoje se assinale o transcurso de aniversário que os verdadeiros democratas desejariam jamais chegasse a tão melancólico marco.
É difícil entender que diante da manifesta inconstitucionalidade da censura – não cansarei os leitores com mais citações dos artigos 5º inciso IX e 220, parágrafo 2º da Constituição Federal - o remédio para o abuso tarde tanto.
E, sem embargo, a tentativa de censurar a reportagem de O Estado começara bem. Com efeito, o juiz Daniel Felipe Machado, da 12ª Vara Cível de Brasília, a quem a ação de Fernando Sarney fora distribuída, negou a liminar por julgar que o jornal agiu de acordo com o direito de liberdade de imprensa. Entretanto, em recurso agravo de instrumento, distribuído ao desembargador Dácio Vieira, obteve o empresário Sarney satisfação para o que desejava.
Nesse mesmo dia 31 de julho de 2009, concedeu o desembargador do TJ-DF liminar calando o jornal por meio de ordem expressa para que não mais publicasse quaisquer dados sobre o empresário obtidos pela Polícia Federal, relativos à Operação Boi Barrica. Além disso, Vieira decretou segredo de Justiça para o agravo de instrumento e para a ação inibitória, impedindo também a divulgação dos dados dos processos, exceto para as partes e seus advogados. E determinou aplicação de multa de R$ 150 mil para ‘cada ato de violação’, isto é, para cada reportagem publicada.
Na época, a presteza e a amplitude da sentença de Dácio Vieira despertaram espécie, sendo fato notório que é do convívio social da família Sarney e do ex-diretor do Senado Federal, Agaciel Maia (aparece em foto no casamento da filha de Agaciel ao lado do Senador José Sarney).
Em 18 de dezembro de 2009, Fernando Sarney requereu à Justiça a desistência da ação. A defesa do Estado se opôs à estratégia do empresário, optando pelo julgamento do mérito, atendida a importância da questão.
Talvez o momento mais importante da jornada judiciária haja sido até agora a rejeição pelo Supremo Tribunal Federal, por seis votos a três, da tese de que a censura ao Estado desrespeitava decisão do próprio STF que tinha consagrado a liberdade de expressão ao derrubar a Lei de Imprensa.
Cabe notar que os ministros não julgaram o mérito da questão e sim apenas avaliaram se o caso tinha relação com o resultado do julgamento sobre a Lei de Imprensa, considerada inconstitucional em abril de 2009.
A estratégia dos advogados do Estado de requerer uma liminar nesse caso, foi contestada pela maioria do STF. Sem embargo, dada a importância de o que se julgava, três ministros se pronunciaram a favor da liminar, destacando sua oposição à chamada censura judicial. Foram os ministros Carlos Ayres Britto, Celso de Mello e Carmen Lúcia que se expressaram de conformidade com o espírito libertário que presidiu à vontade da Carta de 1988 de abolir a censura em todos os seus avatares.
Perdida a oportunidade pelo Supremo de pôr termo ao processo de censura iniciado em julho de 2009, há três recursos pendentes, dirigidos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF), que carecem de ser julgados, para que o mérito da questão seja avaliado e a pendência decidida.
Em caderno especial publicado pelo Estado na data de hoje, existe um certo consenso quanto à influência negativa da burocracia forense com vistas à sobrevida da mordaça judicial. A esse respeito, o advogado do Estado e ex-secretário da Justiça, Manuel Alceu Affonso Ferreira, dá como razão por que se arrastem os recursos do jornal ao STJ e ao STF, “o velho problema da lentidão judicial, que não é culpa dos juízes, nem dos promotores, nem dos advogados e, muito menos, das partes. Esse é um dos mais complexos problemas da estrutura judicial brasileira.”
Compreende-se a posição do advogado e a conveniência de não afrontar aos eventuais responsáveis por uma situação de morosidade, que se reflete em óbvio detrimento das partes e da sociedade em geral. No caso em tela, outra resposta do Dr. Manuel Affonso desvela quem é a vítima da censura: “Sempre que um jornal é censurado não se ofende apenas ao direito da empresa. Ofende-se também ao outro componente indissociável da liberdade de imprensa: o direito à informação de que gozam os leitores.”
Por fim, nessa luta comprida, a liberdade de imprensa deve caminhar de mãos dadas com a proibição radical da censura em todas as suas formas e disfarces. Nessa campanha há uma infeliz conjunção de silêncios: o silêncio dos grandes jornais e veículos de comunicação, assim como um outro silêncio, ainda mais pesado - o silêncio dos poderes constituídos e de seus próceres.
A democracia agradeceria a ajuda não apenas de uns poucos, bravas vozes mas isoladas no mar do mutismo e da indiferença, mas dos muitos, se acaso prezam o sistema que deveria garantir a equidade na representação e na justiça.

( Fonte: O Estado de São Paulo )

sexta-feira, 30 de julho de 2010

CIDADE NUA IV

Um bom Partido (04)

Lá pelas sete, a campaínha toca.
Não demora para que Zeni venha abrir-lhe a porta.
Viu que ele está mais apresentável, embora não pareça muito satisfeito.
“ Como vão as coisas ?”
“ Mais ou menos, dona Zeni...”
“ Pois acho que tenho boa notícia pra você.”
“ Acha, minha amiga ? A senhora me quebrou aquele galho ?...”
“ Pois é...”, disse a velha, sorrindo. “Quem vai me dizer isso, é você...”
“ Como assim?”, perguntou, com a testa franzida. “Isso tá ficando muito misterioso...”
“ Não tem mistério nenhum, Álvaro ! Só que é você quem me dirá se a moça serve ou não...”
“ Moça ?”
“ Sim ! Ela se chama Eudóxia e é minha afilhada.”
“ Não há recomendação melhor...”
“ Amanhã, à tardinha, ela me prometeu estar aqui. Será que dá pra você chegar um pouquinho mais cedo ?”
“ Nenhum problema !”, exclamou ele, já entremostrando um certo alívio.
*
O esquema da jornada fora complicado. Por isso, não pôde antecipar a hora, como dona Zeni lhe pedira.
“ Desculpe...”
“ Quase que você não a encontra...”
Zeni explica que a moça tem aula à noite. A conversa terá de ser rápida.
“ Tudo bem... onde é que ela está ?”, perguntou Álvaro.
“ Calma ! Primeiro, vejamos se tá de acordo com as condições”, disse a velha.
Álvaro achou meio estranho que fosse Zeni, e não a moça, quem combinasse os termos. Mas preferiu não se manifestar.
Na prática, Eudóxia chegaria às nove e ficaria o dia inteiro no apartamento. Tinha de sair o mais tardar às seis e meia. Isso significava que teria direito a almoço e a um lanche. Seria de segunda a sexta, inclusive. Quanto ao salário, o que Álvaro ouviu lhe pareceu algo salgado.
“ Como vai ser com carteira assinada, preciso ter um mês de experiência”, disse ele.
“ Tá bem”, concorda dona Zeni.
“ Mais uma coisinha. O salário tá me parecendo um pouquinho alto...”
“ Tudo bem,” observou a velha. “ No final do primeiro mês, você bate o martelo...”
“ Ok, então.”
Com a anuência de Álvaro, dona Zeni manda a empregada avisar Eudóxia.
*

A Crise entre Colômbia e Venezuela

A nova ruptura de relações diplomáticas entre a Venezuela e a Colômbia, por iniciativa de Hugo Chávez, não surpreende deveras, sobretudo por ser recurso a que o presidente venezuelano recorre com preocupante presteza.
Para dois países com intercâmbio tão extenso, e com tantos laços comuns, esta reação do caudilho de Caracas pode ser maneira fácil de atalhar acusações comprometedoras, mas causa óbvios e largos prejuízos às duas economias.
Depois da acusação formal, pelo representante do Presidente Álvaro Uribe, na sede da Organização dos Estados Americanos, quanto à localização de acampamentos das FARC e do ELN em território venezuelano, com cerca de mil e quinhentos guerrilheiros lá arranchados, a resposta de Chávez representa peculiar forma de lidar com o problema.
Depara-se aí o velho recurso do rompimento das relações diplomáticas. Sem como contestar objetivamente a incriminação, escolheu a escalada, em tentativa de desviar as atenções e com isso julga retomar a iniciativa na refrega.
No contexto da reunião da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), o Presidente Lula – de quem se alvitrou a possibilidade de mediar o contencioso – afirmou: ‘ainda não vi conflito. Eu vi conflito verbal, que é o que ouvimos mais aqui na América Latina. O que temos de ter primeiro é paciência, de que o Presidente Santos tome posse.’
Ontem, assim se manifestou em nota o presidente Uribe: “O Presidente da República deplora que o presidente Lula se refira à nossa situação com a Venezuela como se fosse um caso de assuntos pessoais, ignorando a ameaça que para a Colômbia e o continente representa a presença dos terroristas das Farc nesse país. Lula desconhece nosso esforço para buscar soluções através do diálogo. Repetimos que a única solução que a Colômbia aceita é que não se permita a presença dos terroristas das Farc e do ELN em território venezuelano.”
A dureza da reação colombiana, segundo consta, surpreendeu o governo brasileiro. Por isso, evitou retrucar, posto que o Assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia, haja dito: “O presidente (Lula) tem outra percepção do problema. Não é o momento de ficar trocando declarações públicas”.
Para ter condições de mediar situação conflituosa, a autoridade governamental, além da necessária discrição, deve ter a própria isenção reconhecida por ambas as partes.
Dada a proximidade da posse como Presidente da Colômbia, de Juan Manuel Santos, há o consenso de que o litígio deva ser negociado por ele e o Presidente Chávez. Ainda que seja cômodo atribuir a razões pessoais com Uribe a permanência da questão, qualquer análise mais detida mostrará que existem causas concretas para o contencioso.
No capítulo das relações bilaterais, há diferença sensível no trato da diplomacia do presidente Lula no que concerne a Caracas e Bogotá. Enquanto o relacionamento com Uribe, depois de encontro inicial em Brasília, se caracterizou por certa frieza, não será esta a definição que se possa dar aos repetidos contatos entre Lula e Chávez. Aquele que será o sucessor de Uribe tem evidenciado maior disposição ao diálogo.
Pelo menos, este é o conceito que se lhe atribui ao aprestar-se a suceder ao antigo chefe e principal eleitor. Como todo novel presidente, pode se dar ao luxo de virar a página. No entanto, não se deve confundir – nem é bom que Santos o faça – disposição para o diálogo com aceitação de situações que configuram estranhas distorções no conceito da boa vizinhança.

( Fonte: O Globo )

quinta-feira, 29 de julho de 2010

CIDADE NUA IV

Um bom Partido (03)

Ao saber da situação, dona Zeni piscou o olho para João.
“ Em quê a senhora tá pensando, tia ?”
Era uma velha conhecida da família. Por causa de Ema, viera morar no mesmo prédio, em apartamento pequeno.
“ O Álvaro tá muito largado. Isso não é bom pra ele.”
“ Que é que a senhora pretende fazer ?”
“ Deixa comigo, menino !”
*
No sábado, pediu a Álvaro que antes de sair para o mercado viesse tomar um cafezinho.
Lá pelas dez, ele veio.
Zeni notou a aparência desleixada, com a barba por fazer.
“ Como estão as coisas?”
“ Assim, assim, minha amiga.”
“ Tá difícil, não é ?”
“ Se tá !...”, respondeu, enquanto se sentava.
Como um fardo, ele se deixara cair sobre a poltrona. Nada a ver com o Álvaro que conhecia.
Enquanto a empregada servia a xicrinha de café, observava o seu ar distante, cabisbaixo.
“ Você tá tomando a medicação ?”
“ Não posso viver à base de calmante.”
Ainda que contido, o tom irritadiço não lhe escapou. Logo ele, a quem se admirava pelo temperamento afável, controlado.
“ Pelo que soube, a Raquel não deu conta do recado, né ?”
“ É... uma boa menina, mas não leva jeito pra isso...”
“ Álvaro, me dá um tempo... Acho que posso resolver esse assunto.”
A sua frase pareceu sacudi-lo do torpor.
“ Ah, dona Zeni, se a senhora me quebrasse este galho...”
“ Calma, meu filho, que a gente chega lá...”
Minutos depois, ao se despedir, ela já o viu mais animado.
“ Podia lhe pedir um favorzinho, Álvaro ?”
“ É lógico...”
“ Então, toma mais uns dias a medicação...”
*
Na quarta da semana seguinte, dona Zeni deixou recado no celular de Álvaro.
“Quando voltar hoje à noite pra casa, passe no meu apartamento. Preciso falar com você.”
*

Por que a Censura continua ?

Há na Constituição Federal disposições suficientes para banir a censura, em todas as suas formas e avatares, das comunicações, escritos e espetáculos. Promulgada a Carta Magna, tal era o sentir unânime dos contemporâneos, que tinham vivido a vergonha, tão pública quanto privada, do cerceamento da expressão, seja pelo crivo policiesco e burocrático, seja pelos arreganhos dos poderosos de turno. Nada mais poderia refletir tão fundamente esse júbilo quanto a frase Censura, nunca mais! que para sua honra ouvimos do então Ministro da Justiça, Fernando Lyra.
Reiterando tal convicção, a Constituição de cinco de outubro de 1988 nos fornece ainda hoje argumentos irretorquíveis. E não me parece inútil ou redundante transcrevê-los, pelos motivos que explicitarei abaixo.
Artigo 5º , inciso IX: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;”
Artigo 220: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
parágrafo 2º: “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.”
Com o passar dos anos, a hidra da censura foi ressurgindo. Como nos ensina Michel Foucault, o poder se manifesta em fontes diversas e múltiplas. Qualquer sede burocrática ou assemelhada será capaz de tolher a ação daqueles porventura atingidos por seu raio de ação, por modesto e tacanho que se afigure.
Considerado o elevado patamar em que se determinou a vedação da censura política, ideológica e artística, cabe a pergunta por que ela persiste sob tantas formas, e notadamente a judiciária e a administrativa.
Uma primeira e tentativa resposta será paradoxalmente a própria elevação do instrumento. Votada e promulgada a Constituição, e externada a pública alegria com a quebra dos ignóbeis grilhões da censura, seja através dos órgãos oficiais encarregados de implementá-la, seja pela vivência de uma nova realidade, os adversários da nova situação trataram de que passasse o tempo, e com ele a vívida consciência de uma liberdade adquirida com muita luta.
Os anos posteriores iriam demonstrar que conquistas como o banimento da censura não são empresas transitórias, sobre as quais se possa colocar uma bela lápide de granito que para sempre comemore a gesta dos constituintes. Não é infelizmente um truismo que a liberdade deva ser conquistada a cada dia.
A censura iria levantar a hedionda cabeça quer na esfera judiciária, quer naquela burocrática. Se a segunda não há de despertar maior estranheza, tampouco deveríamos surpreender-nos com a primeira.
Compreendo, caro leitor, o seu ceticismo. Como se há de imputar isso à nobre e cega Justiça, conhecedora das leis e máxime da maior de todas ? Em princípio, concordo com a ponderação. No entanto, se há juizes – e creio sejam a maioria – que aplicam, no caso em tela, a letra e o espírito da Constituição, há outros, sobretudo nas instâncias inferiores, que reputam possível conciliar as demandas de poderosos locais ou regionais, eludindo as regras inequívocas do inciso IX do artigo 5º e o parágrafo 2º do artigo 220.
A despejada Censura, ela não se esconde apenas nos grotões, de que nos falava Tancredo Neves, mas até ousa exibir-se no centro da República, no Planalto Central, em decisão, contestada por muitos, mas até hoje vigente, prestes a completar um ano!
Que uma sentença manifestamente inconstitucional possa perdurar tanto já é por si razão para devotar mais tempo e mais atenção à defesa da liberdade de expressão. Não se pode deixar a censura e o obscurantismo que ela encerra confiados apenas às alturas por vezes inatingíveis ou inaplicáveis da Lei Magna. Carecemos de familiarizar melhor público e autoridades com as cotidianas necessidades da livre expressão do pensamento e do espetáculo.
Dentre os escândalos jurídicos e políticos, há dois que merecem cuidado e acrescida pormenorização. Existe o absurdo jurídico da lei eleitoral nr. 9504, de 1997, que permite baixar, na prática, a censura nos programas humorísticos de TV e rádio.
É uma lei com determinações claramente inconstitucionais, e não obstante está regulamentada pelo T.S.E. O outro – a censura imposta ao Estado de São Paulo - tem sido objeto de diversos blogs e também é motivo de preocupação. Oportunamente tais questões serão desenvolvidas com mais detalhe.
Por ora, a inquietação do cidadão já se afigura bastante.
(A continuar )

quarta-feira, 28 de julho de 2010

CIDADE NUA IV

Um bom Partido (02)

Álvaro não ignorava que o seu ramo de atividade não admitia longos afastamentos. Montara com paciência e tenacidade vasta rede de contatos, que lhe asseguravam satisfazer com a possível presteza as necessidades, as obrigações e até os caprichos de seus clientes. O seu nome como despachante se estendia, reforçava e ampliava pelos resultados obtidos. As partes não queriam saber das horas desperdiçadas em longas esperas, muitas vezes causadas pelo arbítrio cruel de pequenos burocratas, de quem dependia uma chancela ou firma incontornável.
Empunhando o seu bom humor profissional, buscava manter a ansiedade longe do semblante, sempre simpático e descansado, como se o contato fosse o único da jornada. Enfronhado o quanto podia das idiossincrasias do funcionário, só avançava no campo delicado dos agrados se para tanto tivesse elementos.
Ema tinha sido uma notável secretária. Lamentava a falta que lhe fazia. Nada mais simbolizava a súbita dificuldade com que se deparava do que a penosa mudez do celular, antes ágil ferramenta de trabalho.
Menos de duas semanas do passamento, retomou o batente.
Pensou que a faina diária o distrairia do vazio trazido pela sensação do luto. O problema é que tudo o levava a sentir a sua ausência. De início, tentou bastar-se a si mesmo. Na rua ou nas diversas repartições, atendia também às chamadas dos clientes, no celular usado por Ema.
A frequência das ligações e a sua imprevisibilidade, acontecendo em horas nas quais literalmente não poderia dividir a própria atenção, o convenceram a suspender o intento de duplicação já no fim do primeiro dia.
Voltou para o Grajaú, à noite, desencorajado e inquieto. Com as suas confusões e atropelos o dia lhe mostrara que o esquema do eu-sozinho jamais iria funcionar a contento.
Ainda turbado, entrou no apartamento. Lá o esperava, com sorriso tristonho, a filha caçula, Raquel. Os outros dois filhos, João e Roberto viviam fora.
Ao vê-la, gorducha e desmazelada, lhe acudiu ideia de que depois se arrependeria. Por que não experimentá-la como atendente ? Ele lhe pagaria pelo serviço...
“ Você acha, pai, que isso vai dar certo ? Não tenho prática...”
Ouvindo-lhe a reação, a primeira dúvida repontou. Mas, tangido pelas circunstâncias, resolveu insistir.
“ Não se preocupe, que é coisa simples... Vou lhe explicar tudinho...”
A filha tinha razão. Não foi preciso mais do que uma semana para que os dois se capacitassem de que as coisas não estavam indo nada bem.
Na verdade, pensou, Raquel era a completa negação da secretária.
*

Ficha Limpa não se aplica no Maranhão ?

O Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão afronta a decisão do Tribunal Superior Eleitoral. Para o tribunal maranhense a lei da Ficha Limpa não deve retroagir – como determinado pela jurisprudência do TSE – portanto, aquele colegiado regional dispôs pelo deferimento das candidaturas impugnadas pelo Ministério Público Eleitoral.
Dentre aqueles que tiveram o aval do Tribunal Regional e que, por ora, tornam a ser arrolados como candidatos, está mirabile dictu o deputado José Sarney Filho (PV).
Há coisa de um ano atrás, o Professor Marco Antonio Villa, do Departamento de Ciências Sociais da Universidade de São Carlos, em entrevista a O Globo de 19 de julho de 2009, após assinalar que o Senador José Sarney era símbolo maior do coronelismo no país, afirmou que a crise do Senado Federal podia provocar a sua morte política, o que implicaria em ‘mudança positiva para a democracia brasileira’.
Naquele momento o estudioso – e muitos outros – acreditaram, enfim, possível a queda de Sarney. Desde haver arrebatado o poder no Maranhão do então coronel Vitorino Freire na década dos sessenta, o domínio de Sarney se mantivera, sem embargo da ditadura militar e da reconstitucionalização do país.
Inarredável e inexpugnável no seu vice-reinado do Maranhão – e posteriormente com a adição do Amapá – o poder de José Sarney se estendeu até Brasilia. Se a deusa Fortuna lhe foi de muita valia, serviu-se da longa permanência para reforçar a própria influência, seja em aras do Planalto Central, seja no mando do estado natal ou no antigo território.
Se o prof. Villa, entrevendo a possibilidade da mudança, se abalançou a anunciar-lhe a morte política, o otimismo do estudioso decidira subestimar a sociologia do poder em nossa terra, a fugaz memória política de nossa gente, e o apoio considerável de que o vice-rei do Norte ainda dispõe nas altíssimas esferas do Planalto.
O melancólico resultado aí está. O mega-escândalo do Senado Federal deu chabu e Sarney que, sequer podia andar pelos corredores, tornou a presidir inconteste o plenário da dita Câmara Alta.
O Marquês de Barbacena quando apostrofou, em carta famosa, Sua Majestade Imperial D. Pedro I, o fez com base em princípios éticos e políticos, assim como na própria coragem. A posteridade lhe daria razão mais cedo de que seria lícito prever. Decerto, não nos é dado saber para quando valerá o vaticínio do professor Villa. Seria de todo interesse que no feudo do Maranhão se reconhecesse prontamente, entre outras, a decisão do Tribunal Superior Eleitoral, que na sua sapiência jurídica – e afinamento com a consciência democrática renovadora – já determinou que a Lei da Ficha Limpa se aplica a todos os candidatos, atingindo mesmo aqueles que já tinham sido condenados por decisões colegiadas antes da entrada em vigor da nova lei.
É de esperar-se, por conseguinte, que o TSE derrube a decisão do TRE maranhense, pois a lei federal se aplica igualmente em todo o território nacional.
E quanto mais cedo o faça, melhor será.
( Fonte: O Globo )

terça-feira, 27 de julho de 2010

CIDADE NUA IV

Um bom Partido (01)

Quando dona Ema morreu, os vizinhos do prédio e o vasto círculo de amigos e conhecidos pensaram que, depois de passado o período do luto, seu Álvaro fatalmente iria casar-se de novo.
Não que desconhecessem a felicidade do casal, e o quanto ambos se completavam. Ema, a patroa, esposa e mãe amorável e dedicada, guarnecia a retaguarda na vida agitada e trabalhosa do marido despachante.
Álvaro, por sua vez, tinha a simpatia própria da profissão. Para administrar os problemas de quem o procurava, sabia propiciar aquela atenção indispensável para motivar a parte, que se lembraria da disponibilidade manifesta no momento apropriado.
Dessarte, com personalidade gregária e aglutinadora, ele prodigava a todos os que vinham solicitar-lhe as providências profissionais a parcela necessariamente limitada de sua capacidade de atender a cada um, dando-lhes a impressão de um comprometimento integral.
Esse dom de escutar o próximo, mas também de valorizar-lhe o interesse carecia de apoio tão eficiente, quanto discreto. Dona Ema não só cuidava da casa e dos filhos, senão funcionava como a secretária do marido. Tinha o passo rápido, que não deixava o telefone tocar muitas vezes.
A voz suave, simpática, que atendia, tomava nota, e prometia, por conta do esposo, a ansiada providência.
Há gente que considera o despachante um parasita da burocracia. Pois a jeitosa dona Ema, que conhecia a freguesia, cuidava de personalizar, pela sua memória e o toque humano ocasional, o que atendente comum trataria com a indiferença da rotina.
Mulher de meia-idade, Ema partiu de forma imprevista, quase brutal, carregada por um desses males que muitos fingem ignorar ou, então, ao sentir-lhe próxima a malsinada e hedionda presença, batem na madeira e mudam rápido de assunto.
O enterro no Caju foi daqueles que os antigos colunistas chamariam de multitudinário.
Para os que se deleitam nas pompas fúnebres, seria sepultamento a não perder-se. A quantidade de coroas, a amontoar-se na câmara mortuária, e nas salas vizinhas; a barreira humana a acotovelar-se no tentado acesso ao viúvo; a aglomeração que permanece no pátio central, onde em geral se refestelam os vira-latas das cercanias, à espera da hora do cortejo – tudo isso lembra grandes despedidas, mortes prematuras de cantores e de heroínas de novela, ceifadas ainda no viço da fama.
Sob a soalheira da tarda manhã, a caudal humana acompanha o caixão, carregado pelo rangente carrinho, que empurra um coveiro com a cara das ocasiões solenes. A princípio, descem a alameda central, sob o olhar plúmbeo de bustos e estátuas de personagens então famosos e hoje desconhecidos. Passam em seguida por um dédalo de caminhos de tumbas em áreas nas quais se alternam as caiadas arrecém, ainda com as flores das visitas amiudadas, e as muitas já largadas e corroídas pelo esquecimento de gerações.
Ao longo do esquife, que se esgueira por precárias vielas, e pelos espaços laterais dos túmulos avançam , multiplicando-se em apressados afluentes. A turba se espraia pelas quadras dessas moradas, até postar-se em concêntricos movimentos em torno do modesto jazigo. Ali, com a lousa levantada, o féretro será em breve engolido na viagem sem volta que a todos espera para as funduras do Hades.
O pedido de seu Alvaro foi repassado aos circunstantes. Nada de discursos, portanto.
Circundado pelos filhos crescidos, ele agradecia maquinalmente os pêsames. Embotado pelos calmantes, as palavras de conforto pareciam vir de outra dimensão. Mais de uma vez um dos rapazes lhe falava da impressão de um comparecimento tão maciço, a que comparavam a coisa de celebridade.
No seu alheamento, até que o aglomerado que espantava os filhos não o surpreendia tanto.
“ Ema, afinal, era pessoa muito querida...”
Ao ouvi-lo, João, o mais velho, sacudiu a cabeça e lhe sussurrou:
“ Que nada ! São seus clientes, pai !”
E na placidez das pílulas,os olhos ausentes de Álvaro o encaravam, como se estivesse a milhas de distância.
*

Os Galeões da Metrópole

É notícia que se repete, a intervalos regulares, com preocupante insistência. Por uma série de fatores negativos, o balanço de pagamentos continua a piorar. De um lado, a balança comercial não tem fornecido saldos apreciáveis, de molde a equilibrar o balanço de contas correntes (as trocas de mercadorias mais turismo e movimentações de capital).
Por força da apreciação do real, a diferença entre exportações e importações de bens tende a diminuir. Em junho, a balança comercial apresentou saldo positivo de US$ 2,277 bilhões, o que é muito pouco - como se verá adiante - para contrabalançar o desequilíbrio nas contas de capital e no turismo.
No campo das viagens internacionais, houve um dispêndio de US$ 909 milhões. Esse aumento de despesas de brasileiros no exterior se explica pelo barateamento do dólar estadunidense e pelo aumento dos rendimentos da população.
Por sua vez, também há déficit no pagamento de juros, com menos US$ 728 milhões no mês de junho.
Como soi acontecer, o ítem mais negativo do balanço de contas correntes está nas remessas de lucros e dividendos. Com a crise internacional, as sucursais no Brasil das matrizes estrangeiras aumentaram exponencialmente as suas remessas. Para minorar as dificuldades das sedes, diante do desafio da crise financeira internacional, as filiais aqui estabelecidas remeteram em junho um total de US$ 4,156 bilhões.
Estas remessas não foram compensadas pelas contas de capital. Assim, o Investimento Estrangeiro Direto (IED) correspondeu a apenas US$ 708 milhões. Por sua vez, os recursos de portfólio (ações e títulos) montaram a US$ 3,339 bilhões.
No mês de junho, o IED montou à metade prevista pela autoridade financeira. Se a tendência ao déficit nas contas correntes for confirmada nos montantes projetados, outra consequência negativa será que o equilíbrio do balanço de pagamentos não mais dependerá somente dos investimentos estrangeiros diretos (IED), senão das inversões de capital em ações e títulos, que correspondem a recursos muito mais voláteis (e por conseguinte, menos confiáveis).
Se uma situação desfavorável nas contas externas de um país é uma janela que reflete a atuação de muitas causas perversas, uma delas será necessariamente agravada pelo modelo neoliberal que presidiu à instalação no Brasil das montadoras de carros.
Por uma conjunção de fatores em que a falta de previsão macroeconômica atingiu totais de difícil superação permitiu-se que o Brasil viesse a assumir, dentre as economias emergentes, a não invejável líderança em grau de desnacionalização nas indústrias montadoras de veículos.
Se o governo atual contribuíu para manter a produção dessas montadoras mesmo no período da crise – o que se explica para proteger o emprego - mediante a desoneração fiscal, o agradecimento das citadas montadoras estrangeiras pela progressão nas vendas se expressou no incremento das remessas para as matrizes estrangeiras, muitas delas às voltas com grandes dificuldades por causa da mesma crise.
No passado, os galeões de Espanha e Portugal transportavam para as metrópoles o ouro e a prata das suas colônias sul-americanas. Hoje em dia, a tecnologia simplificou tais transferências de recursos, que além disso ora tem a segurança acrescida pelas transmissões on-line.
Os eventuais corsários e piratas terão de valer-se de outros instrumentos para lograrem participação nessas transfusões de riqueza.

( Fonte: O Globo )

segunda-feira, 26 de julho de 2010

O País do Futebol

Antes mesmo das notáveis conquistas atuais que nós brasileiros, segundo nos repisam a cada dia, o governo, seu partido e sua candidata, nos devemos orgulhar, em época anterior, em que somente a Europa se curvava diante de nossas realizações, já o Brasil se assinalava pela espontaneidade, inventiva, naturalidade e qualidade do futebol.
Infelizmente, a melhor equipe não coroou o esforço nacional em 1950, menos pelos jogadores, do que por vezo de nossa gente que é o espírito do já ganhou. Assim, somente na Escandinavia, ganharíamos o nosso primeiro título, graças ao trabalho de uns poucos, da bonachona inteligência do técnico, e da excelência de uma plêiade de jogadores.
Não pretendo abalançar-me a percorrer nessas linhas a gesta do futebol brasileiro e os outros quatro títulos conquistados.
No momento atual, retornados de um malogro previsível, e consignados Dunga e seu grupo ao distante juízo da história futebolística, me parece oportuno um comentário sobre o esporte do brasileiro e suas perspectivas.
Enquanto o anterior técnico da seleção montou o nosso time negando a qualidade, ao barrar a entrada dos craques, em aparente absurdo de não valer-se do melhor, para moldar equipe à sua imagem, é forçoso reconhecer que, a despeito do erro gritante, ele adotou escolha coerente com os padrões da maioria dos técnicos ora atuantes.
É proverbial a riqueza de nossa terra em jogadores de talento. Além de poder se dar ao luxo de exportar jogadores para outras seleções – como o demonstrou o último mundial da África do Sul -, o afluxo cresceu tanto a ponto de a Fifa criar regras para impedir que alguns países tentem inflar além da conta os respectivos selecionados com brasileiros dispostos a trocar de nacionalidade pelo prato de lentilhas do velho esporte bretão.
Agora, como recorda Tostão, com grande oportunidade e propriedade, em sua coluna na Folha, para a seleção que “é do Brasil”, se escolhe para diretor-técnico Mano Menezes, que igualmente se insere na escola do futebol de resultados.
Mano Menezes é um técnico experiente, calejado pelo Corinthians e sua torcida,e não há de chegar aos excessos do precedente que acreditava poder dispensar a qualidade pelo espírito do grupo. Mas Menezes está dentro da escola em que os técnicos crescem em detrimento do valor individual dos atletas. É futebol de resultados, de retranca e de faltas para vencer o adversário.
Como se o futebol da Fúria, privilegiando o talento e a posse de bola, a armação das jogadas e não a violência tática, não tivesse demonstrado a própria superioridade, como herdeiro do autêntico futebol brasileiro, sobre o holandês, forçado à sucessão de fouls, para tentar recobrar o mando do jogo.
Paradoxalmente, como refere o sábio observador (e grande jogador da seleção de setenta) são estrangeiros – como o alemão Beckenbauer e o holandês Cruyff – que nos recordam a enjeitada tradição do futebol brasileiro.
A esse respeito, cabe não esquecer como nos aponta Tostão que “(m)uito mais importante que o novo treinador da seleção nacional seria discutir a maneira de jogar do futebol brasileiro e tentar formar grandes armadores, como Xavi. (...) A CBF, uma entidade falida, não de dinheiro, mas de ideais esportivos, reina soberana, gigolando o time e os craques brasileiros, como se a seleção fosse dela. A seleção é do Brasil.”

( Fonte: Folha de S. Paulo )

domingo, 25 de julho de 2010

Cossovo: a sentença da Haia

A Corte Internacional de Justiça, na Haia, por maioria de dez a quatro, considerou que a proclamação da independência do Cossovo não violou o direito internacional.
A sentença da CIJ, emitida na quinta-feira, 22 de julho, como as decisões da Assembléia Geral das Nações Unidas não tem caráter vinculante, representando apenas uma recomendação.
Como se sabe o Cossovo, antiga província da Sérvia, em declaração unilateral de independência, se separara de Belgrado em 2008. A decisão cossovar, que é de maioria da etnia albanesa, foi contestada pelo governo sérbio.
A secessão do Cossovo cindiu a comunidade internacional de nações. A Federação da Rússia apoiou a posição de Belgrado, assim como a Grécia. Por outro lado, os Estados Unidos e outros 68 países reconheceram a independência do Cossovo. A esse respeito, os estados membros da União Europeia estão divididos, posto que haja maioria favorável à postulação cossovar.
Na Assembleia Geral das Nações Unidas, no entanto, o Cossovo não logrou obter a maioria de dois terços para o seu reconhecimento.
Antes de examinar-se as implicações do veredicto não-obrigatório da Corte da Haia, semelha relevante definir-lhe a abrangência.
Com efeito, a CIJ seguiu uma linha bem determinada ao afirmar que o direito internacional não contém nenhuma “proibição acerca de declarações de independência” e que, por conseguinte, a declaração do Cossovo “não violou o direito internacional”.
Se a declaração de independência foi havida como ‘legal’, escrupulosamente a Corte evitou de tirar a consequência que para um leigo poderá parecer como lógica. Dessarte, segundo a CIJ, a legalidade da declaração não implica na eventual legalidade de uma entidade independente perante a comunidade das nações. Em outras palavras, não se pode interpretar a sentença como significando a legalidade do estado do Cossovo perante o direito internacional.
Consoante a interpretação de especialista, a Corte evitou asseverar que a legalidade da declaração acarretava igualmente a legalidade do Estado. Nesse sentido, a legitimidade do Cossovo será conferida pelos países que o reconhecerem como independente, e não pela CIJ.
A cautela da Corte – para uns – e a sua recusa em tirar consequência da própria decisão – deixa essencialmente a comunidade internacional na mesma incerteza que preexistia à divulgação da sentença.
Não é fácil para muitos entender que a Corte da Haia procura ater-se aos aspectos jurídicos de uma questão, buscando não entrar em terreno político.
O que torna a questão colocada pela declaração unilateral de independência do Cossovo ainda mais delicada está no potencial existente no mundo de hoje para o secessionismo e a fragmentação dos Estados.
Talvez possa, a princípio, parecer paradoxal esse movimento – em um momento no qual afigurar-se prevalente a tendência para a união de grandes formações territoriais.Os exemplos são tantos que dispensam a itemização. Não obstante e de modo peculiar – como manifestações provincianas adrede na contramão da História – não faltam os candidatos potenciais a futuros mini-estados.
Poderiam, a esse propósito, serem mencionados Chipre do Norte[1], Ossétia do Sul[2],
Abkhazia[3],Somalilandia[4], Nagorno-Karabakh [5], Transnistria[6], e a região basca[7]. Na Europa existem outros movimentos secessionistas, como, v.g., em Catalunha e Escócia.
Como se verifica, existe um potencial de reivindicações, em que muita vez o romântico não caminha de mãos dadas com a frieza dos interesses econômicos e políticos.
Daí, a sentença da Haia, a despeito de não-vinculante, pode ser acoimada de nefelibata[8]. Para muitos, resultará difícil entender que uma declaração possa ser legal e, sem embargo, não acarrete, sobre a entidade territorial a que se refere, a própria consequência.
Para outros, porém, para quem o direito vigente é a exteriorização do poder político dominante, será no fim de contas o político e não o jurídico que, em verdade, há de prevalecer.
É o que restará em aberto, e não se poderá dizer que estará em contrário da douta opinião da Corte Internacional de Justiça.

( Fonte: International Herald Tribune )

[1] A República Turca de Chipre do Norte decorre da intervenção militar de Ancara. Sem outro reconhecimento internacional que o da Turquia, se mantém graças ao apoio deste país.
[2] Ossétia do Sul, região do Cáucaso, com independência de facto da Georgia, com apoio de Moscou.
[3] Abkhazia, região no Cáucaso sudoeste, com independência de facto da Georgia, com apoio de Moscou.
[4] Somalilândia – região independizada da antiga Somália, na costa oriental da África.
[5] Nagorno-Karabakh – enclave entre o Azerbaijão e a Armênia, hoje sob governo da República do Nagorno-Karabakh.
[6] Parte do território da Moldávia, de que se independizou em 1990, com apoio da Federação Russa.
[7] região montanhosa no norte da Espanha e no sudoeste da França.
[8] quem vive nas nuvens e está, portanto, isolado da realidade.

sábado, 24 de julho de 2010

Nova Prévia da Datafolha

A Folha de S. Paulo divulga nova prévia da Datafolha. Pela passada trajetória, pela sua correção técnica e reconhecida lisura, este instituto de pesquisa de opinião constitui sinalização relevante e sobretudo segura para a análise das presentes perspectivas dos candidatos ao pleito de três de outubro.
Os dois principais contendores à Presidência da República – José Serra e Dilma Rousseff – registraram oscilações mínimas, com relação ao levantamento anterior. No entanto, ambos tiveram pequenas inflexões para baixo: Serra passa de 39 a 37%, e Dilma decai um pouco menos, de 37 a 36%. Há um evidente empate entre os dois, a 25 dias da propaganda oficial gratuita na televisão.
Por sua vez, a terceira candidata – Marina Silva – reatinge os 10% das preferências, mantendo-se no limite da faixa dos dois dígitos, em indicação de que, a despeito das boas impressões causadas, se acha ainda muito longe de constituir ameaça a seus rivais do PSDB e do PT.
Na pesquisa espontânea, em que o entrevistado responde em quem pretende votar sem ver a lista de candidatos, o resultado favorece Dilma. Tem agora 21% de preferências, contra 16% de Serra. O candidato do PSDB recuou mais (de 19% na pesquisa anterior), enquanto Dilma se manteve quase estável (22% na anterior).
No segundo turno, a pesquisa não difere da anterior, com Dilma à frente (46%) em relação a Serra (45%).
Já no capítulo da rejeição, os totais continuam a favorecer, embora não acentuadamente, a Dilma: o seu percentual passa a ser de 19% (na anterior, era de 20%). Serra, por sua vez, tem 26% de eleitores que não votariam nele “de jeito nenhum”, contra 24% na consulta precedente. O menor percentual de rejeição é de Marina, com treze por cento.
Por sua vez, nas intenções de voto por região, José Serra lidera no Sudeste (40% contre 33% de Dilma), e no Sul (45% contra 32%); e Dilma Rousseff vence no Nordeste (41% contra 29% de Serra) e no Norte/Centro Oeste (40% contra 33%). Os totais de Marina são: 12% (Sudeste), 9% (Sul e Nordeste), e 10% (Norte/Centro Oeste).
Por fim, o percentual do voto dos indecisos é de 10% no Sudeste, 9% no Sul, 13% no Nordeste e 12% no Norte/Centro Oeste.
A par disso, em um dado que é sobretudo importante para a campanha de Dilma Rousseff, a avaliação do Presidente Lula continua em níveis bastante altos (77% ótimo/bom, 19% regular e 4% ruim/péssimo). Além da previsível tração de votos para a candidata situacionista, Dilma pode eventualmente contar com os 4% que se declararam dispostos a votar no Presidente Lula (como se estivesse concorrendo) e os 3% que manifestaram a intenção de sufragar o “candidato de Lula”. Ainda nos residuais, 1% expressou o desejo de votar no candidato do PT.
No pano verde das votações para Presidente – seja em primeiro, seja em segundo turno – é manifestamente prematuro aventurar-se a designar vencedores.
Tudo ou muito dependerá do horário gratuito e dos eventuais debates entre os candidatos. Se no momento atual há indicações de favoritos, tais prognósticos careceriam de ser considerados de natureza extremamente tentativa e sujeita a modificações no percurso. No momento atual, essas indicações apontam a candidata Dilma Rousseff como aquela que dispõe de pequenas vantagens, cuja significação cresce pelo sua agregação: menor rejeição, maior percentagem de votação espontânea, previsão de vitória no segundo turno e o apoio, que poderá ser determinante, do Presidente Lula.
Sem embargo, a sorte não está ainda lançada. Se a política – e as previsões eleitorais – podem caber em uma símile meteorológica, devemos estar igualmente lembrados das sábias palavras do antigo Governador das Minas Gerais (e Ministro das Relações Exteriores) José de Magalhães Pinto, quanto à mutabilidade do cenário: política é nuvem.

( Fonte: Folha de S. Paulo )

sexta-feira, 23 de julho de 2010

A Candidata Marina Silva

Ao contrário dos outros dois candidatos, que lideram as pesquisas na disputa pela Presidência da República, a Senadora Marina Silva vem observando na campanha atitude de correção e equanimidade que a distinguem. Sua negativa em envolver-se na controvérsia levantada pelo candidato a vice na chapa de José Serra é a expressão de seu norte nesta travessia, que se pauta pela ênfase nas grandes questões e na recusa a tratar de ‘baixarias’.
Marina Silva, a candidata do Partido Verde,embora registre, nas consultas do Datafolha, a constância de índices que apenas superam a barreira dos dois dígitos, recebe, no entanto, a atenção crescente e sobretudo a simpatia de um eleitorado a que não satisfaz de todo o discurso de seus dois rivais mais aquinhoados em termos de apoio político-partidário.
A tarimba política de Marina - sua própria serenidade e segurança – se a diferenciam da candidata da algibeira de Lula, também lhe são de valia na sua participação em debates, por ela encarados como oportunidades de discussão e aprofundamento de tópicos, e não como potenciais ameaças de gafes e outros deslizes, reveladores de curta experiência.
Enfrentando as limitações oriundas da legislação eleitoral que, sob certos aspectos, favorecem essas avantajadas constelações de legendas partidárias que mais refletem o oportunismo do poder do que a coerência programática, a candidata Marina terá de lidar, visando ao primeiro turno, com a escassez do tempo na propaganda eleitoral.
É um sério desafio, mas se a mensagem da Senadora repercutir além dos presentes segmentos que lhe são mais sensíveis, as perspectivas de crescimento não podem ser ignoradas. A história política brasileira assinala inúmeros exemplos em que, seja o mandonismo dos grandes cabos eleitorais, seja os intentos de maciças transferências de prestígio, se viram derrotados pela recusa da opinião pública em aceitar sucessores sob encomenda.
O discurso de Marina Silva em Nova York para investidores fornece pletora de indicações quanto às causas do interesse e do respeito de muitos, assim como das mostras de tendência à progressão na simpatia e eventual apoio à sua candidatura presidencial.
Em sua alocução, a par de reportar os avanços econômicos e sociais nos últimos dezesseis anos, bem como a estabilização da economia, Marina sublinhou igualmente as políticas de redistribuição de renda do governo Lula. Nesse sentido, ao invés da compulsão de tudo atribuir à administração petista, a senadora do PV evidencia o bom senso e a honestidade de reconhecer que nem tudo é obra do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Alertou, por isso, contra os perigos da complacência. “Não devemos, é claro, ser pessimistas, mas também não podemos nos deixar embalar pela crença em atalhos que nos distraiam e façam perder de vista os importantes desafios que temos à frente.”
Outro tópico relevante, referido pela candidata, é o chamado “dreno fiscal”, ou o exagero em gastos correntes. A esse respeito, defendeu reforma tributária que permita ao Estado recuperar sua capacidade de investimento.
Na sessão de perguntas, Marina Silva recebeu forte aplauso quando condenou a proposta para novo Código florestal, ora em tramitação no Congresso.
Contra a espúria aliança do oportunismo eleitoreiro de uns e a contramão da história nas pretensões ruralistas, observou: “Não posso sair do lugar onde sempre estive nos últimos 52 anos: na defesa da Amazônia. Mas aqueles que cumpriram as leis e acreditaram que o governo estava falando sério não merecem ver seus concorrentes que desmataram ilegalmente serem premiados com o perdão das multas”.
Pronunciando-se em favor de investimentos na educação de qualidade – de que nos ressentimos -, na redução dos desperdícios de governo e no compromisso inegociável da estabilidade macroeconômica, é de esperar-se que a candidata do Partido Verde não tenha sido apenas oportunista na escolha dos temas do próprio discurso, tendo presente o público a que se dirigia.
Se a pregressa conduta e o exemplo até hoje demonstrados servem de orientação, as palavras de Marina Silva merecem não só o benefício da atenção, mas também o do respeito.

( Fonte: O Globo )

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Os Problemas de Heterodoxia Fiscal

Quando se iniciou o governo do PT, em 2003, o respeito pelo então Ministro da Fazenda,Antonio Palocci, da ortodoxia fiscal, não tardaria a repercutir favoravelmente na situação econômico-financeira do país, com totais macro-econômicos que valiam por si só para acalmar e depois animar os mercados, na sua avaliação das perspectivas nacionais.
O dever de casa feito no primeiro mandato do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva transformaria a imagem do Brasil de um país pouco confiável em outro que passaria a coletar índices que o levariam a ser incluído em seleto grupo de nações merecedoras de ótimas avaliações econômicas.
A própria reação do Brasil à crise financeira internacional pode ser considerada como uma tardia confirmação de tal juizo. Ao contrário de crises financeiras internacionais, e os seus efeitos desestabilizantes em nossa economia, o desastre econômico deflagrado pela falência do Banco Lehmann Brothers em setembro de 2008 e o escândalo das hipotecas subprime não afetou, como ocorrera no passado, a nossa economia.
Outro resultado da gestão ortodoxa do Ministro Palocci resultaria na barretada posterior do empréstimo de dez bilhões de dólares ao Fundo Monetário Internacional, já mencionado neste blog.
Infelizmente, esses gestos não mais refletiam a situação existente no segundo mandato do Presidente Lula. Sem o mesmo pulso do Ministro Palocci, o novo titular da Fazenda, Guido Mantega, não teve condições de resistir às pressões do grupo dito desenvolvimentista da poderosa Ministra-Chefe da Casa Civil Dilma Rousseff, e sua motoniveladora de reivindicações pouco afinadas com o dever de casa fiscal.
A retórica tende a ser o instrumento predileto das autoridades cujo desempenho macroeconômico deixa a desejar. A situação anterior do Brasil (entre 2003 e 2007) dispensava o Ministro Henrique Meirelles, em suas explanações no exterior, de muitas palavras, eis que lhe bastavam significativos dados estatístico-financeiros, para avalizar a situação de nossa economia.
Agora, que os gestores começam a colher a semeadura heterodoxa desses últimos dados, as coisas principiam a ficar mais complicados para o Ministro Mantega. Como indicado recentemente, as capitalizações do BNDES – este artifício de questionável esperteza – pesam sempre mais na dívida bruta brasileira.
E não é que, a despeito dos aspectos negativos do incremento da dívida e da sobrecarga ao tesouro, Mantega ameace com ulterior recurso à famigerada capitalização do Banco estatal, inda que supostamente em valor menor do que as anteriores (de cem e oitenta milhões).
Tentar turbinar a economia dessa forma, com inevitáveis reflexos na inchação da dívida bruta e consequente aumento nos compromissos de pagamentos de juros (acrescidos pela elevação da taxa Selic, de que acabamos de presenciar outra) é dádiva muito dúbia para a situação geral da economia brasileira.
Espanta, outrossim, que, no apagar das luzes de uma Administração, se tomem medidas com efeitos deletérios para a administração futura, qualquer que ela seja. Creio que já é mais do que tempo de nos desvencilharmos das heterodoxias fiscais que nos colocaram em situações tão conhecidas quanto deploráveis. Que voltem a ocupar a Fazenda ministros cuja atuação dispense recursos à retórica e à polêmica
.

( Fonte: O Globo )

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Chávez, outra vez

As tentativas de manipulação antidemocrática do Presidente Hugo Chávez poderiam ser interpretadas, em uma leitura psicológica das motivações de sua atuação política, como efeitos indiretos de seu (des)governo na Venezuela.
Dentro de um óbvio propósito de fechar o acesso ao grande público da informação não-alinhada com aquela oficialista, Chávez está intentando controlar a Globovisión, única rede de televisão que mantém uma atitude crítica no que respeita à sua administração.
A ação chavista tem dois escopos. O primeiro, de curto prazo, visa a retirar da oposição qualquer veículo de comunicação de massa que possa prejudicá-lo nas próximas eleições legislativas de 26 de setembro. Já o segundo, complementaria na prática o controle governamental dos principais órgãos de comunicação, reduzindo ainda mais o acesso da oposição à informação pública.
A Globovisión de Guillermo Zuloaga – foragido por causa do acosso exercido pelo esquema chavista – é o diabo da vez. Como o foi no passado a RCTV. O turbulento relacionamento com a oposição é a face habitual do regime do coronel Chávez.
Se as suas estripulias desmoralizam a OEA e sua Carta Democrática, todos aqueles que ousarem contestar-lhe – ou, pior ainda, expor-lhe o comportamento em matéria de direitos humanos – deverão sofrer as consequências. Exemplo disso são os dois representantes da Human Rights Watch, cuja intenção de divulgar in loco o retrospecto chavista de direitos humanos lhes valeu sumária expulsão do território venezuelano, expedidos manu militari no primeiro voo para fora do país.
No entanto, como acima referido, todo esse ativismo antidemocrático, todas essas tropelias promovidas pelo coronel-presidente, correspondem a uma confissão de fraqueza do regime chavista. O seu temor diante de uma oposição demonizada equivale, na verdade, à confissão de incompetência governamental.
Na sua desenfreada prestidigitação (manipulação de factóides – DNA de Bolívar,de bichos papões internos (Globovisión et al.) e externos (Colômbia, o Império do Mal, etc.) – perseguição e intimidação da oposição (através dos canais judiciário e policial) – todo esse ativismo, midiático ou não, visa a obscurecer ou entorpecer qualquer visão crítica de um desgoverno calamitoso para a pátria venezuelana.
Aos ditadores e candidatos a esse exclusivo politburo – e especialmente àqueles com sólida incompetência administrativa – inquieta sobremaneira a eventual conscientização popular de sua incapacidade governamental.
Todos os males que ora infernizam a vida da população – inflação, desabastecimento, apagões, etc. – são a outra face da medalha das prioridades chavistas. Com efeito, as vacas gordas dos petrodólares – na virtual monocultura petrolífera venezuelana – foram imoladas nos altares do prestígio personalista do projetado líder da América bolivariana. Assim, através de fornecimentos de petróleo subsidiado a Cuba, Nicarágua, Equador, Bolívia et al., de ajudas eleitoreiras a regimes amigos, e um vastíssimo etc., ao povo venezuelano não foram destinados, entre outros, os investimentos em usinas energéticas, cuja falta se faria sentir nos racionamentos que ora lhe atazanam – e que não mais podem ser imputados à desídia de administrações anteriores.
Como todos os mágicos, o coronel Chávez logrará enganar boa parte da gente por algum tempo. Sem embargo, diante da própria colossal ineficiência, os truques têm necessariamente a vida curta. Daí o nervosismo do caudilho.

( Fonte: O Globo )

terça-feira, 20 de julho de 2010

Respeito devido aos dissidentes cubanos

O entendimento entre a Igreja e o Governo Zapatero de um lado, e o regime castrista de outro, sobre a libertação de dissidentes cubanos, tem evoluído de forma previsível. A decisão do governo de Raul Castro de conceder a liberdade a determinado número de prisioneiros políticos, a quem foi permitido viajar para o exterior, não significa decerto conversão tardia aos princípios democráticos de liberdade de pensamento e opinião por parte de Havana.
Como já se verificou no passado, Fidel Castro e agora seu irmão Raul podem contemplar concessões tópicas, para atender a necessidades econômicas. A flexibilidade cubana indica sem dúvida fragilidade do regime, causada pelo embargo comercial da União Europeia.
Através da negociação com a diplomacia espanhola, Raul Castro visa contornar as dificuldades comerciais colocadas pela Posição Comum, mecanismo que condiciona o relacionamento da U.E. ao cumprimento dos direitos humanos em Cuba.
Por outro lado, o súbito reaparecimento político de Fidel Castro, conforme manifestado em duas oportunidades, tem o escopo óbvio de desviar as atenções da operação dissidentes. Sem o dizer, sinaliza-se tanto a coordenação no topo da hierarquia, quanto a coerência doutrinária na manutenção dos princípios revolucionários.
Também não hão de espantar as imperfeições em status e tratamento concedido aos dissidentes cubanos pelo governo de José Luis Rodriguez Zapatero. Os prisioneiros de consciência do regime castrista, ora liberados, pagaram muito caro tal generosidade dos irmãos Castro para merecerem o gênero de atenções que lhes dispensam os funcionários espanhóis.
Ao invés de refugiados, a Espanha os considera como imigrantes comuns, a que deseja enfurnar em localidades interioranas e não em Madri.
Só mesmo muita ingenuidade – para caracterizar de forma branda a causa determinante – para que o governo Zapatero pudesse imaginar desvencilhar-se de tal maneira desses reféns da democracia. Aos dissidentes não agradará – e com sobeja razão – que a sua libertação token [1] seja instrumentalizada para ensejar a revogação pela União Europeia do embargo simbolizado pela Posição Comum.
Estão corretos os socialistas espanhois, atualmente no governo, ao definirem como oportunista a crítica do Partido Popular (PP), que apoia os dissidentes em suas queixas quanto à maneira de seu recebimento na Espanha. Não obstante, e independente da motivação, o apoio é bem-vindo aos cubanos. Ao pecarem pela insensibilidade, os funcionários espanhóis merecem tais censuras.
As eventuais imperfeições no tratamento pós-libertação dos dissidentes não devem, no entanto, obscurecer a qualidade essencial na participação espanhola. Nisto ela se diferencia da atitude de outros governantes, de nós bem conhecidos, que julgaram apropriado comparar os prisioneiros das masmorras dos Castro a delinquentes comuns.
Pois a eles será sempre oportuno lembrar que, antes de tudo, merecem respeito.

( Fonte: Folha de S. Paulo )

[1] token significa no caso medida isolada e insuficiente, destinada a mascarar uma realidade.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

O que dizer da campanha eleitoral ?

Talvez quem melhor definiu a atual situação da campanha eleitoral tenha sido a candidata do Partido Verde, a Senadora Marina Silva: “Não vamos entrar nesse festival de baixaria em hipótese alguma. (...) Querem fazer um plebiscito entre quem faz mais baixaria. Não acho que seja bom para a democracia esse tipo de acusação e de desqualificação.”
O que motivou as apreciações de Marina Silva foi a entrevista de Indio da Costa, candidato a vice-presidente na chapa de José Serra, ao site Mobiliza PSDB, em que acusou o PT de estar ligado às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e ao narcotráfico. Em resposta à crítica de Dilma Rousseff de que seria um candidato improvisado, que tería caído do céu, Índio chamou a candidata do PT à presidência de “atéia e esfinge de pau oco”.
Diante desses ataques, José Eduardo Dutra, presidente do PT e coordenador da campanha de Dilma, disse que decidirá hoje, com os advogados, se processará Índio da Costa. E afirmou: “São declarações de um desqualificado. A que ponto chega a política.Quando se coloca uma pessoa sem capacidade para concorrer, ela se deslumbra e fala bobagens.”
À própria campanha de José Serra e à direção do PSDB, não terão agradado as assertivas do novel candidato a vice. Em meio, no entanto, àqueles que, de uma forma ou outra, se dissociam da posição de Índio da Costa, o deputado colhe apoio junto a seu partido, o DEM, e o respectivo líder na Câmara, Paulo Bornhausen.
Sem embargo, quando a candidata do Partido Verde se refere a festival de baixaria, o seu juízo não se limita decerto à entrevista intempestiva do deputado Índio da Costa.
Se não se fala mais em aloprados, a palavra ‘dossier’ continua muito presente no vocabulário do PT e assemelhados, como demonstram reuniões em restaurantes de Brasília e a tentativa de comprometer, por essa nebulosa via, através de supostas atividades de sua filha, o candidato do PSDB à Presidência da República.
Expostas às luzes da imprensa e do Congresso, se evaporaram as intenções de manchar o campo adversário, entre desmentidos ressonantes e sumários afastamentos de figurantes.
Seria de desejar que o povo brasileiro pudesse presenciar campanha eleitoral digna deste nome. Sem baixarias, nem desrespeitos à lei por quem quer que seja.
Que tal um debate de ideias e propostas entre os três candidatos, em que se possa avaliar as opiniões e os programas de cada um, sob o crivo do contraditório e da livre exposição das respectivas bagagens, diante do grande público, sem biombos, padrinhos e intermediações de qualquer gênero ?

( Fonte: O Globo )

domingo, 18 de julho de 2010

Colcha de Retalhos L

O vazamento do poço da BP

Já no quarto dia de êxito no fechamento do poço da B.P., cresce o otimismo de que afinal tenha sido detido o avanço da poluição no Golfo do México. O pior desastre ecológico – muito superior em devastação ambiental ao do petroleiro Exxon Valdez, no estreito de Prince William, no Alaska, em 1989 – parece entrar em sua segunda fase, em que se logrou pôr termo ao vazamento, e se passa ao trabalho de tentar reduzir ao máximo o derrame.
O próprio Presidente Barack Obama foi bastante cauteloso na sua breve alocução do jardim da Casa Branca. Obama, embora tenha dito que o fechamento do poço era uma boa notícia, enfatizou a necessidade de cautela na avaliação,para que se evitasse chegar a conclusões apressadas. Muito resta por fazer. Indicou que pretende retornar a região atingida nas próximas semanas e sublinhou, uma vez mais, que a British Petroleum vai pagar pelo prejuízo que causou.
Nunca as ‘economias’ adotadas pela BP em matéria de procedimentos de segurança se mostraram mais tolas e estúpidas. Diante de estragos tão extensos e diversificados – o que lhes torna por ora o custo total difícil de mensurar - , pesam sobre a companhia inglesa onerosos compromissos.
As milionárias despesas que vão recair sobre a B.P. colocam diversas interrogações não só sobre a extensão das obrigações devidas. O desastre do Golfo do México representa, de resto, sinalização relevante para a Petrobrás e os seus poços existentes na plataforma continental e na área pioneira – e de maior desafio tecnológico – do pré-sal.
A ênfase aponta de forma inequívoca para a atenção extra a ser dirigida para cuidados e precauções indispensáveis. Aumentam decerto os custos e as responsabilidades atinentes. Como a leviandade da B.P. sobejamente evidencia, não há atalhos nem ‘meias-solas’ na explotação do petróleo em grandes profundidades.

A luta pela supremacia no Irã

Para o ‘companheiro’ Ahmadinejad, estaria controlada a contestação colocada pela oposição islâmica de Mir Moussavi e de Mehdi Kerroubi, ao ensejo da mega-fraude eleitoral de 12 de junho de 2009. Agora, o Presidente Mahmoud Ahmadinejad, e seus aliados, os Guardas Revolucionários Islâmicos, encaram a fase seguinte, para a tentativa de consolidação do respectivo poder.
O alvo ,neste momento, se desloca para os conservadores tradicionais. Nesse sentido, o diretor de um jornal fundamentalista, afinado com o regime dos ayatollahs, Morteza Nabavi, vem a público para denunciar o intento: “Como eles acham agora que expulsaram os reformistas, talvez pensem que seja tempo de remover os seus oponentes fundamentalistas”.
Ahmadinejad tem inquietado os seus rivais conservadores, ao referir-se à divisão de opinião entre aqueles e o seu grupo. No seu entender, ‘o regime só tem um partido’. Ao fazer tal assertiva, o Presidente provocou reação acalorada entre os conservadores, cujos núcleos principais de apoio se encontram entre os clérigos e o Parlamento.
Segundo análise de quem prefere, por óbvias razões, manter o anonimato, existiria com Ahmadinejad uma espécie de macartismo. De acordo com tal interpretação, todos aqueles que não estão com o presidente, são acusados de serem contra-revolucionários ou anti-islâmicos.
Esta alegada cisão no campo revolucionário corresponderia a um embate de gerações, com o grupo mais jovem, liderado por Ahmadinejad e os seus aliados da Guarda Revolucionária (o exército iraniano), de um lado, e do outro, a geração anterior, ligada ao Imã Khomeini.
Os conservadores – que contam com o presidente do Parlamento, Ali Larijani – têm contestado a orientação e a competência de Ahmadinejad. Chega-se mesmo a insinuar corrupção, no intento de convencer ao Líder Supremo, Ayatollah Ali Khamenei a desvencilhar-se do presidente. Há pouco venceram uma batalha, ao denegarem ao governo o controle financeiro da maior instituição acadêmica, a Universidade Azad, de que é fundador Ali Akbar Rafsanjani, um antigo presidente, e que inclusive manifestou simpatias pelo grupo reformista do ex-presidente Kathami e de Mir Mousavi.
Por ora, afigura-se demasiado cedo para formular prognósticos sobre eventuais vencedores nessas lutas intestinas.

( Fonte: International Herald Tribune )

sábado, 17 de julho de 2010

O Aprendiz de Ditador

Há alguns meses Hugo Chávez não é mencionado por este blog. Por tal omissão o caudilho venezuelano não tem ‘responsabilidade’ direta. O leitor há de convir, no entanto, que a capacidade do coronel-presidente em produzir factóides está bem acima da média dos políticos sul-americanos.
Nas últimas semanas, na sua busca desesperada de temas diversionistas para a realidade da Venezuela – a inflação de 31%, a mais alta da América Latina, os cortes de energia, as prateleiras vazias nos supermercados, os enlatados podres, ‘produzidos’pela PDVAL, a empresa estatal encarregada da importação de alimentos – o presidente Chávez literalmente desenterrou o seu ídolo Simon Bolívar.
O propósito ? Através de uma autópsia do herói venezuelano transformar a sua morte em assassínio político, e não mais em decorrência de causas naturais, seja da tuberculose (determinada pela autópsia do médico francês do Libertador), seja de infecção pulmonar disseminada, provocada pelo arsênio (empregado na época com fins medicamentais).
Chávez, se conseguir ‘provar’ a morte dolosa de seu ídolo, teria elementos para dizer que os assassinos de Bolívar – a oligarquia nacional e seus aliados, os Estados Unidos e a Colômbia de Santander – são na verdade mutatis mutandis também os mesmos adversários com que o presidente bolivariano hoje se defronta.
O histrionismo chavista, mesmo em padrões latino-americanos, não parece conhecer limites. A foto ora distribuída para geral consumo da mídia, com o caixão do Libertador, enorme pavilhão venezuelano, e os supostos expertos médicos-legistas, paramentados com trajes de astronautas, seria ridícula, quase ofensiva, se não nos lembrasse de Samuel Johnson[1] e de seu dito tão repetido de que “o patriotismo é o último refúgio do patife”.
É mais do que discutível que toda essa movimentação, manipulada com maestria por Chávez – se a análise respectiva se limitar aos escopos imediatos do caudilho, que são o de chamar a atenção, a qualquer custo – terá alguma sequência objetiva.
De toda maneira, Hugo Chávez Frias se esforça em trazer para a ribalta outras questões que não o seu desgoverno, a crise recorrente nas relações com a Colômbia – e os inevitáveis prejuízos na queda do intercâmbio com Bogotá. Tudo isso para desviar as atenções das perseguições a opositores, acosso à imprensa e outros meios de comunicação.
A causa do hiper-ativismo – até em padrões do coronel presidente – está nas próximas eleições parlamentares de 26 de setembro. A atual Câmara Legislativa, por culpa então da própria oposição, tem sido dócil instrumento do Executivo chavista. Se as coisas mudarem, e a assembléia deixar de ser um gigantesco carimbo dos desígnios de Chávez, uma janela de potencial contestação poderá abrir-se na república bolivariana.
Para quem já domina os três poderes estatais, não será uma batalha desimportante. Não há de ser o embate final, mas pode indicar o fortalecimento de uma tendência pró-democrática.

( Fonte: O Globo )
[1] Lexicógrafo inglês (1709-1784)

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Negócios da China ?

Não mais se contesta da República Popular da China a respectiva pujança econômico-financeira, assinalada não só por seu grande e acumulado superavit da balança comercial, como pela consequente posição de grande credora do déficit da superpotência, mas também por sua atual colocação como terceira – às vésperas de se tornar a segunda – grande potência econômica mundial.
A decenal estagnação da economia japonesa facilitará decerto a sua ultrapassagem pelo gigante chinês, cuja presença geopolítica não cessa de avultar-se, como este blog tem indicado em mais de uma oportunidade.
Existem, no entanto, no cenário do antigo Império do Meio fenômenos que vez por outra motivam artigos na imprensa internacional, com visões não tão róseas da progressão chinesa, e das potenciais dúvidas suscitadas por análise mais detida e abrangente da realidade desse país que se prefigura como o principal desafiante da superpotência no século XXI.
Ocupara-me em sete de março de 2010 do mercado imobiliário chinês e dos indícios de desenfreada especulação, configurando o que tem sido descrito, em fenômenos financeiros análogos, como a formação de uma bolha. A esse propósito, bastaria citar as cotações de apartamento duplex na China, orçados em US$ 45 milhões (ou trezentos milhões de renminbi), assim como o preço de US$ 25 mil por metro quadrado em Shangai, superior ao de Manhattan, cotado em US$ 20 mil.
Objeto de estudos críticos – inclusive do Congresso americano – a cotação cambial do renminbi tem sido mantida pelas autoridades cambiais chinesas artificialmente baixa, com vistas a baratear as exportações chinesas e a encarecer as importações. Como o câmbio chinês não flutua livremente, tal depreciação do renminbi constitui fator relevante no acúmulo pela RPC de consideráveis saldos comerciais. O Governo Obama tem demonstrado muita moderação no que tange a esta manipulação cambial, no que não é imitado por inúmeros congressistas estadunidenses, exasperados pela perda de empregos nos EUA ,devida a consideráveis vantagens de preço dos produtos chineses.
Outro aspecto do panorama financeiro chinês diz respeito a um estranho comportamento de bancos chineses, os quais vem mascarando seus empréstimos como se fossem investimentos.
Nesse sentido, de acordo com agência especializada, bancos chineses estariam engajados em complexas transações que dissimulam o tamanho e a natureza de seus financiamentos, ocultando centenas de bilhões de dólares em empréstimos e possivelmente até encobrindo uma onda de empréstimos não-performantes (bad loans) em propriedades imobiliárias e infraestrutura.
Em tal contexto, existiria por parte dos responsáveis chineses uma consistente subdeclaração desses fundos – que montaria a 28% ou US$ 190 bilhões de tais fundos – o que corresponde a um desvio dos livros contábeis e, portanto, a generalizada subdeclaração do crescimento do crédito e de sua eventual exposição à inadimplência.
Não constitui segredo que as autoridades chinesas, por ocasião da crise financeira internacional, fizeram um grande esforço de estimular a atividade econômica nacional, de modo a que ela não sofresse demasiado com os problemas da economia mundial.
Se a economia chinesa continua aparentemente robusta, inquieta os especialistas a circunstância de que a recuperação foi ativada por empréstimos bancários e por uma elevação desmedida dos valores imobiliários. Tendo sido grande a ênfase dada em 2009 pelos bancos estatais a essa forma agressiva de estímulo, aparece o temor de que os bancos incorram em riscos desmedidos de excessos na construção de imóveis e na taxa de inadimplência creditícia.
Conquanto os maiores bancos chineses- v.g., o Banco da China e o Banco Chinês da Construção - estejam em situação que pode ser definida como boa, muitos outros bancos poderiam enfrentar riscos maiores se os devedores deixassem de pagar as prestações dos respectivos empréstimos.
Como há inúmeros exemplos em passado recente e não tão recente, a euforia financeira e o decorrente impulso à formação de ‘bolhas’ ou especulações desenfreadas, costuma basear-se no juízo (ou falta de) que aquela determinada situação é diferente das anteriores. Não obstante a força desta convicção, tais situações tendem a conduzir ao logro e à ruína de muitos. Pode ser que no caso em tela seja realmente diferente, embora, de toda maneira e à vista dos precedentes, uma certa prudência seria sempre recomendável.

( Fonte: International Herald Tribune )

quinta-feira, 15 de julho de 2010

O Brasil e a Dívida

No feriadão virtual da Copa do Mundo, a imprensa também tratou da dívida dos países emergentes. Como o tema então recebeu a atenção redimensionada pelo evento maior, acredito que seja oportuno analisá-lo de forma mais detida. Afinal, o Brasil já começou endividado quando entrou, na terceira década do século XIX, no concerto das nações, graças à mediação inglesa junto a D. João VI e a Corte portuguesa. Não terá sido a assunção de dívida em libras esterlinas algo que se possa considerar como justo, sobretudo se computarmos as involuntárias contribuições da Colônia à metrópole com o ouro das Minas Gerais.
No entanto, o que importa é a nossa caracterização como nação devedora, constituindo, por assim dizer, o preço pago pelo reconhecimento da independência. Se não é um estigma, representa decerto atributo com que soberanos e presidentes, constitucionais ou não, tiveram de aprender a lidar através dos tempos.
Por isso, quando o governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva calçou os borzeguins do orgulho e proclamou o adeus da Nação brasileira à dívida externa, houve alguma perplexidade. Seria como se nos fosse difícil coexistir com a realidade de não mais dependermos do Fundo Monetário Internacional e de, inclusive, chegarmos ao floreio de emprestar dólares ao FMI.
Para aqueles que viveram os tempos das missões do Fundo, dos documentos assinados pelas autoridades financeiras brasileiras comprometendo-se a isso e aquilo, com vistas ao recebimento do empréstimo do FMI – que mais interessava pela sinalização favorável aos demais bancos financiadores do que pelo respectivo montante – a atitude do Governo Lula pode ser entendida de forma mais profunda.
Significaria a marcação solene de um rito de passagem. De devedores contumazes, tendo que assinar compromissos para obter o distintivo de ‘bom comportamento’ do Fundo – compromissos esses que, segundo um Ministro da Fazenda daqueles tempos, o governo não tinha a menor intenção de atender - o Brasil se descobria guindado à posição de credor do F.M.I., contribuindo para tanto com dez bilhões de dólares.
Sem embargo, de uns meses para cá, a posição do Brasil não tem luzido com o brilho anterior que o fizera um dos países emergentes preferidos nas aplicações de capital dos principais inversores internacionais. Colaboram para tanto (i.) a tendência para superavits menores na balança comercial, de que me tenho ocupado em blogs anteriores, e que se deve à apreciação do real, com o incremento nas importações e o inferior desempenho nas exportações; (ii.) a consequente ampliação do déficit no balanço de transações correntes, dada a impossibilidade de compensar os compromissos financeiros.
Se ao invés de saldos, acumulamos déficits, a nossa posição tende a sofrer, pela necessidade de endividar-se em condições creditícias menos favoráveis.
Por outro lado, a dívida bruta brasileira – que no primeiro mandato de Lula despencara de 67,3% do PIB (em 2002) para 56,4% (em 2006) – a partir do segundo mandato, em reflexo ao abandono da ortodoxia financeira de Palocci por uma gestão mais frouxa e menos responsável, passaria de 58%, em 2007, para 62,8%, em 2009.
Para o continuado e preocupante aumento da dívida bruta em relação ao PIB – exibimos agora o dúbio galardão de sermos o terceiro país dentre os emergente em montante da dívida bruta (67,2% em 2010) – muito têm contribuído as chamadas capitalizações do BNDES. Para compensar o baixo aporte orçamentário destinado aos investimentos produtivos – dado o crescente peso dos gastos correntes e com o funcionalismo do governo – a Administração Lula se tem servido das chamadas captações para aumentar a capacidade de crédito do BNDES. Nesse sentido, de 2008 para cá, os empréstimos do governo àquele banco estatal passaram de 0,5% para mais de 6 % do PIB. Com a elevação da taxa de juros pelo Copom, a taxa Selic do Banco Central se alçou, o que se reflete na sobrecarga do pagamento de juros pelo Tesouro Nacional.
Em termos de dívida bruta, estamos abaixo apenas da India (79%) e da Hungria (78,9%). No que tange a China, com uma dívida de 20% e a Rússia, 8,1%, a diferença é bastante alentada. A menor dívida bruta é a da economia chilena, com apenas 4,4%.
Dado o nosso histórico de endividamento e as consequências dessa irresponsabilidade, se me afigura oportuno concluir com as seguintes considerações do Prêmio Nobel Paul Krugman:
Qual é a mensagem do livro Esta Vez é Diferente [1]? Em resumo, é que muita dívida é sempre perigoso. É perigoso quando um governo toma demasiadamente emprestado de estrangeiros – mas é igualmente perigoso quando toma muito emprestado de seus cidadãos. É também perigoso quando o setor privado se endivida pesadamente, seja de estrangeiros, seja de si próprio – visto que bancos são basicamente instituições que tomam emprestado de seus depositantes, em seguida o dão como empréstimos para outros, e as crises bancárias estão entre os choques mais devastadores que uma economia pode enfrentar.”

( Fontes: The New York Review, nr. 08/2010 e O Globo )


[1] Esta Vez é Diferente: Oito Séculos de Loucura Financeira, de Carmen M.Reinhart e Kenneth S. Rogoff, Princeton University Press.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

O Governo Lula e a Copa do Mundo de 2014

Em termos de promessas, os governantes no Brasil estão acima da média. Sabem preparar as propostas e apresentações respectivas, como são expertos em arregimentar apoios e angariar simpatias. Nesse aspecto, tem de se tirar o chapéu para o Presidente Lula não só pelo empenho em criar a atmosfera indispensável para atrair e motivar os votos necessários, senão pelo carisma e convicção manifestados na hora da decisão, para contra-arrestar resistências eventuais e empolgar os eternos indecisos do derradeiro instante.
Generosos no comprometimento, e não negligenciando os esforços imprescindíveis para a fase determinante na conquista do objetivo, uma vez vencida a concorrência, e apagadas as luzes e cessadas as externalizações de júbilo nacionalista, caem as obrigações solenemente assumidas no nebuloso limbo de tantas outras promessas.
Passada a excitação da conquista, inda que virtual e provisória, presume-se que acometa ao governante a conscientização de que o evento jaz em um futuro algo distante, e ainda mais, que se acha muito além do respectivo mandato. Com efeito, o magno certame estará sob a responsabilidade de outro governante.
Dessarte, na cabeça desses senhores, não é que estejam sendo temerários, ao firmarem promessas que em seguida esquecem. Dirão, com a ênfase costumeira, que o compromisso foi honrado, na medida em que a perspectiva do prêmio foi assegurada. Quanto ao mais – o que inclui detalhes como cronograma de obras, etc. – isto caberá aos sucessores. A lógica pode parecer capenga, mas se nos ativermos às conveniências e aos interesses do governante, a explicação será tristemente convincente.
Essa irresponsabilidade nacional, tão hábil nos recursos suasórios, tão deficiente na fase material de atendimento, pode atingir excessos incríveis, como no episódio dos Jogos Pan-Americanos, em que uma exacerbada tendência ao descumprimento dos prazos criou situações emergenciais que só a custo foram mais ou menos superadas.
Passados três anos de inação em matéria das obras para o Mundial – estádios, aeroportos, estradas, metrô, etc. – Lula escolhe a negação agressiva como a ‘solução’ para os problemas apontados pela Fifa. Nesse aspecto, a sua frase, embora inconsequente, atende a seu escopo precípuo, que é o de desvencilhar-se – enquanto durar o tempo da atenção que provocar – de qualquer responsabilidade. Nesse sentido, ela é irretocável: “Vocês viram que terminou a Copa do Mundo na África do Sul, e já começam aqueles a dizer: ‘Cadê os aeroportos brasileiros ? Cadê os estádios brasileiros ? (...) Como se nós fôssemos um bando de idiotas que não soubéssemos fazer as coisas e nem definir as nossas prioridades.”
Desculpe-me, senhor Presidente, mas não será no grito que nós brasileiros cumpriremos com o que livremente assumimos. Todos sabemos que os aeroportos nacionais são desatualizados, desconfortáveis, espécimes terceiro-mundistas que nos envergonham. Enquanto perdurar a Infraero, esse rico cabideiro de empregos, gritaria irrelevante à parte, a situação permanecerá a mesma.
Quando é que o Brasil resolverá jogar fora o ‘jeitinho’e virar um país sério ?

( Fonte: O Globo )

terça-feira, 13 de julho de 2010

O Desaparecimento dos Grandes Jornais

Continua o processo, em aparência inexorável, do desaparecimento dos principais jornais no Rio de Janeiro. Embora este fenômeno não se limite às principais cidades brasileiras, eis que se verifica em toda a parte, acredito oportuno, para fins do presente artigo, singularizar a análise aos órgãos de imprensa diária da mui leal e heróica cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.
Muito se tem discorrido sobre a influência determinante da internet e da mudança de paradigma de informação, introduzido pela digitalização e a utilização dos meios cibernéticos para a difusão do conhecimento.
Com efeito, nada comparável à invenção da imprensa por Johannes Gutenberg, em meados do século XV, em termos de paradigma de conhecimento, do que a digitalização e a difusão da internet. A crescente utilização desse novo meio tem representado um sério desafio tanto para a editoria, quanto para os grandes diários.
Hoje se anuncia o iminente fechamento, no seu formato impresso, do ‘Jornal do Brasil’. Dessarte, o JB deixará de circular através das bancas de jornal e se limitará à versão da internet.
Com 119 anos de existência, o JB, após uma revolução na sua apresentação gráfica, com a Condessa Pereira Carneiro, ganhou grande relevo durante o governo Juscelino Kubitschek e na década subsequente. Por força de questões políticas – problemas com a censura da ditadura militar - e sobretudo de gestão financeira, o Jornal do Brasil entrou em lenta decadência.
Releva assinalar o número de jornais diários existentes no Rio de Janeiro em meados do século XX. Esse formato correspondia a uma situação anterior à concorrência da televisão que, introduzida no Brasil por Assis Chateaubriand no começo dos anos cinquenta, só se firmaria como veículo informativo a partir de meados da década de sessenta.
Nos anos cinquenta, o principal jornal carioca era o matutino ‘Correio da Manhã’, de Paulo Bittencourt. Dentre os grandes jornais, havia o ‘Diário de Notícias’, ‘O Jornal’ (dos Diários Associados), o ‘Diário Carioca’ e os vespertinos ‘A Noite’ e ‘O Globo’, de Roberto Marinho. Foi lançada por Samuel Wainer a ‘Ultima Hora’, com apoio de Vargas, e que representou uma revolução gráfica importante, além da sua plêiade de colaboradores. Surgira igualmente a ‘Tribuna da Imprensa’, jornal do polemista e político Carlos Lacerda, que se marcaria pela oposição radical de direita, com tendências golpistas, máxime nos ataques a Vargas, em seu último mandato, e contra JK.
A par desses, ainda existiam outros jornais, dirigidos a público de menor renda, com ‘O Dia’ e ‘Luta Democrática’.
Atualmente todos os grandes jornais, com exceção de O Globo, desapareceram de cena, tangidos pelas mudanças no âmbito da informação, antecedentes mesmo da revolução cibernética.
Com a saída do JB, restam nas bancas notadamente ‘O Globo’ e sua versão mais popular, o diário ‘Extra’. ‘O Dia’ atravessa um período de reformulação. Há outros tablóides, tornados acessíveis a público de menor renda.
Como se verifica, passada a época do florescimento de múltiplos jornais e de maior representação de matizes de opinião, entramos na era dos chamados jornalões, O Globo, no Rio de Janeiro, e a Folha de S. Paulo, e o Estado de São Paulo, na Paulicéia.
Dada a grande mutabilidade da representação dos jornais nas duas capitais – o que tampouco discrepa de outros centros importantes, como Porto Alegre e Belo Horizonte – não é aconselhável a formulação de prognósticos sobre as perspectivas do atual formato da informação impressa.

( Fonte: O Globo )

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Em torno da Copa do Mundo

A Copa do Mundo de 2010 foi um certamen de muitos contrastes. A equipe que privilegiou a técnica e o ataque colheu merecidamente o campeonato. Desde muito, a Fúria espanhola era vista como uma bela promessa que não lograva corresponder aos prognósticos. Não mais. Na semifinal contra a Alemanha e na final contra a Holanda, a Espanha foi premiada porque, ao invés de fechar-se na defesa, ousou atacar. Não se acovardou, como a Alemanha de Schweinsteiger, nem apelou para a sistemática violência, como a Holanda de Sneijder e Robben.
Antes do gol decisivo de Iniesta,marcado nos últimos minutos da prorrogação, tanto a Espanha, quanto a Holanda tiveram algumas grandes chances de gol. O artilheiro Villa perdeu oportunidade incrível, e Robben, outra. Houve, no entanto, uma diferença. Villa desperdiçou sozinho o gol; Robben não logrou vencer o goleiro Casillas, que desviou a bola com o pé em defesa memorável. Se no momento existe um melhor goleiro do mundo, a distinção pertence a Casillas.
Outra característica da Copa da África do Sul esteve presente igualmente na final. Este torneio se marcou por péssimas arbitragens, que em determinadas partidas tiveram influência direta no respectivo resultado.
Impedimentos clamorosos não foram marcados, e até gols – como o que seria o do empate de 2x2 da Inglaterra contra a Alemanha – não foram validados. Por isso, foi merecida a vaia dada pelo público quando o árbitro inglês Howard Webb cumprimentava as autoridades, uma vez concluída a final da Copa.
Diante do desafio de apitar o jogo decisivo, Webb mostrou-se confuso e sobretudo não logrou afirmar-se perante os jogadores. Tentou em vão coibir a violência com profusa distribuição de cartões amarelos (oito para a Holanda e cinco para a Espanha), e um cartão vermelho, já na prorrogação, para Heitinga, da Holanda.
Três equipes europeias estiveram entre as quatro melhores. A América do Sul compareceu com o Uruguai, cujo desempenho se marcou mais pela garra do que pela técnica. Conseguiu superar Ghana nas quartas de final mais pela incrível falha do jogador Gyan Asamoah – que desperdiçou um pênalti no último minuto da prorrogação – do que por qualidades especiais do conjunto. O uruguaio Forlan foi distinguido pela crítica como o principal jogador da Copa.
Argentina e Brasil foram mais temidos pela fama e tradição de excelência do próprio futebol, do que pela atuação neste mundial. Messi foi o grande craque que não marcou nenhum gol. Por sua vez, a nossa seleção foi apenas uma sombra dos grandes times do passado. Seguiu à risca as instruções do técnico Dunga e, por isso, nenhum craque nela se exibiu.
Com menos oba-oba, mais seriedade e, sobretudo, com um plantel que reflita a riqueza do futebol brasileiro, preparemo-nos para a Copa de 2014. Talvez então façamos por merecer o hexa que perseguimos desde 2006.

( Fonte: O Globo )

domingo, 11 de julho de 2010

VEJA e o Anteprojeto Aldo Rebelo

É de provocar espécie o chorrilho de apoios na imprensa ao anteprojeto do Deputado Aldo Rebelo, estigmatizado pelos ambientalistas pelo seu embasamento pseudocientífico e pela sua defesa das teses ruralistas.
Com efeito, reportei-me no blog de nove de julho ao editorial de O Globo, que se intitula especiosamente “A busca pelo equilíbrio no Código Florestal”. Associando-se a esse inopinado canto de sereias, a revista Veja desta semana nos vem com estranha matéria, recheada de elogios para o novel porta-voz da frente ruralista.
A reportagem de duas páginas, denominada ‘Um Comunista de bom-senso’, firmada por Gabriela Carelli, vem até com avantajada foto do relator do anteprojeto, que nos mimoseia com a citação de Sua Excia.: ‘nos últimos quarenta anos, uma série de decretos, portarias e resoluções transformou o Código Florestal em uma aberração jurídica’.
Profusa em elogios para o deputado do PCdoB – que é candidato à reeleição – vejamos os mimos alinhados pelo aludido artigo: ‘Conhecido por excentricidades como a tentativa de proibir o uso de palavras estrangeiras em repartições públicas, Rebelo revelou neste episódio que, quando se trata de defender os interesses reais do Brasil, ele não tem nada de esquisito.’ (são meus os grifos do blog)
Mais adiante, somos informados pelo deputado que ‘é raro que um proprietário cumpra o código atual sem arcar com prejuízos, o que representa um risco para o agronegócio e para a economia brasileira.’ Seguem-se cálculos fornecidos pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) acerca dos efeitos deletérios de uma obediência à risca do atual código, complementados pela abalizada sentença da senadora Kátia Abreu (DEM-TO), que vem a ser a presidente da citada CNA.
No seu afã de convencer-nos dos alegados méritos do trabalho do deputado Rebelo, a matéria de Veja não teme afrontar ‘um dos pontos mais espinhosos (sic) da legislação (que) diz respeito à reserva legal, os percentuais de mata nativa que o dono do imóvel rural é obrigado pela lei a preservar.’
Em seguida, observa en passant que ‘em 1998, uma medida provisória elevou esses percentuais, fixando-os em 80% na Amazônia, 35% no cerrado e 20% no restante do país’.
Já no final desse peculiar arrazoado, Veja nos regala com as seguintes considerações: ‘O relatório da reforma tenta conservar outras incoerências (sic) da legislação vigente, como as regras para as áreas de preservação permanente (APPs), que incluem as várzeas, encostas e topos de morro. Essas áreas não podem ser desmatadas por nenhuma razão. Ocorre que elas abrigam muitos cultivos tradicionais, como a banana no Vale do Ribeira e o arroz no Rio Grande do Sul.’
E, em conclusão de tais observações, eis o fecho comovente: ‘ Quem sabe virá do deputado Rebelo a solução que concilia a preservação ambiental com a viabilidade do agronegócio.’
*

Esta matéria da revista Veja, datada de catorze de julho corrente, e que já se acha nas bancas, pode ser considerada um exemplo de como não deve ser elaborada uma reportagem digna desse nome.
O leitor merece respeito. O semanário tem decerto o direito de defender as teses e as posições que melhor lhe parecerem, mas ao alinhar os seus argumentos tem de levar em conta mínimos requisitos de caráter ético e informativo.
A jornalista Gabriela Carelli não faz qualquer menção das declarações contrárias ao anteprojeto Rebelo, não obstante o fato de procederem de especialistas na questão.
Tampouco se detém em informar o leitor que a candidata do PV à Presidência da República, Senadora Marina Silva, se opõe ao anteprojeto da Frente Ruralista.
É elogiosa de um relatório que está recheado de pretensas citações científicas, e que na verdade estão superadas pela moderna pesquisa. A par disso, o leitor não é inteirado da dúbia generosidade do autor do anteprojeto, ao perdoar multas em torno de onze bilhões de reais. Por isso, renomado colunista alude ao interesse eleitoreiro do deputado Aldo Rebelo, que veria assim garantida a própria reeleição pela gratidão dos ruralistas.
Uma das jóias da matéria de Veja é o de atrever-se a denominar entre as supostas incoerências da legislação vigente, as Áreas de Preservação Permanente, as chamadas APPs. O intento do anteprojeto Rebelo de encolhê-las, mais do que uma falha, é um colossal erro, cujo preço será pago pelo próprio cultivador e pelas propriedades e núcleos habitacionais à jusante da corrente.
Vá perguntar às cidades e propriedades de Santa Catarina, as de Alagoas e Pernambuco, aos moradores na grande São Paulo, que se assentaram em áreas da vazante de barragens, se não prefeririam a manutenção de matas ciliares em melhores condições para a contenção das enxurradas e inundações ?
O Código Florestal em vigor incomoda não por seus eventuais defeitos, mas sim por suas grandes qualidades. Não estará na contramão da história quem batalhar pela sua preservação. O Meio Ambiente é um tema demasiado sério para ser tratado da forma com que Veja busca apresentá-lo.
Aberração jurídica é o arremedo de código florestal que o sr. Aldo Rebelo deseja impingir-nos.